A importância da educação superior na ressocialização do condenado

Resumo: A principal finalidade da pena aplicada deve ser a ressocialização do condenado que se encontra em cumprimento de pena e a reintegração deve ser totalmente adotada por todos os estabelecimentos prisionais. A educação é um direito social e é garantido constitucionalmente desde a promulgação da Carta Magna de 1988. É sabido que alguns presos são beneficiados com trabalho ou estudo das séries inicias ou, no máximo, do ensino médio. O presente artigo traz uma nova proposta, que ainda é minoritariamente utilizada e demonstra a importância da educação superior para que o condenado alcance sua total reintegração social quando voltar a conviver em sociedade.

Palavras-Chave: Educação Superior. Condenado. Ressocialização. Remissão de Penas.

Abstract: The main purpose of the sentence should be the rehabilitation of offenders is in compliance with sentences and reintegration must be fully implemented in all prisons. Education is a social right is constitutionally guaranteed since the promulgation of the Magna Carta of 1988. It is known that some prisoners are benefiting from work or study of the initial series or, at most, high school. This paper presents a new proposal, which is still a minority used and demonstrates the importance of higher education for the convicted reach their full social reintegration when you return to live in society.

Keywords: Higher Education. Convicted. Resocialization. Remission of Penalties. 

1. Introdução

A educação para todos é uma conquista social que foi resultado dos ideais preconizados na Idade Moderna como a liberdade e a igualdade.

O ingresso de todo e qualquer público nas escolas traz também todo e qualquer tipo de atitude de conflito e agressividade. Com isso, os problemas sociais enfrentados pelo estudante se traduzem em possíveis conflitos escolares.

Esse conceito de ensino em massa foi construído com base no princípio de ensinar toda a coletividade da mesma maneira com métodos rígidos e rigorosos, baseando-se em um aluno ideal que não existe e em um ensino baseado no ensinamento do professor e no aprendizado do aluno.

É um fato que as massas chegaram as Universidades e as mesmas precisam se adaptar a esse fato. É neste cenário que os educadores devem mostram que o ensino evoluiu e o método de ensinar também. Sem dúvida essa abertura, apesar de ser uma grande revolução, também um grande desafio, pois do mesmo jeito que diversas culturas sociais irão ingressar nos bancos da Universidade, todos os problemas sociais enfrentados irão ingressar juntamente.

Com a chegada das massas as Universidades, é evidente que foi aberta uma porta para todas as pessoas da sociedade. Chegou a hora de uma inclusão social e não podemos nos esquecer daquelas pessoas que no passado cometeram algum erro e que, certamente, um dia irão retornar para a sociedade. Por isso, devemos proporcionar que esse retorno e readaptação seja a menos dolorosa possível, proporcionando um ensino superior de qualidade para que o detento possa desenvolver suas habilidades profissionais quando terminar o cumprimento de sua pena.

2. NOÇÕES GERAIS SOBRE O SISTEMA PENITENCIÁRIO 

Não é novidade para ninguém a crise que o sistema carcerário brasileiro vive atualmente. As críticas são sempre feitas em demasia, entretanto, nenhum resultado prático tem surtido efeito.

É evidente que algumas represálias que a sociedade vem sofrendo são originadas dos presídios, pois o sentimento de revolta predomina grande parte da população carcerária. Atitudes drásticas precisam ser tomadas, pois já está muito bem demonstrado que o crime organizado é mais organizado do que muitas de nossas esferas estaduais.

Os investimentos e as transformações feitas em alguns setores não estão sendo suficientes para acompanhar a população carcerária que cresce a cada dia, em decorrência do aumento da criminalidade em todo o país.

É preciso uma mudança da mentalidade e personalidade do encarcerado e para isso precisamos alterar a base do tratamento penitenciário, proporcionando para aquele que está em cumprimento de pena, uma sanção com dignidade humana e não apenas um castigo como vem sendo utilizado em quase a totalidade dos estabelecimentos. Entretanto, essas mudanças só vão ocorrer quando não apenas os deveres, mas igualmente os direitos dos condenados forem respeitados sem imparcialidade.

