A inconstitucionalidade da garantia da ordem pública como pressuposto da prisão preventiva

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Resumo: O objeto do presente estudo delimita-se em torno do problema da subjetividade do termo “garantia da ordem pública”, que é um dos pressupostos de aplicação da prisão preventiva, conforme artigo 312 do Código de Processo Penal. Dessa forma, foi feita uma análise minuciosa da aplicação doutrinária e jurisprudência da garantia da ordem pública como fundamento da prisão preventiva. Assim, verificou-se as mais diversas fundamentações na aplicação da garantia da ordem pública, todas carregadas de valores subjetivos, adotados conforme o critério ideológico de cada Magistrado. Destarte, concluiu-se pela inconstitucionalidade da garantia da ordem pública como fundamento da prisão preventiva, por afrontar diretamente o princípio constitucional da presunção de inocência, bem como o princípio constitucional da legalidade.


Palavras-chave: prisão preventiva, prisão cautelar, garantia da ordem pública, princípio da presunção de inocência, não culpabilidade.


Sumário: 1. Prisão preventiva. 2. Presunção de inocência. 3. Princípio da legalidade. 4. Princípio da dignidade da pessoa humana 5. Inconstitucionalidade da garantia da ordem pública como pressuposto da prisão preventiva.


Prisão preventiva é espécie do gênero prisão cautelar[1]. O ordenamento jurídico brasileiro admite em casos excepcionais a decretação da prisão cautelar como forma de assegurar a eficácia da prestação jurisdicional. Porém, esse instrumento, meramente acautelatório, somente deve ser utilizado nas hipóteses autorizadas por lei, sob pena de causar grave ofensa à dignidade da pessoa humana.


Dessa forma, há um entendimento pacífico na jurisprudência pátria de que a privação da liberdade individual está limitada pelo princípio da estrita legalidade, pelo princípio da presunção de inocência, bem como pelos princípios constitucionais que norteiam o processo penal.[2]


Ademais, é importante ressaltar que a prisão cautelar do acusado somente poderá ocorrer nos casos mais excepcionais, nos quais a prestação jurisdicional esteja realmente ameaçada de sofrer prejuízos. Assim, em não se tratando de medida de extrema urgência, necessária para o bom andamento do processo, a autoridade que decretar a prisão cautelar também poderá vir a responder pelo crime de abuso de autoridade.[3]


Por conseguinte, a prisão cautelar somente poderá ser decretada quando estiverem presentes os requisitos que a autorizam-na: o fumus commissi delicti e o periculum libertatis.


Assim, o legislador brasileiro definiu um rol taxativo de hipóteses que autorizam o Magistrado a decretar a prisão preventiva. Portanto, o Juiz ao decretar a prisão preventiva deverá sempre fundamentá-la em alguma das hipóteses presentes do artigo 312 do CPP: garantia da ordem pública; garantia da ordem econômica; para assegurar aplicação da lei penal; ou por conveniência da instrução do processo penal, pressupostos que representam o periculum libertatis, bem como deverá estar necessariamente presente no caso concreto o fumus boni iuris, o qual é representado pelo indício suficiente de autoria e pela prova da materialidade do crime.


Contudo, entende-se que a “garantia da ordem pública” é um termo subjetivo, o qual depende valoração axiológica, ou seja é um termo que envolve um largo juízo de valor pela autoridade julgadora na hora de se decretar a prisão preventiva. Nesse sentido, convém mencionar algumas fundamentações utilizadas pela doutrina e pela jurisprudência para justificar a prisão preventiva fundamentada na garantia da ordem pública: garantir a paz social; credibilidade da justiça; periculosidade do réu; clamor público; indignação da opinião pública; repercussão do crime; garantir a integridade física do réu e seus familiares etc. Destarte, a prisão preventiva para garantir a ordem pública contraria o princípio da estrita legalidade, porquanto seu conteúdo é indefinido, obscuro, subjetivo e amplo.


Ora, o dever de garantia da paz social é um problema de segurança pública e não de processo penal; credibilidade da justiça se faz por meio de políticas públicas voltadas para esse determinado fim. Ademais, levar alguém a prisão sob o fundamento da periculosidade do réu, bem como sob a possibilidade deste voltar a delinqüir, seria na visão de Roberto Delmanto Junior uma dupla presunção de culpabilidade: [4]


“(…) não há como negar que a decretação de prisão preventiva com o fundamento de que o acusado poderá cometer novos delitos baseia-se, sobretudo, em dupla presunção de culpabilidade: a primeira, de que o imputado realmente cometeu um delito; a segunda, de que, em liberdade e sujeito aos mesmos estímulos, praticará outro crime ou, ainda, envidará esforços para consumar o delito tentado. (…)”.


Por esse motivo, a prisão preventiva somente deverá ser decretada como instrumento necessário para garantir o bom andamento do processo, sob pena de causar grave ofensa à dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, afirma Carrara: “A prisão preventiva deprime e abate o sentimento de dignidade pessoal de quem é ferido por uma mancha imerecida, depois de ter levado uma vida honesta e decente.”


Nesse sentido, a prisão preventiva fundamentada na garantia da ordem pública tem conceito subjetivo, o qual propicia uma expansão ilegal das medidas cautelares excepcionais. Dessa forma, dando margem a valorações ideológicas por parte de cada Magistrado. Nesse sentido, Alberto Machado afirma:[5]


“Deve-se levar em conta ainda os componentes ideológicos que permeiam a noção de ordem pública, pois uma visão maniqueísta da realidade social tende a identificar a idéia de ordem com a região do bem e da moralidade, onde estão as pessoas que gozam de alguns direitos básicos como a dignidade, o trabalho, o lazer, a escola, a saúde, a moradia etc.”


Assim, verifica-se a dificuldade de se estabelecer uma concreta definição de ordem pública.


Portanto, a prisão preventiva como garantia da ordem pública é inconstitucional, porque afronta o princípio da legalidade (artigo 5º, II da CF), viola o princípio da dignidade da pessoa humana, bem como o princípio da presunção de inocência (artigo 5º, LVII da CF).


 


Referências

DELMANTO, Roberto Junior. As modalidades de prisão provisória e seu prazo de duração. Rio de Janeiro: Renovar, 2001

FILHO, Fernando da Costa Tourinho. Processo Penal. São Paulo: 2001

MACHADO, Antônio Alberto. Prisão Cautelar e Liberdades Fundamentais. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2005.

 

Notas:

[1] FILHO, Fernando da Costa Tourinho. Processo Penal. São Paulo: 2001. p 317.

[2] MACHADO, Antônio Alberto. Prisão Cautelar e Liberdades Fundamentais. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2005, p. 65

[3] MACHADO, Antônio Alberto. Prisão Cautelar e Liberdades Fundamentais. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2005, p. 60

[4] DELMANTO, Roberto Junior. As modalidades de prisão provisória e seu prazo de duração. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p 179.

[5] MACHADO, Antônio Alberto. Prisão Cautelar e Liberdades Fundamentais. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2005. p. 112.


Informações Sobre o Autor

Igor Sasaki

Advogado, Pós-graduando em ciências criminais pela Universidade Cândido Mendes


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