A Efetividade da Lei Maria da Penha no Enfrentamento à Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher

Karita Coêlho Noleto [1]

Igor de Andrade Barbosa [2]

Resumo: Ao longo da história foram diversas as conquistas no enfrentamento da violência contra a mulher no Brasil. No horizonte legislativo, a criação e aplicação das Leis 11.340 de 2006 e 13.104 de 2015, a Lei Maria da Penha e a Lei do Feminicídio, respectivamente.  Esse estudo objetivou perscrutar a violência doméstica e familiar e o feminicídio, e expondo a importância dessas leis como avanço no campo sociojurídico. Abordando os conceitos e as peculiaridades caracterizadoras que concedem tratamento peculiar às mulheres, inibindo assim, a violência de gênero, e consequentemente, criando mecanismo para coibir a violência física, psicológica, moral, sexual e patrimonial, propiciando segurança nas suas relações. Vivemos numa cultura que tem em seu cerne a supremacia dos homens, configurada pelo modelo de dominação do homem em relação à mulher. A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica e documental, leituras e análises críticas de doutrinas, artigos e jurisprudências. O alarmante cenário evidenciado através dos casos de assassinatos de mulheres pela condição de gênero, torna oportuna a reflexão e o fomento de discussões capazes de construir novos mecanismos de diálogo. Tal erudição trata de uma problemática contemporânea na sociedade brasileira, que tem influência a esfera da ciência jurídica e social.

Palavras-chave: Feminicídio; Lei Maria da Penha; Violência Doméstica e Familiar.

 

Abstract: Throughout history there have been many achievements in combating violence against women in Brazil. In the legislative horizon, the creation and application of Laws 11,340 of 2006 and 13,104 of 2015, the Maria da Penha Law and the Law of Feminicide, respectively. This study aimed at examining domestic and family violence and femicide, and exposing the importance of these laws as an advance in the socio-legal field. Approaching the characterizing concepts and peculiarities that grant special treatment to women, thus inhibiting gender violence and, consequently, creating a mechanism to restrain physical, psychological, moral, sexual and property violence, providing security in their relationships. We live in a culture that has at its core the supremacy of men, shaped by the model of man’s domination of women. The methodology used was the bibliographical and documentary research, readings and critical analyzes of doctrines, articles and jurisprudences. The alarming scenario evidenced by the cases of murders of women by the gendered condition makes it opportune to reflect and foment discussions capable of constructing new mechanisms of dialogue. Such scholarship deals with a contemporary problem in Brazilian society, which has influence in the sphere of legal and social science.
Keywords: Feminicide; Maria da Penha Law; Domestic and Family Violence.

Sumário: Introdução. 1 Breve contexto histórico. 1.1 As relações de dominação do sistema patriarcal. 2 Peculiaridades caracterizadoras da violência contra a mulher. 2.1 Conceitos e as formas de violência contra a mulher. 3 A dinâmica da violência contra a mulher. 4 Violência contra a mulher em dados. 5 Lei Maria da Penha e a Lei do feminicídio no sistema judiciário. 5.1 As medidas protetivas. Conclusão. Referências bibliográficas.

 

INTRODUÇÃO
As relações familiares normalmente se estruturam em um elo de ternura, o amor é o principal responsável pela concretização da união. O que torna difícil compreender como esse trilho se desvia para o caminho da violência, surgem diversos questionamentos, como o enlace afetivo cruza a linha da violência? Como evitar as agressões? Porque mulheres sofrem e permanecem em silêncio? Medo, vergonha, tolerância, temor, esperança?

São diversas as discussões contemporâneas relativas ao infortúnio da violência contra a mulher. Assegurados constitucionalmente, alguns direitos já foram conquistados. Com origem na necessidade de inserir no ordenamento jurídico qualquer tipo de violência perpetrada contra a mulher no convívio familiar, entra em vigor a Lei Nº 11.340, popularmente conhecida como Lei Maria da Penha.

Sancionada em agosto de 2006 a Lei Maria da Penha, é uma legislação com extrema relevância para o enfrentamento da violência contra a mulher no Brasil, tenciona tratar de forma cabal o problema da violência doméstica. Com o objetivo de proporcionar proteção e o acolhimento emergencial à mulher vítima da violência doméstica e familiar, a mencionada lei cria mecanismos para garantir a assistência jurídica e psicossocial à ofendida, e tende dirimir qualquer forma de violência no ambiente das relações íntimas.

Posteriormente é reconhecida a urgência de tornar a lei mais rígida, quando a mulher além de agredida for assassinada, com motivação provocada pela condição de gênero. Para esse desígnio, o Brasil vivenciou mais uma conquista relevante no enfrentamento da violência contra a mulher, a sanção da lei Nº 13.104 de 2015, que alterou o artigo 121 do Código Penal, estabelecendo a qualificadora do Feminicídio, causa de aumento da pena e inserindo-o no rol dos crimes hediondos.

A metodologia utilizada transpassou a pesquisa exploratória, bibliográfica e documental, permeou o entendimento de vários autores, consistiu em uma analise critica dos fatos, através do método de abordagem qualitativo, estudando as particularidades, identificou informações que não podem ser mensuradas numericamente.

Na maioria dos casos o feminicídio pode ser evitado, por que existem uma série de violências que o antecedem, sendo ele identificado como a consequência máxima de um ciclo repetitivo de violência que não foi interrompido. Essa pesquisa analisou os principais mecanismos que atuam para a perpetuação da violência, e outros que atuam para que esta seja cessada, como exemplo cita-se as medidas protetivas.

O estudo sobre a fatídica violência doméstica e familiar é imprescindível, pois este árduo problema que por muito tempo foi acatado como íntimo e exclusivo do casal, entrelaça o âmbito social, permeia o machismo, disseminando a ideologia de superioridade envoltos ao homem. A existência de uma legislação específica para casos de violência doméstica e familiar contra a mulher significa a promoção da igualdade de gênero no seio familiar, no âmbito público e nas esferas de poder institucionais.