Entendemos que não basta querer alterar a legislação penal e impor um tempo maior de pena, para aquele que cometeu o delito. É preciso lembrar que, além do caráter retributivo da pena, a mesma deve ter a função de prevenção e ressocialização do condenado para que, quando voltar ao convívio social, esteja realmente arrependido e não cometa outros delitos.

A sociedade como um todo trata o delinqüente como um objeto. A única coisa que importa é que o mesmo esteja atrás das grades para que não venha perturbar a sociedade. Esquecem, entretanto, que dia menos dia, o sentenciado voltará ao convívio social e a frequentar o meio em que vivemos. 

No cárcere, aquele que se encontra em cumprimento de pena enfrenta verdadeiro desprezo da sociedade em geral, perdendo totalmente sua individualidade, privacidade e sofrendo todo tipo de agressão e humilhação. Tais elementos só fortalecem o sentimento de revolta e vingança que irão carregar para o resto de suas vidas. Além disso, o sentenciado ao invés de se reeducar da conduta que praticou retorna para a sociedade ainda mais preparado para o crime do que quando iniciou sua execução de pena.

Ninguém aqui está defendendo a eliminação das prisões, muito menos que aquele que comete muitas vezes crimes bárbaros não cumpra sua pena. Estamos, sim, tentando demonstrar que a situação atual não é das melhores e que se os presos continuarem com o tratamento que estão tendo só irá propiciar o aumento dos índices de criminalidade e reincidência.

Por isso, é preciso que todos se conscientizem da importância da ressocialização do condenado e que o mesmo seja tratado com respeito em razão de garantia constitucional expressa da dignidade da pessoa humana.

O cárcere deve servir como um verdadeiro mecanismo de transformação do infrator, pois só assim a segurança pública será alcançada. Um dos mecanismos desta transformação é a possibilidade de proporcionar para aquele que esteja em cumprimento de pena uma formação superior que seja utilizada quando ele terminar de cumprir sua pena e retornar o convívio em sociedade.

2.1. Tratamento penitenciário

O tratamento penitenciário, de acordo com o artigo 10 da Lei de Execuções Penais tem por finalidade dar assistência ao encarcerado objetivando a prevenção do crime, orientação do retorno ao convívio social e evitar a reincidência. Explicaremos a seguir os principais elementos do tratamento penitenciário que deve ser disponibilizado ao preso para que possa ter o mínimo de subsistência dentro do cárcere:

“Assistência material: é assegurado ao preso fornecimento de alimentação, vestuário e instalações higiênicas.

Assistência à saúde: é assegurado ao preso assistência preventiva e curativa, compreendendo atendimento médico, farmacêutico e odontológico.

Assistência jurídica: é assegurado ao preso que não tem condição financeira a constituição de um advogado.

Assistência educacional: é assegurada a instrução escolar bem como a formação profissional dos presos.

Assistência social: tem por finalidade amparar o preso e prepará-lo para o retorno ao convívio em sociedade.

Assistência religiosa: é direito dos presos a liberdade de culto, sua prática dentro do cárcere e a posse de livros de instrução religiosa”.

Deve-se ressaltar, entretanto, que as hipóteses e direitos acima elencados são meramente exemplificativos, sendo possível encontrar outras hipóteses na própria Lei e em legislações esparsas.

Conforme demonstrado, o sistema penitenciário deve proporcionar assistência educacional ao condenado e este será o objeto do nosso estudo.

3. O direito a educação

O artigo 6º de nossa Constituição enuncia os direitos fundamentais sociais, ou seja, direitos que exigem prestações positivas do Estado para que se estabeleçam condições mínimas de uma vida digna para todos os seres humanos. A Educação encontra-se nesse rol, não deixando dúvidas sobre sua fundamentalidade.

Pode-se, também, observar que dentre todos os direitos sociais constitucionalmente assegurados o direito à educação ganhou especial atenção por parte do legislador constituinte e ordinário, ganhando status de direito fundamental justamente por torna-se base para a participação na vida social, ao mesmo tempo em que é fundamento para a obtenção da cidadania.

