Do reconhecimento jurisprudencial da responsabilidade penal da pessoa jurídica por delitos criminais

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Resumo: Responsabilidade penal da pessoa jurídica veio a ter previsão expressa no artigo 225, §3º da Constituição Federal, sendo que posteriormente ocorreu a regulamentação pelo artigo 3º da Lei n. 9605/98. O presente trabalho pretende mostrar que, apesar de todo arcabouço jurídico para se amparar e aceitar a responsabilização penal da pessoa jurídica quando do cometimento de delitos ambientais, a doutrina ainda controverte a respeito da aceitabilidade ou não de tal teoria. A jurisprudência brasileira vem aceitando de maneira veemente a responsabilidade criminal do ente coletivo, inclusive tais fundamentos podem ser encontrados no bojo dos Acórdãos do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal conforme demonstrado na execução desta pesquisa.

Palavras-chave: Responsabilidade penal da pessoa jurídica – Possibilidade jurídica – Reconhecimento jurisprudencial.

Abstract: Criminal liability of legal person came to have expressly provided for in Article 225, § 3 of the Federal Constitution, and later came to be regulated by Article 3 of Law no. 9605/98. The present work aims to show that, despite all the legal framework to support and accept the criminal responsibility of legal entities where the commission of environmental offenses, the doctrine still controverte regarding the acceptability or not of such a theory. Brazilian case law has vehemently accepting criminal responsibility of the collective being, including such fundamentals can be found in the midst of the judgments of the Superior Court of Justice and the Supreme Court as demonstrated in the execution of this research.

Keywords: Criminal liability of legal entities – Whether legal – judicial recognition

Sumário: 1. Introdução; 2. Do reconhecimento da responsabilidade criminal da pessoa jurídica pelo TRF4; 3. Do não reconhecimento da responsabilidade criminal da pessoa jurídica pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina; 4. Do reconhecimento da responsabilidade criminal da pessoa jurídica pelo Superior Tribunal de Justiça; 5. O STF e a responsabilidade penal da pessoa jurídica; 6. Considerações finais. Referências Bibliográficas.

1. Introdução

Doutrina tem divergido acerca da fundamentação jurídica para se reconhecer a responsabilidade da pessoa jurídica por cometimento de delitos ambientais.

Os estudiosos têm feito as seguintes considerações: não existe alicerce constitucional para se afirmar acerca da responsabilidade penal da pessoa jurídica, negando a previsão descrita no artigo 225, §3º da Constituição Federal afirmando que responsabilizar o ente coletivo violaria o princípio da personalidade da pena, previsto no artigo 5º, XLV da CF de 1988. Outro argumento doutrinário para se negar a responsabilidade penal do ente coletivo seria o princípio da societates dellinquere non potest, onde a pessoa jurídica não poderá cometer crimes, baseada na teoria da ficção de Savigny. Por outro lado, existe corrente que aceita e fundamenta a responsabilidade penal da pessoa jurídica, alicerçando seu entendimento na teoria da realidade, de Otto Gierke, entrando como contraponto à teoria da ficção de Savigny.

Apesar de toda esta divergência doutrinária, a jurisprudência brasileira vem acatando a tese da aceitação da responsabilidade criminal da pessoa jurídica quando a mesma cometer algum ato criminoso atentatório ao meio ambiente, inclusive com posicionamentos dos tribunais superiores, conforme será mostrado em seguida.

2. Do reconhecimento da responsabilidade criminal da pessoa jurídica pelo TRF4

Como julgamento inédito no Judiciário brasileiro, tivemos um caso apreciado e julgado pelo Tribunal Regional da 4ª Região Federal, no âmbito do processo de Mandado de Segurança 2002.04.01.013843-0, onde o paciente teve a ordem denegada, sendo que ele pleiteava o trancamento de ação penal em que figurava como pólo passivo uma pessoa jurídica. Iremos nos concentrar a um pequeno trecho deste acórdão, sobretudo relacionado ao voto do relator, que se manifestou no seguinte sentido (MS 2002.04.01.013843-0 / PR, 7ª Turma, relator Fábio Bittencourt da Rosa, publicado no DJU em 26.02.2003, p.914):

“PENAL. MANDADO DE SEGURANÇA. CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE. RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA. POSSIBILIDADE. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO DE PESSOA JURÍDICA. PASSAGEM DA CRIMINALIDADE INDIVIDUAL OU CLÁSSICA PARA OS CRIMES EMPRESARIAIS. CRIMINALIDADE DE EMPRESAS E DAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS. DIFERENÇAS. SISTEMA NORMATIVO REPOSITIVO E RETRIBUTIVO. IMPUTAÇÃO PENAL ÀS PESSOAS JURÍDICAS. CAPACIDADE DE REALIZAR A AÇÃO COM RELEVÂNCIA PENAL. AUTORIA DA PESSOA JURÍDICA DERIVA DA CAPACIDADE JURÍDICA DE TER CAUSADO UM RESULTADO VOLUNTARIAMENTE E COM DESACATO AO PAPEL SOCIAL IMPOSTO PELO SISTEMA NORMATIVO VIGENTE. POSSIBILIDADE DE A PESSOA JURÍDICA PRATICAR CRIMES DOLOSOS, COM DOLO DIRETO OU EVENTUAL, E CRIMES CULPOSOS. CULPABILIDADE LIMITADA À MANIFESTAÇÃO DE VONTADE DE QUEM DETÉM O PODER DECISÓRIO. FUNÇÃO DE PREVENÇÃO GERAL E ESPECIAL DA PENA. FALÊNCIA DA EXPERIÊNCIA PRISIONAL. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE. MELHORES RESULTADOS. APLICABILIDADE ÀS PESSOAS JURÍDICAS. VONTADE DA PESSOA JURÍDICA SE EXTERIORIZA PELA DECISÃO DO ADMINISTRADOR EM SEU NOME E NO SEU PROVEITO. PESSOA JURÍDICA PODE CONSUMAR TODOS OS CRIMES DEFINIDOS NOS ARTIGOS 29 E SEGUINTES DA LEI 9.605/98. PENAS APLICÁVEIS. CRITÉRIOS PARA APLICAÇÃO DAS PENAS ALTERNATIVAS E PRESCRIÇÃO. LIMITES MÍNIMO E MÁXIMO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE PREVISTA NOS TIPOS DA LEI 9.605/98. INTERROGATÓRIO NÃO DEVE SER FEITO NA PESSOA DO PREPOSTO. ATO DEVE SER REPETIDO NA PESSOA DO ATUAL DIRIGENTE. PROVA. NECESSIDADE DE REVELAR A EXISTÊNCIA DE UM COMANDO DO CENTRO DE DECISÃO QUE REVELE UMA AÇÃO FINAL DO REPRESENTANTE. INVIABILIDADE DE ANALISAR PROVAS EM SEDE DE MANDADO DE SEGURANÇA. NECESSIDADE DE CONTRADITÓRIO. SEGURANÇA DENEGADA.”

