Crime de curandeirismo

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Resumo: O presente trabalho cuidou do crime de curandeirismo, analisando-o a partir da vertente de que se está em um país arraigado em crendices, culturas e religiões que acreditam veementemente nas curas que podem realizar. Desta forma, entende-se, aqui, que há a necessidade de verificar a boa-fé do agente em questão, uma vez que há sujeitos que se aproveitam da premissa supracitada e se aproveitam da boa-fé. Cabendo, portanto, a tipificação para frear a ação daqueles que, portando-se enquanto curadores agem de má-fé.[1]


Palavras-Chave: Curandeirismo; Má-fé; Prática de cura; Curandeirismo e charlatanismo.


Abstract: This work took care of the crime of shamanism, analyzing it from the aspect that it is a country rooted in beliefs, cultures and religions that believe strongly in the healing they can do. Thus, it is understood here that there is a need to verify the good faith of the agent in question, since there are individuals who benefit from the above premise and take advantage of good faith. Falls, therefore, the typing action to curb those who, carrying himself as trustees act in bad faith.


Keywords: Shamanism; Bad faith; Practice cure; Faith healing and quackery.


Sumário: 1. Introdução; 2. Crime de Curandeirismo; 3.       Conclusão; 4. Referências.


1. INTRODUÇÃO


Em um país tão recheado de crenças e culturas que envolvem práticas de cura, como o Brasil, admite-se tipificação em seu Código Penal na qualidade de crime o Curandeirismo. Trata-se de uma situação, a priori, um tanto quanto equivocada, mas que deve, por ser tão delicada, ser meticulosamente analisada, para não incorrer em um injusto penal.


É, pois, questão de difícil trato, uma vez que, por exemplo, “no Candomblé e na Umbanda, as práticas não se resumem a rezas, orações, cultos, liturgias: há sim dimensão prática, empírica, em que se usam determinados elementos orgânicos e objetivos numa ritualística própria, a exemplo dos animais, das imagens, dos atabaques, dos fetiches etc.”[2]. Diante de tal, deve-se ter muito cuidado para não se estar infringindo um direito garantido pela Constituição Federal.


“É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e as suas liturgias”[3]


Além disso, “demonstrada a plena adequação social dos tratamentos populares e alternativos não realizados por médicos, não haverá como sustentar a mantença da criminalização da conduta, a não ser pela via da pura e simples cogência legal. Dessa maneira, estudos apontam em direção da eficácia de outras terapias pela via não-ortodoxa, tendo em vista as dimensões cultural, antropológica, religiosa e psíquica de tais mecanismos curativos, numa realidade em que as imagens e os signos culturalmente estabelecidos assumem uma função terapêutica, não só em face da necessidade curativa de quem os utiliza, senão também em face da realidade social concreta irreconhecida como única fonte de conhecimento e de possibilidades.”[4]


A partir de então, pode-se inferir a necessidade de descriminalizar e destipificar elementos culturalmente integrados à vida social, quando não pressupuserem condutas não suportadas pela sociedade.


2. CRIME DE CURANDEIRISMO


Antes de qualquer coisa, faz-se mister enunciar o artigo que tipifica o crime de Curandeirismo no Código Penal Brasileiro.


“CP. Art. 284. “Exercer o curandeirismo:


I – prescrevendo, ministrando ou aplicando, habitualmente, qualquer substância;


II – usando gestos, palavras ou qualquer outro meio;


III – fazendo diagnósticos:


Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos.


Parágrafo único. Se o crime é praticado mediante remuneração, o agente fica também sujeita à multa.” [5]


O Curandeirismo é crime constituído no Capítulo III – Dos Crimes Contra a Saúde Pública, no Título VIII – Dos Crimes Contra a Incolumidade Pública, posterior aos crimes de Exercício ilegal da medicina, arte dentária ou farmacêutica (Art. 282) e de Charlatanismo (Art. 283).


Segundo Mirabete, protege-se, com o dispositivo, a saúde pública, colocada em perigo pela ação do curandeiro que, não possuindo normalmente noções de medicina, procura curar através de meios não-científicos. Mas, ainda assim, cabe salientar que “o curandeiro, ao contrário do estelionatário e do charlatão, acredita sinceramente na veracidade do tratamento aplicado e, muitas vezes, nem cobra por isso. O curandeirismo é crime previsto no art. 284 do CP porque o método alternativo utilizado pode piorar a situação do enfermo ou, no mínimo, postergar o início de um tratamento efetivo. Só não haverá crime quando a pessoa que se propõe a tratar o doente está vinculado a uma religião e utiliza seus procedimentos.” [6].


O que acontece é que, em um país como o Brasil, no qual a maioria esmagadora da população apóia-se em crendices populares provenientes da miscigenação de sua cultura, infelizmente, ainda há indivíduos baseando-se muitas vezes nessas culturas paralelas para emitir ou deflagrar um tipo de medicina alternativa barata e milagrosa. Picaretas que se utilizam da boa-fé da população para obter ganho fácil. Estes sim devem ser abordados pelo sistema penal.


Alguns “profissionais” agem até de boa-fé de acordo com seus precedentes culturais, é o caso, por exemplo, das seitas religiosas (não caracterizando crime), porém outra grande maioria ludibria as pessoas que muitas vezes são consideradas ignorantes ou despreparadas. Muitas vezes o prejuízo advindo desse tratamento pode causar até a morte, isto é um dos motivos principais pelo qual o Código Penal vem tratar deste assunto.


Curandeirismo é, portanto, atividade de quem se dedica a curar sem habilitação ou título legal. Torna-se, assim, indispensável que o agente atue com habitualidade, que aja com reiterada repetição; caso esteja ausente a habitualidade o delito não se configurará. São três modos de execução indicados alternativamente no Código Penal Brasileiro.


1. Prescrevendo, ministrando ou aplicando habitualmente qualquer substância. Prescrever é receitar, indicar como remédio, recomendar; ministrar tem a significação de servir, dar para consumir; aplicar tem o sentido de opor, empregar.


2. Usando gestos, palavras ou qualquer outro meio. Gestos são movimentos do corpo compreendendo os “passes” ou posturas especiais. Como palavras podem ser indicadas rezas, benzeduras etc. Note-se, porém, que a jurisprudência entende que as “rezas” e “passes” quando atos de fé, não caracterizam delito.


3. Fazendo diagnóstico. Diagnóstico é determinação de uma doença pelos sintomas da mesma. O delito de curandeirismo é de período abstrato ou presumido. É indiferente que o agente atue gratuitamente ou não.


4. Ainda embasando o contexto do curandeirismo, tem-se o espiritualismo, no qual o mesmo usa passes que fazem parte do ritual, como bênçãos dos padres católicos, e não configurando delito do art. 284. A boa-fé de quem acredita estar atuando como “aparelho mediúnico” pode afastar o dolo.


5. Deve ficar bem distinta a diferença entre os artigos 282 e 284 do Código Penal, o primeiro embasa que o agente revela conhecimentos ou aptidões médicas embora não possua autorização para exercer a profissão. Já no segundo o agente causador é uma pessoa inculta, ignorante que se vale de meios grosseiros para curar.


6. Caso seja comprovado que o Curandeirismo exercido pelo agente ocorre mediante remuneração, além da pena (detenção de seis a dois anos), aplica-se também a pena de multa. 


Denominam-se alternativas as práticas curativas e médicas não adotadas pela Medicina Oficial. A partir disso, o curandeirismo assume, no contexto penalista, um conteúdo pejorativo. Segundo Figueiredo, o curandeirismo compõe “aquele que cura sem título nem conhecimento médicos”, chamando-o também de “charlatão que finge doenças ou possessões diabólicas por meio de rezas”.


Consoante Mirabete, “Curandeiro é qualquer pessoa que pratica uma das condutas inscritas no art. 284. Normalmente são indivíduos atrasados, ignorantes, grosseiros ou místicos (feiticeiros, magos, cartomantes, adivinhos, médiuns, pais-de-santos etc.), eventualmente contraventores (art. 27 da LCP), que tenham a cura por processos não-científicos.” [7]. De forma semelhante, prega o professor Noronha, que “no presente dispositivo encara em regra o indivíduo boçal e místico, entregando-se a práticas grosseiras, cuja clientela, em sua maior parte é composta de gente rude, ignorante e analfabeta que o respeita e teme, preferindo-o ao médico mais competente da localidade. Todavia, contam-se na clientela, quase sempre, pessoas de outra esfera social, de educação e recursos financeiros, que, não obstante, consultam o curandeiro, ouvem o pai João ou recorrem ao médium milagroso para tratamento de suas moléstias ou cura de seus males, freqüentemente incuráveis pela própria medicina.”[8].


O teor pejorativo assumido pelo termo curandeirismo no art. 284, suscita o viés negativo da má-fé empregada pelo agente, que intenta dolosamente aproveitar-se da boa-fé popular ou daqueles a quem ludibria. Portanto, configura-se, de fato, a conduta do dispositivo supracitado, o sujeito com intenção de viver fraudulentamente a expensas da pratica curativa, portando-se na condição de médico remuneradamente.


Há de um lado a fé da cura a partir de religiões, seitas, crenças, e afins. Tudo pautado no direito de liberdade de consciência e de crença. E há, por outro lado, a má-fé de que se valem sujeitos que se portam, até mesmo, na qualidade de operadores dos segredos da cura através dessas mesmas religiões, seitas, crenças. E, por conta deste embate, é que se deve observar o liame sutil da boa-fé do agente.     


Em verdade, “pode-se incluir a medicina popular noutra modalidade de conhecimento, mas não pode ela ser preconceituosamente excluída do contexto social, sob a tese de que a pratica o indivíduo ‘boçal e místico’. Aprioristicamente, nada tem a ver com o misticismo o praticante da medicina popular e nada possui de negativo o conceito de místico. (…) Os doutrinadores parecem incapazes de perceber o verdadeiro significado de místico e misticismo, porque, associando-os necessariamente à superstição e à má-fé, enxergam, em tudo o que não seja cientifico, demonstrado e provado, o engodo e os maus hábitos.”[9]


Há, assim, necessidade de não se conceber uma infração grave à ordem existente, uma vez que esta mesma ordem admite socialmente a conduta. “O art. 284 alude à prática de curandeirismo, como se verdadeiramente representasse uma infração grave à ordem histórico-socialmente estabelecida. Se daquele estatuto constasse remissão à fraude, ao engodo, à trapaça, voltados ao prejuízo da sociedade como um todo, estaria justificada a existência do tipo. Não obstante, como norma incriminadora silencia, denominando curandeirismo a prática de curar ou de tentar alternativamente, sem o diploma de médico, deve-se cominar a pena do art. 284 a tantos quantos hajam realizado uma das três espécies do fato-tipo. Não importam a leal intenção de curar, a boa-fé, a dimensão sócio-cultural do agente, a obtenção de cura e a idoneidade curativa da substância: eis configurado o crime de curandeirismo.”[10]


Há de se considerar, portanto, que em matéria religiosa e no âmbito dos templos, não se agiria com a intenção de curar, mas apenas com o objetivo de abrandar espiritualmente as mazelas. Assim, se, para se configurar o crime necessário se torna, ter consciência de que se está enganando, não pode haver dolo na prática de quem não tenciona enganar, mormente em estados alterados de consciência e quando se produzem estados curativos reais.


3. CONCLUSÃO


Apesar de existirem regras, princípios, padrões, há de se afirmar que todo conhecimento, por mais científico, tem por premissa um fenômeno de crença e de certeza indireta, no qual se depositam as expectativas antropológico-sociais dos modelos de conhecimento. E, dentre mil outros fatores, há uma necessidade quase que inconsciente do ser humano de se buscar caminhos alternativos e práticas alternativas para alcançar a sua cura.


Relevando o conteúdo pejorativo empregado, o curandeirismo não pressupõe erro, fraude ou qualquer tipo de engodo. De modo que, necessário seria, uma revisão crítica, a fim de evitar injustiças de quem age de boa-fé quanto ao exposto, e de aproximar a tipificação em tela à realidade social. Outrossim, pode-se constatar ser uma conduta plenamente ajustada às regras do convívio social, porque, ainda que prevalecendo os mecanismos de repressão, continuarão as pessoas dirigindo-se aos curandeiros para encontrar talvez a humanização e a solução por vezes inexistente nos tratamentos acadêmicos e científicos.


Sendo, portanto, conduta socialmente adequada e culturalmente incorporada, no que ela possui de verdadeiro, de autêntico, de real, não há razão de ser o tipificar e qualificar enquanto crime, quaisquer atos na intenção de curar. Caso, agindo de boa-fé, acarrete em conseqüências danosas, pode-se cogitar de uma responsabilização no âmbito civil e não no âmbito criminal, visto que a conduta se encontra dentro das margens de tolerância e adequação social, ou seja, dentro das margens das condutas humanas suportadas pela sociedade. Ademais, faz-se mister de fato sopesar a boa-fé do agente.


 


Referências

BRASIL. Constituição Federal, de 05 de Outubro de 1988. Brasília, DF: Diário Oficial nº 191-A, 1988.

BRASIL. Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Dispõe da Exposição de Motivos da Parte Especial do Código Penal. Brasília, DF: Diário Oficial, 1940.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte especial, volume 4. São Paulo, SP: Editora Saraiva, 8ª Edição, 2008.

DAMASCENO, Ricardo Matos. O Curandeirismo: O jurídico à luz do antropológico, do social e do (para)psicológico, numa desconstrução do discurso dogmático-penal em nome da adequação social. Feira de Santana, BA: 2003.

BOZA, Alisson de Castro. Curandeirismo e Charlatanismo: aspectos legais e penais. Disponível em: http://antonini.med.br/html/modules.php?name=Content&pa=showpage&pid=5.

MAGNO, Alexandre. Curandeirismo. Disponível em: http://www.alexandremagno.com/novo/faq/curandeirismo.

 

Notas:

[1] Artigo orientado pela Profa. Marília Lomanto Veloso.

[2] DASMACENO (2003, p. 11)

[3] Constituição Federal da República do Brasil. Art. 5°, VI.

[4] DAMASCENO (2003, p. 14)

[5] Código Penal. Art. 284.

[6] MAGNO (2009).

[7] MIRABETE (1999, p. 184)

[8] NORONHA (1992, p. 67)        

[9] DAMASCENO (2003, p. 75)

[10] DAMASCENO (2003, p. 124-125)


Informações Sobre o Autor

Anne Clarissa Fernandes de Almeida Cunha

Acadêmica de Direito na Universidade Estadual de Feira Santana


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