Aspectos da Vitimologia

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Após conceituar a vitimologia, elencar seu objeto, classificar as vítimas em bases resultantes da observação e da experiência, conforme Mendelsohn, relacionar vitimologia e aplicação da pena e ainda, seu enfoque quanto a reparação do dano, concluímos que o Exame Vitimológico é essencial à correta aplicação do Direito.

1. Vitimologia: Conceito e objeto

Vitimologia é o estudo da vítima sob todos os aspectos, possuindo assim, um caráter multi e interdisciplinar.

Nesse sentido, conforme assevera Eduardo Mayr, vitimologia constitui

“… o estudo da vítima no que se refere à sua personalidade, quer do ponto de vista biológico, psicológico e social, quer o de sua proteção social e jurídica, bem como dos meios de vitimização, sua inter-relação com o vitimizador e aspectos interdisciplinares e comparativos”. (apud RIBEIRO, 2001, p. 30)[1]

Percebe-se então, que no estudo da vitimologia há dois pontos fundamentais: o estudo do comportamento da vítima de forma geral, sua personalidade, seu atuar na dinâmica do crime, sua etiologia e relações com o agente criminoso e a reparação do dano causado pelo delito.

2. Classificação da vítima

Pensou-se no passado que a vítima era sempre inocente e o causador do delito o único e exclusivamente culpado.

Com o tempo, as pesquisas, os estudos e segundo a designação de Benjamin Mendelsohn, a vítima pode ser inteiramente inocente na dinâmica do crime; pode ser tão culpada quanto o agente; mais culpada do que o agente; pode ser menos culpada de que o agente criminoso e ainda, poderá ser a única culpada do cometimento de um crime. (apud MOREIRA FILHO, Guaracy, 1999, p. 45)[2]

O vitimólogo fundamenta sua classificação na correlação da culpabilidade entre a vítima e o infrator. Vislumbrando, pois, em primeira mão, a atitude da vítima relacionada à aplicação da pena.

3. O artigo 59, caput do Código Penal Brasileiro e a dosimetria da pena

Percebemos pela análise do Código Penal de 1940 que a referência à reparação do dano é mínima, e durante muito tempo, a vítima foi esquecida pelo Direito Penal, preocupando-se este, exclusivamente, com a imposição da pena.

Recentemente, a situação vem se revertendo, o nosso ordenamento jurídico abriga alguns dispositivos constitucionais e infraconstitucionais relacionados à vítima, tais como, o art. 245 da Constituição Federal de 1988 e arts. 59, 61, II c, parte final e art. 65, III, c, do Código Penal.

Assim, a principal mudança deu-se com a reforma do Código Penal pelo advento da Lei n.º 7.209/84 que veio modificar a Parte Geral do Código Penal, cujo texto contido no Capítulo III – Da aplicação da pena, art. 59 caput, passou a estabelecer, in verbis:

O juiz atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como o comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime”.

Resta claro, pois, a importância do art. 59, caput do Código Penal no momento em que o magistrado vai fazer a dosimetria da pena, sendo seu dever levar em consideração, dentre outras circunstâncias, o comportamento vitimal no cometimento do delito e mesmo antes deste, a fim de que se dê a correta aplicação da pena.

O referido artigo, portanto, encontra amparo Constitucional – art. 5º XLVI.

4. Síntese histórica

As escolas penais, tanto a Escola Clássica de Becaria e Fuerbach, como a Escola Positiva de Lombroso, Ferri e Garofalo, estavam centradas nos elementos delito/delinqüente/pena. Não houve grande preocupação com a vítima.

Nesse sentido, Luiz Flávio Gomes e Antônio García Pablos de Molina comentam:

O abandono da vítima do delito é um fato incontestável que se manifesta em todos os âmbitos: no Direito Penal (material e processual), na Política Criminal, na Política Social, nas próprias ciências criminológicas. Desde o campo da Sociologia e da Psicologia social, diversos autores, têm denunciado esse abandono: o Direito Penal contemporâneo – advertem – acha-se unilateral e equivocadamente voltado para a pessoa do infrator, relegando a vítima a uma posição marginal, no âmbito da previsão social e do Direto civil material e processual”. (GOMES & MOLINA, 2000, p.73)[3]

Praticamente, só no final da Segunda Guerra Mundial, um advogado de origem israelita chamado Benjamin Mendelsohn, também vítima da guerra, começou a pensar em sistematizar uma nova ciência ou desenvolver um ramo da criminologia que foi a vitimologia.

Sua obra ‘Horizonte Novo na ciência Bio-psicosocial – A Vitimologia’, publicada em 1956 passou a ser um marco no assunto, seguido posteriormente, de vários outros estudos iniciando uma fase de redescoberta da vítima, pois, ate então não passava de um subdesenvolvido sujeito passivo no crime ou no processo penal.

Importante ainda, ressaltar no processo evolutivo, a Resolução n.º 40/34 denominada Declaração Universal dos Direitos da Vítima, promulgada pela ONU em 29 de novembro de 1985.

Nesse sentido, Antônio Scarance Fernandes reconhece a importância da vítima na história do Direito Criminal, citando três momentos distintos na história processual penal: o primeiro ainda à época da vingança Privada ou Justiça Privada, depois, corresponderia, a punição do culpado, a um dever sagrado exercido conjuntamente pela Igreja e Estado e, por último, o estágio atual onde o direito de punir é exclusivo d Estado.[4]

5. Da reparação do dano

O tema remota a mais longícua antigüidade, vários monumentos legislativos da história demonstraram a preocupação do legislador, da comunidade e do grupo social com um todo, pela reparação do dano, exemplificando o Código de Hamurabi datado do século XXIII a.C.

Modernamente, há que se destacar a Lei n.º 9.099/95 que preocupou-se com a reparação do dano à vítima.

Comenta Luiz Flávio Gomes:

“… a lei 9.099/95, no âmbito da criminalidade pequena e média, introduziu no Brasil o chamado modelo consensual de Justiça Criminal. A prioridade agora não é o castigo do infrator, senão sobretudo a indenização dos danos e prejuízo causados pelo delito em favor da vítima”. (GOMES, op. Cit., p. 430)[5]

Assim, a Lei propõe uma inversão, a pena privativa de liberdade como exceção para casos especiais, e maior destaque para as penas alternativas.

A Lei enfoca a vítima direta ou indiretamente vária vezes com o intuito de participação ativa desta no processo, visando, pois, minorar os efeitos da vitimização secundária e, consequentemente, atingir um dos objetivos da vitimologia – a reparação do dano.

Há evidências disto quando do estudo dos novos institutos da Lei n.º 9.099/95, tais como, a composição civil que implica em renúncia da vítima ao direito de queixa ou representação; a ampliação do rol de crimes que dependem de representação; e a suspensão condicional do processo, institutos esses, que evidenciam, repita-se, o incentivo à reparação do dano.

Outros diplomas legais preocuparam-se com a vítima no tocante a reparação do dano, citamos: a Lei n.º 8.078/90, Código de Defesa do Consumidor; a Lei n.º 9.503/98 que instituiu o Código de Trânsito; a Lei n.º 9.714/98 que deu  nova redação a vários artigos do Código Penal; e a Lei n.º 9.605/98 que regulamentou a prestação pecuniária nos crimes ambientais.

6. Considerações finais

O estudo da vítima, sob seus variados aspectos constitui um dos grande desafios das ciências criminais.

O assunto reúne à elevação teórica uma significativa importância prática, isso concernente ao comportamento da vítima no julgamento e aplicação da pena e quanto à reparação do dano.

Podemos afirmar que a vítima foi, durante muito tempo esquecida, porém, modernamente, e com a edição da Lei n.º 9.099/95 que trouxe importantes modificações, a tendência atual do direito penal, seguido por outros ramos do Direito, é a valorização da vítima.

Resta claro, pois, que ainda há muito a se explorar, porém, é mister concluirmos pela ascensão do papel da vítima como elemento estrutural do Estado Democrático de Direito.

 

Bibliografia
FERNANDES, Antônio Scarance. O papel da vítima no processo criminal. São Paulo: Malheiros, 1995.
GOMES, Luiz Flávio. A vitimologia e o modelo consensual de justiça consensual. In: RT/Fasc v. 745, p. 423/430, nov. 1997.
GOMES, Luiz Flávio & GARCÁ PABLOS DE MOLINA, Antônio. Criminologia, 3. ed. rev., at. e amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
MOREIRA FILHO, Guaracy. Vitimologia – o papel da vítima na gênese do delito. São Paulo: Editora Jurídica, 1999.
OLIVEIRA, Edmundo. Vitimologia e direito penal: o crime precipitado pela vítima. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001.
PIEDADE JÚNIOR, Heitor. Vitimologia – evolução no tempo e no espaço. Biblioteca Jurídica Freitas Bastos, 1993.
RIBEIRO, Lúcio Ronaldo Pereira. Vitimologia: Revista Síntese de direito penal e processual penal, n.º 7, p. 30/37, abr/mai, 2001.
Notas
[1] RIBEIRO, Lúcio Ronaldo Pereira. Vitimologia: Revista Síntese de Direito Penal e Processual Penal, n.º 7, p. 30/37, abr/mai,2001.
[2] MOREIRA FILHO, Guaracy. Vitimologia – o papel da vítima na gênese do delito. São Paulo: Editora Jurídica, 1999.
[3] GOMES, Luiz Flávio & GARCÍA PABLOS DE MOLINA, Antônio. Criminologia, 3. ed. ver, at. e amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
[4] FERNANDES, Antônio Scarance. O papel da vítima no processo criminal. São Paulo: Malheiros, 1995.
[5] GOMES, Luiz Flávio, A vitimologia e o modelo consensual de justiça consensual. In: RT/Fasc v. 745, p. 423/430, nov. 1997.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Marciana Érika Lacerda Morais

 

Advogada na cidade de Crato-CE, Especialista em Direitos Humanos Fundamentais, Assessora de Legislação Acadêmica na Pró-Reitoria de Ensino de Graduação – PROGRAD da Universidade Regional do Cariri – URCA, Colaboradora da Comissão de Direitos Humanos da OAB/CE, Subseção Crato.

 


 

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