Cabe, neste momento, fazer referência a Paulo Freire, educador e humanista, que, com propriedade, ensina que o ser humano é um ser inacabado, posto que a nossa educabilidade decorre de nossa inconclusão (FREIRE, 1996, p. 28). Em suas palavras: ”Ninguém nasce feito. Vamos nos fazendo aos poucos, na prática social de que tomamos parte” (FREIRE, 2001,  p. 40).

A educação é, indubitavelmente, responsável por fornecer elementos para a construção do pensamento humano e, por conseguinte pela capacidade de autodeterminação do indivíduo.  E essa elaboração da maneira correta de pensar é uma tarefa que está muito ligada ao desenvolvimento da democracia, daí a grande importância e responsabilidade do ensino.

 No texto constitucional merecem especial atenção os artigos 205 e 206, onde encontramos que a Educação é um direito de TODOS e dever do Estado, além dos princípios que servem de embasamento para o ensino. Por óbvio, nesse “TODOS” estão incluídas o condenado.

Indubitável, destarte, que para haver liberdade de pensamento e consciência é necessário o fornecimento de condições para a construção do pensamento livre, assim como para haver liberdade de expressão são necessários meios e condições para expressar-se corretamente, de modo a se fazer compreender. É bom lembrar, também, que o direito à informação, nas suas vertentes de “direito de se informar” e “de ser informado”, para ser efetivado é imprescindível que sejam dadas condições para captar e entender a informação. Logo, clara está a importância e fundamentalidade da educação para que se possam concretizar os direitos e liberdades individuais. A educação faz parte do mínimo necessário para uma vida digna.

Nesse diapasão, César Pereira da Silva Machado Júnior expõe:

“… se o liberalismo fala em liberdade de expressão e consciência, deve toda população ter acesso ao direito social à educação, para formar livremente sua consciência política, filosófica e religiosa e tenha meios, ou capacidade de expressar esta consciência. Portanto, os direitos sociais aparecem como mecanismo de realização dos direitos individuais de toda população” (2003, p. 57-58).

Alerta-nos Dalmo de Abreu Dallari (2006, p. A 11) que “os indivíduos e os povos que não têm oportunidades de educação estão condenados a uma situação de inferioridade e marginalidade, que é praticamente impossível de superar” e, ainda, que para esses indivíduos “não tem qualquer sentido a proclamação constante do artigo 1º da Declaração Universal de Direitos Humanos, de que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em direitos e dignidade”.

Assim, é claro que a falta de educação gera exclusão e viola a dignidade da pessoa humana. A falta de educação atrapalha tanto no cumprimento dos deveres quanto no exercício dos direitos e qualquer ação ou omissão que venha a subtrair ‘alguém’ do ‘TODOS’ a quem o Constituinte Originário quis garantir o direito à educação (conforme o artigo 205 da Constituição Federal), é flagrantemente inconstitucional e deve ser rechaçada.

Nessa linha, com toda razão afirma Paulo Freire (1996, p.17): “A prática preconceituosa de raça, de classe, de gênero ofende a substantividade do ser humano e nega radicalmente a democracia”.

TODOS, indistintamente, têm direito à educação! Mas, reflitamos: Esse direito é posto em prática por quantos desse ‘TODOS’? E Isso reflete o princípio da igualdade de condições para acesso e permanência nas universidades? Certamente (e infelizmente!), como ainda vivenciamos uma realidade de exclusão educacional, a resposta é negativa.

4. OS LIMITES E AS POSSIBILIDADES NO ENSINO SUPERIOR

Tendo como ponto de partida que as Universidades estão recebendo todo o tipo de público existente na sociedade, inclusive pessoas em cumprimento de penas, é necessário que seja repensado como deve ser feito o ensino e a aprendizagem no ensino superior.

Com isso, conforme Barbosa (2009, p.07) algumas questões surgem de como devem ser tratados esses alunos que chegaram à Universidade

“Como resolver a questão da nossa prática ser pensada para um aluno médio e ser executada por muitos? Como evitar a aula reprodutista? Como resolver a questão de quase a totalidade de nossos alunos serem alunos noturnos, mas que têm o direito de estudar a noite, e o mais importante, o direito de aprender? Como resolver o pacto de mediocridade entre aluno e professores? Como não cair nos modismos e invencionices psico-didáticas-pedagógicas.