 

1 BREVE CONTEXTO HISTÓRICO

Os fatores sociais, econômicos e históricos são postos na tentativa de uma explicação sobre a violência de gênero e suas consequências.   A Lei 11.340/2006 – Lei Maria da Penha surgiu como resultado de tratados internacionais, após o Estado brasileiro ser condenado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos por omissão, negligência e condescendência em face da violência contra a mulher.

A menção tem origem na dolorosa história da Maria da Penha Maia Fernandes, uma farmacêutica casada com um professor universitário e economista. Eles viviam em fortaleza (CE), e tiveram três filhas. Além das inúmeras agressões que foi vítima, em duas oportunidades o marido tentou matá-la. Na primeira vez, em 29 de maio de 1983, simulou um assalto, fazendo uso de uma espingarda. Como resultado ela ficou paraplégica. Poucos dias depois de retornar do hospital, na nova tentativa, buscou eletrocutá-la por meio de uma descarga elétrica enquanto ela tomava banho. (DIAS, 2018, p. 21).

Foi resultado de uma luta histórica, o caso de Maria da Penha Maia, foi o palco que alertou para o mar de impunidades que cinge a figura da mulher agredida. A batalha da Maria da Penha por justiça e condenação de seu companheiro, atraiu a atenção de Organizações Internacionais, das quais o Brasil é membro, como a OEA (Organização dos Estados Americanos) que exigiu do Brasil políticas públicas e legislações capazes de proteger as mulheres que sofrem violência domestica e familiar.

Criada para proteger mulheres em situação de violência doméstica e familiar, a lei objetiva resguardar vidas, punir os agressores, fortalecer a autonomia das mulheres, valores de direitos humanos, reduzir ao máximo o número de casos, além de possibilitar o atendimento humanizado e a viabilização de políticas públicas para o enfretamento desse tipo de violência.

A alusão do caso que deu nome a Lei, concebeu no Brasil uma verdadeira evolução na história da impunidade, proporcionou inúmeras alterações no ordenamento jurídico brasileiro, estando através dessa lei vidas preservadas e mulheres em situação de violência auferiram direito e proteção.

A fundamentação constitucional da Lei Nº 11.340/06 está prevista na Constituição da Republica Federativa do Brasil no artigo 226 §8º “O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”.

Nas palavras da Reis, 2011:

A Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340, de 07 de agosto de 2006), representa o auge dessa proteção à mulher. O caminho percorrido para se chegar ao diploma iniciou-se em 1984, quando o país ratificou, embora com reservas, a Convenção da Organização das Nações Unidas sobre Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW). Posteriormente, participou da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará), concluída em junho de 1994, e ratificada no ano seguinte.

A lei foi respaldada na  Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, conhecida também como CEDAW (sigla em inglês) ou simplesmente por Convenção da Mulher, este foi o primeiro tratado internacional que dispõe em grande escala sobre os direitos humanos das mulheres. Possui duas significantes propostas, sendo a primeira promover os direitos da mulher na busca da igualdade de gênero e a segunda reprimir quaisquer discriminações contra as mulheres. “O documento foi adotado pela Assembleia Geral da ONU, em 18 de dezembro de 1979, entrando em vigor em 03 de setembro de 1981”. (Dias, 2018, p. 48).

A lei baseia-se também na Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra Mulher, que ficou conhecida como Convenção de Belém do Pará, esta ocorreu em junho de 1994, e conceituou a violência contra as mulheres perfilhando-a como uma violação aos direitos humanos, e a partir desse conceito foram estabelecidos deveres aos Estados, com o objetivo de criar condições concretas que fossem capazes de romper com as espécies de violência sofrida pelas mulheres no âmbito doméstico e familiar.

Essas convenções deram força na justificativa para a criação da lei, é notório que criam conceitos relevantes sobre a violência contra a mulher. O que torna incontestável a necessidade de criar um mecanismo capaz de fornecer uma proteção especial e particularizada em detrimento de sua própria vulnerabilidade.  Respeitando o principio da isonomia, da igualdade, que sugere que as pessoas colocadas em situações diversas sejam tratadas de forma desigual.

A Lei Nº 13.104/2015 foi elaborada com o objetivo de tipificar o crime de homicídio doloso contra a mulher, no Código Penal Brasileiro, o artigo 121, § 2o  VI – contra a mulher por razões da condição de sexo feminino. Quando o crime for praticado por razão de gênero, além da qualificadora a lei incluiu o Feminicídio no rol dos crimes hediondos, previstos na Lei 8.072/90, assim na ocorrência deste fica o acusado impedido de ser solto mediante pagamento de fiança.

Esta lei criou também, possibilidade de aumento de pena previsto Código Penal Brasileiro artigo 121, § 7o  A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 até a metade se o crime for praticado durante a gestação ou nos 3 meses posteriores ao parto, contra pessoa menor de 14 anos, maior de 60 anos ou com deficiência, ou  na presença de descendente ou de ascendente da vítima.

A palavra Feminicídio apesar de ser um termo novo, ele vem de uma prática remota, pois mulheres são assassinadas formas cruéis diariamente Brasil há muito tempo, essas prática envolvem espancamentos, estrangulamentos, agressões brutais, que se direcionam até o momento do assassinato. O termo feminicídio vem sendo usado com frequência no Brasil após a criação e sanção da Lei Nº 13.104/2015.

As leis supracitadas foram inseridas na legislação brasileira para viabilizar e efetivar direitos inerentes à proteção as mulheres, na tentativa de dirimir as diversas forma de violência contra a mulher.

