A Execução provisória da pena e o Princípio da Presunção de Inocência: uma análise acerca das decisões do Supremo Tribunal Federal

Paulo César da Silveira Santos, Advogado Criminalista, Pós-graduando em Direito Penal e Processual Penal, pela Fundação Escola Superior do Ministério Público.

Resumo: O presente trabalho tem como escopo, analisar as decisões do Supremo Tribunal Federal, face ao tema da execução provisória da pena e o princípio da presunção de inocência. Fazer um resgate histórico das decisões da Suprema Corte; os argumentos utilizados pelos Ministros, bem como a mudança de entendimento da mais alta Corte do país. Analisar o instituto da presunção de inocência ante aos dispositivos da Constituição Federal de 1988, além de um rápido e sintético estudo das Constituições dos principais países do mundo relacionados ao tema, e o princípio como garantia fundamental inerente à pessoa humana. Tem como objetivo, ainda, apontar os problemas que acarretam ao não se estabelecer critérios objetivos na aplicação correta dos dispositivos constitucionais e infra legais. Portanto, o presente trabalho tem como principal objetivo analisar as decisões dos Ministros da Suprema Corte, e os institutos jurídicos, para demonstrar a inviabilidade da execução antecipada antes de decisão final transitada em julgado.

Palavras-chave: Execução da pena. Presunção de inocência. Constituição Federal. Supremo Tribunal Federal. Prisão.

 

Abstract: The present work has as its scope, analyze the decisions of the Supreme Court, in relation to the subject of the provisional enforcement of the punishment and the principle of presumption of innocence. Make a historic rescue of Supreme Court decisions; the arguments used by the Ministers as well as the change of understanding of the highest court of the country. Analyze the presumption of innocence before the provisions of the Federal Constitution of 1988, as well as a quick and synthetic study of the constitutions of the leading countries in the world related to the topic, and the principle as fundamental guarantee inherent in human person. Aims to also point out the problems that lead to establish objective criteria on correct application of constitutional and legal infrastructure devices. Therefore, the present work has as its main objective to analyze the decisions of the Ministers of the Supreme Court, and legal institutes, to demonstrate the impracticality of executing prior to final decision.

Keywords: execution of the sentence; Presumption of innocence; the Federal Constitution; Supreme Court; Jail.

 

Sumário: Introdução. 1. A Presunção de inocência e a Constituição Federal de 1988. 1.1 A presunção de inocência como direito fundamental. 2. A presunção de inocência e o STF. 2.1 Habeas corpus Nº 137.063/SP. 2.2 Habeas Corpus Nº 147.452/MG. 2.3 Habeas Corpus Nº 153.466/PE. 2.4 Habeas Corpus Nº 126.292/SP. 2.5 Habeas Corpus Nº 84.078-MG. 3. O princípio da presunção de inocência pelo mundo e a inviabilidade da execução provisória da pena. 3.1 A presunção de inocência na Europa. 3.2 A presunção de inocência na América. 3.3 O estado de inocência. 4. O novo entendimento do STF. 5. A possibilidade de alteração por meio de emenda constitucional. Conclusão. Referências.

 

INTRODUÇÃO

Hodiernamente, a execução provisória da pena antes da sentença penal condenatória transitada em julgado tem sido alvo de grande discussão pela doutrina e pelos Tribunais Superiores. A grande controvérsia do tema e instabilidade das decisões do Supremo Tribunal Federal, dá-se em torno da afronta ao princípio da presunção de inocência e da não culpabilidade, direito fundamental que pela primeira vez foi inserido no texto constitucional pelo legislador de 1988. O que anteriormente ficava a cargo da doutrina e das orientações dos tribunais, passou a ser uma grande conquista ao fazer parte do rol de direitos e garantias fundamentais, inserido no Art. 5º, inciso LVII da Constituição Federal de 1988. Trata-se de norma autoexequível, ou seja, tem todos os elementos necessários para sua aplicação imediata na proteção dos direitos e garantias.

Aquilo que só poderia ser encontrado nos livros ou em Constituições de outros países, passou a ser um considerável avanço inserido no nosso ordenamento jurídico. Ao não declarar culpado o acusado antes que efetivamente surja para o Estado o poder de punir, ou seja, a execução da pena efetiva a constituição enfatiza, por meio do seu rol de direitos e garantias fundamentais, que a prisão é exceção e não a regra, tornando-se assim um estado democrático de direito.

O Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição de 1988, tem, reiteradamente, deixado de observar o que o texto constitucional traz expressamente no rol dos direitos e garantias constitucionais. As normas constitucionais deixaram de ser aplicadas como fontes normativas imediatamente aplicáveis, e passaram a ser fontes conselheiras que tem permitido interpretações dúbias e divergentes daquelas as quais foram destinadas.

A partir daí muitos insurgiram-se contra as decisões da Suprema Corte, ora, uma estabelecia a garantia fundamental insculpida na Carta Magna de 1988 e a outra feria o mesmo dispositivo, além de também estar em desacordo com o que dispõe a Convenção Interamericana de Direitos Humanos, trazendo a sensação de instabilidade jurídica e de influência social nas decisões do judiciário.