Estas são algumas dentre as muitas questões pertinentes às nossas práticas docentes que precisam ser enfrentadas e revistas para a eficácia do ensinar e do aprender no curso superior. Esta reflexão não trata das práticas em sala de aula, ma pretende assentar as bases teóricas a partir das quais o docente será capaz de reavaliar e reordenar as suas ações.”

Para isso é necessário entender os limites e as possibilidades desta prática no curso superior.

Os limites temporais podem ser divididos em: organização curricular, formação do corpo docente e metodologia.

A organização curricular privilegia conteúdos fechados em determinada área e nem sempre está de acordo com a real necessidade do profissional que irá se formar. A formação docente se limita não em relação a sua profissão, mas pode ter limitações de formação e de competência para o ensino. Já na metodologia que deve dar conta do conteúdo cumprido com aulas teóricas, perde-se muito o aprendizado teórico da disciplina.

5. A POSSIBILIDADE DE PROPORCIONAR EDUCAÇÃO SUPERIOR AOS CONDENADOS

A penitenciária de Franco da Rocha localizada em São Paulo abriga detentos condenados em regime semi-aberto. Neste estabelecimento, dependendo do comportamento do detento, é proporcionado que freqüentem cursinho pré-vestibular para que possam ter alguma chance de conseguir uma vaga em alguma Universidade e sonhar com a reinserção social com o diploma nas mãos. O projeto é a inclusão social do encarcerado e a principal procura é na área de humanas e biomédicas. Todos eles trabalham e conhecem de perto a realidade do mercado e com isso aprendem que quanto mais conhecimento, estudo e dedicação, maiores as chances de sucesso.

É importante já deixar claro desde tanto o trabalho como o estudo também reduzem as penas dos condenados. Para cada três dias trabalhados, um a menos na pena. Os estudantes de Franco da Rocha acreditam que a escola é um diferencial para quando conquistarem a liberdade e não estão preocupados com a bonificação na pena.

Quem cumpre regime semi-aberto deve, obrigatoriamente, trabalhar fora, e, em geral, em jornada de oito horas, de segunda a sexta-feira, retornando à noite ao estabelecimento prisional. As aulas no cursinho acontecem aos sábados, durante o dia todo, o que possibilita a adaptação à rotina do presídio. Mas os detentos que freqüentam o cursinho enfrentam o desafio da falta de estrutura e de tempo dentro do presídio. A determinação é a principal qualidade desenvolvida por eles. Todos sabem que necessitam estudar muito para suplantar alunos com mais tempo para se dedicar aos livros. O principal objetivo é poder traçar uma carreira.

O desemprego, envolvimento com drogas e as péssimas companhias interromperam momentaneamente um futuro que poderia ser diferente. Os alunos do presídio de Franco da Rocha não escondem o constrangimento em divulgar a sua verdadeira condição social aos colegas de classe, mas acreditam que não irão sofrer nenhum tipo de preconceito. No Grêmio Politécnico, somente algumas pessoas da administração sabem da existência de um grupo de presidiários porque alguns pais podem não gostar de saber que tem um presidiário ou ex-presidiário na classe de seus filhos e ficarem inseguros com esta situação e alastrar o preconceito.

Os condenados culpam as distorções da imagem do ex-preso na sociedade e na mídia. Os noticiários de crimes nos jornais e na TV criam muitos estereótipos e tiram a possibilidade de quem pagou seu erro ter uma segunda chance.

 Habituados à rotina normal da sociedade no regime semi-aberto, os detentos não encontram problemas de adaptação em sala de aula, pois muitas vezes se dedicam até mais que um aluno comum, porque enxergam o estudo como uma maneira de se tornar cidadão e ser igual a quem está livre e se a condição deste aluno não se torna pública, passam despercebidos pelos outros estudantes.

O estudo aliado ao trabalho toma todo o tempo livre do presidiário, ajudando no seu processo educacional, pois é notória a mudança no comportamento do preso estudante. Ocorrem mudanças comportamentais como, por exemplo, a maneira de falar e tratar os demais, as gírias e o tom agressivo diminuem. Percebe-se que eles estão buscando novas possibilidades de aprendizagem, novas atitudes e encaram seus problemas de maneira diferente, com mais equilíbrio.

