Excludentes de ilicitude: localização história

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Resumo: A luta pela sobrevivência sempre marcou a existência do homem na face da terra, exigindo, para a solução dos conflitos a criação do Estado, com poderes para  reger o comportamento humano. Dessa forma, desde que determinada conduta, ação ou omissão, viole bem jurídico, surge para o estado o jus puniendi. No entanto, em certas e especialíssimas circunstâncias, é permitido a alguém voltar seu comportamento contra bens que, em situações normais são protegidos, sendo considerado justo o ataque. Essas normas permissivas chamadas de causas de exclusão da ilicitude. Para que se possa chegar às origens das excludentes é necessário desenvolver a evolução do Direito Penal. A doutrina mais aceita tem adotado a tríplice divisão, que é representada pela vingança privada, vingança divina e vingança pública. Por fim, trata o presente estudo das excludentes de ilicitude na legislação brasileira, desde o Período Colonial a atualidade almejando balizar os pontos relevantes do surgimento e evolução histórica das causas legais das excludentes de ilicitudes.

Palavras-chave: Direito. História. Excludente de ilicitude.

Abstract: The struggle for survival has always marked the existence of man in the face of the Earth, requiring, for the solution of conflicts, the establishment of the State, with the power to govern human behaviour. In this way, provided that certain conduct, action or omission, violates as well, legal rule arises the jus puniendi. However, under certain circumstances, it is permissible to especialíssimas and someone back their behavior against goods which, in normal situations are protected, being considered just the attack. Such permissive standards called grounds for exemption or awareness. In order to get to the origins of exclusive it is necessary to develop the evolution of criminal law. The most accepted doctrine has pursued a threefold division, which is represented by private revenge, divine revenge and revenge. Finally, this study of exclusive unlawful, in Brazilian legislation, from the Colonial period to today aiming mark out the relevant points of emergence and historical evolution of legal causes of exclusive of illegal activity.

Keywords: Right. Story. Excludes or awareness.

Sumário: Introdução. 1 Origem das excludentes de ilicitude. 2 As excludentes de ilicitude na legislação brasileira: do surgimento à atualidade. 2.1 Período Colonial (1500 – 1822). 2.2 Período Imperial (1822 – 1889). 2.3 Código Penal de 1890. 2.4 Código Penal de 1940. 2.5 Código Penal de 1969. Conclusão. Referências

Introdução

A luta pela sobrevivência sempre marcou a existência do homem na face da terra. Desde as mais remotas épocas, ele se viu diante das agruras da vida primitiva, sendo obrigado a desenvolver formas e mecanismos de defesa que pudesse resguardá-lo das ameaças, e dar-lhe um mínimo de tranqüilidade para o desempenho das tarefas do cotidiano.

Com o passar do tempo, a evolução da espécie levou-o à conclusão de que deveria estabelecer uma forma de resolução de conflitos de interesses interpessoais, optando a sociedade por um ente, denominado Estado, representativo de todos os cidadãos, que passaria a estabelecer regras destinadas a reger o comportamento humano, compondo, na medida do possível, as lides de natureza pública e de natureza privada.

A noção de direto penal pode ser constatada desde os primórdios das relações entre pessoas, talvez com o próprio surgimento da vida grupal, deve ter existido a pena como resposta do homem ao mal causado por um dos seus semelhantes.

Nas palavras de Paulo José da Costa Junior referindo-se a origem da legislação e mais específico ao direito penal confirma ser este o direito que surgiu primeiro, neste sentido verifica-se:

“O primeiro direito a surgir foi o penal. A pena reservava inicialmente a vingança privada da própria vítima, de seus parentes ou do agrupamento social (tribo) a que pertencia. A reação costumava superar em muito a agressão, a menos que o transgressor fosse membro da tribo. Era então punido com o banimento, que o deixava entregue à sorte de outros agrupamentos.”[1]

Assim, sentiu-se a necessidade de punir aquele que tivesse agredido algum interesse de seus membros, e também punir o estranho que se tivesse colocado contra algum valor individual ou coletivo, o qual se transforma, então, num instrumento de proteção dos bens jurídicos que são os valores ou interesses do indivíduo ou da coletividade, reconhecidos pelo direito, e a manutenção da paz social, objetivando a ordem que deve reinar na comunidade.

Para que se chegasse ao alcance dessa ordem, exigiu-se a criação de um complexo de normas disciplinadoras que estabeleçam regras indispensáveis ao convívio dos indivíduos, assim definida por José Frederico Marques:

“Chama-se regra social àquela que uma sociedade elabora para fazer imperar o direito e impor a seus membros a noção do justo e do injusto que nela predomina. Com a forma imperativa que lhe dá a comunidade política, a norma social assim elaborada adquire positividade jurídica, impondo-se à obediência de todos.”[2]

De um modo geral, essas normas ou regras são obedecidas e cumpridas, porém, por vezes esses imperativos são desrespeitados e violados, surgindo então, os atos ilícitos. Sendo assim, surgem o ato ilícito penal e ato ilícito civil, sendo aqueles punidos com sanções penais e os atos ilícitos civis com reparações do dano. Ao lado disso, o mesmo autor define:

“O ilícito civil provoca uma coação patrimonial, e o ilícito penal uma coação pessoal. O ilícito penal pode determinar, ainda, a aplicação de uma medida de segurança, que, em suas espécies fundamentais, tem sempre, direta ou indiretamente, o caráter de coação pessoal, servindo, pois, para ressaltar, ainda mais, a diferença entre as duas séries de consequências jurídicas.”[3]

Dessa forma, desde que determinada conduta, ação ou omissão, viole bem jurídico que as condições da vida social indiquem que deva ser tutelado penalmente, cumpre ao legislador, como resultado dessa apreciação valorativa, catalogar tal conduta entre aquelas que, praticadas, dão origem à aplicação da pena como sanção.