 

1.1 As relações de dominação do sistema patriarcal

A reprodução da violência doméstica e familiar ocorre desde os primórdios, com a sociedade patriarcal, o enraizamento do domínio do homem sobre a mulher. Embora a Lei Maria da Penha tenha sido recepcionada de maneira positiva por toda a sociedade, sua aplicação nos casos concretos trouxe resistências, pois a aceitação da violência doméstica e familiar mascaram as relações de dominação do sistema patriarcal.

Apesar da consolidação dos direitos humanos, o homem ainda é considerado proprietário do corpo e da vontade da mulher e dos filhos. A sociedade protege a agressividade masculina, respeita sua virilidade, construindo a crença de sua superioridade. Desde o nascimento ele encorajado a ser forte, não chora, não leva desafora para casa, não ser “mulherzinha”. Precisa ser um super-homem, pois não lhe é permitido ser apenas humano. Afetividade e sensibilidade são expressões que não combinam com a imagem do homem. Essa errônea consciência de poder é que assegura a ele o suposto direito de fazer uso de sua força física e superioridade corporal sobre todos os membros da família.  (DIAS, 2018, p. 26).

Na tentativa de justificar a violência, o homem usa as falhas no cumprimento do que ele acredita ser o ideal dos papeis designados para gênero dentro da sociedade no sistema patriarcal, quando não satisfeito por falta da realização de sua ideologia, provoca o desentendimento na relação, e cada um faz uso do que tem, ele a força física e ela o sofrimento.

A implementação da Lei Maria da Penha foi o primeiro ponto do rol de medidas que devem ser tomadas pelo Estado. Reconhecida como uma das melhores legislações que buscam atacar o problema, é um elemento importante para a desnaturalização da violência como parte das relações familiares e para o empoderamento das mulheres.

A lei ainda carece de melhor efetividade, especialmente no que tange às ações de prevenção, como aquelas voltadas à educação, e à concretização de uma complexa rede de apoio às mulheres vítimas de violência.  Só é possível prosperar na desconstrução da cultura de discriminação e violência contra a mulher, após um o despertar da sociedade para os problemas sociais que essa conduta provoca.

… o diploma previu a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. Ademais, a lei trouxe uma disposição transitória, prevendo que enquanto esses Juizados não forem criados, as varas criminais acumularão a competência cível e a criminal para conhecer e julgar as causas relativas à violência doméstica e familiar contra a mulher, além de dispor que tais causas terão direito de preferência nas varas criminais. (REIS, 2011).

Nota-se que a Lei Maria da Penha trouxe mudanças relevantes para o sistema jurídico, trata-se de um mecanismo que objetiva reestabelecer a igualdade entre gêneros, a lei dá um tratamento penal e processual distinto para os crimes previsto nessa lei.  É essencial considerar o aspecto psicossocial para o qual a esta lei se destina, considerando as condições próprias e particulares das mulheres que se encontram vulneráveis e em situação de violência doméstica e familiar.

 

2 PECULIARIDADES CARACTERIZADORAS DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

Sobrevindos 12 anos de vigência, perduram desafios para que a Lei Maria da Penha consiga exercer seus objetivos e ter efetividade na sua aplicação, de acordo as orientações legais. Trilhando os mesmo caminhos de uma legislação direcionada para o gênero, a lei Nº 13.104/2015 – Lei do Feminicídio representa um enorme progresso na luta contra a violência doméstica, por tipificar o homicídio contra a mulher como qualificado, ocasionando mais rigidez para esse crime.

A violência de gênero é considerada como um grave problema da saúde pública e é também uma violação dos direitos humanos. De acordo com a ONU pelo menos uma em cada três mulheres já foi ou será vítima de violência de gênero, tendo sofrido alguma forma de abuso durante a vida, o fator substancial é que o agressor geralmente é um membro de sua própria família, ou alguém da convivência domiciliar. “A ideia sacralizada de família e a inviolabilidade do domicílio sempre serviram de justificativa para barrar qualquer tentativa de coibir o que acontecia entre quatro paredes” (DIAS, 2018, p.35). As situações vivenciadas no interior do domicilio familiar não sofriam interferência de ninguém, nem mesmo do poder estatal.

Diverso do que ocorre com os homens, as mulheres são assassinadas com maior frequência na esfera doméstica ou familiar, normalmente são vitimadas por seus namorados, companheiros, ex-companheiros, maridos, ex-maridos dentre outros. Os homens estão mais suscetíveis à violência que sucede na esfera pública, enquanto que as mulheres são mais agredidas na esfera privada.

A lei do feminicídio foi formulada especificamente para os homicídios em que as vítimas são do sexo feminino, pela condição de gênero. Sendo abordada na perspectiva do enfrentamento da violência contra mulher, com o proposito de evitar que esses crimes ocorram, abre um novo panorama na discussão dos fatores que contribuem para a prática do feminicídio.

Acrescentada a este delito uma qualificadora e uma majorante, com o advento da Lei 13.104/2015. Em um homicídio simples a pena aplicada é de 6 a 20 anos, enquanto que no feminicídio é de 12 a 30 anos. Para caracterizar o feminicídio é necessário existir uma das duas circunstâncias prevista na lei, são elas: quando o crime é cometido em ambiente familiar e doméstico, menosprezo ou discriminação à condição de mulher (Código Penal, art. 121, § 2º – A).

A ONUBR (Nações Unidas no Brasil) noticiou em julho de 2018 que a violência doméstica contra as mulheres é um dos maiores desafios enfrentados no Brasil para promover a igualdade de gênero. Como resultado de pesquisa divulgou que 40% das mulheres já sofreram algum tipo de violência provocada por homens, e 29% relatam sofrer ou já terem sofrido violência doméstica. Menciona ainda que apenas aproximadamente 11% dessas mulheres procuraram uma delegacia.