São inúmeras as vantagens com a introdução da educação na recuperação do preso, dentre elas: menor índice de reincidência e a diferença no nível intelectual de quem tem mais estudo, principalmente os que chegam ao nível superior.

O sistema semi-aberto é um privilégio para quem já cumpriu 1/6 da pena e possui bom comportamento carcerário. A dedicação aos estudos, dentro do presídio, é um dos itens que pesa nos critérios de avaliação. A educação é um fator notório no comportamento delinqüente em nossa sociedade. O nível de escolaridade aumenta as chances de emprego e inserção social, ao contrário de quem não possui uma profissão nem concluiu pelo menos o nível médio. Ter apenas o nível fundamental, hoje em dia, não ajuda muito para conquistar uma vaga no mercado de trabalho. O estudo favorece ainda o desenvolvimento da capacidade cognitiva e a pessoa passa a enxergar o mundo de outra forma, obtendo outras possibilidades para enfrentar momentos de crise.

A rotina de um estudo também ajuda a suportar a dura realidade da cadeia. A ociosidade é o início de todo pensamento criminoso. Presídios que oferecem algum tipo de trabalho e estudo possuem menos problemas sociais e com rebeliões. Ninguém vai se recuperar enquanto a cadeia for uma escola de crimes e uma pós-graduação em delito para os mais experientes.

Outro exemplo é a penitenciária feminina Madre Pelletier e está é pioneira por ser a primeira no Brasil a oferecer curso de ensino superior. As detentas e algumas agentes penitenciárias cursam serviço social. O curso é oferecido em parceria entre a superintendência de serviços penitenciários do Rio Grande do Sul (SUSEPE) e do centro universitário metodista – Instituto Porto Alegrense (IPA). O curso conta com a infra-estrutura própria e foi implantado em 2006, com 60 vagas distribuídas entre 23 internas com ensino médio completo e 48 funcionários da superintendência. Não existe diferenciação do currículo do curso das detentas para o das funcionárias. O modo de ingressar no curso é através do vestibular e o objetivo é pesquisar como a educação age como ferramenta de inclusão.

O IPA oferece todo o material necessário para que as condenadas possam estudar dentro da penitenciária. Desde livros, serviços de cópias e até uma pequena biblioteca. As aulas são realizadas todos os dias da semana no período noturno.

É evidente a importância desta educação superior, pois se as condenadas não tiverem uma educação, automaticamente irão voltar para a vida do crime. A educação é fundamental para obtenção de oportunidades e empregos quando terminar o cumprimento de suas penas.

5.1. Gráficos representativos da educação no sistema prisional

10175a 

10175b

10175c

10175d

6. IMPORTÂNCIA DO ESTUDO COMO UM BENEFÍCIO CONCEDIDO AO CONDENADO

A remição de pena é um benefício concedido ao preso que durante o seu cumprimento de pena exerce alguma atividade laborativa ou educativa devidamente fiscalizada. É um dos mais completos e elaborados institutos que a Lei de Execuções Penais trouxe para o ordenamento jurídico brasileiro.

Ledo engano pensar em remição apenas como mecanismo de abreviar a pena pelo trabalho. Sem dúvida, uma das suas finalidades é a abreviação do tempo de cumprimento de pena à razão de três dias de trabalho por um de pena. Entretanto, o instituto da remição não pode se resumir apenas a isso. Ele é um verdadeiro instrumento de reintegração e ressocialização, para que quando o sentenciado for colocado em liberdade não coloque em risco a paz social.

Além disso, o trabalho e o estudo regeneram, dão esperança, evitam o ócio daquele que está encarcerado e, ainda, proporciona o aprendizado de um ofício ou conhecimento que poderá ser aperfeiçoado ainda mais quando estiver em liberdade.

Exercendo algum tipo de atividade laborativa ou educativa o condenado acaba adquirindo o hábito do trabalho ou do estudo que proporcionam a noção de disciplina e responsabilidade, favorecendo seu retorno ao convívio em sociedade.