1 Origem das excludentes de ilicitude

O Direito atendendo à vontade da sociedade, em certas e especialíssimas circunstâncias, permite o homem voltar seu comportamento contra bens que, em situações normais são protegidos. Considera justo o ataque ao menos, em circunstancias de anormalidade que deixem de estar sob a proteção do Direito, por isso, excepcionalmente, podem ser atacados. Essas normas permissivas chamadas de causas de exclusão da ilicitude, também conhecidas como causas de justificação, justificativas, excludentes, eximentes, discriminantes ou excludentes de ilicitude e, antigamente, denominadas de excludentes da criminalidade.

Para que se possa chegar às origens das excludentes é necessário desenvolver a evolução do Direito Penal, que por sua vez, ao longo do tempo, juntamente com as comunidades, evoluiu até chegar ao Direito Público, o qual passa a regular as mais diversas formas de proteção de direitos, dentre estas, estabelecerem as excludentes de ilicitude.

Em relação às fases da evolução do direito penal, a doutrina mais aceita tem adotado a tríplice divisão, que é representada pela vingança privada, vingança divina e vingança pública, todas elas marcadas por forte sentimento religioso espiritual. Também as penas não representavam um revide à agressão sofrida pela coletividade, pois não era estabelecida qualquer proporcionalidade entre o crime cometido e a pena a ser cumprida.  Em relação à primeira fase, Cezar Roberto Bitencourt, em suas palavras dispõe:

“Esta fase, que se convencionou denominar fase da vingança divina, resultou da grande influência exercida pela religião na vida dos povos antigos. O princípio que domina a repressão é a satisfação da divindade, ofendida pelo crime. Pune-se com rigor, antes com notória crueldade, pois o castigo deve estar em relação a grandeza do deus ofendido.”[4]

Pode-se destacar como legislação típica dessa fase o Código de Manu, embora legislações com essas características tenham sido adotadas no Egito (Cinco Livros), na China ( Livro das Cinco Penas), na Pérsia (Avesta), em Israel (Pentateuco) e na Babilônia.

Após passou-se a aplicar a vingança privada que poderia envolver desde um indivíduo até o grupo social, com sangrentas batalhas, muitas vezes com completa eliminação dos grupos.

Com o passar dos tempos, para evitar a dizimação das tribos, buscou-se alternativas objetivando evitar as guerras grupais, surgindo então a lei de talião, assim diz Cezar Roberto Bitencourt:

“[…] para evitar a dizimação das tribos, surge a lei de talião, determinado a reação proporcional ao mal praticado: olho por olho, dente por dente. Esse foi o maior exemplo de tratamento igualitário entre infrator e vítima, representando, de certa forma, a primeira tentativa de humanização da sanção criminal.”[5]

A Lei de Talião, olho por olho, dente por dente, surge na história da humanidade como limitação da vingança privada. Apesar de hoje se achar um absurdo, foi um avanço na medida em que veio estabelecer certa proporcionalidade entre o delito e a pena, até então inexistente. Veja-se:

“Como exemplo, transcreve-se a seguinte norma penal do Código de Hamurabi, na Babilônia, o mais antigo texto legislativo conhecido: ‘se alguém bate numa mulher livre e faz a abortar, deverá pagar dez siclos pelo feto. Se essa mulher morre, então deverá matar o filho dele.’ No Êxodo, dos Hebreus: ‘Aquele que ferir, mortalmente, um homem, será morto.’ Na Lei das XII Tábuas, dos Romanos: ‘ Se alguém fere a outrem, que sofra a pena de talião, salvo se houver acordo.’”[6]

Com o passar dos anos verificou-se a dizimação dos povos, pois grande parte da população ia ficando deformada, evoluindo, então, para a composição, onde se reparava os danos causados através da compra de sua liberdade, livrando-se do castigo. Nesse sentido, Ney Moura Teles explica:

“Surge também a composição, que consiste no pagamento de um valor econômico, pelo dano causado, que é exemplo, a norma das leis mosaicas: ‘se um homem furtar um boi ou um carneiro, e matar ou vender, pagará cinco bois pelo boi e quatro carneiros pelo carneiro.’”[7]

Posterior e finalmente com a melhor organização do estado, chega-se à vingança pública, com o advento da Lei das XII Tábuas, quando o estado assume o poder dever de manter a ordem e a segurança social, que nos seus primórdios manteve absoluta identidade entre o poder divino e o poder político.

Tem-se como primeira finalidade desta fase, garantir a segurança do soberano, por meio da aplicação da sanção penal, ainda dominada pela crueldade e desumanidade, características do direito criminal da época. Mantinha-se ainda forte influência do aspecto religioso, com o qual o estado justificava a proteção do soberano. Assim dispunha Cezar Roberto Bitencourt em sua obra:

“Finalmente, superando-se as fases da vingança divina e da privada, chega-se à vingança pública. Nesta fase, o objetivo da repressão criminal é a segurança do soberano ou do monarca, que mantém as características de crueldade e severidade, com o mesmo objetivo.”[8]

Em seus primórdios, na Grécia antiga, o crime e a pena continuaram a se inspirar no sentimento religioso, somente sendo superada essa concepção com a contribuição dos filósofos, tendo Aristóteles antecipado a necessidade do livre arbítrio, verdadeiro embrião da idéia de culpabilidade, firmado primeiro no campo filosófico para depois aplicar-se no campo jurídico.

Juntamente com a vingança pública, os gregos mantiveram por longo tempo as vinganças divina e privada, formas de vingança que ainda não mereciam ser denominadas de Direito Penal.

