A realidade social a partir de um estudo de caso: uma análise acerca da impunidade e da política criminal

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Resumo: A sociedade moderna vive uma intensa descontentação, seja por causa do sentimento de impunidade que a falta de segurança pública passa a deixar, seja pela vinda de novos crimes que o ordenamento jurídico não pode prever a época de sua criação, tornando o Estado ultrapassado e anti-garantista. Os problemas sociais se dão por uma série de fatores desencadeados do controle – ou a falta dele do Estado, em garantir o que esta preconizado pela Constituição Federal. A vinda do garantismo ao país trouxe inúmeras ressalvas à sociedade, porém, a sistematização jurídico-penal do Estado deixou a desejar nesse quesito, pela falta de organização do sistema de justiça. Esse é o objetivo deste artigo, achar os problemas sociais que desencadearam no descontrole e no rompimento do contrato social, com base em teorias sociológicas, e promover soluções – ou amenizar em parte o problema, para que não haja mais descrença no poder público, muito menos sentimento de revolta social.

Palavras-Chave: Direito Penal; Estado; Controle Social; Sistema de Justiça; Contrato Social; Sociedade.

Abstract: Modern society is going through an intense dissatisfaction, either because the impunity felling that the lack of public security provides, or because the appearance of new crimes that the legal order could not anticipate by the time of its creation, turning the state outdated and anti garantist. The social problems are a consequence of a number of factors triggered by the control – or the lack of it – of the state, in assuring what is stated on the Federal Constitution. The presence of garantism over the country have brought countless guarantees to the society, however, the States’ criminal legal systematization have come up short of the expected on this matter, due to the lack of organization on the justice system. This is the goal of this paper, to find the social problems that developed an uncontrolled situation and a break on the social contract, based on sociological theories. And also, promote solutions – or partially minimize the problem –, to never witness any mistrust on the public administration again, neither sense of social revolt.

Sumário: Introdução. 1. A Sociedade Punitiva e o Direito Penal do Inimigo; 2. Garantismo e Política Criminal: Mito ou Paradigma? 3. A Impunidade Sobreposta no Atraso do Código Penal; 4. O Brasil no Sistema de Segurança Pública: Uma Faca de Dois Gumes; 5. O Medo da Falácia da Ressocialização; 6. A Era dos Paliativos: O Descontrole do Estado Frente à Sociedade; Conclusão. Referências Bibliográficas.

Introdução

A administração da justiça, à época da criação da ciência criminal no Brasil, era de extrema inquisitoriedade quanto à sua sistematização política criminal. Suas leis eram baseadas nos costumes primórdios da época e sempre à luz do regime político atual.

No entanto, essa administração da justiça penal vem se moldando conforme passa a modernidade, mudando o caráter social e o caráter do Estado em sua forma de controle vigente.

Surgem novos crimes e as penas acabam por se tornarem ineficazes – ou atrasadas à essa nova sociedade contemporânea. O Estado perde gradativamente o controle sobre a sociedade e o seu contrato social se rompe, tornando a violência como ato de excesso, aumentando a impunidade e transformando a criminalidade em quase um costume social.

Tudo isso desencadeou um estudo mais aprofundado na política criminal, a forma de administrar do Estado e a nova sociedade moderna. Muito já avançou para que se retome o caráter coletivo do Estado, como o advento da Constituição Federal, porém, medidas mais internas no combate à criminalidade precisam ser tomadas.

A sociedade mudou e, com isso, a mesma necessita de mudanças no seu ordenamento jurídico e nos seus costumes, em decorrência dos novos grupos de gênero, novos crimes, novos interesses – mais individuais do que coletivos, entre tantos outros.

O Estado, diante de tudo isso, não se preparou e inclusive adotou um modelo democrático e garantista em que a sociedade não estava apta a recebê-lo, tendenciado a sofrer, atualmente, com a crise da impunidade criminal.