A ONUBR aponta que o Brasil tem uma das mais altas taxas de homicídio do mundo, em 2015, 4.621 mulheres foram assassinadas no Brasil. Segundo uma pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas/IPEA, a Lei Maria da Penha contribuiu para conter o crescimento dos assassinatos de mulheres em ambiente doméstico em pelo menos 10%.

As formas mais frequentes de Violência Doméstica e familiar são as ameaças, as lesões corporais, os crimes contra à honra, e lamentavelmente por desfecho a última etapa deste ciclo de violência engendra o feminicídio. O feminicídio normalmente representa a consequência final, anteriores a ele ocorreram outros comportamentos agressivos, incidiram inúmeros sinais que a vítima não conseguiu caracterizar como fase inicial de algo de iria ceifar sua vida.

O feminicídio é corroborado quando existe precedente de violência doméstica e familiar, ou o crime é motivado pelo menosprezo ou discriminação à condição de mulher. Quando houver comprovação que antes do homicídio o agressor, humilha, agride física e verbalmente, comete estupro, existem condições que evidenciam que o crime teve como motivação o gênero.

Embora as leis Maria da Penha e do Feminicídio versem casos de violência contra a mulher, são legislações distintas, que podem ser consideradas complementares. É indispensável a aplicação da Lei Maria da Penha nos juizados especializados em violência contra a mulher, as medidas protetivas, os desafios postos para a efetivação desta lei.

 

2.1 Conceitos e as formas de violência contra a mulher

Com fulcro no artigo 5º da lei Maria da penha define-se a violência doméstica como: “… configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”, I – no âmbito da unidade doméstica […]; II – no âmbito da família […]; III – em qualquer relação íntima de afeto […].

Contudo, não basta que a conduta seja praticada no espaço da unidade doméstica: é preciso que o agente e a ofendida sejam parte dessa mesma unidade doméstica (relação de pertinência). Em outras palavras, para ser considerada doméstica, a violência deve ocorrer no ambiente doméstico, que pressupõe não apenas a conduta ser praticada no espaço doméstico, mas ainda a presença de relações domésticas entre agente e ofendida (destas relações emerge a situação de presumida vulnerabilidade da mulher) (FULLER; JUNQUEIRA, 2010, p. 675).

A caracterização de violência doméstica e familiar prevista na Lei Maria da Penha não se limita a relações amorosas, podendo a violência relatada ocorrer independentemente de parentesco, pode ser o agressor padrasto ou madrasta, sogro ou sogra, até mesmo agregados, desde que tenha o caracterizador principal, a vítima sendo uma mulher. Por tanto pode acontecer nas relações formadas por parentes, nas independentemente de coabitação, ou numa relação na qual o agressor conviveu ou ainda convive com a ofendida.

Contrário ao que ocorre com sujeito passivo que deve sempre ser mulher, o sujeito ativo não tem o gênero especificado, assim sendo prevalece o termo agressor, este pode ser homem ou mulher.

O direito à vida está assegurado na constituição no art. 5º e deve ser protegido pela lei penal. Dessa forma, a vida é bem jurídico protegido e objeto jurídico do crime de feminicídio, sendo a sua tutela efetivada através da utilização do aparato penal, que objetiva punir quem mata outrem, neste caso, em razão da condição de mulher. (LACERDA, 2015)

O conceito atrelado ao feminicídio gira em torno perseguição e morte intencional de pessoas praticado contra a mulher por razões da condição de gênero (sexo feminino) e na legislação pátria, tal crime é classificado como hediondo.

São previsto na Lei Nº 11.340/06 cinco tipos de violência doméstica, classificadas em violência física, psicológica, sexual, patrimonial, moral.

 

Violência Física

Art. 7º I – a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal.

Os casos de violência física são os mais relatados nas delegacias da mulher. É o tipo mais fácil de ser identificado e confirmado, são vários os exemplos desse tipo de violência, citam-se alguns exemplos: tapas, socos, espancamento, atirar objetos, sacudir, apertar os braços, estrangulamento ou sufocamento, lesões com objetos cortantes ou perfurantes, qualquer tipo de ferimentos entre outros.

 

Violência Psicológica

Art. 7º II – a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação.

Violência psicológica é uma das violências mais comuns, em contrapartida é a mais difícil de ser identificada até mesmo pela vítima, apesar de ter um efeito grave, devastador, muitas mulheres vítimas não denunciam seus agressores, pelo fato não acreditam que estejam sofrendo algum tipo de violência.

São diversas a formas que ela se manifesta, pode acontecer em forma de xingamentos e ferem diretamente a moral da vítima. São palavras usadas constantemente pelos agressores como forma de humilhar a mulher, ou podem ocorrem em algumas ações ou determinações como: proibir o uso de determinadas roupas, de estudar, trabalhar ou isolar da convivência com outras pessoas.

 

Violência Sexual

Art. 7º III – a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos.

Tristemente é uma violência decorrente principalmente como efeito pensamento machista, o sentimento de posse e de domínio que o homem acredita que tem por direito sobre a mulher, ocorre também pela incapacidade de aceitarem o não como resposta.

Um fator comum nessa ríspida violência é a culpabilização da vítima, que é constantemente considerada como responsável pela agressão por estar usando roupa curta, ou por estar sob efeito de substância etílica. Cita-se como exemplos da violência sexual: o estupro. É importante salientar que inclui-se também quando ocorre dentro do casamento, no momento em que o marido obriga a esposa a ter relações sexuais, ou praticar atos que ela não concorda. Impedir o uso de anticoncepcionais ou obriga-la a abortar, forçar matrimônio, prostituição através de coação, chantagem entre outros.

 

Violência Patrimonial

Art. 7º IV – a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades.