Nesta fase, com a Lei das XII Tábuas encontra-se o primeiro registro de excludente de ilicitude, a legítima defesa: “Se um ladrão durante o dia defender-se com arma, que a vítima peça socorro em altas vozes e se, depois disso, mata o ladrão, que fique impune”.[9] (grifo nosso)

No direito Romano havia uma divisão dos crimes, considerando o interesse das partes e do estado, de maneira que os delitos públicos eram perseguidos pelos representantes do Estado, no interesse deste, enquanto os delitos privados eram perseguidos pelos particulares em seu próprio interesse. 

Na Roma Antiga, a pena também manteve seu caráter religioso e foi igualmente, palco de diversas formas de vingança, mas logo os romanos partiram para a separação entre direito e religião, considerando, no entanto, a importância na evolução posterior do direito, não apenas no campo penal, que Roma representava.

O doutrinador Cezar Roberto Bitencourt destaca as principais características do Direito penal Romano:

“a) a afirmação do caráter público e social do Direito Penal;

b) o amplo desenvolvimento alcançado pela doutrina da impunida e, da culpabilidade e suas excludentes;

c) o elemento subjetivo doloso se encontra claramente diferenciado. O dolo- animus-, que significava a vontade delituosa, que se aplicava a todo campo do direito[…]

d) a teoria da tentativa, que não teve um desenvolvimento completo, embora se admita que era punida nos chamados crimes extraordinários;

e) o reconhecimento, de um modo excepcional, das causas de justificação (legítima defesa e estado de necessidade);

f) a pena constitui uma reação pública, correspondendo ao Estado a sua aplicação;

g) a distinção entre crimina pública, delicta privata e a previsão dos delicta extraordinária;

h) a consideração do concurso de pessoas, diferenciando a autoria e a participação.”[10] (grifou nosso)

Nesse período, os romanos não realizaram uma sistematização do Direito Penal, foi construído levando-se em consideração as mais diversas legislações existentes na época, reconheceram vários direitos, procuraram defini-los, trabalhavam-os casuisticamente, sem se preocupar com a criação de, por exemplo, uma teoria do direito penal. Assim o doutrinador Luis Regis Prado dispõe em sua obra:

“Ademais, cumpre observar que os romanos não operaram uma sistematização dos institutos penais. O seu exame era feito casuisticamente. É assim que os juristas falavam dos vários tipos de pena, mas não se preocupavam em estabelecer-lhes a função. Conhecem o nexo de causalidade, mas não o definem; conhecem o dolo, a culpa, o caso fortuito; os casos de não-imputabilidade, como a menoridade e a insanidade mental, e os de não-punibilidade, como a legítima defesa, mas não cuidam dos conceitos de não-imputabilidade e de não-punibilidade; punem a tentativa mas não a definem; conhecem os vários casos de co-participação no crime, mas não os enquadram em categorias.”[11]

Também em relação à legítima defesa, a excludente de ilicitude mais antiga que se observa na legislação, sendo reconhecida em todos os tempos e por todos os povos, constituindo em impedir pela força a violação injusta e iminente de um interesse tutelado, assim, Marcello Jardim Linhares diz; “Antes de vir consignada em códigos, já existia como lei da natureza, como norma decorrente da própria constituição do ser, dessas que o homem recebe antes de se estabelecer em sociedade”.[12]

O estado de necessidade, previsto na legislação romana continha preceitos que impediam a punição daquele que realizasse um comportamento proibido numa situação de extrema necessidade. “Foi aqui, também que surgiu a exigência do elemento subjetivo da ação salvadora, bem como a necessidade de a situação perigosa não ter sido criada por um ato voluntário do agente”.[13]

As sociedades germânicas eram constituídas por nobres, homens livres , semilivres s escravos, e dominados pela concepção religiosa de que os deuses dirigem o destino dos humano. Essa legislação não levava em conta o aspecto subjetivo do fato, punindo-se o autor pelo simples cometimento do ilícito, veja-se nas palavras do doutrinador Luis Regis Prado:

“Outra relevante característica desse Direito vem a ser sua objetividade. O que importa é o elemento objetivo, isto é, o resultado causado. Assim, há uma apreciação meramente objetiva do comportamento humano e uma confusão no que diz respeito à ilicitude. Despresa-se o aspecto subjetivo, não sendo punida a tentativa. A responsabilidade penal é objetiva, pelo evento ( erfolgshaftung) ou pela simples causação material (causalhaftung). Daí a máxima: o fato julga o homem. Importa, tão-somente, o efeito danoso da ação, e a pena não sofre nenhuma oscilação se o resultado se produz voluntariamente ou não, ou por caso fortuito.”[14] (grifo nosso)

O direito estabelecido pela igreja católica era o Direito Canônico, que, cujas normas, equivalem aos artigos de lei, que se destinavam no princípio, a regular a vida interna da igreja, impondo regras e disciplinando os seus membros. Veja-se nas palavras de Luis Regis Prado as principais características do Direito Canônico:

a) contribuição para a humanização das penas e para o fortalecimento do caráter público do Direito Penal;

b) afirmação do princípio da igualdade de todos os homens perante Deus;

c) enfatização do aspecto subjetivo do delito, distinguindo o dolo (animus/sciens) e a culpa ( negligentia). Todavia, não estabeleceu uma regra geral em sede de tentativa;

d) valorização e mitigação da pena pública;

e) a penitenciária-internação em monastério, em prisão celular – por inspiração canônica.[15]

O Direito Canônico que se formou através de várias fontes, já trazia registros da excludente de estado de necessidade, dessa forma, Ney Moura Teles em sua obra dispõe que: “No Direito canônico e durante a idade média o estado de necessidade era reconhecido, não sedo punida a prática do chamado furto famélico, realizado para saciar a fome, até mesmo a do canibalismo, matar o outro para alimentar-se do seu corpo”.[16]

Essa legislação considerava a legítima defesa como uma necessidade escusável, a qual correspondia algumas penitências, todavia se se tratasse de legítima defesa de terceiro era mais que um direito, um verdadeiro dever.