Portanto, o principal objetivo do presente artigo é trazer à lume as decisões que autorizam a execução da pena antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória, pois, assim sendo, as decisões ganham contornos de compadrio e amoldam-se em função de determinados réus. Levando a jurisprudência do STF a mudar em torno de entendimentos que ferem o texto constitucional.

 

  1. A presunção de inocência e a Constituição Federal de 1988

Para que se chegasse a atual redação que traz o art. 5º, inciso LVII, “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”, a Constituição Federal de 1988 passou por vários outros textos. As Constituições pretéritas, também dispunham de capítulo próprio que se referia aos direitos e garantias individuais. Contudo, foi a Carta Republicana de 1988 que se tornou pioneira em se referir ao princípio da presunção de inocência. Numa análise histórica, por meio do decreto nº 91450 de julho de 1985, o governo criou uma comissão que se dedicava à análise do conteúdo constitucional, afim de que se elaborasse um pré-projeto, da que hoje é conhecida como a Constituição Cidadã. (BARBAGALO, 2015, p. 47)

O anteprojeto Afonso Arinos trazia a seguinte redação em seu artigo 47, §7º: “presume-se inocente todo o acusado até que se haja declaração judicial de culpa”.

Em fevereiro de 1987, já instaurada a Assembleia Constituinte, foram criadas as orientações que formariam as temáticas comissões. Dentre as oito, aquela que ficaria responsável pelos Direitos e Garantias Do Homem e da Mulher, que por sua vez, subdividiu-se em três outras comissões, daí o surgimento da análise acerca do Direitos e Garantias Individuais. A partir das análises feitas pelos estudiosos da época, destinados a elaborar o texto que abarcaria o tema da presunção de inocência, em abril de 1987 o professor Cândido Mendes sugeriu uma das mais importantes observações que fez acerca dos direitos do preso. Preocupava-se com as mais diversas formas incriminadoras e arbitrárias, e que acima de tudo preservariam seus direitos. (BARBAGALO, 2015, p. 47-49)

[…]Que se identifiquem os interrogadores, que se possa, sobretudo, permitir que o advogado de defesa do preso seja de sua escolha, que se comunique à família o local da detenção e que se inverta a presunção que hoje caracteriza a posição do Estado dentro da limitação dos direitos das pessoas. E qual é? E que hoje se presuma a culpabilidade e não inocência. O princípio da implementação dos direitos humanos, nesse aspecto fundamental das garantias, deveria dizer: “presume-se a inocência do cidadão, ou do acusado, até a declaração judicial da sua condenabilidade, ou de sua condenação”[…].

O texto de Candido Mendes serviu como base, para aquilo que mais tarde se tornaria a redação que dispõe o inciso LVII, do art. 5º da atual Constituição. As discussões acerca do texto que seria definitivamente inserido no corpo dos direitos e garantias fundamentais continuaram.

Osvaldo Coelho e Jairo Bisol, dentre outros, apresentaram suas propostas para que se chegasse ao mais técnico termo referente ao princípio da presunção de inocência. Mas foi José Ignácio Ferreira quem elaborou o atual dispositivo, após muito debate realizado na comissão. Dentre as celeumas, acreditava que seria uma expressão que a doutrina criticaria.

O que poucos doutrinadores ousam em afirmar é que a Constituição Federal de 1988 não previu expressamente uma presunção de inocência, mas que a culpabilidade não poderia ser declarada antes do trânsito em julgado. Portanto, a celeuma ainda gira em torno de interpretações, mas que fatalmente tem colocado um direito fundamental sobre uma linha tênue e em debates de grandes incertezas.

 

1.1 A Presunção de Inocência como Direito Fundamental

            Desde a antiguidade e com a evolução histórica da humanidade, pôde-se observar que havia uma grande necessidade de o Estado desenvolver, por meio do aparelhamento que dispunha, garantias à proteção do indivíduo dentro do convívio social.

Acredita-se que o Código de Hammurabi, há cerca de 1690 a.C, tenha sido o primogênito na codificação de direitos e garantias fundamentais.

Além da influência religiosa na concessão de direitos e mesmo com a segregação, que distinguiam as classes sociais umas das outras, a Inglaterra, por meio da Magna Charta Libertatum previa importantes direitos, dentre eles: […]a liberdade da Igreja da Inglaterra, restrições tributárias, proporcionalidade entre delito e sanção (A multa a pagar por um homem livre, pela prática de um pequeno delito, será proporcional à gravidade do delito; […] (MORAIS, 2017, p. 6-7)

Em uma pequena análise realizada acerca das previsões históricas dos direitos e garantias fundamentais, pode-se perceber que os textos constitucionais, desde a antiguidade, preocupavam-se em garantir; e, uma vez garantidos, preserva-los face aos poderes que o Estado detinha sobre o indivíduo. A arbitrariedade era fator preponderante na atuação do Estado.

No Brasil, a inserção do direito à presunção de inocência como direito fundamental trouxe inestimável avanço para o estado democrático de direito, pois o povo saia das limitações impostas pela ditadura, onde tudo era limitado aos ditames impostos pelo poder Estatal e passou a ter seus direitos expressamente resguardados pela Carta Maior.

