Reforma do Judiciário e o Supremo Tribunal Federal

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Nesse artigo, o autor discorre acerca da Emenda Constitucional n. 45/2004, apontando alguns temas controversos. A questão da “quarentena de entrada” mereceu especial atenção.

1. A EMENDA CONSTITUCIONAL N. 45/2004

Após 13 anos de tramitação, em 17 de novembro de 2004 foi aprovada a Emenda Constitucional (EC) n. 45/2004, promulgada em 8 de dezembro e publicada em 31 de dezembro do mesmo ano.

Nos termos do art. 10, a referida emenda constitucional entrou em vigor na data de sua publicação.

Atendendo a honroso convite, resolvemos apontar, rapidamente, alguns temas já interpretados pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF).

2. FORMAS DE INCONSTITUCIONALIDADE

Como se sabe, a inconstitucionalidade verificar-se-á em caso de afronta à Constituição. Essa afronta pode se dar por três formas: a) do ponto de vista formal; b) do ponto de vista material; c) estamos pensando em uma terceira forma, em razão dos escândalos de supostos “mensalão” e “mensalinho” para votar em um sentido ou em outro, “batizada” de vício de decoro parlamentar[1].

A inconstitucionalidade formal é também conhecida como nomodinâmica e pode aparecer em dois momentos do processo legislativo: na iniciativa ou nas fases posteriores.

A inconstitucionalidade material, por seu turno, diz respeito à “matéria”, ao conteúdo do ato normativo, também conhecida como nomoestática.

O que seria, então, a proposta de vício de decoro parlamentar?

Atualmente, noticia-se um esquema de corrupção no Congresso Nacional, denominado “mensalão”, para se votar de acordo com o Governo ou em certo sentido.

Muito vem sendo apurado pelas Comissões Parlamentares de Inquérito e pela Justiça e, uma vez provados os fatos, os culpados poderão sofrer as sanções de ordem criminal, administrativa, civil etc.

O grande questionamento que se faz, contudo, é se, comprovada a existência de compra de votos, haveria mácula no processo legislativo de formação das emendas constitucionais, apta a ensejar o reconhecimento de sua inconstitucionalidade.

Entendemos que sim e, no caso, trata-se de vício de decoro parlamentar, uma vez que, nos termos do art. 55, § 1.º, da Constituição Federal (CF):

“É incompatível com o decoro parlamentar, além dos casos definidos no regimento interno, o abuso das prerrogativas asseguradas a membro do Congresso Nacional ou a percepção de vantagens indevidas”.

Vamos aguardar a maneira como o STF vai enfrentar essa importante questão, uma vez ajuizada alguma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) com base nessa tese. Em nosso entender, sem dúvida, trata-se de inconstitucionalidade, eis que maculados a essência do voto e o conceito de representatividade popular.

3. ALGUNS PONTOS DA REFORMA DO JUDICIÁRIO PERANTE O STF

Várias foram as ações ajuizadas perante o STF questionando as novidades da Reforma do Judiciário. Abaixo, limitamo-nos a esquematizar as principais delas.

• ADIn n. 3.367 (9.12.2004) – questiona a criação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O STF, em 13 de abril de 2005, julgando a ação, considerou constitucional o CNJ, instalado em 14 de junho de 2005;

• ADIn n. 3.392 (20.1.2005) – questiona a necessidade de “comum acordo” introduzida no art. 114, § 2.º, da CF para o ajuizamento de dissídio coletivo;

• ADIn n. 3.395 (25.1.2005) – questiona a nova regra fixada no art. 114, I, da CF. Concedida liminar afastando a competência da Justiça do Trabalho para a “[…] apreciação de causas que sejam instauradas entre o Poder Público e seus servidores, a ele vinculados por típica relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo”;

• ADIn n. 3.423 (4.3.2005) – questiona a necessidade de “comum acordo” introduzida no art. 114, § 2.º, da CF para o ajuizamento de dissídio coletivo e a competência exclusiva do Ministério Público do Trabalho (MPT) em caso de greve em atividade essencial com possibilidade de lesão ao interesse público (art. 114, § 3.º, da CF);

• ADIn n. 3.431 (10.3.2005) – questiona a necessidade de “comum acordo” introduzida no art. 114, § 2.º, da CF para o ajuizamento de dissídio coletivo e a competência exclusiva do MPT em caso de greve em atividade essencial com possibilidade de lesão ao interesse público (art. 114, § 3.º, da CF);