2 As excludentes de ilicitude na legislação brasileira: do surgimento à atualidade

2.1 Período Colonial (1500 – 1822)

Durante o período colonial, até os primeiros anos do império, vigoraram no Brasil, as Ordenações Manuelinas e, sobretudo as Ordenações Filipinas. Enquanto ao tempo das capitanias hereditárias o regime era do arbítrio personalista do donatário, com o advento dos governos-gerais a administração da justiça apresentou-se mais centralizada e disciplinada.

O direito penal, vigorava sobretudo o livro V das Ordenações, por demais rigoroso e cruel, sendo aplicada normalmente a pena capital aos feiticeiros, Hereges, pederastas, às relações sexuais incestuosas, bem como ao infiel. “À crueldade se somava o emprego constante de torturas para obtenção de confissões”. [17]

Com o descobrimento do Brasil, passou a vigorar em nossas terras o direito Lusitano, período em que vigorava em Portugal as Ordenações Afonsinas, como primeiro código europeu completo. Posteriormente passou a se chamar de Ordenações Manuelinas, o que não vigorou por muito tempo, quando finalmente surgiram as Ordenações Filipinas sendo aplicadas no Brasil.

O surgimento dessa legislação foi o marco inicial para a formalização do instituto da legítima defesa, que teve seus primeiros registros nas Ordenações do Reino de Portugal, Código Filipino, no seu Livro Quinto, Título XXXV, assim dispondo:

“[…] Qualquer pessoa, que matar outra, ou mandar matar, morra por ello morte natural. Porém, se a morte for em sua necessária defenção, não haverá pena alguma, salvo se nella excedeo a temperança, que devera e poderá ter, porque então será punido segundo a qualidade do excesso. E se a morte fôr por algum caso sem malícia ou vontade de matar, será punido, ou relevado segundo sua culpa, ou inocência, que no caso tiver.” [18]

Ao utilizar-se da defesa deveria ser resguardado pela temperança, sinônimo jurídico de moderação, requisito sem a ocorrência do qual era o excesso do apenado.

Encontramos também nesta legislação no Título III referências à legítima defesa da honra, considerando lícita a morte dada pelo marido à mulher ou ao adúltero surpreendido em flagrante adultério, veja-se:

“Do que matou sua mulher, póla achar em adultério. Achando o homem casado sua mulher em adultério, licitamente poderá matar assi a ella, como o adultero, salvo se o marido for peão, e o adultero fidalgo, ou nosso desembargador, ou pessoa de maior qualidade. Porém, quando matasse algumadas sobreditas pessoas, achando-a com sua mulher em adultério, não morrerá por isso mas será degradado para África com pregão na audiência pelo tempo, que os Julgadores bem parecer, segundo a pessoa, que matar, não passando de três annos.”[19]

Observa-se que a legítima defesa da honra, autorizava o marido matar a esposa que fosse flagrada em adultério, juntamente o seu cúmplice, e também seria livre, sem pena alguma, salvo nos casos mencionados, se entendesse de assim provar, e provando o adultério por prova lícita e bastante conforme o direito.

Essa legislação causou sofrimento ao Brasil, desde a descoberta até que se completasse o período de dominação portuguesa, as conseqüências graves de regimes fantásticos de terror punitivo. Sobre o corpo e o espírito dos acusados e dos condenados se lançavam as expressões mais cruentas da violência dos homens e da ira dos deuses. René Ariel Dotti assim dispõe:

“As Ordenações Filipinas – assim como as anteriores – desvendaram durante dois séculos a face negra do direito penal. Contra os hereges, apóstatas, feiticeiros blasfemos, benzedores de cães e demais bichos, sem autorização do rei, e muitos outros tipos pitorescos de autores, eram impostas as méis variadas formas de suplícios com a execução da pena de morte, de mutilação e da perda da liberdade, além de medidas infamantes.”[20]

Observava-se que em contraste com uma tipologia marcada, existiam as categorias privilegiadas de sujeitos como os fidalgos, cavaleiros, desembargadores e outro que gozavam de imunidades ou de especial tratamento punitivo.

Foi através do rigor dessa legislação que se processaram e condenaram os mártires do episódio da inconfidência mineira, tendo à frente Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes.

As penas corporais e infames eram aplicadas sob o fundamento e o pretexto de uma ideologia da salvação dos costumes sociais políticos e religiosos ditados pelos poderosos.

2.2 Período Imperial (1822 – 1889)

A independência conquistada pelo Brasil, de Portugal, se deu em sete de setembro de 1822. As notáveis mudanças que se operaram dos diversos campos da existência de nossa nação, projetaram-se também na prática do Direito Criminal.

Quando proclamada a independência, fez-se necessária a reforma penal, não só pela autonomia do País, como pelo advento de idéias liberais. Foram apresentados sucessivamente os projetos de Bernardo Pereira de Vasconcelos e de José Clemente pereira (ambos em 1927), preferindo a comissão da câmara o primeiro, sendo discutido, emendado e aprovado, dando origem ao código Criminal do Império, aprovado em 1830 e sancionado no ano seguinte.