A violência patrimonial está nucleada em três condutas: subtrair, destruir e reter. A Lei Nº 11.340/06 não alterou a tipologia nem as disposições materiais relativas aos crimes patrimoniais, apenas ampliando o rol das condutas, nas ações que caracterizam a violência doméstica e familiar. Os exemplos mais comuns da violência patrimonial são: furto, extorsão ou dano, controlar o dinheiro, destruição de documentos pessoais, privar de bens, valores ou recursos econômicos.

Violência Moral

Art. 7º V – a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.

Apesar de pouco reconhecida é mais comuns do que se pode imaginar. Compreendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria. Quando tem a sua a reputação moral ofendida, por críticas mentirosas. É comum que esse tipo de violência aconteça pela Internet. Alguns exemplos são: rebaixar a mulher por meio de xingamentos que incidem sobre a sua índole, emitir juízos morais sobre a conduta, produzir críticas mentirosas, exposição da vida íntima, distorcer e omitir fatos para pôr em dúvida a memória e sanidade da mulher.

O feminicídio pode ser classificado e ocorrer em dimensões distintas: Feminicídio íntimo – Este ocorre quando existe uma relação afeto ou de parentesco entre a vítima e o agressor;

Feminicídio não íntimo – ocorre quando não há uma relação de afeto ou de parentesco entre a vítima e o agressor, este é caracterizado pela violência ou abuso sexual, provados pela condição de mulher da vítima, caracterizado pelo sentimento de ódio contra as mulheres, capaz de causar um assassinato pelo desejo de eliminar qualquer indivíduo do sexo feminino.

 

3 A DINÂMICA DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

A Lei Maria da Penha existe para combater uma violência específica, a violência doméstica e familiar que ocorre em todo o mundo e afeta todas as classes sociais independentes do grau de escolaridade, idade, etnia e condições socioeconômicas.

A violência doméstica e familiar apesar de ocorrer, em sua grande maioria no patrimônio particular, não é um assunto da esfera privada, ela constitui uma violação dos direitos humanos, fere a dignidade da pessoa humana, e demanda respostas por parte do poder público, ponderando o dever do Estado de não ser conivente com qualquer forma de violência.

Não é raro deparar-se com ditados populares com tendência jacosa, com cunho de naturalizar a violência contra a mulher, são diversos como: “em briga de marido e mulher ninguém coloca a colher”, “mulher gosta de apanhar”, “fez por merecer”, e outros tantos que se perpetuam ao longo da história.  A dificuldade por parte da mulher para realizar a denuncia contra o agressor incita essa ideia enganosa, os motivos pela resistência em denunciar são diversos, amedrontada com a insegurança financeira gere o sentimento de incapacidade de sustentar os filhos e as suas necessidades, ausência de moradia própria, ser a responsável pela prisão do pai de seus filhos entre uma variedade de motivos que alternam de acordo com a particularidade de cada caso.

Após diversos tipos de hostilidades desenvolvidas nesse ciclo, a opção da mulher por não noticiar as agressões às autoridades competentes, não estão diretamente ligadas apenas a situações financeiras, a mulher em seu intimo acredita que seja mesmo responsável pelas agressões, tem a convicção que deixou de fazer algo que deveria ter feito ou que fez algo errado, se sente merecedora, e submete-se a tal brutalidade.

Sobre o assunto dispões Lacerda 2015. “Frisa-se que as ameaças no contexto de violência doméstica geralmente vêm a constituir um ciclo de violência que deixa a vítima na total dependência – que pode ser financeira e emocional – do agressor, determinando assim, uma situação de subordinação”.

Alguns sinais são considerados por Maria Berenice como indicativos de relacionamento abusivo, apego rápido, ciúmes excessivo, controle de tempo, isolamento da família e dos amigos, linguagem pejorativa, culpabilização da mulher.

Normalmente nos casos de violência contra a mulher, existe uma repetição que é o ciclo da violência, este comumente, inicia-se com silencio e distanciamento, após vêm as reclamações e reprovações, caracterizam a violência psicológica, concretizada através de diversos xingamentos, ofensas, ameaças. A violência tende a aumentar, evoluindo para a física, castigos, como forma de punição ocorrem algumas lesões corporais leve, posteriormente graves, e por fim um último golpe é exteriorizado causando a morte, assim deriva o feminicídio.

O feminicídio é a instância última de controle da mulher pelo homem: o controle da vida e da morte. Ele se expressa como afirmação irrestrita de posse, igualando a mulher a um objeto, quando cometido por parceiro ou ex-parceiro; como subjugação da intimidade e da sexualidade da mulher, por meio da violência sexual associada ao assassinato; como destruição da identidade da mulher, pela mutilação ou desfiguração de seu corpo; como aviltamento da dignidade da mulher, submetendo-a a tortura ou a tratamento cruel ou degradante. (Relatório Final, CPMI-VCM, 2013).

Nesse ciclo da violência, após as agressões é comum ocorrer o que a psicologia nomeia de “fase de lua de mel”, que é quando o agressor declara arrependimento e garante que não será violento novamente. Porém passados uns dias o ciclo se renova e as agressões veem a tona. A vítima tende a acreditar que o agressor vai mudar, assim como também é frequente o fato da vítima não conseguir deixar à relação violenta, isso acontece por fatores distintos que englobam situações econômicas, os filhos, arbitramento familiar ou até mesmo da religião.

Esse ciclo de violência inicia-se com a violência psicológica, se manifestando através da própria ameaça, do desrespeito, intimidações, atribuições de culpa a mulher pelo fracasso, constrangimento público, dentre outros atos. Após a etapa de tensão mencionada anteriormente, ocorre a fase da explosão onde acontece a violência física propriamente dita, sendo um estágio mais curto e que é o ápice da violência. Nesta etapa todo discurso de arrependimento prometido pelo agressor é esquecido pelo mesmo. (LACERDA, 2015).

