Uma breve análise entre o princípio da isonomia formal e isonomia material

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A igualdade entre as camadas sociais, perante a lei, é conhecida na doutrina como igualdade formal. Vê-se que igualdade está vinculada ao princípio da dignidade humana, em que uma vez dotados de humanidade, todos os indivíduos são sujeitos de direito, devendo obter tratamentos de maneira igualitária. Porém, a denominada isonomia formal caracterizou-se em sua ineficácia.


Bem explicita Rocha ao mencionar que:


[…] esta interpretação da expressão iguais perante a lei propiciou situações observadas até a muito pouco tempo em que a igualdade jurídica convivia com a separação dos desigualados, vale dizer, havia tratamento igual para os igualados dentro de uma estrutura na qual se separavam os desigualados, inclusive territorial e socialmente. É o que se verificava nos Estados Unidos em que a igualdade não era considerada desrespeitada, até o advento do caso Broen versus Board of Education. Até o julgamento deste caso pela Suprema Corte norte-americana, entendia-se nos Estados Unidos da América que os negros não estavam sendo comprometidos em seu direito ao tratamento jurídico igual se, mantidos em escolas de negros, fossem ali tratados igualmente[1].


Conclui-se que o princípio da igualdade formal permite que as pessoas, cada qual com seus próprios meios e condições construam as oportunidades de crescimento, seja ele pessoal, profissional ou financeiro, uma vez que todos nascem iguais, são humanos e dotados do mesmo potencial e condições. Frisa-se que o Estado não deve intervir na sociedade.


Todavia, a história mundial apresenta que a tentativa de abstenção estatal, não ensejou à igualdade entre os cidadãos, até porque não houve por parte do Estado tentativa de correção da própria história, de cada povo.  Diante disso, compreendeu-se que não bastava que a Constituição trouxesse formalmente descrito que todos são iguais perante a lei, proibindo tratamentos diferenciados, observou-se a necessidade de que a Constituição obrigasse o Estado a discriminar as pessoas de tal forma que implicasse na promoção de uma igualdade eficaz.


Assim, há o fim do Estado Liberal e nasce o Estado do Bem-estar Social, inaugurosamente expresso em 1917 na Constituição do México, e em 1919 na Lei Fundamental de Weimar. Este novo modelo, por sua vez, procurou reduzir as desigualdades ocorrentes na sociedade. O constitucionalismo com relação ao princípio da igualdade não deve estar limitado à igualdade perante a lei. Se antes, com o Estado Liberal, não se vislumbrava como realizar a igualdade, a norma agora, com o Estado Assistencialista, desiguala os desiguais para atingir a igualdade implicando em dinamicidade e flexibilidade ao princípio da isonomia.


É notável a especificação de Paulo Lucena de Menezes:


[…] o ponto comum dessas tendências foi o de abstrair o conteúdo negativo do princípio da igualdade. O Estado, a partir de então, passa a ser reconhecido como a instituição, legítima e adequada, para nivelar as desigualdades sociais.[2]


Com isso, surge a chamada discriminação positiva ou reversa, visando à supressão de desvantagens impostas às pessoas em razão de religião, sexo ou cor de pele.


As constituições brasileiras, desde sua primeira formação, baseando na afirmação da Declaração dos Direitos do Homem, já mencionado alhures, cuidaram de dar guarida ao princípio da isonomia e assim enunciam que a igualdade ocorre perante a lei, demonstrando a acepção formal apenas.


Entretanto, “a compreensão do dispositivo vigente, nos termos do art. 5º, caput, não deve ser assim tão estreita. O intérprete há que se aferi-lo com outras normas constitucionais […], e especialmente, com as exigências da justiça social, objetivo da ordem econômica e da ordem social”.[3]


A visão material da igualdade vem complementar a sua visão formal. O art. 5º, caput, é considerado “como isonomia formal para diferenciá-lo da isonomia material, traduzido no art. 7º, XXX e XXXI”.[4]


Além disso, é válido ressaltar que a Constituição Federal traz em seu bojo outras formas expressas de igualdade material, tais como o art. 3º, o art. 5º, I, XXXII, LXXIV, o art. 170, VII, art. 193, art. 196, art. 205 etc.