A constituição de 1824 residiu na declaração de princípios que iriam reformar a teoria e a prática de um novo Direito Penal em sintonia com as exigências liberais de seu tempo, como reação ao extremado rigor das Ordenações do Reino de Portugal. O parágrafo 18 do Art. 179 determinava a elaboração de um Código Criminal fundado nas sólidas bases de justiça e equidade. As principais orientações dessa legislação são apontadas pelo doutrinador René Ariel Dotti, em sua obra da seguinte forma:

“Os princípios da anterioridade da lei penal e de sua irretroatividade em prejuízo do réu, da personalidade da pena, além de outros, modelaram a feitura do Código Criminal do Império (1830), relativamente aos aspectos de garantia dos direitos fundamentais do homem que haviam sido consagrados pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (Paris, 1789).”[21]

No Código de 1830 o crime realizado em defesa da própria pessoa ou de seus direitos, ou em defesa de sua família ou de um delinqüente, passou a ser justificável, desde que houvesse o simultâneo concurso das seguintes condições: “certeza do mal que os delinqüentes se propusessem a evitar; falta absoluta de outro meio menos prejudicial; não ter havido de parte deles, ou de seus familiares, provocação ou delito que ocasionasse o conflito”. [22]

Observa-se que junto com o surgimento da legítima defesa, regulamenta-se também o excesso, impondo limites ao indivíduo que fosse beneficiar-se da excludente, assim dispõe Marcelo Jardim Linhares:

“Fixando os contornos da legítima defesa, atualidade da agressão, a impossibilidade de se prevenir e obstar a ação, ou de receber socorro da autoridade pública, o uso dos meios capazes de evitar o mal em proporção da agressão, e a ausência da provocação que a ocasionasse[…].”[23]

Havendo uma situação de perigo para um bem jurídico, poderia alguém, com o fim de salva-lo do perigo de lesão, voltar-se contra outro bem jurídico, destruindo-o, danificando-o, sacrificando-o. Esta é a situação do estado de necessidade. ‘No caso dos naufrágios, na barcaça, depois de 18 dias, famintos, encontravam-se os três numa situação de perigo para as suas próprias vidas. A saída encontrada foi o sacrifício de uma vida para salvação de duas’.[24]

Assim dispunha o Código Criminal do Império sobre as causas de justificação:

Dos crimes justificáveis.

Art. 14. Será o crime justificavel, e não terá lugar a punição delle:

§ 1° Quando fôr feito pelo delinquente para evitar mal maior.

14 Justitia – Matérias aprovadas para publicação futura

Para que o crime seja justificavel, neste caso, deveráõ intervir conjunctamente a favor do delinquente os seguintes requisitos:

1°, certeza do mal que se propôz evitar;

2°, falta absoluta de outro meio menos prejudicial;

3°, probabilidade da efficacia do que se empregou.

§ 2° Quando fôr feito em defesa da propria pessoa ou de seus direitos.

§ 3° Quando fôr feito em defesa da familia do delinquente.

Para que o crime seja justificavel nestes dous casos, deveráõ intervir conjunctamente os seguintes requisitos:

1°, certeza do mal que os delinquentes se propuzerão evitar;

2°, falta absoluta de outro meio menos prejudicial;

3°, o não ter havido da parte delles, ou de suas familias, provocação ou delicto que occasionasse o conflicto.

§ 4° Quando fôr feito em defesa da pessoa de um terceiro.

Para que o crime seja justificavel, neste caso, deveráõ intervir conjunctamente a favor do delinquente os seguintes requisitos:

1°, certeza do mal que se propôz evitar;

2°, que este fosse maior, ou pelo menos igual ao que se causou;

3°, falta absoluta de outro meio menos prejudicial;

4°, probabilidade da efficacia do que se empregou.

Reputar-se-há feito em propria defesa ou de um terceiro o mal causadona repulsa dos que de noite entrarem ou tentarem entrar nas casas em que alguem morar ou estiver, ou nos edificios ou pateos fechados a ellas pertencentes, não sendo casos em que a lei o permitte.

§ 5° Quando fôr feita em resistencia á execução de ordens illegaes, não se excedendo os meios necessarios para impedi-la.

§ 6° Quando o mal consistir no castigo moderado que os pais derem a seusfilhos, os senhores a seus escravos e os mestres a seus discípulos, ou desse castigo resultar, uma vez que a qualidade dele não seja contraria ás leis em vigor.[25]

Pode-se observar no parágrafo sexto a existência da excludente de ilicitude de exercício regular de um direito, embora não se apresentando como nas palavras existentes no ordenamento jurídico atual.

Este Código foi sofrendo alterações diversas, sobretudo com a libertação dos escravos, em 13 de maio de 1888. Batista Pereira foi incumbido de preparação do Novo Código, que em 13 de outubro 1890 foi sancionado.

2.3 Código Penal de 1890

Este código foi considerado ser o pior dos códigos que tiveram surgimento na legislação brasileira, pois “apresentava graves defeitos de técnica, aparecendo atrasado em relação à ciência do seu tempo”[26]. As críticas não se fizeram esperar e vieram acompanhadas de novos estudos objetivando sua substituição.

As deficiências e os equívocos do Código Republicano acabaram transformando-o em uma verdadeira colcha de retalhos, tamanha a quantidade de leis extravagantes que, finalmente, se concentraram na conhecida Consolidação das Leis Penais Vicente Piragibe, promulgada em 1932. Nesse longo período de vigência de um péssimo código (1890 – 1932) não faltaram projetos pretendendo substituí-lo.

Em relação às excludentes de ilicitude, essa legislação assim dizia:

Art. 27. Não são criminosos: […]

§ 6° Os que commetterem o crime casualmente, no exercício ou prática de qualquer acto licito, feito com attenção ordinária; […]

Art. 28. A ordem de commetter o crime não isentará da pena aquelle que o praticar, salvo si for cumprida em virtude de obediência legalmente devida a superior legítimo e não houver excesso nos actos ou na forma da execução.