Em 2003, a oitava Turma do TRF4, manteve uma sentença criminal, por unanimidade, do magistrado de 1º grau que condenou uma empresa juntamente com seu sócio majoritário pelas infrações ambientais capituladas nos artigos 48 e 55 da Lei n. 9605/98, em concurso formal. Referido Acórdão foi relatado pelo Desembargador Federal Élcio Pinheiro de Castro, sendo acompanhado pelos demais membros da turma, conforme observamos logo abaixo.

“APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2001.72.04.002225-0/SC

RELATOR: DES. FEDERAL ÉLCIO PINHEIRO DE CASTRO

EMENTA

PENAL. CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE. EXTRAÇÃO DEPRODUTO MINERAL SEM AUTORIZAÇÃO. DEGRADAÇÃO DAFLORA NATIVA. ARTS. 48 E 55 DA LEI Nº 9.605/98.CONDUTAS TÍPICAS. RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOAJURÍDICA. CABIMENTO. NULIDADES. INOCORRÊNCIA. PROVA.MATERIALIDADE E AUTORIA. SENTENÇA MANTIDA.

1. Segundo entendimento doutrinário e jurisprudencial predominante, a Constituição Federal (art. 225, § 3º) bem como a Lei nº 9.605/98 (art. 3º) inovaram o ordenamento penal pátrio, tornando possível a responsabilização criminal da pessoa jurídica.

2. Nos termos do art. 563 do CPP, nenhum ato será declarado nulo, se dele não resultar prejuízo à defesa (pas de nullité sans grief ).

3. Na hipótese em tela, restou evidenciada a prática de extrair minerais sem autorização do DNPM, nem licença ambiental da FATMA, impedindo a regeneração da vegetação nativa do local. 4. Apelo desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos entre as partes acima indicadas, decide a Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade,negar provimento ao apelo, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 06 de agosto de 2003.

Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro Relator”

Quando da fundamentação do referido acórdão acima citado, o Desembargador Federal Élcio Pinheiro, entre outros argumentos, utilizou os comentários de Ney de Barros Bello Filho[1], quando afirma que não é crível que a Constituição tenha sugerido a responsabilidade administrativa e cível para as pessoas jurídicas e a responsabilidade penal apenas para as pessoas físicas. É plenamente compatível com os princípios constitucionais da culpabilidade e da individualização da pena a moderna tendência esculpida na Constituição Federal e na Lei nº 9.605/98de criminalizar condutas e responsabilizar por suas atividades os entes morais. Por outro lado, ainda é forçoso concluir ser irrespondível o argumento de que, se não fora para criminalizar condutas das pessoas jurídicas, para que se haveria de inserir no texto a norma do § 3º? O Legislador não se utiliza palavras inúteis, razão pela qual é extreme de dúvida que a CF nada mais fez do que reconhecer e admitir o princípio da responsabilidade penal da pessoa jurídica (…).”

Ainda em sintonia com o Acórdão acima referenciado, ressaltou o Desembargador as palavras de Vladimir Passos de Freitas: “nesse particular a Constituição é expressa e foi complementada por lei específica. Argumentar com outros raciocínios, como a impossibilidade de apurar-se a culpabilidade, é querer negar cumprimento à Carta Magna e à lei. É querer impor o pensamento próprio, por mais respeitável que seja, ao que decidiu o Poder Constituinte e Legislativo. (…) Estando a responsabilidade penal das pessoas jurídicas prevista no art. 225, § 3º, da CF e no art. 3º da Lei 9.605/98, descabe criar interpretações destinadas a reconhecer como inconstitucional o que a Constituição criou, pois é vedado ao Juiz substituir-se à vontade do constituinte e do legislador, ainda que dela possa discordar.”

3. Do não reconhecimento da responsabilidade criminal da pessoa jurídica pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina

Existem vários julgados dos Tribunais de Justiça em solo brasileiro, sendo que, podemos verificar que alguns ainda não reconhecem em sua totalidade a responsabilidade criminal da pessoa jurídica quando a mesma pratica delitos ambientais.