Por conseguinte, não basta a lei declarar apenas que todos são iguais, deve propiciar instrumentos e mecanismos eficazes para a construção da igualdade. “A Constituição procura aproximar os dois tipos de isonomia, na medida em que não se limitara ao simples enunciado da igualdade perante a lei”. [5]


Neste diapasão, Canotilho preleciona que:


[…] a obtenção da igualdade substancial, pressupõe um amplo reordenamento das oportunidades: impõe políticas profundas; induz, mais, que o Estado não seja um simples garantidor da ordem assente nos direitos individuais e no título da propriedade, mas um ente de bens coletivos e fornecedor de prestações[6].


Vê-se que a sociedade moderna não vive mais um conceito passivo de igualdade e sim vincula-se a uma realidade de tentativa de igualdade ativa, atribuindo legitimidade às desigualações e deflagrando o surgimento das ações afirmativas, que será objeto do presente estudo.


Porém, há de se entender que o legislador, sob pena de criar uma norma inconstitucional, ao elaborar uma norma não pode criar situações que discriminem sem motivo.


Há ofensa ao preceito constitucional da isonomia quando:


I – A norma singulariza atual e definitivamente um destinatário determinado, ao invés de abranger uma categoria de pessoas, ou uma pessoa futura indeterminada;

II – A norma adota como critério discriminador, para fins de diferenciação de regimes, elemento não residente nos fatos, situações ou pessoas por tal modo desequiparadas. É o que ocorre quando pretende tomar o fator tempo – que não descansa no objeto – como critério diferencial;

III – A norma atribui tratamentos jurídicos diferentes em atenção ao fator de discrímen adotado que, entretanto, não guarda relação de pertinência lógica com a disparidade de regimes outorgados;

IV – A norma supõe relação de pertinência lógica existente em abstrato, mas o discrímen estabelecido conduz a efeitos contrapostos ou de qualquer modo dissonantes dos interesses protegidos constitucionalmente.

V – A interpretação da norma extrai dela distinções, discrímens, desequiparações que não foram professadamente assumidos por ela de modo claro, ainda que por via implícita[7].

De fato, a lei deve ser o veículo capaz de estabelecer a igualdade entre os cidadãos, nem que para tanto promova desigualações com o intuito de equiparação entre os indivíduos. Neste compasso, Rocha descreve o estágio atual de interpretação constitucional do princípio da igualdade:


O que se pretende, então, é que a igualdade perante a lei signifique igualdade por meio da lei, vale dizer, que seja a lei o instrumento criador das igualdades possíveis e necessárias ao florescimento das relações justas e equilibradas entre as pessoas. Há se desbastarem, pois, as desigualdades encontradas na sociedade por desvirtuamento sócio-econômico, o que impõe, por vezes, a desigualação de iguais sob o enfoque tradicional.[8]


Mais uma vez, em comparação à outrora, nota-se a dinamicidade e flexibilidade do atual princípio da igualdade, que focaliza a consecução do equilíbrio entre os cidadãos e o benefício de toda a coletividade.


Referências bibliográficas:

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 6. ed. Coimbra:

Almedina, 1995.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2002.

MENEZES, Paulo Lucena de. A ação afirmativa (affirmative action) no direito norte-americano. 1ª ed. São Paulo: RT, 2001.

ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. O princípio constitucional da igualdade. Belo Horizonte: Lê, 1990.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2001.


Notas:

[1] ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. O princípio constitucional da igualdade. Belo Horizonte: Lê, 1990, p. 36.

[2] MENEZES, Paulo Lucena de. A ação afirmativa (affirmative action) no direito norte-americano. 1ª ed. São Paulo: RT, 2001, p. 24.

[3] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 217.

[4] Ibidem, p. 218.

[5] Ibidem.

[6] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 6. ed. Coimbra: Almedina, 1995, p.306.

[7] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p.47.

[8] ROCHA, opus citatum, p. 39.


Informações Sobre o Autor

Alvaro dos Santos Maciel

Mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade Estadual do Norte do Paraná, possui especialização em Direito Civil e Processual Civil pela Universidade Estadual de Londrina e graduação pela Universidade Norte do Paraná. Advogado e Docente.


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