Art. 29. Os indivíduos isentos de culpabilidade em resultado de affecção mental serão entregues a suas famílias, ou recolhidos a hospitaes de alienados, si o seu estado mental assim exigir para segurança do público. […]

Art. 32. Não serão também criminosos:

§ 1° Os que praticarem o crime para evitar mal maior;

§ 2° Os que o praticarem em defesa legítima, própria ou de outrem.

A legítima defesa não é limitada unicamente á protecção da vida; Ella comprehende todos os direitos que podem ser lesados.

Art. 33. Para que o crime seja justificado no caso do § 1° do artigo precedente, deverão intervir conjuctamente a favor do delinqüente os seguintes requisitos:

1° Certeza do mal que se propoz evitar;

2° Falta absoluta de outro meio menos prejudicial;

3° Probabilidade da efficacia do que se empregou.

Art. 34. Para que o crime seja justificado no caso do § 2° do mesmo artigo, deverão intervir conjunctamente, em favor do delinqüente, os seguintes requisitos:

1° aggressão actual;

2° impossibilidade de prevenir ou obstar a acção, ou de invocar e receber socorro da autoridade pública;

3° emprego de meios adequados para evitar o mal e em proporção da aggressão;

4° ausência de provocação que occasionasse a aggressão.

Art 35. Reputar-se-há praticado em defesa própria ou de terceiro:

§ 1° o crime commettido na repulsa dos que á noite entrarem, ou tentarem entrar, na casa onde alguém morar ou estiver, ou nos pateos ou dependências da mesma, estando fechadas, salvo os casos em que a lei o permitte;

§ 2° o crime commettido em residência a ordens illegaes, não sendo excedidos os meios indispensáveis para impedir-lhes a execução.[27]

Finalmente, durante o Estado Novo, em 1937, Alcântara Machado apresentou o projeto de código criminal brasileiro, que acabou sendo sancionado por decreto de 1940, como Código Penal, passando a vigorar desde 1942 até os dias atuais, embora parcialmente revisado.

2.4 Código Penal de 1940

Surgiu em 1940 um novo Código Penal, através do decreto lei n° 2.848, de sete de dezembro, que passou a vigorar em 1° de janeiro de 1942. Como características deste código, nas palavras do doutrinador Francisco de Assis Toledo tem-se:

“[…] É um estatuto de caráter nitidamente repressivo, construído sobre a crença da necessidade e suficiência da pena privativa de liberdade ( pena de prisão) para o controle do fenômeno do crime. A própria medida de segurança que deveria distinguir-se da pena, outra coisa não tem sido, na prática brasileira, senão a privação de liberdade, com todos os aspectos de pena indeterminada e, em alguns casos, de arremedo de prisão perpétua.”[28]

Esse código elege a privação de liberdade como pena principal, reclusão e detenção para os crimes, e prisão simples para as contravenções penais e as medidas de segurança para os incapazes e perigosos. A mesma lei orientava-se para uma política criminal de transação e conciliação, adotando princípios das escolas clássica e positiva.

A nova legislação dispunha as excludentes de ilicitude como excludentes da criminalidade:

 “Excludentes de Criminalidade:

Art. 19. Não há crime quando o agente pratica o fato:

I – em estado de necessidade:

II – em legítima defesa

III – em estrito cumprimento do dever legal ou no exercício regular de direito.[29]

De forma clara, artigo 20 deixou o conceito de estado de necessidade, estabeleceu também seus requisitos bem como quem não poderá alegá-lo e a redução da pena, veja-se:

Art. 20. Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.

§ 1° Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo.

§ 2° Embora reconheça que era razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, o juiz pode reduzir a pena, de um a dois terços.”[30]

Da mesma forma, a legítima defesa foi contemplada com conceito próprio, requisitos bem como o excesso como se pode observar:

Art. 21. Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.

Parágrafo Único. O agente que exceder culposamente os limites da legítima defesa, responde pelo fato, se este é punível como crime culposo.”[31]

Observa-se que a lei regulava a aplicação do parágrafo único somente em relação à legítima defesa, o que passa a ser aplicado as demais excludentes, após a reforma de 1969.

2.5 Código Penal de 1969

O código Penal de 1969, em seu art. 27, previa as hipóteses de excludentes de ilicitude e, seguindo-se nos artigos 28 e 29 as definições das excludentes de estado de necessidade e legítima defesa, possuindo a seguinte redação:

Art.27. Não há crime quando o agente pratica o fato: (exclusão de crime)

I – em estado de necessidade;

II – em legítima defesa;

III – em estrito cumprimento do dever legal;

IV – em exercício regular de direito.

Art.28. Considera-se estado de necessidade quem pratica um mal para preservar direito seu ou alheio de perigo certo e atual, que não provocou, nem podia de outro modo evitar, desde que o mal causado, pela sua natureza e importância, é consideravelmente inferior ao mal evitado, e o agente não era legalmente obrigado a arrostar o perigo. (Estado de necessidade como excludente do crime)

Art. 29. Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.  (Legítima defesa).”[32]

Observa-se que o artigo 25 tratava os casos de estado de necessidade como excludente da culpabilidade.

Também dispunha sobre a legítima defesa, tratando mais casuisticamente e com maior clareza o excesso na reação, mais tolerante quantitativamente em apená-lo, e mais humano, prevendo como escusável o excesso decorrente do medo, da surpresa ou da perturbação de ânimo em face da situação. Sendo assim legislado:

Art. 25. Não é igualmente culpado quem, para proteger direito próprio ou de pessoa a quem está ligado por estreitas relações de parentesco ou afeição, contra o perigo certo e atual, que não provocou, nem podia de outro modo evitar, sacrifica direito alheio, ainda quando superior ao direito protegido, desde que não era razoavelmente exigível conduta diversa.