Neste comando, em nível de TJ, iremos nos manter na apreciação de Acórdão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, quando do julgamento do recurso criminal n. 2003.003801-9, relatado pelo Desembargador Maurílio Moreira Leite. No relatório do julgado, percebemos que não foi acolhida a tese da responsabilidade criminal da pessoa jurídica, fundamentado no fato de que ente coletivo é desprovido de vontade própria. A fundamentação principal de seus argumentos foi retirada da decisão do Recurso Criminal n. 00.004656-6, relatada pelo Desembargador Torres Marques, quando afirmou que:

“A denúncia encontra amparo no art. 3º e parágrafo único da Lei n. 9605/98, que menciona: Art. 3º. As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente, conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade. Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato. O referido artigo deve ser analisado juntamente com o que preceitua a Constituição Federal no art. 225 §3º: As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas e jurídicas, a sanções penais e administrativas, independente da obrigação de reparar os danos causados. Este dispositivo Constitucional gerou grande polêmica, tendo em vista o princípio da irresponsabilidade criminal da pessoa jurídica, adotado pelo Brasil. O artigo 3º da Lei 9605/98, ao declarar que as pessoas jurídicas respondem penalmente, pretende aplicar o que dispõe o artigo 225, § 3º, da Carta Magna. Resta saber se o constituinte, através do referido dispositivo, desejou que se passasse a incriminar a pessoa jurídicas.”

Tivemos outra manifestação do Tribunal de Justiça de Santa Catarina quando do julgamento do Recurso Criminal n. 2003.015769-7, onde a Segunda Câmara Criminal, novamente manteve o posicionamento acima exposto, não admitindo a responsabilidade criminal da pessoa jurídica, conforme abaixo:

“RECURSO CRIMINAL. CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE. RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA. IMPOSSIBILIDADE. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.

"A pessoa jurídica, porque desprovida de vontade própria, sendo mero instrumento de seus sócios ou prepostos, não pode figurar como sujeito ativo de crime, pois a responsabilidade objetiva não está prevista na legislação penal vigente" (RCR n. 03.003801-9, da comarca de Curitibanos, rel. Maurílio Moreira Leite).

Vistos, relatados e discutidos estes autos de recurso criminal n. , da comarca de Videira (2ª Vara), em que é recorrente a Justiça, por seu Promotor, e recorrido Auto Posto e Lanchonete Videirense Lt. da :

ACORDAM, em Segunda Câmara Criminal, por votação unânime, negar provimento ao recurso.

Nesse rumo, assentou esta Câmara:

“Crime ambiental”. Denúncia oferecida contra pessoa jurídica. Inviabilidade. Responsabilidade objetiva não prevista na legislação penal vigente. Rejeição mantida. Recurso improvido.

“A pessoa jurídica, porque desprovida de vontade própria, sendo mero instrumento de seus sócios ou prepostos, não pode figurar como sujeito ativo de crime, pois a responsabilidade objetiva não está prevista na legislação penal vigente” (RCR n. 03.003801-9, da comarca de Curitibanos, rel. Maurílio Moreira Leite).

Com efeito, considerando-se que as sociedades empresárias não agem por si, mas por meio de gerentes, que, em razão disso, não têm culpabilidade própria, e, por fim, ante a impossibilidade de se sujeitarem "pessoalmente" ao cumprimento de penas, os crimes praticados em proveito da atividade que desenvolvem só podem ser imputados às pessoas naturais que as administram.

Analisando cada um dos requisitos da responsabilidade penal subjetiva, e demonstrando a inviabilidade de sua satisfação pelas pessoas jurídicas, Luiz Regis Prado, com apoio em diversos doutrinadores europeus, observa: "De primeiro, ressalta à evidência que a pessoa coletiva não tem consciência.”

4. Do reconhecimento da responsabilidade criminal da pessoa jurídica pelo Superior Tribunal de Justiça

Apesar de toda discussão doutrinária que se coloca entre os constitucionalistas/ambientalistas de um lado e do outro os penalistas pela aceitabilidade ou não da responsabilidade penal da pessoa jurídica quando do cometimento de crimes ambientais, bem como da variabilidade de posicionamentos nos Tribunais de Justiça brasileiro, o Superior Tribunal de Justiça vem reconhecendo com bastante veemência a tese da incriminação do ente coletivo.

Podemos observar que, a partir de 2005, o STJ ratificou o entendimento de que a pessoa jurídica que cometer delitos criminais contra o meio ambiente deverá ser responsabilizada, uma vez que o constituinte originário deixou tal mandamento exarado no artigo 225, §3º da Constituição Federal, o que foi posteriormente regulamentado pelo artigo 3º da Lei n. 9605/98.

Em julgamento inédito no âmbito do STJ, referido tribunal encampou a tese da aceitabilidade da responsabilização penal da pessoa jurídica quando do julgamento do Recurso Especial 564960/SC, relatado pelo Ministro Gilson Dipp, transpondo as barreiras antes fixadas pelos dogmas do Direito Penal, impostos pela teoria clássica do delito, dando total efetividade ao descrito no artigo 225, §3º da Constituição Federal, conforme abaixo se observa:

“CRIMINAL. CRIME AMBIENTAL PRATICADO POR PESSOA JURÍDICA. RESPONSABILIZAÇÃO PENAL DO ENTE COLETIVO. POSSIBILIDADE. PREVISÃO CONSTITUCIONAL REGULAMENTADA POR LEI FEDERAL. OPÇÃO POLÍTICA DOLEGISLADOR. FORMA DE PREVENÇÃO DE DANOS AO MEIO-AMBIENTE. CAPACIDADE DE AÇÃO. EXISTÊNCIA JURÍDICA. ATUAÇÃO DOS ADMINISTRADORES EM NOME E PROVEITO DA PESSOA JURÍDICA. CULPABILIDADE COMO RESPONSABILIDADE SOCIAL. CO-RESPONSABILIDADE. PENAS ADAPTADAS À NATUREZA JURÍDICA DO ENTE COLETIVO. RECURSO PROVIDO.

I. Hipótese em que pessoa jurídica de direito privado, juntamente com dois administradores, foi denunciada por crime ambiental, consubstanciado em causar poluição em leito de um rio, através de lançamento de resíduos, tais como, graxas, óleo, lodo, areia e produtos químicos, resultantes da atividade do estabelecimento comercial.