Denunciar se torna árduo quando as agressões manifestam-se por alguém com quem a vítima mantém relações íntimas de afeto, pois findar esse elo significa romper com questões emocionais e objetivas, que entrelaçam desde a desestruturação do cotidiano, da família e até pode colocar a mulher numa situação de vulnerabilidade que pode provocar sua morte.

Nas palavras de Lacerda, 2015: “Quando a mulher vítima de violência não consegue romper com o ciclo de violência ela está sujeita a sofrer com maior intensidade as violências físicas até que se atinja o grau máximo das lesões corporais e da aniquilação física, na figura do feminicídio”.

No seio intrafamiliar a pratica da violência doméstica costuma se repetir e torna-se consequentemente mais gravosa, à medida que a frequência dos ataques aumentam, enfraquece cada vez mais a faculdade de reação da mulher. Aos fatos descritos associam-se outros fatores acumulados com o abuso psicológico, a falta de informação e de conhecimento sobre seus direitos, os sentimentos de medo, culpa e vergonha, a dependência econômica do agressor, a falta de acesso e/ou credibilidade nos serviços de atendimento a mulheres em situação de violência doméstica e familiar.

A vigilância para as mulheres que se encontram em situação de violência doméstica deve estar refletida na compreensão sobre as causas da violência, vista como resultados da desigualdade das relações sociais e familiares com base no gênero, pois revela a necessidade urgente de mudança nas relações de gênero, bem como nos permite refletir sobre a relação homem/mulher, o sexo feminino como “sexo frágil”.

O caminho trilhado pela vítima até o homicídio, considerado o desfecho fatal, refaz-se em muitos casos, podendo ser configurando como mortes previsíveis, estão relacionados a fatores como: a flexibilidade social à aceitação das diversas formas de violência contra as mulheres, a deficiência operacional dos serviços públicos de atendimento, ausência de serviço especializados, segurança e justiça, a impunidade nos julgamentos do agressor, e o mais comum a culpabilização da vítima pela violência sofrida.

 

4 VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER EM DADOS

Quando utilizamos o termo feminicídio, estamos nomeando um problema grave, e esta é uma forma de dar maior visibilidade para o cenário de violência contra a mulher que assola o Brasil. Sendo o Brasil, o 5º país com maior taxa de assassinatos femininos no mundo, é urgente e necessário dialogar sobre os índices e a ocorrência de mortes que podem ser evitadas.

A agencia Patrícia Galvão produziu um dossiê com dados sobre a violência contra a mulher, lançou com o seguinte texto: “O Brasil convive com elevadas estatísticas de violências cotidianas praticadas contra mulheres – o que resulta em um destaque perverso no cenário mundial: é o 5º país com maior taxa de homicídios de mulheres”.

O cronômetro da violência contra as mulheres no Brasil criados com os dados da 11ª Edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública (FBSP, 2017) e da Pesquisa Visível e Invisível: a vitimização de mulheres no Brasil (DataFolha/FBSP, 2017). Indica que ocorre no Brasil: 1 estupro a cada 11 minutos, 1 mulher assassinada a cada 2 horas, 503 mulheres são vítimas de agressão a cada hora, 5 espancamentos a cada 2 minutos.

Destaca-se a importância dos dados referentes a violência contra  mulher, pois só após o levantamento destes é possível traçar politicas publicas que possam minimizar o problema que atinge a população. Porém esse número não é 100% auferido, pois vários casos de violência por diversas situações não são informados às autoridades.

Outro desafio é reunir os dados de violência em debates que contribuam para contextualizá-los, na perspectiva de construir alternativas para transformar as diversas realidades em que estão inseridas as mulheres que sofrem violência. Ressaltando que por trás das estatísticas alarmantes, existem vidas violadas pela banalização, naturalização e manutenção da violência nos diversos âmbitos.

Todos os dias, um número significativo de mulheres, jovens e meninas são submetidas a alguma forma de violência no Brasil. Assédio, exploração sexual, estupro, tortura, violência psicológica, agressões por parceiros ou familiares, perseguição, feminicídio. Sob diversas formas e intensidades, a violência de gênero é recorrente e se perpetua nos espaços públicos e privados, encontrando nos assassinatos a sua expressão mais grave. (Dossiê Agencia Patrícia Galvão).

A partir de informações do Mapa da Violência 2015, foi realizado um levantamento, que revela a gravidade do feminicídio íntimo, aquele praticado em contexto de violência doméstica.

O levantamento do mapa da violência apresenta 4.762 homicídios de mulheres registrados no ano de 2013. Sendo que 50,3% foram praticados por familiares, revelando que das 13 mortes de mulheres registradas por dia, sete caracterizam feminicídios, praticados por pessoas do convívio, ou que tinham relações íntimas de afeto com a vítima, conforme preceitos estabelecidos na Lei Maria da Penha. Deste dados o que apresenta maior reincidência é o feminicídio conjugal com taxa de 33,2% do total dos crimes, nos quais o autor foi o parceiro ou ex-parceiro da mulher, apurando um total de quatro casos de feminicídios por dia.

Conforme o dossiê da agência Patrícia Galvão, numa comparação nos homicídios de homens e mulheres, verifica-se que nos registro de homicídios dos homens é mais comum o uso da arma de fogo totalizando 73,2% dos casos, já nas mortes de mulheres a maioria com uma taxa de 51,2%, a incidência é de estrangulamento/sufocação, instrumento cortante/penetrante, objeto contundente e outros meios que indicam não só a proximidade entre o homicida e a vítima, mas também sinaliza a crueldade peculiar de crimes associados à discriminação e ao menosprezo em relação à mulher.