Art 30: O agente que, em qualquer dos casos de exclusão do crime, excede culposamente os limites da necessidade, responde pelo fato, se este é punível a título de culpa.

§ 1°: Não é punível o excesso quando resulta de escusável medo, surpresa, ou perturbação de ânimo em face da situação.

§ 2°: Ainda quando punível o fato por excesso doloso, o juiz pode atenuar a pena.[33]

Este código foi revogado ainda no mesmo ano, mantendo-se em vigor o Código Penal de 1940, até a reforma ocorrida em 1984.

Com a abertura política iniciada em 1979 que possibilitou as autoridades a encarar uma reforma penal, abrangendo o código penal e uma lei de execução penal. Em novembro de 1980, foi institucionalizada a comissão de reforma da parte geral do código penal, integrado por Francisco de Assis Toledo, Francisco Serrano Neves, Miguel Reale Junior, Ricardo Antunes Andreucci e outros, que compuseram a comissão de reforma.

Assim tratam em sua obra, Manual de Direito Penal brasileiro, Eugenio Raúl Zaffaroni e José Enrique Pierangeli:

“A nova parte geral constitui uma verdadeira reforma penal e supera amplamente o conteúdo da frustrada tentativa de reforma de 1969, visto que apresenta uma nova linha de política criminal, muito mais de conformidade com os Direitos Humanos. Retoma-se um direito penal de culpabilidade ao erradicar as medidas de segurança e diminuir consideravelmente, os efeitos da reincidência. Também limita a pena em 30 anos eliminando a perpetuação da mesma.”[34]

Portanto, como a principal idéia de reformulação dá elenco tradicional às penas, deu-se assim, como principais inovações, as quais podem ser citadas:

1. A reformulação do instituto do erro, adotando-se a distinção entre erro de tipo e erro de proibição como excludentes da culpabilidade.

2. A norma especial referente aos crimes qualificados pelo resultado para excluir-se a responsabilidade objetiva.

3. A reformulação do capítulo referente ao concurso de agentes para resolver o problema do desvio subjetivo entre os participantes do crime.

4. A extinção da divisão entre penas principais e acessórias e a criação das penas alternativas (restritivas de direito)para os crimes de menor gravidade.

5. A criação da chamada multa reparatória.

6. O abandono do sistema duplo-binário das medidas de segurança e a exclusão da presunção de periculosidade.[35]

Pode-se destacar que entre as principais mudanças que se fizeram nesta época não havia preocupação com as excludentes de ilicitude.

Em trabalho de revisão, para que se incorporasse material resultante dos debates havidos em torno do anteprojeto e ainda sob a coordenação de Francisco de Assis Toledo e com a participação de Dionísio de Santos Garcia, Jair Leonardo Lopes e Miguel Reale Junior, excluiu-se do anteprojeto a contestada multa reparatória e efetuaram-se algumas alterações de aperfeiçoamento do anteprojeto. Encaminhado ao Congresso o Projeto de Lei n° 1.656-A, foi aprovado sem qualquer modificação de vulto, não obstante as propostas de emendas apresentadas na Câmara dos Deputados e no Senado, transformando-se na Lei n° 7.209, de 11 de julho de 1984, para viger seis meses após a data de publicação.

Esta reforma penal decorreu de uma exigência histórica, transformando-se a sociedade, mudam-se certas regras de comportamento. Isso é inevitável. E a fisionomia da sociedade contemporânea não é a mesma daquela para a qual se editaram as leis penais até aqui vigentes, é coisa que não se deixa dúvidas, assim diz Francisco de Assis Toledo:

“A inteligência do homem contemporâneo parece, cada vez mais, compreender que a sociedade humana não está implacavelmente dividida entre o bem e o mal, entre homens bons e maus, embora haja. Mas sim parece estar predominantemente mesclada de pessoas que, por motivos vários, observam, com maior ou menor fidelidade, as regras estabelecidas por uma certa cultura, de pessoas que, com maior ou menor freqüência, contrariam essas mesmas regras.”[36]

Esta lei é resultado de um influxo liberal e de uma mentalidade humanista, em que se procurou criar novas medidas penais para os crimes de pequena relevância, evitando-se o encarceramento de seus autores por curto lapso de tempo. Respeita a dignidade do homem que delinqüiu, tratando como ser livre e responsável, enfatizando-se a culpabilidade como indispensável à responsabilidade penal.

Oposto a isso, a insegurança resultante do progressivo aumento de violência urbana e da criminalidade em geral, não encontrou resposta na nova lei que, neste passo, apenas possibilitou ao juiz a aplicação de penas mais elevadas aos crimes continuados praticados, com violência ou ameaça.

A partir dessa reforma as excludentes de ilicitude passaram a ser disciplinadas da seguinte forma:

Exclusão da ilicitude

Art.23. Não há crime quando o agente pratica o fato:

I – em estado de necessidade

II – em legítima defesa

III – em estrito cumprimento do dever legal ou exercício regular de direito.

Excesso punível

Parágrafo Único. O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo.[37]

Também foram reguladas as excludentes de estado de necessidade e legítima defesa, da seguinte forma:

Art. 24. Considera-se estado de necessidade  quem pratica o fato para salvar de perigo atual, quem não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstancias, não era razoável exigir-se.

§ 1° Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo.

§2° Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena poderá ser reduzida de um a dois terços.[38]

O mesmo autor define a legítima defesa como: “Art 25. Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”[39].

Observa-se que além de passar a chamar de excludentes de ilicitude, a nova lei estende o excesso punível para todas as excludentes.