Como já descrito alhures, constatou-se que a evolução do princípio da presunção de inocência passou por várias discussões até hoje, e ainda não é diferente, busca não declarar a culpa do apenado, tampouco presumi-lo inocente, mas preservar o seu direito de não ser recolhido preso até uma sentença penal condenatória transitada em julgado.

Impende destaque o que se assentou no HC 84.078/MG: Que a ampla defesa não seja analisada de forma restrita, mas que seja observada em todas as fases do processo. Desde as instâncias monocráticas, até a mais alta corte.

 

  1. A presunção de inocência e o STF

            Antes e após a Constituição de 1988 os votos de Habeas Corpus que postulavam a liberdade após sentença condenatória prolatada em primeira instância, nunca tiveram unanimidade no sentido de recolhimento do preso sem o definitivo trânsito em julgado. Ainda que a tradicional decisão seja em relação a possibilidade da execução da pena antes do trânsito em julgado, o que vem se observando é que hoje há uma grande divergência em relação aos votos proferidos pelos Ministros da Suprema Corte.

Numa rápida busca pelas fontes de informações do Supremo Tribunal Federal é possível constatar inúmeros habeas corpus correlacionados ao tema, com posicionamentos divergentes uns dos outros. Percebe-se, ainda, que a maioria daqueles que suspendem ou indeferem a execução da pena antes de transitado em julgado o processo, são decisões monocráticas.

Diante disso, vislumbra-se a ideia de que o acaso e a sorte podem definir o futuro daquele que se encontra recluso. Ou seja, se o Remédio Constitucional tiver como relator alguém favorável à execução da pena antes do trânsito em julgado, este ficará recluso até sentença final condenatória, porém, se distribuído à um dos ministros contrários a execução imediata, terá a sorte de responder em liberdade até sentença condenatória definitiva. Fazendo saliente ainda mais e instáveis aos olhos de todos, as decisões judiciárias que vêm sendo proferidas pelo STF.

Recentemente, decisões de habeas corpus sob os mais diversos argumentos vêm sendo proferidas no sentido de suspender a execução provisória da pena antes do trânsito em julgado. A exemplo, dentre tantos outros, os HC’s: nº 137.063, nº 147.452, nº 153.466, além da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 43.

 

2.1  Habeas Corpus nº 137.063/SP

            A impetração do presente Remédio Constitucional visava a liberdade do paciente Aladio Palmiere José Adriano; relatoria do Min. Ricardo Lewandowski. A defesa do paciente sustentava que o Superior Tribunal de Justiça, em suma, não concedeu a liminar que deferia a liberdade do paciente, por deficiência em sua fundamentação, além de se fundar na impossibilidade da execução da pena antes do trânsito em julgado, fundamentalmente esculpido na Carta Magna, sob o princípio da presunção de inocência.

A decisão monocrática do ministro Ricardo Lewandowski, prolatada em 12 de setembro de 2017, concedeu a ordem que autorizava a liberdade ao paciente para responder ao processo em liberdade, até que seja proferida decisão da qual não caiba mais recursos (trânsito em julgado).

Ressaltou o eminente Ministro que, ainda que a tese firmada pelo colegiado da Suprema Corte seja pela possibilidade da execução da pena antes do trânsito em julgado, firmada no HC 126.292/SP, reafirmou categoricamente: “isso é absolutamente taxativo, categórico; não vejo como se possa interpretar esse dispositivo”. Referindo-se ao princípio da presunção de inocência. “[…]Como se sabe, a nossa Constituição não é uma mera folha de papel que pode ser rasgada sempre contrarie as forças políticas do momento[…]”

As duras críticas à execução da pena antes do trânsito em julgado se estendem ao longo do seu voto, destacando com veemência, a falta de cumprimento das disposições constitucionais, face aos acontecimentos políticos atuais a que o país vem se submetendo.

 

2.2 Habeas Corpus nº 147.452/MG

            Em 28 de setembro de 2017 o Ministro Celso de Melo, também em decisão monocrática, concedeu ordem que suspendia a execução provisória da pena do paciente Ladir Ferreira da Silva Filho. Na ocasião, o eminente ministro, como de praxe, teceu duras críticas em relação ao descumprimento frontal às disposições que trazem a Constituição Federal.

“[…] Ao participar dos julgamentos que consagraram os precedentes referidos, integrei a corrente minoritária, por entender que a tese da execução provisória de condenações penais ainda recorríveis transgride, de modo frontal, a presunção constitucional de inocência, que só deixa de subsistir ante o trânsito em julgado (que não pode ser fictício) da decisão condenatória (CF, art. 5º, LVII).

 

Acentuei, então, que eventual inefetividade da jurisdição penal ou do sistema punitivo motivada pela prodigalização de meios recursais, culminando por gerar no meio social a sensação de impunidade, não pode ser atribuída à declaração constitucional do direito fundamental de ser presumido inocente, pois não é essa prerrogativa básica que frustra o sentimento de justiça dos cidadãos ou que provoca qualquer crise de funcionalidade do aparelho judiciário.

 

Na realidade, a solução dessa questão há de ser encontrada na reformulação do sistema processual e na busca de meios que, adotados pelo

Poder Legislativo, confiram maior coeficiente de racionalidade ao modelo   recursal, mas não, como se decidiu, na inaceitável desconsideração de um dos direitos fundamentais a que fazem jus os cidadãos desta República fundada no conceito de liberdade e legitimada pelo princípio democrático.

 

A posição que prevaleceu naqueles julgamentos refletesegundo entendopreocupante inflexão hermenêutica, de índole regressista, em torno do pensamento jurisprudencial desta Suprema Corte no plano sensível dos direitos e garantias individuais, retardando, em minha percepção, o avanço de uma significativa agenda judiciária concretizadora das liberdades fundamentais em nosso País.

 

O fato incontestável no domínio da presunção constitucional de inocência reside na circunstância de que nenhuma execução de condenação criminal em nosso País, mesmo se se tratar de simples pena de multa, pode ser implementada sem a existência do indispensável título judicial definitivo, resultante, como sabemos, do necessário trânsito em julgado da sentença penal condenatória[…]”.

 

Em seu voto o Ministro Celso de Melo enfatiza a sua posição em relação ao tema, e ressalta a necessidade de uma boa interpretação do texto constitucional, além de trazer um comparativo internacional correlacionado ao tema da execução provisória da pena. Destacou os posicionamentos trazidos pelas Constituições Italiana e Portuguesa.

“[…]Cumpre assinalar que, em sede de direito comparado, a exigência de prévio trânsito em julgado da condenação criminal, como requisito legitimador da execução da pena, não traduz singularidade nem configura idiossincrasia do constitucionalismo brasileiro, pois a Constituição da República Italiana de 1947 (art. 27) e a Constituição da República Portuguesa de 1976 (art. 32, n. 2) também estabelecem que a presunção de inocência (tal como ocorre na Constituição brasileira de 1988) somente cessará após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória[…]”.

 

Fica evidenciado, por meio do voto do eminente Ministro, a clara violação aos direitos e garantias fundamentais adquiridos pelo cidadão brasileiro, após a promulgação da Constituição de 1988. E que existe a extrema necessidade de só se considerar culpado, àquele que teve todos os meios probatórios e recursais possíveis, até sentença final da qual não caiba nem um tipo de meio capaz de reverter a situação do condenado.

 

2.3 Habeas Corpus nº 153.466/PE

            O ministro Gilmar mendes, no julgamento do Habeas Corpus supracitado, que tinha como pacientes DANIEL DOS SANTOS MOREIRA, ELIEZER DOS SANTOS MOREIRA, RANIERY MAZZILLI BRAZ MOREIRA e MARIA MADALENA BRAZ MOREIRA, decidiu pela suspensão da execução da pena privativa de liberdade, pela condenação imposta aos réus, por suposta prática de formação de quadrilha, art. 288; corrupção ativa, art. 333 e falsificação de papeis públicos, art. 293, I; todos do Código Penal, e combinados com os arts. 69 e 70, do mesmo dispositivo legal:

“[…]Todavia, no julgamento do HC 126.292/SP, o Ministro Dias Toffoli votou no sentido de que a execução da pena deveria ficar suspensa com a pendência de recurso especial ao STJ, mas não de recurso extraordinário ao STF. Para fundamentar sua posição, sustentou que a instituição do requisito de repercussão geral dificultou a admissão do recurso extraordinário em matéria penal, que tende a tratar de tema de natureza individual e não de natureza geral ao contrário do recurso especial, que abrange situações mais comuns de conflito de entendimento entre tribunais.

 

Ainda, no julgamento do HC 142.173/SP (de minha relatoria, Segunda Turma, DJe 6.6.2017), manifestei minha tendência em acompanhar o Ministro Dias Toffoli no sentido de que a execução da pena com decisão de segundo grau deve aguardar o julgamento do recurso especial pelo STJ.

 

No caso, verifico que o REsp 1.633.329/PB, interposto pelos pacientes (eDOC 4), encontra-se pendente de apreciação naquela Corte Superior, o qual foi interposto contra o acórdão do TRF da 5ª Região que julgou o recurso de apelação da defesa (eDOC 3 e 6).

 

Assim, no legítimo exercício da competência de índole constitucional atribuída ao Superior Tribunal de Justiça, nos termos do art. 105, III, e incisos, da Constituição Federal, é de se admitir, em tese, a possibilidade do afastamento dessa execução provisória em decorrência do eventual processamento e julgamento do recurso especial. Nesse sentido decidi, em 6.10.2017, ao julgar o HC 147.981 MC/SP, de minha relatoria.

 

Ante o exposto, defiro a medida liminar para suspender o início da execução da pena a que foi submetido os pacientes DANIEL DOS SANTOS MOREIRA, ELIEZER DOS SANTOS MOREIRA, RANIERY MAZZILLI BRAZ MOREIRA e MARIA MADALENA BRAZ MOREIRA, nos autos do Processo n. 0800248-81.2017.4.05.8205, que tramita no Juízo da 14ª Vara Federal da Seção Judiciária de Patos/PE, até o julgamento do mérito deste habeas corpus[…]”.

 

Como já percebido, as decisões monocráticas da corrente minoritária do Supremo Tribunal Federal vêm deixando cada vez mais evidente a instabilidade das decisões da mais alta corte brasileira, ora as decisões monocráticas deixam os pacientes em liberdade até o trânsito em julgado de decisão final condenatória, ora o colegiado trata de forma diferente aqueles que são submetidos à apreciação do pleno. A exemplo disso, as diferentes decisões, proferidas em cenários e épocas diferentes, dos habeas corpus nº 126.292/SP e 84.078-MG.

 

2.4 Habeas Corpus nº 126.292/SP

            No dia 17 de fevereiro de 2016 o plenário do Supremo Tribunal Federal, sob a presidência do Ministro Ricardo Lewnadowski, e relatoria do Ministro Teori Zavascki, deliberou acerca do controverso tema execução antecipada da pena.

O paciente Marcio Rodrigues Dantas, acusado de praticar o crime descrito no art. 157, 2º, I e II, (roubo majorado) do Código Penal, e condenado a uma pena de 5 anos e 4 meses de reclusão, apelou para o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, o qual negou o recurso, mandando expedir imediatamente o mandado de prisão do paciente. Após a decisão, a defesa impetrou habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça, com o intuito de obter a liberdade do acusado enquanto não tivesse diante de sentença penal condenatória transitada em julgado. O remédio foi negado pelo Presidente do STJ.

O writ teve a sua fundamentação baseada nos argumentos de que não havia o trânsito em julgado da decisão que o condenou a pena já descrita alhures, que a prisão havia sido decretada após uma ano e meio da prolação da sentença, e mais de três anos após o paciente ter sido posto em liberdade; e, portanto, a postulação para responder ao processo em liberdade.

Na oportunidade, o Ministro Luiz Roberto Barroso destacou que o tema incorria, desde a promulgação da Constituição de 1988, na possibilidade de execução da pena antes do trânsito em julgado não ferir o princípio constitucional da não culpabilidade, mas que esse entendimento teria se espraiado apenas até o ano de 2009, momento em que a suprema corte haveria de mudar seu entendimento, após uma interpretação mais literal do art. 5º inciso LVII da Constituição Federal de 1988.

O Ministro Marco Aurélio, defensor da não execução antecipada da pena, em seu voto, deu nuances do que parece ser um dos maiores problemas em relação ao tema. Ou seja, que morosidade faça prescrever o delito antes que se tenha todos os recursos e possibilidades de defesa exauridos pelo decurso do tempo. É como se as decisões que fossem favoráveis ao cumprimento da pena antecipada, estivessem amparadas no lapso temporal. Ou seja, que se execute logo a pena, pois o desenvolver do processo se tornará moroso, e correrá o risco de não ser julgado a tempo do efetivo cumprimento da pena. Disse:

“[…]Tenho dúvidas, se, mantido esse rumo, quanto à leitura da Constituição pelo Supremo, poderá continuar a ser tida como Carta cidadã[…]”.

 

“[…]Reconheço, mais, que a Justiça é morosa, que o Estado, em termos de persecução criminal, é moroso. Reconheço, ainda, que, no campo do Direito Penal, o tempo é precioso, e o é para o Estado-acusador e para o próprio acusado, implicando a prescrição da pretensão punitiva, muito embora existam diversos fatores interruptivos do prazo prescricional.

 

Reconheço que a época é de crise. Crise maior. Mas justamente, em quadra de crise maior, é que devem ser guardados parâmetros, princípios e valores, não se gerando instabilidade, porque a sociedade não pode viver aos sobressaltos, sendo surpreendida.

Ontem, o Supremo disse que não poderia haver a execução provisória, quando em jogo a liberdade de ir e vir. Considerado o mesmo texto constitucional, hoje, conclui de forma diametralmente oposta, por uma maioria que, presumo, virá a ser de sete votos a quatro. Não quero atrelar Vossa Excelência a qualquer das correntes, mas imagino, em termos de concepção do Direito positivo, de interpretação – que é ato de vontade, mas é ato vinculado ao Direito positivo –, o seu voto[…]”.

Na ocasião, a mudança de entendimento que a mais alta corte brasileira se submetia, após anos de firmado entendimento, entre 2009 e 2016, de que não era possível a execução antecipada da pena, o Supremo Tribunal Federal decidiu por maioria, pela não concessão da ordem, e em consequência a revogação da liminar que autorizava a liberdade do paciente para responder em liberdade até o trânsito em julgado da sentença condenatória. Foram vencidos os Ministros Rosa Weber, Marco Aurélio, Celso de Melo e Ricardo Lewandowski. Os demais acompanharam o voto do relator, pela denegação da ordem.

Os mais diferentes argumentos proferidos nos votos do HC 126.292/SP, levantaram hipóteses e questionamentos doutrinários acerca da mudança de entendimento que vigorou por anos na Suprema Corte, da instabilidade das decisões proferidas pelos tribunais recursais, do amoldurado em relação ao momento político em que o país passa.

Fica evidenciado que vários fatores influenciam negativamente quando uma execução ocorre antes do trâmite legal exaurido. Não só em relação a interpretação do texto constitucional, mas também outros fatores como a superpopulação carcerária, a morosidade no julgamento dos recursos, e tantos outros.

 

2.5 Habeas Corpus nº 84.078-MG

            O entendimento que prevalecia na Suprema Corte, antes da mudança de orientação jurisprudencial, é de que se sobrepunha sobre qualquer decisão que declarasse a execução imediata da pena o princípio da presunção de inocência, insculpido no art. 5º inciso LVII, da Constituição Federal de 1988.

Em 05 de fevereiro de 2009, com relatoria do Ministro Eros Grau, o paciente Omar Coelho Vitor postulou pelo remédio constitucional à corte suprema, após ser sentenciado pela prática do crime previsto no art. 121, §2º, I e IV, c/c o art. 14, II, ambos do Código Penal Brasileiro.

Na ocasião, o que trazia grande impasse, relacionava-se com o fato de que o Ministério Público do Estado de Minas Gerais postulava pela prisão preventiva do paciente, uma vez que, ele supostamente planejava se esquivar da efetiva aplicação da lei penal, pois dispunha de vultuoso patrimônio com intuito de se evadir de onde residia, fatos que foram contestados pela defesa.

O recolhimento do paciente ao sistema prisional, após afastada a hipótese e os fundamentos de prisão preventiva foram vistos pelo relator como “contornos de execução antecipada da pena”. O relator, além disso, teceu considerações fundamentadas em diversos dispositivos legais, para fundamentar a concessão de ordem que permitem ao paciente responder ao processo em liberdade.

“[…}4. Refletindo a propósito da matéria, estou inteiramente convicto de que o entendimento até agora adotado pelo Supremo deve ser revisto.

 

  1. O artigo 637 do Código de Processo Penal — decreto-lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1.941 — estabelece que “[o] recurso extraordinário não tem efeito suspensivo, e uma vez arrazoados pelo recorrido os autos do traslado, os originais baixarão à primeira instância para a execução da sentença”.

 

  1. A Lei de Execução Penal — Lei n. 7.210, de 11 de julho de 1.984 — condicionou a execução da pena privativa de liberdade ao trânsito em julgado da sentença condenatória (artigo 1052) , ocorrendo o mesmo com a execução da pena restritiva de direitos (artigo 1473). Dispõe ainda, em seu artigo 1644, que a certidão da sentença condenatória com trânsito em julgado valerá como título executivo judicial.

 

  1. A Constituição do Brasil de 1988 definiu, em seu artigo 5º, inciso LVII, que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. 8. Daí a conclusão de que os preceitos veiculados pela Lei n. 7.210/84, além de adequados à ordem constitucional vigente, sobrepõem-se, temporal e materialmente, ao disposto no artigo 637 do CPP.

 

  1. No que concerne à pena restritiva de direitos, ambas as Turmas desta Corte vêm interpretando o artigo 147 da Lei de Execução Penal à luz do texto constitucional, com o que afastam a possibilidade de execução da sentença sem que se dê o seu trânsito em julgado[…]”.

 

A enfática de que a restrição ao direito de locomoção é exceção e não a regra foi minuciosamente fundamentada pelo Ministro relator, ora, destacou sobre a vedação à pronta execução da pena restritiva de direito, sem que haja sentença penal condenatória, quiçá a execução da pena privativa de liberdade, mais gravosa.

O habeas corpus nº 84.078-MG, marco temporal, que impedia por longos anos a execução antecipada da pena, teve acentuadas críticas proferidas pelo relator, ao enfatizar que de nada se prestaria a Constituição Federal de 1988, se permitisse o cumprimento antecipado da pena.

No julgamento, a maioria, e com 7 votos a 4, decidiram seguir o voto do relator pela concessão da ordem do HC.

Em todos os HC’s que foram capitulados neste tópico, ficou evidenciada a preocupação em relação à diversos pontos que serviram como base para as decisões que contrariam a execução antecipada da pena. Desde o descumprimento da Carta Maior, como o bojo normativo infraconstitucional; dos direitos e garantias fundamentais; do não punir apenas por punir; do ativismo judicial, e do momento político-social que o país se encontra.

No ano de 2019 o plenário do STF voltou a discutir a questão.

Após os mais diversos argumentos dos Ministros, decidiu-se, mais uma vez pela não execução da pena antes do trânsito em julgado, colocando em liberdade centenas de presos, inclusive políticos, que estavam cumprindo pena antes que todas as instâncias fossem exauridas.

 

  1. O princípio da presunção de inocência pelo mundo e a inviabilidade da execução provisória da pena

            O princípio da presunção de inocência, tido como direito e garantia fundamental insculpido no corpo constitucional, tem papel importante na ordem jurídica e penal do ordenamento jurídico brasileiro. O fato é que, tem sido interpretado e aplicado de forma a se amoldar a situações específicas, e não de forma igualitária na correta aplicação das normas constitucionais.

Os diversos argumentos utilizados, principalmente pelos ministros da Suprema Corte na ocasião em que o posicionamento tomou rumos diferentes daquele que vinha sendo traçado desde o ano de 2009, não trouxe clareza ao jurisdicionado, uma vez que, incidiram vários fatores que não o da preservação da correta aplicação do dispositivo constitucional.

O clamor popular tem cada vez mais influência nas decisões, principalmente dos tribunais superiores, uma vez que, expor sua decisão diante dos olhos de milhões de brasileiros não deve ser encarado como tarefa fácil pelos ministros. A política, a mídia e a cobrança pelos mais variados órgãos e poderes, certamente tem papel influenciador nas decisões.

As mais altas cortes espalhadas pelo mundo, assim como o Brasil, têm o dever de observar este que parece ser uma das maiores conquistas obtidas pelo Brasil, após uma sombria parte da história do país e do mundo, com o advento da promulgação da Constituição de 1988, nasce a proteção às garantias fundamentais inerentes ao ser humano.

As nações contemplaram a necessidade de estabelecerem a consagração do princípio da presunção de inocência. Portanto, não é exclusividade do Brasil, contudo, o constante descumprimento ao texto constitucional é algo recorrente e prejudicial à ordem jurídica do país.

 

3.1 A presunção de inocência na Europa

            O povo francês não tem em sua constituição e de forma explícita a consagração ao princípio da presunção de inocência. Contudo, encontra arrimo no preâmbulo da Constituição de 1946, que prevê a aderência aos direitos humanos.

Após longo período de deliberação entre correntes distintas, uma que postulava pela inclusão do princípio da presunção de inocência e a outra que tinha pensamentos contrários, a Constituição Italiana previu expressamente, em seu artigo 27, “o acusado não é considerado culpado até condenação a definitiva”.

A constituição da Espanha de 1978, também de forma expressa prevê o princípio da presunção de inocência como basilar nos meios garantidores de um processo penal protetor dos direitos humanos.

“Assim mesmo, todos têm direito a um juiz predeterminado por lei, a defesa e a assistência de advogado, a ser informados da acusação formulada contra si, a um processo público sem dilações indevidas e com todas as garantias, a utilizar os meios de prova pertinentes para sua defesa, a não testemunhar contra si mesmo, a não se confessar culpado e à presunção de inocência”.

O texto constitucional de Portugal traz de forma mais incisiva a observância ao princípio garantidor da presunção de inocência, dispondo em seu art. 32, 2: “Todo o arguido se presume inocente até o trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa”. (BARBAGALO, 2015, p. 41-43)

De forma expressão ou não, o fato é que as constituições dos principais países do mundo trazem como forma de garantia, o razoável trâmite processual com observância aos direitos e garantias fundamentais, e asseguram ao jurisdicionado o direito de não culpabilidade antes de todos os recursos possíveis se esgotarem.

 

3.2 A presunção de inocência na América

            No capítulo inicial do Ato Constitucional de 1982, o Canadá estabelece a presunção de inocência: “Qualquer pessoa acusada de um delito tem o direito […] de ser presumida inocente até que se prove culpa de acordo com a lei, em uma audiência justa e pública por um tribunal independente e imparcial”.

A constituição estadunidense não traz de forma expressa sobre a presunção de inocência. Porém, em alguns casos específicos foram de forma detalhada a histórica presunção de inocência, caso Coffin v. United States e Miranda v. Arizona.

O que se observa, em uma breve análise acerca da presunção de inocência pelas diversas ordens constitucionais espalhadas pelos principais países do mundo é que, seja de forma explícita ou implícita, são garantidos os direitos àqueles que estão sob investigação ou já foram condenados, os direitos à um julgamento de forma imparcial, rápida, e não punitivo antes do trânsito em julgado.

A exemplo de países que não trazem de forma expressa essa garantia constitucional estão: Argentina, Uruguai e a República de Chile. Contudo, dentre os países da América do Sul que dispõem de forma expressa, destacam-se, Peru que prevê no art. 2º, 24. “e” da Constituição: “Toda pessoa é considerada inocente enquanto não seja declarada judicialmente sua responsabilidade”, e o Paraguaia que reconhece a presunção de inocência em seu art. 17 (Dos direitos processuais): “No processo penal ou em qualquer outro do qual possa derivar pena ou sanção, toda pessoa tem direito a: que seja presumida sua inocência”. (BARBAGALO, 2015, p. 43-45)

 

3.3 O estado de inocência

            Como já analisado, algumas nações aderem ao princípio da presunção de inocência de forma expressa, enquanto outras, implicitamente fazem jus à aplicação normativa da presunção de inocência ou não culpabilidade. Como leciona Fernando Barbagalo: “não se tratam de perspectivas contrastantes, mas convergentes”. (BARBAGALO, 2015, p. 65)

Com isso, enquanto inicialmente se trata de medidas probatórias, num segundo momento relaciona-se com a impossibilidade de que se tome qualquer decisão ao acusado que lhe dê o status de culpado, como o recolhimento ao sistema carcerário, cessando o seu direito de ir e vir, sem que apurados os elementos que o impossibilitem de recorrer das decisões judiciais em liberdade.

Conclui-se que o estado de inocência é presumido, após a absolvição, e não imputado de pronto após elementos probatórios mínimos e frágeis, que podem, a qualquer tempo, violar direitos e garantias do cidadão. Contudo, não haveria muita lógica ao afirmar que o juiz, após todos os elementos probatórios colhidos prolatasse uma sentença, e que o réu seria presumido inocente. Neste caso, a presunção seria de culpa. Essa garantia de estado de inocência, regra, resguarda o réu de não lhe imputar culpa antes do trânsito em julgado.

Pode-se concluir, então, que por mais reprovável que seja a conduta do agente, a punição não pode se fundar no sentimento de vingança e de justiça a qualquer custo, fazendo o papel ditatorial sem formação de culpa.

  1. O novo entendimento do STF

Todos os apontamentos citados até aqui servirão de ampara para uma análise da nova posição adotada pela Suprema Corte.

No segundo semestre do ano de 2019, após vários dias de discussão, o Plenário do STF decidiu, mais uma vez, pela não execução da pena privativa de liberdade, pela obediência ao princípio da presunção de inocência e pelos dispositivos da Constituição Federal. Portanto, por meio desse novo entendimento não há mais a possibilidade de recolhimento do sentenciado em estabelecimento prisional, quando houver a possibilidade de recurso nas cortes superiores.

Fato é que, o momento político pode ter influenciado na decisão e consequentemente colocado em discussão outras questões, como o ativismo político do STF.

Fica cada vez mais longe de terminar a discussão e, novamente, surgem as mesmas dúvidas e questionamentos que pairavam sobre o antigo entendimento. Ainda vão ser tomadas decisões monocráticas que prejudicam o apenado, por aquele que pensa contrário a não execução da pena antes do trânsito em julgado? Perguntas que possivelmente demorarão a serem respondidas.

 

  1. A possibilidade de alteração por meio de emenda constitucional

Outra discussão que se levanta é a possibilidade da alteração do texto constitucional por meio Emenda Constitucional. Ora é consagrado que o dispositivo é cláusula pétrea e, portanto, não pode haver nenhum tipo de modificação.

Esse pensamento é plausível, contudo incorreto, uma vez que, o que não pode ocorrer é a supressão dos direitos e garantias fundamentais, mas pode ocorrer acréscimo daquilo que o legislador deixou de prever. O que se amolda ao caso da execução provisória da pena, pois nesse caso, o legislador deixou de estabelecer o que seria trânsito em julgado, deixando uma lacuna passível de interpretação por qualquer um.

A simples inclusão da definição de trânsito em julgado pelo legislador ao texto constitucional acabaria com a discussão que se protela por vários anos.

O que está ocorrendo na verdade com os debates para a alteração da legislação infraconstitucional, como é o caso do Código de Processo Penal, não resolveria o problema, mas sim continuaria a celeuma em torno do mesmo assunto, pois o que está em discussão é aquilo que se interpreta da constituição e não o que diz a legislação infraconstitucional. Essa não tem capacidade para dizer aquilo que a carta maior tem que fazer ou não.

 

Conclusão

            Foi possível constatar que os mais diversos argumentos que autorizam a execução antecipada da pena são frágeis. Que o sistema jurídico brasileiro e consequentemente o Supremo Tribunal, violava a Constituição federal de 1988, quando deixa de observar seus dispositivos. Utilizando uma interpretação que atende o clamor social, sedento de ver uma concreta punibilidade, mas que convergia com os direitos e garantias fundamentais. Dessa forma legislando por conta própria e punindo por punir.

O volátil entendimento da Suprema Corte, constantemente em mutação, recém alterado, não tem levado em consideração as consequências que essas decisões causam no mundo jurídico e social do país. Pois, pôde-se constatar, ainda mais, a fragilizada jurisprudência do STF, que vem de forma deliberada sendo aplicada para casos específicos, e não com efeito “erga omnes”, como deveria ser.

Em determinado momento o colegiado decide de uma forma, noutro as decisões monocráticas são decididas de outra. Beneficiando aqueles que são julgados pelos ministros que têm o entendimento contrário à execução antecipada da pena, e prejudicando aqueles que são julgados pelo o pleno.

Foi possível observar que os frágeis argumentos utilizados pelos ministros da Suprema Corte, deixaram de se preocupar com as possíveis injustiças que podem acontecer, sem a devida culpa comprovado do agente, antes do julgamento de todos os recursos possíveis.

A mídia tem espalhado, a todo tempo, a disseminação da violência e com isso trazendo a sensação de uma generalizada falta de segurança à população. Levados pelo sentimento de justiceiros, e imbuídos de forte clamor social, os juízes de todo o Brasil, têm cada vez mais a sensação de que precisam, a qualquer custo, dar uma resposta eficaz de justiça.

Por fim, se verificou a total dissonância entre o princípio da presunção de inocência, insculpido no art. 5º, inciso LVII, e as decisões do Supremo Tribunal Federal, que mudam constantemente.

A mudança deve ser literal ao texto constitucional, para que possa se firmar decisões sólidas e constantes, sem que haja tanta mudança num espaço de tempo tão curto.

 

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