• ADIn n. 3.432 (14.3.2005) – questiona a necessidade de “comum acordo” introduzida no art. 114, § 2.º, da CF para o ajuizamento de dissídio coletivo;

• ADIn n. 3.472 (19.4.2005) – questiona as expressões “e do Ministério Público”, “respectivamente” e “e ao Ministério Público da União”, todas contidas no art. 5.º, § 1.º, da EC n. 45/2004. O STF acolheu a pretensão em sede de liminar, suspendendo a hipótese de indicação supletiva de nomes para o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP);

• ADIn n. 3.486 (5.5.2005) – questiona o novo instituto do Incidente de Deslocamento de Competência e a federalização dos crimes contra Direitos Humanos, previstos no art. 109, V-A e § 5.º, da CF;

• ADIn n. 3.493 (11.5.2005) – tendo o mesmo objeto, foi distribuída por dependência à ADIn n. 3.486;

• ADIn n. 3.520 (10.6.2005) – tendo o mesmo objeto, foi distribuída por prevenção à ADIn n. 3.423;

• ADIn n. 3.529 (28.6.2005) – questiona a nova regra fixada no art. 114, I, da CF. O Ministro relator determinou o seu apensamento à ADIn n. 3.595.

4. O CASO PARTICULAR DA “QUARENTENA DE ENTRADA”

Finalmente, dentre tantos temas que ainda dependem de posicionamento final do STF, propomo-nos a analisar a regra do art. 93, I, da CF. Cabe indagar se o período de três anos deverá ser contado apenas após o bacharelado ou poderá ser computado durante a graduação, por exemplo, por meio de estágio.

Entendemos que se trata de norma constitucional de eficácia limitada, já que “depende” de lei infraconstitucional regulando os seus vetores.

Nesse particular, HUGO NIGRO MAZZILLI destaca que, “sem regulamentação, cremos que o requisito de prévio exercício de atividade jurídica não é auto-aplicável, de maneira que, se vier a ser exigido em editais de concurso, sem anterior regulamentação, poderá ser questionado por meio de mandado de segurança”[2].

Alertamos, apenas, que o critério escolhido para a diferenciação não tem respaldo no princípio da razoabilidade, inexistindo nexo causal.

A redação do texto permite interpretação para os dois lados, mas nos posicionamos como não razoável a exigência do requisito dos três anos.

Segundo CELSO SPITZCOVSKY, “não se conseguirá apurar a eficiência dos candidatos que acorrerem a essa carreira revelando-se, pois, como exigência desarrazoada, além de alijar do certame potenciais candidatos os quais poderiam melhor atender ao interesse da coletividade”[3].

O Plenário do STF, entretanto, “manteve o requisito de dois anos de bacharelado em Direito para que candidatos possam se inscrever em Concurso Público para o Cargo de Procurador da República. A decisão, por maioria, declarou constitucional a expressão ‘há pelo menos dois anos’, prevista no artigo 187 da Lei Orgânica do Ministério Público (LOMP) – Lei Complementar 75/93” (ADIn n. 1.040, Notícias STF de 11.11.2004).

Embora contrário ao nosso entendimento, devemos alertar que parece tender o STF para consolidar o entendimento de que a experiência de três anos seja em cargo privativo de bacharel em Direito, como se verificou no julgamento do Mandado de Segurança (MS) n. 25.489 (Notícias STF de 24.8.2005).

Como se contaria o período de atividade jurídica: a partir da inscrição no concurso ou da posse?

Fizemos análise em razão da abertura do 22.º Concurso para o Cargo de Procurador da República. Ocorreu situação bastante delicada e desprestigiadora, uma vez que alguns candidatos puderam provar o requisito no momento da posse, outros tiveram de comprovar no ato inscrição e alguns, ainda, puderam incluir o período de experiência anterior ao bacharelado, em razão de posicionamentos diversos no STF. Veja tabela abaixo:

Ministro e processo Entendimento para o 22.º PGR
Marco Aurélio – MS n. 25.499 Posse: “No despacho, o ministro Marco Aurélio afirmou que a declaração de atividade jurídica no ato da inscrição evidencia o menosprezo ao princípio da razoabilidade e ‘coloca em plano secundário a máxima do determinismo – consoante a qual nada surge sem uma causa –, que é observada desde os primeiros filósofos materialistas gregos e, portanto há mais de dois mil e quinhentos anos’. O relator acrescentou que a exigência pode afastar do concurso candidatos que poderiam, à época da posse, ter os três anos de atividade jurídica” (Notícias STF de 5.9.2005).
Cezar Peluso – MS n. 25.501 Atividade jurídica: os três anos podem ser contatos antes do bacharelado.
Carlos A. Britto – MS n. 25.504 Posse: “O prazo de três anos de atividade jurídica é exigido do bacharel em Direito para o ingresso na carreira do Ministério Público. ‘Ingresso que se dá com a posse e não com o ato de inscrição no respectivo concurso’, afirmou o Ministro. Assim, ele deferiu o pedido de liminar para determinar à Procuradoria Geral da República que não exija dos autores do MS, no ato de inscrição, a declaração de que atendem à exigência de três anos de atividade jurídica como bacharéis em Direito” (Notícias STF de 8.9.2005).
Celso de Mello – MS n. 25.511 Inscrição: “[…] o Ministro Celso de Mello entendeu não estar caracterizada a plausibilidade jurídica do pedido formulado e mencionou diversos precedentes do STF sobre a matéria. Neles, considerou-se razoável o critério objetivo adotado (comprovação de experiência jurídica) para selecionar candidatos com maturidade pessoal e profissional para exercer o cargo” (Notícias STF de 9.9.2005).
Joaquim Barbosa – MS n. 25.498 Inscrição: “[…] o Ministro Joaquim Barbosa disse não haver fundamento relevante para a concessão da liminar. Barbosa afirmou que cabe ao Conselho Superior do Ministério Público Federal definir os critérios para o ingresso na carreira, observando a Constituição Federal e a Lei Complementar n. 75/93. Citou, ainda, o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) n. 1.040, em que se declarou constitucional a exigência de dois anos de bacharelado em Direito como requisito para a inscrição em concurso do Ministério Público da União, como previsto na Lei Complementar n. 75/93” (Notícias STF de 9.9.2005).

5. CONCLUSÃO

Diversos aspectos dependem, ainda, de análise final do STF nas várias ações diretas de inconstitucionalidade e demais ações propostas. Lamentamos, apenas, as várias incongruências surgidas, como se verificou no caso particular da “quarentena de entrada”. Resta-nos aguardar como o STF interpretará diversos institutos novos. Até que isso ocorra, contudo, devemos nos manifestar sobre temas tão relevantes como esse, que produz reflexos na vida de tantos “concurseiros” dedicados e em busca de um honesto projeto de vida. A eles, digo: não desistam!

 

Notas:
[1] Depois de muito pensar e discutir, falar em vício de ética e vício de consentimento, a colega Simone Aparecida Smaniotto sugeriu a expressão “vício de decoro parlamentar”, o que entendemos perfeito tendo em vista a regra do art. 55, § 1.º, da Constituição Federal.
[2] A prática de “atividade jurídica” nos concursos. In: TAVARES, André Ramos; LENZA, Pedro; ALARCÓN, Pietro de Jesús Lora (Coord.). Reforma do Judiciário: Emenda Constitucional n. 45/2004. São Paulo: Método, 2005. p. 155.
[3] A inconstitucionalidade do critério de prática de atividade jurídica para concurso público. São Paulo: Complexo Jurídico Damásio de Jesus, jun. 2004. Disponível em:
<www.damasio.com.br/novo/html/frame_artigos.htm>.
Artigo publicado na Newsletter n. 48 http://www.comunidadejuridica.com/conteudo/newsletter/edicoes/048/ – Informativo Eletrônico da Comunidade Jurídica Damásio de Jesus

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Pedro Lenza

 

Mestre e Doutorando pela Universidade de São Paulo (USP), Advogado, Professor de Direito Constitucional e Direito Processual Civil, Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP) e do Instituto Brasileiro de Direito Constitucional (IBDC). Ex-Consultor Internacional da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), prestando serviços para a Agência Nacional de Saúde (ANS).
Coordenador do Núcleo Pinheiros da Escola Superior de Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo (ESA-OAB/SP), integrante do projeto piloto da ESA-OAB/SP, Professor da Escola Virtual e Orientador da Pós-Graduação da ESA-OAB/SP. Professor convidado por várias instituições, como Supremo Tribunal Federal (STF), Tribunal Regional do Trabalho (TRT), cursos de pós-graduação, simpósios e congressos.

 


 

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