Mais da metade das mortes de mulheres ocorrem no contexto de violência doméstica e familiar, que ganhou mais visibilidade com o advento da Lei Maria da Penha. Mesmo não sendo o alvo dessa pesquisa vale mencionar que o feminicídio não acontece apenas no âmbito doméstico e familiar, ocorre também em contextos de violência sexual, que pode ser praticada por desconhecidos, onde prevaleça o menosprezo, desvalorização pela condição de gênero, quando o crime é cometido com crueldade, que além do desejo de matar exista o dolo de causar sofrimento e dor na vitima, nesse crime também é comum o desejo de mutilação do corpo da mulher.

É notório que para a mulher que se encontra em situação de violência, manter a convivência com o agressor é o mais perigoso para sua vida. É necessário a interrupção do ciclo da violência, só a partir de um diálogo construído na sociedade é que a mulher encontrará apoio no seu meio de convívio pessoal e força para que buscar amparo nos equipamentos e serviços fornecidos pelo Estado.

 

5 LEI MARIA DA PENHA E A LEI DO FEMINICÍDIO NO SISTEMA JUDICIÁRIO

A Lei 11.340/2006 estabeleceu a criação de juizados especiais, para atuarem nos crimes previstos em lei, e definiu as medidas de assistência e proteção necessárias as vítimas, garantiu a concepção de políticas públicas capazes de viabilizar os direitos da mulher.

Previsto no dispositivo legal artigo 14 da Lei Maria da Penha, é inquestionável o papel do Estado, frente a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher – órgãos da Justiça com competência cível e criminal, destinados ao processo, julgamento e a execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra as mulheres.

Entretanto, mesmo diante do desempenho da Lei Maria da Penha, que proporcionou maior visibilidade à de violência contra a mulher, a sociedade brasileira ainda vivencia diversos casos de agressões contra a mulher, e o mais grave de todos os crimes, o feminicídio. Essas duas legislações Lei 11.340/2006 e Lei Nº 13.104/2015 têm importância imensurável, buscam a desnaturalização da violência como parte das relações sociais e familiares.

A lei do Feminicídio surgiu para enrijecer a legislação vigente, sendo esta considerada como mais um instrumento de proteção à mulher, tendo como desígnio os casos que envolvam a morte da mulher devido à sua condição de mulher e não o tipo penal, e abarca duas modalidades, os crimes tentados e os crimes consumados.

Cabe ao Poder Judiciário a especialização no atendimento às mulheres vítimas de violência, assim como a criação de Juizados ou Varas de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, que devem se instaladas em todos os entes federados. Órgãos este que pertencem à justiça comum, possuindo competência cível e criminal para processar, julgar e executar as causas resultantes dos atos de violência doméstica e familiar contra a mulher, preferivelmente deve ter feito o acolhimento e atendimento por uma equipe multidisciplinar especializada nas áreas psicossocial, jurídica e de saúde.

Com fulcro no artigo 41, da Lei 11.340/2006 “aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995”. Deliberação unânime do Supremo Tribunal Federal (STF), que reconhecendo a constitucionalidade do artigo 41, baniu a aplicação do artigo 89 da Lei n. 9.099/95, com essa decisão ocorreu também a impossibilidade da aplicação dos institutos despenalizadores, previstos nessa legislação. O STJ também se manifestou e com a súmula 542, estabelece “a ação penal relativa ao crime de lesão corporal resultante de violência doméstica contra a mulher é pública incondicionado”.

Os casos em que ocorre a prática de violência doméstica são de responsabilidade da justiça comum, sendo competência dos juízes criminais na ausência de instalação dos Juizados Especiais de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher.

A preocupação maior diz com a aplicação de medidas protetivas, sem haver definição da natureza jurídica de tais provimentos que, escancaradamente, tem origem no âmbito do Direito das Famílias. Ainda assim, onde não estiver instalado JVDFM, o procedimento é encaminhado à Vara Criminal (LMP, art. 33). Cabe ao Tribunal de Justiça de cada Estado designar uma Vara Criminal para responder pela violência doméstica, em face da proibição de ser atendida pelos Juizados Especiais Criminais (LMP, art. 41). (DIAS, 2018, p. 154).

 

5.1 As medidas protetivas

As medidas protetivas são mecanismos, concebido pela Lei Maria da Penha para reprimir e prevenir a violência doméstica e familiar, protegendo a vítima. São asseguradas após a denuncia, realizada na Delegacia de Polícia, fica incumbido ao juiz determinar sua execução em até 48 como previsão legal no artigo 18 da Lei 11.340/06.

O principal objetivo das medidas protetivas é garantir que mulheres gozem dos direitos fundamentais previsto na Constituição da Republica, inerentes à pessoa humana, viabilizando oportunidades e a possibilidade de viver sem violência, tendo preservada sua saúde física e mental.

Seguindo as orientações da Lei 11.340/2006, previstas nos artigos 18 a 24, as medidas protetivas se dividem em duas modalidades, em uma modalidade as medidas são voltadas para o agressor, ou seja, a pessoa que praticou a violência, na outra modalidade as medidas são voltadas para a vítima.

Medidas protetivas de urgência, que obrigam o agressor, citando alguns exemplos: a suspensão da posse ou restrição do porte de armas, o afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida, proíbem a aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, ou contato por qualquer meio de comunicação, frequentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida.

Para as medidas protetivas de urgência à ofendida, pode ocorrer o seu encaminhamento e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento, o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos, determinar a separação de corpos.

A medida protetiva é um recurso fundamental da Lei, aplicada quando não há possibilidade de aderir outras opções capazes de impedir novas agressões e até mesmo o feminicídio. Utilizada quando a situação é vista como irreversíveis, e a mulher se encontra vulnerável, esse mecanismo objetiva interromper o ciclo de violência, gerando segurança a ofendida.

A Lei Maria da Penha criou mais uma possibilidade de prisão preventiva, alterou o código de Processo Penal, artigo 313, III. A prisão do agressor pode ocorrer para abarcar duas possibilidades, a garantia da celeridade na tramitação do processo, ou para assegurar a eficácia da medida protetiva de urgência.