Portanto, tende-se a realizar uma visão científica e aprofundada acerca de novos modelos de política criminal, visando a volta do contrato social e o seu devido bem estar, numa nova visão sistemática do controle penal do Estado.

A Sociedade Punitiva e o Direito Penal do Inimigo

Em meados da década de 1940, o Brasil adotou o modelo de controle social advindo da Itália, surgindo assim o Código Penal, sendo de grande importância para a ciência criminal. Nessa época, vivia-se num sistema puro inquisitório, onde não havia perspectiva de direitos individuais no que tange à dignidade da pessoa humana. Com o advento da Constituição Federal em 1988, mudou-se de forma antagônica a concepção de sociedade, adquirindo ao Estado característica garantista, dando ênfase e criação à ampla defesa e ao contraditório dentro do processo penal, por exemplo, assegurando as partes e o devido processo, tornando o sistema, agora, puro acusatório.

O direito penal, com a nova visão constitucional acerca da sociedade como um todo, trouxe certa novidade à sua ciência em abstrato, transformando-a – ou deixando nascer uma ciência criminal contemporânea. Todavia, essas mudanças acarretaram em novos problemas sociais, legislativos e criminológicos, dando ao direito penal (e também a criminologia) causas para que o Estado perdesse de forma significativa seu controle emergente na sociedade.

Muitas são as causas dessa problematização e muitas são as consequências destas causas, como a impunidade e a descrença no poder público. Jock Young afirma que as causas dessa problematização estariam fincadas nos dois processos, a revolução cultural do individualismo e a crise econômica e restruturação dos mercados de trabalho do mundo industrial moderno. Ele entende que a sociedade deve conter não só direitos legais e políticos, mas direitos sociais que, na sua ausência, criam-se descontroles dentro de um mesmo contrato social (Young, 2002).

Essas e outras consequências deram ensejo à criação da teoria do direito penal do inimigo, que representa a sociedade atual e, de certa forma, o atual controle do Estado, tornado – ou restaurado seu caráter repressivo/violento.

Todavia, essa teoria fora designada para explicar a nova reação da sociedade perante o Estado e sua forma de punir, dando ao Direito uma ampla discussão no que concerne às garantias individuais e, principalmente, ao indiscutível retrocesso social à época em que esta ciência criminal fora criada. A contemporaneidade do direito penal precisa de mudanças, principalmente aos olhos da sociedade quanto ao medo da criminalidade e sua visão de impunidade perante os sujeitos infratores.

Pode-se notar que o Brasil tem adotado um sistema de Estado diferenciado, sendo ele nem mínimo – ou não intervencionista e nem protetor – ou autoritário dos direitos dos cidadãos (Wacquant, 2000), o que deixou a sociedade a mercê dos problemas que vive hoje. Em outras palavras, adotar uma postura definitiva poderia – e de fato pode ajudar o país a restabelecer a ordem social.

O Estado e sua maneira de administrar a sociedade não podem de igual forma, retroceder e caminhar contra tudo o que já foi defendido em prol do cidadão e da sua coletividade como um todo, mesmo que para isso deva surgir um novo Estado, ainda em constante busca das garantias individuais e também coletivas, combatendo essa sociedade de risco e, ainda, eliminando de forma satisfatória o caráter de inimigo que o sujeito e o direito penal acabaram por adquirir.

Há que se dizer que é possível reduzir ao máximo ou até mesmo eliminar os delitos através da privação da liberdade, fazendo valer-se do autoritarismo puro (Ferrajoli, 2006), porém, está aparente o excesso de punição que este sistema pode proporcionar. Este seria o meio mais célere de resolver o problema do Estado atualmente, visto que tudo se resume à violência para solucionar conflitos.

Mesmo hoje sendo evidente tal sistema como excessivo, ainda alguns resquícios são praticados em nosso ordenamento, escancarados no Código Penal e Código Processual Penal, de maneira que as leis e os usos de um povo estão sempre atrasados em vários séculos em relação aos progressos atuais (Beccaria, 2003).

No entanto, é preciso que se evite ligar a palavra justiça com a ideia de uma força física ou de um ser existente (Beccaria, 2003), mesmo sendo evidente que o direito impõe à sociedade uma força para que as leis sejam cumpridas. Para isso, basta praticar outro ponto de vista do sistema de justiça penal, a começar pelo que a mesma é baseada e visando o bem estar de cada qual, através dos códigos morais de conduta.

Sendo assim, ao longo dos anos de vigência do referido Código Penal de 1940, de fato surgiram essas indagações a respeito de sua eficácia jurídica, contrapondo-se com o que vem surgindo no inicio do século XXI, como novos problemas de controle social, penal e a crise no sistema de justiça. Todavia, o ordenamento jurídico evoluiu acerca de direitos e garantias individuais, dando ampla defesa e dando mais seguridade à sociedade.

Esses dois vieses de entendimento e de evolução dentro do Brasil contemporâneo contribuíram para o crescimento de teorias adversas do que se esperava de ambos os lados: Constituição Federal de 1988, como garantidora dos direitos do individuo e, por outro lado, o Código Penal de 1940, como sistema de controle penal, por parte do Estado.

Ademais, juntamente com o direito penal contemporâneo, surgiu no Brasil a criminologia, adotada da Itália, dando embasamento científico aos problemas sociais e criminais. A criminologia contribuiu para que seja possível a identificação do criminoso e suas diversas formas de qualificação na sociedade moderna.

Seguindo essa linha de raciocínio, está o direito penal tentando traçar o caminho para o desenvolvimento de um Estado social puro, fincado nas suas garantias individuais e amplos valores coletivos ou se sua contemporaneidade acabou por transformar essas garantias em impunidade e risco social?

Ou ainda, como estabelecer novamente o controle social perdido em decorrência da ruptura do contrato que a sociedade atual perdera, adquirindo sua característica de risco iminente pela falência da segurança pública, violência e impunidade?

Pode-se dizer que o contrato social é a base da autoridade do Estado e das leis (Baratta, 2014). Com ele, se tem o limite do individualismo com o exercício do poder punitivo do Estado. Rompido esse contrato social, rompem-se também os limites antes estabelecidos pelo referido contrato, causando desordem a toda sociedade, tirando das mãos do Estado a sua autoridade.

Uma forma de solução aparente para que se evite o caos da sociedade seria leva-la ao conhecimento prévio desse contrato estabelecido por ela. Em outras palavras, já dizia (Beccaria, 2003), “não é possível duvidar que, na mente do que pensa cometer um crime, o conhecimento e a certeza das penas coloquem um freio à eloquência das paixões”.

E, por fim, como se resolverá não só a inconformidade social como também a crise no sistema de justiça penal em que o Estado vive atualmente?

Garantismo e Política Criminal: Mito ou Paradigma?

Pode-se dizer que o direito penal contemporâneo nasceu por volta da criação da Constituição da República, em 1988, em que se começou a notar um avanço na crise do sistema de justiça penal, assim como uma queda do controle do Estado.

Esses problemas se deram em consequência de inúmeros fatores, sociais principalmente, além dos procedimentais, como por exemplo, o atraso nas penalizações ao modelo social em que se vive atualmente, visto pela perspectiva de que antigamente, o modelo de sociedade que se tinha não é compatível com o modelo de sociedade que se tem hoje. Isso se dá principalmente no que diz respeito às formas de punições, aos seus crimes cometidos, sendo cada qual com um tipo de código de conduta diferente, com vários motivos que deram ensejo a tal infração penal.

A pena, em sua origem remota, nada mais significava senão a vingança, revide à agressão sofrida, desproporcionada com a ofensa e aplicada sem preocupação de justiça (Tavares, 1980). Voltando ainda mais à época que Michel Foucault chama de suplícios, a pena nada mais era do que o mecanismo de fazer funcionar contra ela mesma a força que levou ao delito, recompondo a economia dos interesses e a dinâmica das paixões (Foucault, Vigiar e Punir, 1998).

Com todo avanço tecnológico que adveio à sociedade moderna, surgiram consequências, em que acabou por surgir novas modalidades de crimes, em que o Estado não estava preparado para que pudesse agir de forma satisfatória para combater essa nova onda de criminalidade. Ao contrário, regrediu, intensificando a violência de suas autoridades, tornando a sociedade violenta por si só – há que se diga que a sociedade sempre foi violenta desde a sua primeira concepção, nada mudou (Bauman, 1998). Além disso, pregou dentro de si a intolerância a determinados códigos de conduta, previstas no Código Penal.

Abraçando a onda da Tolerância Zero dos Estados Unidos, o Brasil fez valer-se de toda violência social e repressão das autoridades policiais para justificar o sentimento de ódio e repúdio pela dor que a impunidade impôs na sociedade.

Isso tudo fez nascer a teoria do direito penal do inimigo, em que, como supramencionado, a violência tornou-se excessiva no que diz respeito àqueles que cometem crimes, vistos, assim, como inimigos da sociedade, devendo ser retirados do vínculo social. No entanto, não só àqueles que cometem crimes acabam sendo, salvo melhor juízo, vítimas desse novo e moderno sistema de controle social, como também àqueles cidadãos que surgiram com a vinda da modernidade, como as novas – ou descobertas identidades de gênero, por exemplo.

No entanto, a criminologia explica com base nas teorias do crime e da culpabilidade, o que acontece um criminoso, respondendo às dúvidas do sistema de justiça encarecido de soluções acerca do caso. O Estado necessita de estudos de caso mais aprofundados no que concerne a determinados perfis criminais e a problematização social que neles se insere, além de abandonar – ou aprimorar, ou ainda, fazer valer-se do mito (paradigma) da ressocialização no sistema carcerário.

No entanto, a teoria do problema é explicada na visão simples de (Beccaria, 2003), em que se cada cidadão tem deveres a cumprir perante a sociedade, esta também tem em relação aos seus cidadãos, de igual modo, como referido na cadeia de obrigações de um contrato social. Sendo assim, o objetivo único deste contrato seria o interesse público, com suas leis fincadas nos interesses da maioria. Violando-se um único interesse posto em prática, “abre-se a porta à desordem”.

A ressocialização, salvo melhor juízo, nunca foi aplicada corretamente no ordenamento jurídico brasileiro, ou estava sendo mal aplicado, ou ainda, estava sendo aplicado de forma errada – totalmente errada. O estudo de caso com o auxilio da criminologia responde às dúvidas e soluciona os problemas essenciais desse sistema que a Lei Maior adotou, como princípio de dignidade humana.

Vários fatores como estes explicam a falha não só do Estado, mas também de toda uma sistematização em que põe todos integrantes de um contrato social em evidência ao que diz respeito à administração de uma sociedade e falhando, assim, na segurança pública. Essa não observância no sistema público ensejou na descrença social calcada na diminuição da legitimação dos poderes da administração pública.

Essa descrença põe em prática o medo em relação à violência excessiva e, em consequência disso tudo, as medidas paliativas e ineficazes por parte do poder estatal em tentar suprimir essas falhas, tentando, por fim, reaver o controle social. Paliativos estes como, por exemplo, a lei do feminicídio ou, antes disso, a lei dos crimes hediondos, em que nota-se o quão ineficaz tais medidas são na prática do sistema jurídico na vida em sociedade. Ainda não foi resolvido tal problema da atualidade.

Esta concepção criminológica visa criar alternativas que diminuam até chegar a sua extinção esses problemas de ineficácia da norma jurídica frente ao modelo estatal e social atual. Também visa combater o aparecimento dos problemas que cerceiam a sociedade brasileira, para que se retome o controle social do Estado, no entanto, dessa vez com caráter de cidadão e não mais de repressivo, como havia adotado.

A política criminal tem uma parcela de responsabilidade consideravelmente grande para que mude e aprimore o ordenamento jurídico atual, no que tange a criar uma alteridade nas suas formas de organização ideológica. Esta, por fim, tem o escopo de proteger os interesses das classes dominantes, ao sancionar mais gravemente condutas típicas de grupos marginalizados, propondo a extinção da pena privativa de liberdade, por meio de um programa gradativo de despenalização, desjudicialização e descriminalização (Mirabete, 2010).

Um estudo clínico na raiz do problema talvez seja – e é uma forma de dirimir conflitos sociais, reaver o contrato rompido pela sociedade e readaptar o papel do Estado em legislar, administrar e manter o bem estar social, dessa vez de forma democrática, aposentando aquele papel totalitário, abusando-se do garantismo constitucional e resolvendo eficazmente a desordem social de uma sociedade de risco.

A Impunidade Sobreposta no Atraso do Código Penal

Muitos fatores ensejaram para que surgisse a crise no sistema de justiça penal, além da negligência do Estado em tentar – ou pelo menos iniciar uma tentativa de solução para essa problematização.

Uma delas pode-se dizer que seria o sistema de penalização atrasado, ou seja, o direito penal, desde a sua criação, sempre cumpriu seu objetivo: punir e reprimir o sujeito e seu ato rejeitado pelo Estado e por toda uma sociedade. No entanto, houve uma evolução acerca da aplicação dessas penalidades, sempre caminhando de acordo com o progresso sociológico da humanidade.

O fim da pena é a defesa social (Baratta, 2014). Ademais, para que a pena não seja um ato de violência, a mesma deve ser de modo essencial, pública, pronta, necessária, e a menor possível nas circunstâncias proporcionadas ao delito e determinada pela lei (Beccaria, 2003).

Todavia, houve uma estagnação no que concerne a essa aplicação da pena, deixando comprometido o cumprimento do Estado em restituir a ordem social. Ficou evidente o atraso da ciência criminal no Brasil, ao perceber que a pena ainda é a mesma desde os primórdios do Código Penal de 1940, sendo que a sociedade já esta caminhando para uma nova era contemporânea. Isso se comprova com o advento do Estado Democrático, na Constituição Federal em 1988.

Toda essa destruição do controle sociológico estatal em que o país vive atualmente é passível de recuperação, necessitando de uma reforma no ordenamento jurídico.

Outro fato importantíssimo é o surgimento de novas modalidades de crimes, ou seja, se fosse analisar a época de 1940, em que se sancionou o Código Penal, e o início do século XXI, em que se vive atualmente, surgiram novas modalidades de crimes que antes, à época do avento do Código Penal, não existia. O Estado, portanto, teve que criar leis para combater aos novos modelos de criminalidade, como a lei da violência doméstica, por exemplo.

Porém, com o intuito de modificar a lei penal vigente, o Estado deve preocupar-se com a pessoa do condenado em uma perspectiva humanista, como defesa social (Mirabete, 2010).

No entanto, o mesmo não foi eficaz ao por em prática tais leis, pois não houve um experimento prévio para que se tenha convicção de que essas leis iriam ter força capaz de combater essa nova criminalidade. O que se entende é que essas novas modalidades de crimes ajudaram para que o Estado perdesse sua força e controle social.

O Brasil No Sistema de Segurança Pública: Uma Faca de Dois Gumes

Enquanto o Estado maneja uma forma de diminuir a impunidade através do aumento de autoritarismo aos sujeitos criminosos, a criminalidade ganha forças, pois o Estado colabora para que torne a violência como ato excessivo, de modo que passa a ser praticado tanto pelo Estado, quanto pela própria sociedade.

Em se tratando da nova criminalidade com a falha no sistema de segurança do Estado, ao deixar de dar uma resposta imediata àqueles que praticam o crime, o mesmo, na tentativa de evitar o descontrole da sociedade, tornou-se mais repressivo. Com isso, acabou por deixar a violência mais excessiva, justamente para impor medo aos cidadãos no que concerne a pratica de atos delituosos, com o intuito de que se diminuísse a pratica de crimes e se mantivesse o controle social.

O procedimento utilizado hoje para prevenção de crimes e segurança pública de fato não são eficientes.

Outros atos violentos se criaram com a chegada da era contemporânea, um deles foi a violência entre os cidadãos, como a violência entre gêneros, por exemplo, em que, com a democracia instaurada no país, a sociedade sentiu-se com certa liberdade individual, o que não esta errado, porém, contribuiu para a intolerância da mesma para com seus integrantes. Essa intolerância fez surgir a teoria do direito penal do inimigo, em que a sociedade passou a enxergar os sujeitos praticantes de crimes como inimigos sociais, devendo ser excluídos do convívio social e tratados como o que a sociedade achava que seria merecido.

Um exemplo de manifesto de exclusão social supracitada seria, por fim, como exemplifica Jock Young (Young, 2002), “facilmente igualadas e aumentadas pelas tentativas empreendidas pelo Estado de manter a ordem”. Ao atingir a sociedade, cria-se o sentimento de intolerância.

Sendo assim, as autoridades policiais, com esse espírito de tolerância zero para a criminalidade, não poupavam forças quando necessitavam reaver o controle da situação, ou até mesmo quando precisavam utilizar de seu poder de policia. Assim, foi acostumando a sociedade a utilizar-se do mesmo espirito de intolerância para com seus integrantes.

O Medo da Falácia da Ressocialização

O país vive hoje numa era de medo e repressão, tanto das organizações criminosas, quanto das autoridades policiais, em que são dois pêndulos, estando a sociedade a mercê deles.

A ressocialização, que seria o ápice do garantismo constitucional, com a visão revolucionária de reintegrar o indivíduo que cometeu determinado delito de volta ao vínculo social, acabou por perder sua funcionalidade, de acordo com descontrole estatal. As prisões de hoje, do contrário ao que se esperava que fosse, armazenam primeiramente os refugos do mercado de trabalho, aos indivíduos considerados como classe reserva do capitalismo econômico (Wacquant, 2000).

Sendo assim, nasce uma indagação: para que serve hoje, em pleno século XXI, as prisões e cárceres e, por fim, o sistema de ressocialização, senão um mito de possível evolução constitucional garantista?

Enfiaram esses preceitos na sociedade sem que se tivesse prévio estudo de funcionalismo entre eles, o que ocasionou desordem e descrença pública, na visão sistemática da coisa. Ou seja, o povo descreu no poder público no que concerne nas formas de punição e, ainda, “ressocialização” do indivíduo. A desordem estatal foi tanta que fizeram nascer no peito da sociedade a necessidade de fazer justiça com as próprias mãos.

Ninguém mais sabe o porquê se trancafiam as pessoas (Wacquant, 2000). A ausência de medidas concretas de resolução da criminalidade faz com que a sociedade sinta medo de seu próprio contrato social, tendo em vista sua possível extinção.

Já dizia Beccaria (Beccaria, 2003) que os absurdos em uso na legislação são frequentemente o resultado do medo, raiz inesgotável das inconsequências e dos erros dos homens.

Esse medo social, inserido de forma a diminuir o índice de crimes na sociedade, foi gerado com base em atos excessivos, principalmente no que diz respeito à violência, gera medo e temor. O principal fator desse medo social foi se concretizando ao ver que o índice de reincidência no país a cada dia aumentava, o que deixou um paradigma no que concerne ao sistema de ressocialização: ineficiência ou mito?

O que problematiza a questão da ressocialização é que o delito, sendo um fenômeno social (Cervini, 1992), muda constantemente seu aspecto jurídico e fático, o que ocasiona unicamente no atraso da ressocialização, visto que a mesma esta sempre atrasada no que consiste no objetivo do delito praticado e toda sua subjetividade.

Até porque, o Código Penal pune, mas não prepara o sujeito para receber a pena, ou seja, o dispositivo de lei separa a sanção da adaptação, em que deveria ter uma sanção proporcional aos fatos, juntamente com um processo de personalidade, sendo uma segunda sanção modulando a primeira e na qual se examinam unicamente as possibilidades de readaptação do individuo (Foucault, 2002).

Já dizia (Wacquant, 2000): “uma vez vencida a batalha contra o setor assistencial do Estado, estes institutos vão se consagrar à promoção de seu setor repressivo: ao menos Estado social e econômico, sucede ao mais Estado policial e penal”, dando ênfase ao atual sistema de justiça do Brasil.

Tudo isso, somado ao atraso no poder legislativo no que diz respeito às penalizações, os novos modelos de crimes e, por fim, a falha na segurança pública, tornou a sociedade inteiramente descrente ao modelo de controle social adotado pelo Estado. Assim, houve a certeza de que as medidas impostas pelo mesmo não fariam sequer uma estagnação dos problemas vividos, pelo contrário, a cada ato violento das autoridades policiais, por exemplo, gerava ainda mais descontentação social, deixando o controle, na visão dos cidadãos, em suas próprias mãos.

A Era dos Paliativos: O Descontrole do Estado Frente à Sociedade

Aplicação de paliativos ineficazes, ou seja, toda pressão da sociedade através da mídia, por exemplo, em cima do Estado para restabelecer a ordem social fez com que ele tomasse medidas momentâneas, mas sem força para acabar de vez com os problemas que cercam a sociedade.

Nos últimos anos, muitos paliativos foram aplicados no país. Recentemente dois exemplos deles foram a aprovação da redução da maioridade penal e a criação da lei do feminicídio, que não estavam previstos pelo sistema de justiça penal em aplica-los, mas por causa do descontrole da sociedade pelo medo da impunidade. O Estado, por sua vez, para dar resposta aos movimentos radicais da sociedade, criou esses paliativos como maneira de restabelecer o controle da situação e mostrar sua força pública.

Conclusão

O Estado precisa restabelecer os laços do contrato social, para que haja harmonização das leis e a sua devida aplicabilidade. A sociedade descrente precisa entender – e para isso, precisa haver conscientização e comoção social, que o Estado é aquele que não deve ser nem intervencionista (ou totalitário) e nem mínimo, mas sim estar contrabalanceando os limites da impunidade e do bem estar social.

Esses movimentos sociais de conscientização e valorização dos direitos coletivos e individuais dizem respeito à conexão da sociedade como um todo, não a deixando criar grupos separados de gênero, por exemplo. Assim, volta a torna-la de acordo com o que a democracia constitucionalista prevê: um Estado Democrático de direitos coletivos e individuais dos cidadãos.

Além de uma conscientização social, através de movimentos sociais demonstrando a nova sociedade contemporânea (para que haja integração social entre os seus integrantes), o ordenamento e o positivismo jurídico precisam adequar-se a essa modernidade, atualizando e positivando as soluções aparentes e os atos rejeitados pela sociedade.

Para isso, deve haver uma adaptação nas modalidades de penalização, ou seja, a ciência criminal como um todo necessita de mudanças, não somente na parte da aplicação da pena, mas também precisa de uma nova adaptação no ordenamento jurídico atual, para adequar-se ao modelo estatal democrático.

Ademais, devem-se adotar novas políticas criminais, abandonando as atuais que estão sem eficácia jurídica e adaptando a sociedade com o direito penal contemporâneo, para que se estabeleça novamente a ordem social do Estado. Em outras palavras, o Estado e principalmente a sociedade necessitam de menos repressão e novas penas.

No entanto, sempre à luz da Constituição Federal, tentando reaver a ordem social e a confiança da sociedade no poder estatal para que a sociedade retome seu caráter de coletividade.

Assim como novas penas, deverá se pensar num novo Código Penal integralizando as leis esparsas, convenções e tratados, dando mais força ao judiciário, deixando-o mais amplo e completo no combate a criminalidade contemporânea, tendo em vista o surgimento de novos crimes, impossíveis de serem previstos na época da criação do Código Penal, em 1940.

Sendo assim, o Código Penal precisa de reformas, no todo ou em parte, com a unificação dessas leis diversas ao Código Penal, aumentando-se determinadas penas ou não, acrescentando novas penas, dentre outras, sempre com base à sociedade moderna garantista.

Entendo que o Estado pode aposentar seu caráter punitivo e adotar um caráter colaborativo, com a adoção de uma polícia judiciária diferenciada, incluindo-se a polícia comunitária já existente, tendo outro objetivo de mediar conflitos, assim como extrair o mito/paradigma da ressocialização que cresceu na sociedade moderna. Essa nova polícia, com investimentos diferenciados na segurança pública, educaria e daria outras modalidades de treinamento nas duas já existentes: a civil e a militar, com o objetivo de restabelecer a paz social de maneira adversa daquela praticada nos dias atuais.

Por fim, novas alternativas de politicas públicas, como a adoção de um Estado Educador, com mais educação e inovação da educação, como forma de prevenção, interagindo ativamente na educação da sociedade excluindo os elementos de corrupção. Assim, contribui para a descriminalização e a redução gradativa da criminalidade, deixando em desuso a repressão ou tão somente a punição, dando significado ao verdadeiro Estado Democrático e dar a sociedade mais confiança ao sistema em que hoje é sujeitada.

O controle social é visto de varias maneiras e fatores na doutrina e, no Brasil, o sentimento de impunidade que se dá perante toda uma nação é em decorrência desses fatores – ou da ausência destes, que desde já integralizam o sistema de justiça penal, sua ciência criminal e a contemporaneidade que alcançou a sociedade.

 

Referências
(Org), A. d. (2011). Inovações do Direito Penal Econômico: Contribuições Criminológicas, Político-Criminais e Dogmáticas. Brasília: Escola Superior do Ministério Público.
Baratta, A. (2014). Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal: Introdução à Sociologia do Direito Penal. Rio de Janeiro: Revan: Instituto Carioca de Criminologia.
Bauman, Z. (1998). O Mal Estar da Pós Modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.
Beccaria, C. (2003). Dos Delitos e Das Penas. São Paulo: Rideel.
Cervini, R. (1992). Los Procesos de Decriminalización. Montevideo: Editorial Universidad LTDA.
Ferrajoli, L. (2006). Direito e Razão – Teoria do Garantismo Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais.
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Foucault, M. (2002). Problematização do Sujeito: Psicologia, Psiquiatria e Psicanálise – Tomo I. Rio de Janeiro: Forense Universitária.
Giddens, A. (1991). As Consequências da Modernidade. São Paulo: Editora da UNESP.
Mirabete, J. F. (2010). Manual de Direito Penal. São Paulo: Atlas.
Santos, J. V. (2002). Microfísica da Violência: Uma Questão Social Mundial. São Paulo: Revista da SBPC: Ano 54, nº 1, p. 22-24.
Tavares, J. (1980). Teoria do Delito: Variações e Tendências. São Paulo: Revista dos Tribunais.
Wacquant, L. (2000). Las Cárceles de La Miseria. Buenos Aires: Manantial.
Young, J. (2002). A Sociedade Excludente: Exclusão social, Criminalidade e Diferença na Modernidade Recente. Rio de Janeiro: Revan: Instituto Carioca de Criminologia.

Informações Sobre o Autor

Rafaela dos Reis Baldissera

Advogada; Juíza Leiga atuante no Fórum Distrital do Norte da Ilha CESUSC; Voluntária do sistema CEJUSC Centro Judicial de Solução de Conflitos e Cidadania como Mediadora Judicial; Pós-graduada em Direito Público pela FURB Universidade Regional de Blumenau; Pós-graduanda em Direito Aplicado pela FURB Universidade Regional de Blumenau; Estudante do Curso de aperfeiçoamento e preparatório para a carreira da magistratura estadual pela ESMESC Escola Superior da Magistratura do Estado de Santa Catarina


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