II. A Lei ambiental, regulamentando preceito constitucional, passou a prever, de forma inequívoca, a possibilidade de penalização criminal das pessoas jurídicas por danos ao meio-ambiente.

III. A responsabilização penal da pessoa jurídica pela prática de delitos ambientais advém de uma escolha política, como forma não apenas de punição das condutas lesivas ao meio-ambiente, mas como forma mesmo de prevenção geral e especial.

IV. A imputação penal às pessoas jurídicas encontra barreiras na suposta incapacidade de praticarem uma ação de relevância penal, de serem culpáveis e de sofrerem penalidades.

V. Se a pessoa jurídica tem existência própria no ordenamento jurídico e pratica atos no meio social através da atuação de seus administradores, poderá vir a praticar condutas típicas e, portanto, ser passível de responsabilização penal.

VI. A culpabilidade, no conceito moderno, é a responsabilidade social, e a culpabilidade da pessoa jurídica, neste contexto, limita-se à vontade do seu administrador ao agir em seu nome e proveito.

VII. A pessoa jurídica só pode ser responsabilizada quando houver intervenção de uma pessoa física, que atua em nome e em benefício do ente moral.

VIII. 'De qualquer modo, a pessoa jurídica deve ser beneficiária direta ou indiretamente pela conduta praticada por decisão do seu representante legal ou contratual ou de seu órgão colegiado.'

IX. A atuação do colegiado em nome e proveito da pessoa jurídica é a própria vontade da empresa. A co-participação prevê que todos os envolvidos no evento delituoso serão responsabilizados na medida se sua culpabilidade.

X. A Lei Ambiental previu para as pessoas jurídicas penas autônomas de multas, de prestação de serviços à comunidade, restritivas de direitos, liquidação forçada e desconsideração da pessoa jurídica, todas adaptadas à sua natureza jurídica.

XI. Não há ofensa ao princípio constitucional de que 'nenhuma pena passará da pessoa do condenado…', pois é incontroversa a existência de duas pessoas distintas: uma física – que de qualquer forma contribui para a prática do delito – e uma jurídica, cada qual recebendo a punição de forma individualizada, decorrente de sua atividade lesiva.

XII. A denúncia oferecida contra a pessoa jurídica de direito privado deve ser acolhida, diante de sua legitimidade para figurar no pólo passivo da relação processual-penal.

XIII. Recurso provido, nos termos do voto do Relator.” (RESP- 564960, STJ – 5ª Turma, Relator: Min. Gilson Dipp, DJ: 13/06/2005).

Após o julgamento acima referenciado, o Superior Tribunal de Justiça continuou se manifestando favoravelmente à responsabilização criminal das pessoas jurídicas, conforme podemos observar nas sínteses dos Acórdãos elencadas quando do julgamento dos Recursos Especiais n. 610114 de relatoria também do Ministro Gilson Dipp, n. 865864 tendo como relator o Ministro Arnaldo Esteves Lima e o de n. 889528 relatoriado pelo Ministro Félix Fisher, conforme abaixo transcritos:

“Processo: REsp 610 114 RN

Relator(a): Ministro GILSON DIPP

Julgamento: 16/11/2005 Órgão Julgador: T5 – QUINTA TURMA

Publicação: DJ 19.12.2005 p. 463 Ementa

CRIMINAL. RESP. CRIME AMBIENTAL PRATICADO POR PESSOA JURÍDICA. RESPONSABILIZAÇÃO PENAL DO ENTE COLETIVO. POSSIBILIDADE. PREVISÃO CONSTITUCIONAL REGULAMENTADA POR LEI FEDERAL. OPÇÃO POLÍTICA DO LEGISLADOR. FORMA DE PREVENÇÃO DE DANOS AO MEIO-AMBIENTE. CAPACIDADE DE AÇÃO. EXISTÊNCIA JURÍDICA. ATUAÇÃO DOS ADMINISTRADORES EM NOME E PROVEITO DA PESSOA JURÍDICA. CULPABILIDADE COMO RESPONSABILIDADE SOCIAL. CO-RESPONSABILIDADE. PENAS ADAPTADAS À NATUREZA JURÍDICA DO ENTE COLETIVO. ACUSAÇÃO ISOLADA DO ENTE COLETIVO. IMPOSSIBILIDADE. ATUAÇÃO DOS ADMINISTRADORES EM NOME E PROVEITO DA PESSOA JURÍDICA. DEMONSTRAÇÃO NECESSÁRIA. DENÚNCIA INEPTA. RECURSO DESPROVIDO.