Em se tratando de violência doméstica, a Lei Maria da Penha prevê duas possibilidades distintas de prisão preventiva do agressor: para assegura a tramitação do processo (LMP, art.20) e para garantir a eficácia das medidas protetivas de urgência (LMP, art. 42). Na grande maioria das vezes a prisão é decretada quando há descumprimento das medidas protetivas de urgência, não se exigindo dolo. Prescinde-se da presença de qualquer outro requisito, mesmo aqueles previstos no art. 312 do CPP. (DIAS, 2018, p. 113).

O descumprimento da medida protetivas configura delito penal, com previsão de pena cominada de três meses a dois anos, art. 24 – A, da Lei Maria da Penha. A configuração do crime independe se a medida protetiva foi deferida pela competência civil ou criminal. Caso ocorra prisão em flagrante a fiança só pode se concedida pela autoridade judicial.

As medidas previstas não impossibilitam a aplicação de outras previstas na legislação em vigor, considerando que a segurança da ofendida é essencial, assim se as circunstâncias exigirem outras medidas podem ser aplicadas, e incube devida  comunicação ao Ministério Público.

Quando a vitima busca amparo legal para sua proteção e ainda assim é vitima de feminicídio, observa-se que houve uma falha do Estado, por ação ou omissão, não protegendo a vida da mulher. Existem casos em que ocorre demora para conceder medidas de proteção, ocorrem falhas na intimação do agressor, a falta de comunicação a ofendida  quando o agressor é liberado da prisão, entre uma gama de fracasso na aplicação da lei que pode causa a perda da vida.

De fato a mulher vítima de agressão, tem comparecido nas delegacias e realizado a denuncia com maior frequência, porém as medidas de proteção não estão sendo aplicadas conforme o que determina o dispositivo legal. A ineficácia das medidas protetivas são constantemente colocada em pauta, pois são diversas as vítimas desta negligência estatal. É evidenciado na ocorrência de tantos casos, a ausência da aplicação eficaz da proteção à vítima, são estas situações que estão cada dia mais recorrentes. Vale ressaltar que os danos são irreversíveis, verifica-se uma deficiência continua no sistema jurídico do nosso país.

A ausência de suporte necessário por parte do Estado, como estrutura adequada para amparar a ofendida, agentes nas policias preparados para atender casos de violência doméstica e familiar, equipe multidisciplinar para realizar um atendimento pertinente ao caso, abrigos capazes de receber a vitima de forma digna e segura.

Caso ocorra nos mecanismo de proteção esse tipo de falhas, é o momento oportuno para que o Estado faça uma analise detalhada para averiguar onde estão os problemas, impedindo-os de se repetirem. O dialogo sobre o feminicídio é relevante para a realização de um diagnóstico fidedigno da violência fatal contra a vida de milhares de mulheres, só assim é possível avançar nas estratégias de prevenção.

 

CONCLUSÃO

São múltiplos os motivos para que a mulher seja digna de proteção específica, e é crucial que o Estado viabilize uma isonomia material, as mulheres no decorrer dos séculos foram mantidas sob dominação e submissão.

Todo o exposto evidenciado no estudo acima direciona para que o Estado brasileiro tome medidas indispensáveis capazes de garantir que vítima receba proteção, assim como medidas de prevenção eficazes, pois os índices de violência doméstica e familiar no Brasil são espantosos, é oportuno mencionar que esta violência ocorre no âmbito das relações intrafamiliares, impossibilitando a aferição de dados absolutos, muitos casos não são levados à ciência da sociedade e tampouco do Estado.

Falar de feminicídio não é o mesmo, que falar do homicídio de mulheres, ainda que as vítimas sejam do mesmo sexo, a figura do feminicídio não pode ser entendida como uma simples palavra para entender que morreu alguém do sexo feminino. O feminicídio foi caracterizado para que os assassinatos de mulheres não sejam delimitados a historia particular da vitima, pois ele está intrínseco nos valores sociais resultado de uma relação de poder e masculinidade.

É apreciável a preocupação em coibir a violência contra a mulher, a qualificadora trazida pela lei do Feminicídio não tenciona tratar bens jurídicos idênticos de forma desigual, a lei nesses casos estima preservar a vida das mulheres, que constantemente estão em risco pelo simples fato de serem mulheres.

Em virtude do que foi mencionado, evidencia-se que as experiências de violência na esfera das relações íntimas são avassaladoras, devido a sua forma, intensidade, frequência, a maneira como sucede, os significados e os impactos que produzem na vítima, que a atinge tanto física, como psicologicamente. Esse estudo desempenha um oficio respeitável, haja vista que a violência de gênero constitui violação dos direitos humanos, que se concretiza de forma ofensiva nas relações de afetividade, que remotamente são hierarquizadas entre os sexos, relação essa que submete, domina e impede a mulher do seu livre exercício de autonomia.

A base da violência contra as mulheres é sustentada na medida em que esta é naturalizada e banalizada, vista socialmente como algo que é permitido e aceitável. Outro ponto crucial é reconhecer as relações de desigualdade e de poder, que vulnerabilizam a mulher simplesmente pela condição de gênero, inseridas num contexto histórico discriminatório, identificar esses pontos é imprescindível para evitar que a violência se cultive e venha conceber o mais fatal dos frutos, a morte.

 

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[1] Graduada em Serviço Social pela Universidade Federal do Tocantins. Estudante de Direito na Faculdade Católica do Tocantins.
[2] Mestre em Direito Econômico e Desenvolvimento pelo Programa de Mestrado em Direito da Universidade Candido Mendes – UCAM. Defensor Público Federal de 1ª Categoria na Defensoria Pública da União no Estado do Tocantins.  Professor de Direito da Faculdade Católica do Tocantins.

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