A questão que iremos demonstrar aqui é bastante tormentosa, apresenta bastante divergência na doutrina e está longe de ser pacificada na jurisprudência.

Uma pergunta aqui deve ser respondida – É possível considerar o tempo de estudo do sentenciado para efeitos de remição na proporção do art. 126, §1º da LEP?

A própria Lei de Execução Penal não trata do assunto, muito pelo contrário, considera para efeitos de remição qualquer trabalho efetivo realizado pelo preso e preocupa-se, primordialmente, com a reintegração social do condenado. Com isso transcrevemos a seguir o significado de trabalho segundo Ferreira (1999, p. 1980):

“Trabalho. [Dev. De trabalhar] S.m. 1. Aplicação das forças e faculdades humanas para alcançar um determinado fim. 2. Atividade coordenada, de caráter físico e/ou intelectual, necessária à realização de qualquer tarefa, serviço ou empreendimento. 11. Atividade que se destina ao aprimoramento ou ao treinamento físico, artístico, intelectual, etc. 14. Tarefa, obrigação, responsabilidade.”

Apesar de muitos estudiosos interpretarem a definição trabalho de maneira restritiva, entendemos que o termo trabalho deve ser interpretado extensivamente somando a interpretação lógica da lei juntamente com a analogia in bonam partem.

No artigo 126 da LEP o legislador disse menos do que queria dizer quando se valeu da expressão trabalho e, por isso, deve ser ampliado o seu significado para que corresponda com a real vontade do texto da lei.

Aqui, vale destacar decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

“Pena – Remição – Sentenciado que freqüenta curso de suplência, oferecido pelo estabelecimento prisional – Admissibilidade da concessão da benesse, desde que aferido o aproveitamento do condenado-estudante e de acordo com a carga horária do curso – Inexistência de distinção da natureza do trabalho, para fins de se remir o tempo de execução da reprimenda – Interpretação do art. 126 da Lei 7210/84. (…) Deve-se conceder a remição da pena do sentenciado que comprove freqüência a curso de suplência, oferecido pelo estabelecimento prisional, desde que aferido o aproveitamento do condenado-estudante e de acordo com a carga horária do curso, seguindo-se os mesmo critérios da remição por dia de trabalho, pois, além de a tanto não se opor o sistema de execução penal pátrio, o art. 126 da LEP (Lei 7210/84) não distingue a natureza do trabalho, para fins de remir o tempo de execução da pena” (RT 783/695).

A remição de penas pelo estudo é uma oportunidade do sentenciado continuar com seus estudos de onde parou, podendo, dar continuidade assim que deixar o sistema prisional.

É óbvio que, assim como o trabalho físico, o intelectual também deve ser fiscalizado pela autoridade competente e esta deverá enviar relatórios mensais ao Juízo das Execuções para que possa acompanhar a evolução e o desempenho do preso. Para os que defendem a remição pelo estudo, a mesma aconteceria a cada vinte horas estudadas, ou seja, cinco dias estudados com 4 horas diárias.

Neste sentido, já decidiu o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

“Remição. Estudo – O trabalho que autoriza a remição é tanto o físico quanto o mental, devendo ser este estimulado no interior das penitenciárias, porque, além de ajudar no crescimento espiritual do preso, capacita-o no processo de reinserção social e de recolocação no exigente mercado de trabalho do mundo globalizado. Conheceram parcialmente, porque este último tema não integrou a decisão atacada, negando provimento ao recurso” (RJTJERGS 211/154).

No estudo, o sentenciado se dedica ao próprio aprendizado, capacita sua recolocação no exigente mercado de trabalho, ajuda na própria ressocialização, evita o ócio nos presídios e é um verdadeiro mecanismo de transformação pessoal.

Não podemos nos esquecer que o delinqüente voltará para a sociedade e, por isso, a Execução Penal deve proporcional ao condenado uma readaptação ao meio social, prevenindo a reincidência, qualificando profissionalmente e educando o condenado.

 Paduani (2002, p. 10) muito bem leciona que:

“Se, por presunção, tem-se o interno como despido do pleno uso das faculdades físicas ou psíquicas, impõe-se que o sentenciado deve objetivar a ação ou o efeito de reeducá-lo e restabelecer sua atenção, sua boa vontade, combatendo-lhe os impulsos anti-sociais, as idéias fixas. A laborterapia pode proporcionar-lhe a reeducação, a readaptação dentro do presídio.”