I. A Lei ambiental, regulamentando preceito constitucional, passou a prever, de forma inequívoca, a possibilidade de penalização criminal das pessoas jurídicas por danos ao meio-ambiente. III. A responsabilização penal da pessoa jurídica pela prática de delitos ambientais advém de uma escolha política, como forma não apenas de punição das condutas lesivas ao meio-ambiente, mas como forma mesmo de prevenção geral e especial. IV. A imputação penal às pessoas jurídicas encontra barreiras na suposta incapacidade de praticarem uma ação de relevância penal, de serem culpáveis e de sofrerem penalidades. V. Se a pessoa jurídica tem existência própria no ordenamento jurídico e pratica atos no meio social através da atuação de seus administradores, poderá vir a praticar condutas típicas e, portanto, ser passível de responsabilização penal. VI. A culpabilidade, no conceito moderno, é a responsabilidade social, e a culpabilidade da pessoa jurídica, neste contexto, limita-se à vontade do seu administrador ao agir em seu nome e proveito. VII. A pessoa jurídica só pode ser responsabilizada quando houver intervenção de uma pessoa física, que atua em nome e em benefício do ente moral. VIII. "De qualquer modo, a pessoa jurídica deve ser beneficiária direta ou indiretamente pela conduta praticada por decisão do seu representante legal ou contratual ou de seu órgão colegiado.". IX. A Lei Ambiental previu para as pessoas jurídicas penas autônomas de multas, de prestação de serviços à comunidade, restritivas de direitos, liquidação forçada e desconsideração da pessoa jurídica, todas adaptadas à sua natureza jurídica. X. Não há ofensa ao princípio constitucional de que "nenhuma pena passará da pessoa do condenado…", pois é incontroversa a existência de duas pessoas distintas: uma física – que de qualquer forma contribui para a prática do delito – e uma jurídica, cada qual recebendo a punição de forma individualizada, decorrente de sua atividade lesiva. XI. Há legitimidade da pessoa jurídica para figurar no pólo passivo da relação processual-penal. XII. Hipótese em que pessoa jurídica de direito privado foi denunciada isoladamente por crime ambiental porque, em decorrência de lançamento de elementos residuais nos mananciais dos Rios do Carmo e Mossoró, foram constatadas, em extensão aproximada de 5 quilômetros, a salinização de suas águas, bem como a degradação das respectivas faunas e floras aquáticas e silvestres. XIII. A pessoa jurídica só pode ser responsabilizada quando houver intervenção de uma pessoa física, que atua em nome e em benefício do ente moral. XIV. A atuação do colegiado em nome e proveito da pessoa jurídica é a própria vontade da empresa. XV. A ausência de identificação das pessoa físicas que, atuando em nome e proveito da pessoa jurídica, participaram do evento delituoso, inviabiliza o recebimento da exordial acusatória. XVI. Recurso desprovido.”

RECURSO ESPECIAL Nº 865.864 – PR (2006/0230607-6)

DIREITO PROCESSUAL PENAL. DENÚNCIA. REJEIÇAO. ILEGITIMIDADE PASSIVA. CRIME AMBIENTAL PRATICADO POR PESSOA JURÍDICA. RESPONSABILIZAÇAO PENAL DO ENTE COLETIVO. POSSIBILIDADE. PREVISAO CONSTITUCIONAL, REGULAMENTADA POR LEI FEDERAL. OPÇAO POLÍTICA DO LEGISLADOR. FORMA DE PREVENÇAO DE DANOS AO MEIO AMBIENTE. ATUAÇAO DOS ADMINISTRADORES EM NOME E PROVEITO DAS ATIVIDADES DA PESSOA JURÍDICA. RESPONSABILIDADE SOCIAL. PENAS ADAPTADAS À NATUREZA JURÍDICA DO ENTE COLETIVO. RECURSO PROVIDO.

1. A lei ambiental, regulamentando preceito constitucional, passou a prever, de forma inequívoca, a possibilidade de responsabilização penal das pessoas jurídicas por danos causados ao meio ambiente.

2. A responsabilização penal da pessoa jurídica pela prática de delitos ambientais advém de uma escolha política, como forma não apenas de punição das condutas lesivas ao meio-ambiente, mas como forma mesmo de prevenção geral e especial.

3. A lei ambiental previu para as pessoas jurídicas penas autônomas de multas, de prestação de serviços à comunidade, restritivas de direitos, liquidação forçada e desconsideração da pessoa jurídica, todas adaptadas à sua natureza jurídica.”

“Processo: REsp 889528 SC 2006/0200330-2

Relator(a): Ministro FELIX FISCHER

Julgamento: 16/04/2007

Órgão Julgador: T5 – QUINTA TURMA

Publicação: DJ 18.06.2007 p. 303 Ementa

PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. CRIMES CONTRA O MEIO AMBIENTE. DENÚNCIA REJEITADA PELO E. TRIBUNAL A QUO. SISTEMA OU TEORIA DA DUPLA IMPUTAÇÃO.

Admite-se a responsabilidade penal da pessoa jurídica em crimes ambientais desde que haja a imputação simultânea do ente moral e da pessoa física que atua em seu nome ou em seu benefício, uma vez que "não se pode compreender a responsabilização do ente moral dissociada da atuação de uma pessoa física, que age com elemento subjetivo próprio" cf. Resp nº 564960/SC, 5ª Turma, Rel. Ministro Gilson Dipp, DJ de 13/06/2005 (Precedentes). Recurso especial provido.”

5. O STF e a responsabilidade penal da pessoa jurídica

Atualmente temos muitos estudiosos a respeito da possibilidade jurídica ou não de se promover a responsabilização criminal da pessoa jurídica. Além do amplo debate no âmbito doutrinário, a jurisprudência vem se posicionando a cada dia sobre tal assunto, tendo o Superior Tribunal de Justiça encampado a idéia de que é possível se responsabilizar penalmente o ente coletivo.

O Supremo Tribunal Federal vem enfrentando, apesar de não ser diretamente, a situação de uma forma ainda um pouco lenta, mas já se tem condições de extrair alguns posicionamentos da Suprema Corte, conforme relatada pela professora Natália Langenegger[2], ao apreciar os votos dos Ministros do STF:

“A despeito disso, na pesquisa inicial realizada no site do STF, foi possível identificar 6 (seis) decisões que, muito embora tratem superficialmente da RPPJ, poderão ser utilizadas como indicativo de futuro posicionamento da corte sobre o assunto. Este tópico do trabalho se preocupará em analisar referidas decisões. Há duas decisões, HC 833012 e RHC 856586, em que o Ministro Cezar Peluso se manifesta expressamente contra a possibilidade de haver RPPJ, consoante se verifica pelo trecho de acórdão abaixo transcrito: "Ora, como sabe toda a gente, "empresas" não cometem crimes. Em nosso sistema penal, a despeito do que estatui a Lei 9.605/98, vige o princípio da "societas delinquere non potest", sendo a responsabilidade penal pessoal e, mais que isso, subjetiva." Nessas decisões o Ministro claramente afirma que a Lei de Crimes Ambientais (Lei n° 9.605/98) está em desconformidade com princípio vigente em nosso ordenamento jurídico, qual seja, o da "societas delinquere non potest". A partir desse posicionamento, é natural que se espere por duas declarações futuras do ministro: (a) a RPPJ não está prevista no artigo 225, §3° da Constituição, e (b) a Lei de Crimes ambientais é inconstitucional. Entretanto, não somente essas declarações são apenas suposições, como o debate nessas decisões girava em torno de outro assunto a responsabilidade penal de dirigente de pessoa jurídica pelo cometimento de "crimes societários".

HC 83301-2/RS, julgado em 16.03.2004. Min. Rel. Marco Aurélio e RHC 85658-6/ES, julgado em 21/06/2005. Min. Relator: Cezar Peluso. O princípio do "societas delinquere non potest" determina que pessoa jurídica não poderá delinquir. Os 4 (quatro) demais casos encontrados foram todos proferidos em Habeas Corpus, sendo que três cuidam–se de decisão liminar, e apenas um foi exarado em momento de cognição exauriente. O primeiro HC, nº 8.6001, foi impetrado em favor de pessoa jurídica e dois de seus dirigentes contra decisão que denegou o pedido de trancamento da ação penal. O Ministro Relator, Gilmar Mendes, concedeu liminarmente a ordem requerida para suspender a ação penal de primeira instância, por entender ser plausível o direito invocado pelas partes.O segundo HC, nº 88544, foi impetrado em favor de pessoas físicas contra decisão que denegou ordem de Habeas Corpus para excluí-los do pólo passivo de ação penal movida contra a pessoa jurídica da qual são dirigentes. O ministro relator, Ricardo Lewandoski, deferiu liminar para impedir que fosse proferida decisão definitiva no processo de primeira instância antes do julgamento final do HC. , sob a justificativa de que "na atual configuração constitucional, é possível, em tese, a responsabilização penal da pessoa jurídica, segundo o sistema da dupla imputação e em bases epistemologicamente diversas das utilizadas tradicionalmente". O terceiro HC, nº 88747, também impetrado em favor de dirigente de pessoa jurídica, foi rejeitado liminarmente pelo ministro Cezar Peluso, sob a seguinte argumentação: "(…) a ação penal não foi instaurada contra o paciente, mas, sim, contra a pessoa jurídica de que ele é representante legal e que, nos termos dos incs. do art. 21 da Lei nº 9.605/98, somente poderá ser punida com multa, pena restritiva de direitos e/ou prestação de serviços à comunidade. Dessa forma, não vislumbro interesse que legitime o paciente ao uso de HC, pois inexiste risco de constrangimento ilegal à sua liberdade de locomoção em razão da Ação Penal". O último Habeas Corpus, nº 92921-4, será analisado mais detidamente no próximo capítulo. Verifica-se nas decisões acima tratadas um tímido posicionamento da Corte sobre o tema da Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica. O Ministro Gilmar Mendes, ainda que em momento de cognição sumária e sem 15 enfrentar diretamente a possibilidade de haver RPPJ, entendeu ser possível conceder ordem de Habeas Corpus para pessoa jurídica. Bem assim, o Ministro Ricardo Lewandowski, afirmou ser possível responsabilizar criminalmente uma pessoa jurídica, mas desde que respeitado o princípio da dupla imputação. Já o Ministro Cezar Peluso determinou ser impossível conceder ordem de Habeas Corpus em favor de dirigente de empresa quando a pessoa jurídica for o sujeito passivo da ação penal. Ainda que em primeira instância haja imputação de crime à pessoa jurídica, a argumentação utilizada pelo Ministro neste julgado diz respeito unicamente à pessoa física.

A referida Professora deu muita ênfase ao caso do HC 92.921-4 [04], confira-se:

4. HC 929214: O STF tentou estabelecer critérios para viabilizar a RPPJ?

O Habeas Corpus 92.921-4 / BA foi impetrado em favor de Curtume Campelo S/A e seus diretores em face de decisão proferida pela 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que denegou a ordem de Habeas Corpus (n° 61.199 / BA), sob a justificativa de que o trancamento de ação penal por esta via processual somente seria cabível quando manifesta a atipicidade da conduta, a extinção da punibilidade ou a ausência de indícios de autoria e prova de materialidade, o que não se verificava no caso.

O objetivo dos pacientes era o deferimento de liminar para a suspensão da ação penal de primeira instância até o julgamento do Habeas Corpus e, ao final, a concessão de ordem definitiva para seu trancamento. O Ministro Relator, Ricardo Lewandowski, em momento de cognição sumária, entendeu presentes o periculum in mora e o fumus boni iuris, motivo pelo qual determinou o sobrestamento liminar da ação penal. Levada a ação para a apreciação da turma julgadora, composta também pelos ministros Marco Aurélio, Carmen Lúcia, Menezes Direito e Carlos Ayres Britto, decidiu-se por excluir a pessoa jurídica do Habeas Corpus, "quer considerada a qualificação como impetrante, quer como paciente". O Ministro relator restou vencido no caso. O Ministro Ricardo Lewandowski, cujo voto foi favorável à concessão de ordem de Habeas Corpus em favor de pessoa jurídica, fundamentou sua decisão em torno da falta de aparelhamento do sistema penal para receber a responsabilidade penal da pessoa jurídica. Inclusive, iniciou seu voto com as seguintes afirmativas: "nosso sistema penal ainda não está plenamente aparelhado para reconhecer a responsabilidade penal da pessoa jurídica" e "conquanto tenha o art. 225 , §3°, da Constituição Federal feito expressa menção à responsabilidade penal da pessoa jurídica, inexistem instrumentos legislativos, estudos doutrinários ou precedentes jurisprudenciais, aptos a colocá-la em prática, sobretudo de modo consentâneo com as garantias do processo penal." A despeito de reconhecer estar a RPPJ expressamente prevista na Constituição, afirma ser inviável processar criminalmente pessoa jurídica sem que haja um microssistema próprio para tanto. Assim sendo, entende que enquanto não forem criadas normas penais e processuais penais específicas para a RPPJ, não pode pessoa jurídica figurar no pólo passivo de ação penal.

Outrossim, argumenta que a pessoa jurídica pode figurar como paciente em Habeas Corpus conjuntamente com pessoa física, uma vez que o artigo 3° da Lei 9.605/98 determina ser necessária a dupla imputação (responsabilização simultânea da pessoa jurídica com a pessoa física que realizou ou determinou a realização do ato). Em sendo as pessoas física e jurídica rés em um mesmo processo-crime, podem também as duas figurarem conjuntamente como pacientes em Habeas Corpus. Nessa mesma linha, afirma que a exigência de dupla imputação importa em ofensa reflexa à liberdade de locomoção do dirigente da pessoa jurídica. Desta forma, e reconhecendo que a pessoa jurídica não possui liberdade de locomoção, o Ministro defende que o Habeas Corpus abarcaria os efeitos reflexos que recairão sobre a pessoa física decorrentes de sua imputação em processo-crime. Mais adiante, abriu debate sobre a possibilidade da jurisprudência construir uma evolução no referido instrumento processual. Para tanto, apresentou dois exemplos em que a jurisprudência ampliou conceitos para permitir à pessoa jurídica direitos que antes eram tidos como exclusivos dos seres humanos: a assistência judiciária gratuita e o dano moral. Para concluir seu voto, afirmou: "apenas o que me causa uma certa perplexidade – quero assinalar isso como últimas palavras minhas – é o seguinte: Uma ação penal instaurada sem justa causa, flagrantemente sem justa causa, exclusivamente contra uma pessoa jurídica não encontrará remédio em nosso ordenamento jurídico". O segundo Ministro a se manifestar foi o Marco Aurélio, que se posicionou contrariamente à possibilidade de conceder Habeas Corpus para pessoa jurídica. Em seu voto o Ministro defende categoricamente que o Habeas Corpus tutela exclusivamente a liberdade de locomoção e que a pessoa jurídica jamais poderá sofrer reprimenda a essa liberdade. Não somente argumenta que a liberdade de locomoção é exclusiva do ser humano, como afirma que as penas previstas na Lei de Crimes Ambientais para pessoas jurídicas não colocam em risco tal liberdade. Desta forma, defende que para impedir que sanções penais recaiam sobre a esfera de direitos das pessoas jurídicas a via apropriada é a tradicionalmente utilizada para contestar uma decisão judicial, qual seja, o Recurso. Para refutar o argumento do Ministro Ricardo Lewandowski acerca da imputação reflexa, o Ministro Marco Aurélio afirma que a simples imputação em processo-crime não importa necessariamente no direito de obter ordem de Habeas Corpus. Assim, entende que não cabe impetrar HC em favor de pessoa jurídica, ainda que seus dirigentes sejam reflexamente ofendidos. Ao final, determina que o instrumento cabível para tutelar direito de pessoa jurídica envolvida em ação penal instaurada flagrantemente sem justa causa é o Mandado de Segurança. O terceiro Ministro a se manifestar foi o Menezes Direito, que iniciou seu voto lembrando ter o Mandado de Segurança surgido de uma ampliação do Habeas Corpus, e afirmando: "Agora, se admitirmos a pessoa jurídica como paciente no Habeas Corpus, faremos o caminho inverso: retomaremos à necessidade de uma nova doutrina do Habeas Corpus." Mostrando-se avesso à possibilidade de criar uma nova doutrina para o Habeas Corpus, justificou estar na própria Constituição Federal a limitação desse instrumento à proteção da liberdade de locomoção. Bem assim, afirmou que a pessoa jurídica não terá essa liberdade cerceada, seja porque impraticável, ou porque a pena privativa de liberdade não está dentre as penas elencadas no rol taxativo do artigo 21 da Lei 9.605/98. Somando-se a isso, informou que todas as modificações sofridas pelo Habeas Corpus foram reducionistas e sempre envolveram pessoas físicas. Desta forma, se posicionou contrário à possibilidade de pessoa jurídica figurar como paciente em Habeas Corpus. Em seguida se manifestou a Ministra Carmen Lúcia, cujo voto acompanhou os Ministros Marco Aurélio e Menezes Direito. A Ministra iniciou seu voto relatando que antes da Constituição de 1988 era impensável atribuir responsabilidade penal à pessoa jurídica, mas que hoje esse entendimento está superado.

Ato contínuo, afirmou que antes não era possível conceder Habeas Corpus para pessoa jurídica pelo simples fato delas não cometerem crimes, mas que hoje elas continuam não podendo ser pacientes de Habeas Corpus porque este instrumento protege somente a liberdade de locomoção. Em resposta ao debate levantado pelo Ministro Ricardo Lewandowski sobre a possibilidade de alargar o objeto do Habeas Corpus, a Ministra concordou que há essa possibilidade, inclusive apresentando outros exemplos em que o poder judiciário ampliou o objeto de remédios constitucionais, mas argumentou que o Habeas Corpus é incompatível com as pessoas jurídicas, pois estas não podem sofrer cerceamento à liberdade de locomoção. Por último, o Ministro Carlos Ayres Britto se manifestou brevemente, realizando uma interpretação gramatical dos dispositivos constantes do artigo 5° da Constituição para, ao final, concluir que os direitos previstos Art. 21, Lei 9.605/98: "As penas aplicáveis isolada, cumulativa ou alternativamente às pessoas jurídicas, de acordo com o disposto no art. 3º, são: I – multa; II – restritivas de direitos; III – prestação de serviços à comunidade."