A partir de 1984, o país continuou crescendo, e com ele as desigualdades sociais, a miséria, a fome, a desnutrição, o analfabetismo, a exploração da maior parte da população, e, como não poderia deixar de ser, a criminalidade. No que diz respeito à superpopulação carcerária e aos mandados de prisão expedidos e não cumpridos, apesar do novo sistema estabelecido pela Reforma, estamos em situação pior que da década de oitenta.

Conclusão

Percebe-se que o tema é instigante e, por mais que se busque balizar os pontos relevantes do surgimento e evolução histórica das causas legais das excludentes de ilicitudes, é de se reconhecer que o emaranhado de conceitos jurídicos e normas evoluíram e continuam evoluindo, juntamente com a sociedade e de acordo com as necessidades exigidas pelo contexto social.

De outra parte há que se ter em conta que o presente artigo buscou apenas ser informativo, ou seja, não estava voltado a um campo específico de debate buscando afirmar ou refutar uma determinada hipótese, antes, almejou indicar elementos mínimos àquele que, por ventura, possa buscar fundamentos à pesquisas que tenham como ponto de partida, justamente, as excludentes de ilicitude.

 

Referências Bibliográficas
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TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal. 5. ed. v. 1. São Paulo: Saraiva. 1994.
ZAFFARONI, Eugênio Raul; PIERANGELI, José Enrique. Direito Penal Brasileiro. 2. ed. v. 1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.
 
Notas:
 
[1] COSTA JUNIOR, Paulo José da.  Curso de Direito Penal. 3. ed. v.1. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 10.

[2] MARQUES, José Frederico. Tratado de Direito Penal. 1. ed. v.1. São Paulo: Millennium, 2002. p. 01.

[3] Ibidem, p. 3.

[4] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. 9. ed. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 26.

[5] Ibidem, p. 27.

[6] TELES, Ney Moura. Direito Penal. 1. v. 1. São Paulo: LED, 1996. p. 51. apud Cernicchiaro, Estrutura do Direito Penal, p. 22

[7] Ibidem.

[8] BITENCOURT, Cezar Roberto, 2004. p. 27.

[9] LIMA, João Batista de Souza. As Mais Antigas Normas de Direito. 2. ed. v. 1. Rio de Janeiro: Forense, 1982. p. 46

[10] BITENCOURT, Cezar Roberto, 2004. p. 31.

[11] PRADO Luis Regis. Curso de Direito penal Brasileiro. 5. ed. v. 1. São Paulo: Revista Dos Tribunais. 2005. p. 71.

[12] LINHARES, Marcello Jardim. Legítima Defesa. 1. ed. v. 4. Rio de Janeiro: Forence. 1992. p. 1.

[13] PIRES, André de Oliveira. Estado de necessidade. 1. ed. v. 1. São Paulo: Juares de Oliveira Ltda, 2000. p. 5.

[14] PRADO, Luiz Regis, 2005. p. 74.

[15] Ibidem, p. 130.

[16] TELES, Ney Moura, 1996. p. 311.

[17] COSTA JUNIOR, Paulo José da, 1995. p. 18.

[18] LINHARES, Marcello Jardim, 1992. p. 89 apud Candido Mendes de Almeida, Código Filipino ou Ordenações e Leis do Reino de Portugal, v. 14. ed. Rio, 1970, p. 1184.

[19] Ibidem.

[20] DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal. 1. ed. v. 1. Rio de Janeiro: Forense. 2002. p. 182.

[21] DOTTI, René Ariel, 2002. p. 149.

[22] LINHARES, Marcello Jardim, 1992. p. 90.

[23] Ibidem, p. 91.

[24] TELES, Ney Moura, 1996. p. 312.

[25] BARROS, Marco Antonio de. Dos Crimes Justificáveis. Disponível em:<HTTP://www.mp.sp.gov.br/portal/page/portal/documentacao e divulgacao/doc publicacao divulgacao/doc gra deout crim/crime%2013.pdf>. Acesso em:14 out. 2008.

[26] BITENCOURT, Cezar Roberto, 2004. p. 49.

[27] BRASIL, Código Penal Dos Estados Unidos do Brasil, Senado Federal. Decreto n° 847/1890. Disponível em: <http://www6.senado.gov.br/sicon/ExecutaPesquisaBasica.action>. Acesso em 14 out. 2008.

[28] TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal. 5. ed. v. 1. São Paulo: Saraiva. 1994. p. 64.

[29] PONTES, Tiago Ribeiro. Código Penal Brasileiro. 8. ed. 1. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos S.A., 1977. p. 39.

[30] Ibidem, p. 40

[31] Ibidem, p. 41.

[32] BRASIL. Código Penal, Senado Federal. Decreto-lei 1.004/1969. Disponível em:<http://www6.senado.gov.br/sicon/ExecutaPesquisaBasica.action>. Acesso em 15 out. 2008.

[33] PIRES, André de Oliveira. Estado de necessidade. v. 1. São Paulo: Juares de Oliveira Ltda, 2000. p. 7.

[34] ZAFFARONI, Eugênio Raul; PIERANGELI, José Enrique. Direito Penal Brasileiro. 2. ed. v. 1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 225.

[35] MIRABETE, Julio Fabrini. Manual de Direito Penal. 19. ed. v.1. São Paulo: Atlas, 2003. p. 44.

[36] TOLEDO, Francisco de Assis, 1994. p. 69.

[37] DELMANTO, Celso et al. Código Penal Comentado. 6. ed. v. 1. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 44.

[38] Ibidem, p. 47.

[39] Ibidem, p. 49


Informações Sobre os Autores

Jean Mauro Menuzzi

Mestre em Direito, Funcionário Público Estadual e professor universitário – URI/FW. Possui licenciatura em Filosofia, Psicologia e História, área em que é especialista

Vanderlei Duarte

Bacharel em Direito. Funcionário Público Estadual


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