Essas questões poderiam ser amenizadas com a remição pelo estudo, entretanto, a maioria dos Juízes não vêem admitindo essa possibilidade. Com a devida vênia, entendemos que os Juízes não deveriam se prender a velhos jargões e a letra fria da legislação e, sim, ao que mais se aproxima das garantias constitucionais, sociais e à própria proteção da dignidade do preso.

Com isso, concluímos que a segurança pública e a consciência do sentenciado não serão atingidas unicamente com o aumento de pena e com uma legislação mais rigorosa, pois é necessária a real transformação daquele que está com sua liberdade restringida e um método comprovado para que isso ocorra é o incentivo dos estudos, aumentando a escolaridade.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com o advento da Lei 7210 de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal), surge no ordenamento jurídico brasileiro uma inovação em toda a estrutura do sistema penitenciário que vigorava até então.

Muitas mudanças ocorreram e vários benefícios foram trazidos para os presos em geral, tendo em vista que a execução da pena é considerada a fase mais importante de todo o jus puniendi do Estado. Nesta fase é que o Estado irá efetivar a condenação imposta em razão do delito praticado.

A criminalidade aumenta assustadoramente e o surgimento de alguns benefícios foi fundamental para que a pena imposta ao sentenciado não tenha apenas o caráter aflitivo, de castigo, e, sim, que seja um verdadeiro instrumento de transformação e reinserção do preso ao convívio em sociedade.

Entretanto, não é isso que vem ocorrendo na maior parte, para não dizer na totalidade, dos presídios brasileiros. Assim que o indivíduo inicia seu cumprimento de pena é colocado em celas superlotadas com criminosos de todos os tipos, favorecendo, desta forma, uma verdadeira escola do crime organizado dentro do próprio estabelecimento penal. Nessas celas não há respeito a qualquer direito subjetivo do condenado, nem mesmo a direitos humanos tidos como fundamentais, o que gera um total sentimento de revolta e vingança do condenado.

A idéia preconizada neste artigo com a introdução do Ensino Superior aos presos em cumprimento de pena é de extrema importância na sociedade atual, uma vez que a segurança pública é um dos maiores problemas que a população em geral vem enfrentando e, certamente, a assistência educacional é um instrumento possível e viável na tentativa de reduzir o aumento de criminalidade e reincidência existente no país.

A educação visa fundamentalmente a readaptação do condenado ao convívio em sociedade, sendo concedida a todos os presos, condenados ou provisórios, desde que estejam em cumprimento de pena em qualquer regime que for, pois é de grande repercussão no sistema penitenciário atual. 

Embora este método seja um tema novo e atual, ele constitui um verdadeiro incentivo de ressocialização e readaptação do condenado ao retorno do convívio em sociedade, pois as dificuldades são grandes e é necessária uma mudança radical na base de todos os estabelecimentos prisionais.

A Lei de Execução Penal e a Lei de Diretrizes Básicas da Educação estão prontas para serem totalmente aplicada aos indivíduos em cumprimento de pena. Necessário é que toda essa legislação seja regulamentada e utilizada, sob pena de cair em desuso e virar mais um discurso utópico, sem nenhum resultado prático.      

Concluímos com certeza que, deve-se cobrar do Estado medidas urgentes no sentido de que seja disponibilizada aos reeducandos atividade educativa superior devidamente qualificada.

Nessa linha de raciocínio, concluímos ainda, que ao Poder Legislativo cabe a elaboração de leis a fim de que seja regulamentado o estudo do sentenciado e que possa ser exigido da Administração o efetivo cumprimento do acima exposto e que futuramente o Ensino Superior esteja implantado em todos os estabelecimentos penitenciários do Brasil.