"Quero só lembrar: o Ministro Ricardo Lewandoswki chamou a atenção para a circunstância de que essa possibilidade se abriria, até porque, para um mandado de segurança, também houve uma ampliação muito grande. E o Supremo hoje, tem feito outras ampliações, por exemplo: entre as garantias constitucionais está previsto o mandado de injunção, mas, para se ter um mandado de segurança coletivo, foi preciso que essa Constituição de 88 fizesse. No entanto, o Supremo está admitindo o mandado de injunção coletivo que não está previsto expressamente." naquele artigo são exclusivos de pessoas físicas. Assim, determinou que o disposto no artigo 5°, LXXVII, da CF não é aplicável às pessoas jurídicas.

Assim sendo, foi possível identificar no HC 92.9214 dois posicionamentos distintos: houve 1(um) voto favorável à possibilidade de deferir Habeas Corpus para pessoa jurídica, e 4(quatro) contrários.”

Após os comentários acima assinalados, o STF voltou a se manifestar em 06/09/2011, quando do julgamento do Recurso Extraordinário n. 628582, reconhecendo a possibilidade jurídica de se responsabilizar os entes coletivos quando os mesmos praticarem atitudes criminosas contra o meio ambiente, sendo que neste julgamento o STF divergiu parcialmente do entendimento do STJ, ao permitir que a pessoa jurídica continue no processo independentemente da pessoa física, relativizando a teoria da dupla imputação, conforme abaixo assinalado:

“Absolvição de pessoa física e condenação penal de pessoa jurídica
É possível a condenação de pessoa jurídica pela prática de crime ambiental, ainda que haja absolvição da pessoa física relativamente ao mesmo delito. Com base nesse entendimento, a 1ª Turma manteve decisão de turma recursal criminal que absolvera gerente administrativo financeiro, diante de sua falta de ingerência, da imputação da prática do crime de licenciamento de instalação de antena por pessoa jurídica sem autorização dos órgãos ambientais. Salientou-se que a conduta atribuída estaria contida no tipo penal previsto no art. 60 da Lei 9.605/98 (“Construir, reformar, ampliar, instalar ou fazer funcionar, em qualquer parte do território nacional, estabelecimentos, obras ou serviços potencialmente poluidores, sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes, ou contrariando as normas legais e regulamentares pertinentes: Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente”). Reputou-se que a Constituição respaldaria a cisão da responsabilidade das pessoas física e jurídica para efeito penal (“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações. … § 3º – As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”). RE 628582 AgR/RS rel. Min. Dias Toffoli, 6.9.2011. (RE-628582)”

6. Considerações finais

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 entrou em vigência a previsão de um dos maiores avanços constitucionais em matéria de meio ambiente, que foi a permissão expressa, deixada pelo constituinte originário, de se responsabilizar penalmente as pessoas jurídicas quando cometerem delitos ambientais, independentemente da pessoa física, intenção esta exarada no artigo 225, §3º da CF.

Dez anos após a promulgação da CF, o legislador ordinário tratou de regulamente a previsão constitucional, foi quando “nasceu” a Lei n. 9605/98, que em seu artigo 3º trouxe expressamente a configuração criminosa das pessoas jurídicas que cometerem delitos ambientais.

Apesar de todo arcabouço jurídico acima citado, a doutrina continuou divergindo a respeito da aceitabilidade ou não de se interpretar tais previsões como responsabilidade penal das pessoas jurídicas, dividindo-se principalmente entre as correntes constitucionalista-ambientalistas de um lado e os penalistas do outro.

Posteriormente a jurisprudência passou a enfrentar com bastante veemência o tema, sendo que o Superior Tribunal de Justiça aceitou a tese que levantou a possibilidade jurídica de se responsabilizar as pessoas jurídicas que cometerem crimes contra o meio ambiente, tese este que foi aceita também pelo Supremo Tribunal de Justiça, conforme demonstrado nos julgados acima citados.

 

Referências bibliográficas
FILHO, Ney de Barros Bello e outros. Crimes e Infrações Administrativas Ambientais: Comentários à Lei nº 9.605/98. 2 ed. Brasília Jurídica, 2001.
LARGENEGGER, Natália. Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica: O ordenamento jurídico está preparado para reconhecê-la? Monografia apresentada à Escola de Formação da Sociedade Brasileira de Direito Público – SBDP. Acesso em 22/10/11. Disponível em: http://www.sbdp.org.br/arquivos/monografia/157_Monografia%20Natalia%20Langenegger.pdf 

Notas:
[1] FILHO, Ney de Barros Bello e outros. Crimes e Infrações Administrativas Ambientais: Comentários à Lei nº 9.605/98. 2 ed. Brasília Jurídica, 2001, p. 60.
[2] LARGENEGGER, Natália. Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica: O ordenamento jurídico está preparado para reconhecê-la? Monografia apresentada à Escola de Formação da Sociedade Brasileira de Direito Público – SBDP. Acesso em 22/10/11. Disponível em: http://www.sbdp.org.br/arquivos/monografia/157_Monografia%20Natalia%20Langenegger.pdf


Informações Sobre o Autor

José Eliaci Nogueira Diógenes Júnior

Procurador Federal Membro da Advocacia-Geral da União. Pós-graduado em Direito Ambiental e Urbanístico. Pós-graduado em Direito Processual Civil e Trabalho. Pós-graduado em Direito Constitucional. Professor Universitário.


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