 

Referências
ALBERGARIA, Jason. Comentários à lei de execução penal. Rio de Janeiro: AIDE, 1987.
ALBERGARIA, Jason. Manual de direito penitenciário. Rio de Janeiro: AIDE, 1993.
ALMEIDA, L.S.; SOARES, A.P. C.; FERREIRA, J.A.G.; Adaptação, rendimento e desenvolvimento dos estudantes no ensino superior: construção/validação do questionário de vivências acadêmicas. Braga: Universidade do Minho, 1999. Série relatórios de investigação.
ALVIM, Rui Carlos Machado. O trabalho penitenciário e os direitos sociais. São Paulo: Atlas, 1991.
BARIANI, I.C.D. et al.Psicologia escolar e educacional no ensino superior: análise da produção científica. Psicologia escolar e educacional, Campinas, v.8, n. 1, p.17-27. 2004.
CAPEZ, Fernando. Execução Penal. 10. ed. São Paulo: Damásio de Jesus, 2004.
COZBY, P. C. Métodos de pesquisa em ciências do comportamento. Trad. P.I.C. Gomide, E.S.J.O. Otta. São Paulo: Atlas, 2003.
DIAS, G.F; AZEVEDO, M. Desenvolvimento psicológico, atitudes em relação ao estudo e sucesso acadêmico. Fases on-line: factores de sucesso/insucesso do ensino superior. n 1, 2001. Disponível em: http://www.ualg.pt/OPQE/fases/. Acesso em 14/05/2009.
DALLARI, Dalmo de Abreu. Educação, direito e igualdade. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 04 mar. 2006, p. A11.
DIAS SOBRINHO, J.; RISTOFF, D. Universidade descontruída: avaliação institucional e resistências. Florianópolis: Insular, 2003.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio século XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. 25. ed. Petrópolis: Vozes, 2002.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 25. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
_____________. Política e educação. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2001.
GOULART, José Eduardo. Princípios informadores do direito da execução penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994.
GRINOVER, Ada Pellegrini. et al.  Execução penal. São Paulo: Max Limonad, 1987. v.3.
INEP, Censo da Educação Superior. 2005. Disponível em http://sinaes.inep.gov.br:8080/sinaes. Acesso em 08 jun 2007.
JESUS, Damásio Evangelista de. Código de Processo Penal anotado. 19 ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
KANT, I. O conflito das faculdades. Edições 70: Lisboa. 1993
MACHADO JÚNIOR, César Pereira da Silva. O Direito à educação na realidade brasileira.  São Paulo: LTr, 2003.
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Execução Penal. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2004.
_____________________. Manual de direito penal. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2001. v.1.
NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Comentários à lei de execução penal: Lei n. 7210, de 11.07.1984. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1996.
OLIVEIRA, Edmundo. O futuro alternativo das prisões. Rio de Janeiro: Forense, 2002.
PADUANI, Célio César. Da remição na lei de execução penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2002.
PEREIRA, Marcelo Polachini. A remição de pena à luz da ressocialização do condenado. Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 45, set. 2000. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1093>. Acesso em: 27 set. 2009.
STOCO, R. et al. Código de Processo Penal e sua interpretação jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. v.2.

Informações Sobre os Autores

Silvia Gelli Arantes

Especialista em Direito. Advogada. Professora de Graduação em Direito e de Cursos de Pós Graduação

Taís Nader Marta

Mestre em Direito Constitucional. Advogada. Professora de Graduação em Direito e de Cursos de Pós Graduação


A Violência Contra a Mulher no Ambiente Virtual e…

Quer enriquecer na advocacia? Clique aqui e inscreva-se grátis no evento Advocacia Milionária! Isabela Karina Peres de Oliveira Rosyvania Araújo Mendes Resumo: O...
Equipe Âmbito
41 min read

Proposta de inserção de um quesito direcionado ao conselho…

Quer enriquecer na advocacia? Clique aqui e inscreva-se grátis no evento Advocacia Milionária! Autor: Me. Douglas Andrade – Acadêmico de Direito na Una/Contagem MG...
Equipe Âmbito
30 min read

Psicopatia e o Direito Penal: Em Busca da Sanção…

Quer enriquecer na advocacia? Clique aqui e inscreva-se grátis no evento Advocacia Milionária! Nome do autor(a): Isadora Cristina Perdigão dos Santos Minto – Acadêmica...
Equipe Âmbito
10 min read

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *