Homicídio culposo e o Código de Trânsito no direito brasileiro: Um estudo do artigo 302 do Código de Trânsito Brasileiro sob o enfoque do Princípio da Proporcionalidade no Direito Penal

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Resumo: Esta monografia tem como objetivo principal a análise da comparativa crítica dos artigos 302, do Código de Trânsito Brasileiro, e o artigo 121, parágrafo 3°, do Código Penal. Investigou-se a existência de (des)proporcionalidade entre a sanção prevista no crime de homicídio culposo pelo Código de Trânsito Brasileiro – unicamente pelo objeto utilizado para a consumação do delito (automóvel) – e aquela prevista pelo Código Penal. Para melhor fundamentação do posicionamento sustentado, estudou-se a teoria das penas para compreender juridicamente a motivação do Legislador para criar novo artigo de Lei disciplinando crime já previsto pelo Código Penal. Por fim, pretende-se demonstrar a necessidade da utilização do princípio da proporcionalidade para dirimir este conflito de penas previstas nas legislações acima citada.


Palavras-chave: homicídio culposo, Código de Trânsito Brasileiro, Código Penal, Princípio da Proporcionalidade.


1.INTRODUÇÃO


O homicídio constitui um crime contra a vida. Punido desde a época dos direitos mais antigos, encontra-se atualmente previsto em nosso Ordenamento Jurídico no art. 121, do Código Penal (CP).


A conduta típica do homicídio consiste em matar alguém, podendo ser praticado na forma dolosa (simples, privilegiado e qualificado) ou culposa (simples e qualificado). 


Não obstante sua previsão legal no referido diploma, devido aos altos índices de violência no trânsito e o grande número de condutores infratores, o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) passou também a discipliná-lo, na sua forma culposa, aplicando, porém, sanção mais rigorosa para quem o comete.   


O artigo 302 do CTB reuniu dispositivos esparsos do Código Penal. Em ambas as legislações, os elementos do homicídio culposo se equivalem: mesmos sujeitos, mesmo bem jurídico protegido e a produção de um mesmo resultado material não querido pelo autor do crime, porém as penas-bases, abstratamente previstas, são diversas, além do que o CTB prevê a cumulação desta com outras restritivas de direito. 


Entendemos que esta disparidade nas sanções aplicadas não se justifica e que o legislador não levou em consideração a ampla liberdade de apreciação dada ao juiz na aplicação da pena, pois a este cabe, analisando o caso concreto, impor a penalidade que julgue adequada, cumulando-a, se necessário, com penas diversas ou mesmo deixando de aplicar qualquer das penas cominadas, se for este o caso.


Conclui-se, por fim, que embora o referido crime na sua forma culposa seja previsto em diplomas legais distintos, não se justifica a discrepância entre as sanções aplicadas,  apenas por possuir como distinção o meio de realização do delito, qual seja, o automóvel, ofendendo, assim, o Princípio da Proporcionalidade.


O homicídio é a morte de um homem causada por um outro. É previsto no art. 121 da Parte Especial do Código Penal Brasileiro (CP) e em leis extravagantes como a Lei de Crimes Hediondos, o Código de Trânsito e o Código Penal Militar.


A conduta típica do homicídio consiste em matar alguém, isto é, eliminar a vida de outrem. Está previsto no art. 121 do CP e possui como bem jurídico a vida.


A vida é uma das garantias constitucionais. A Constituição da República Federativa do Brasil (CF), em seu artigo 5°, caput, expressamente estabelece: “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.


O núcleo do tipo do crime de homicídio é representado pelo verbo matar, que é a conduta de eliminar a vida de uma pessoa. Daí concluirmos que o tipo exige, no mínimo, a inclusão de dois sujeitos: o autor do crime e a vítima.


O homicídio, no CP, pode ser praticado através de qualquer meio, direto ou indireto, idôneo a extinguir a vida, portanto é um delito de forma livre sendo indispensável a existência do nexo causal entre a conduta e o resultado.


É um crime comum, pois pode ser praticado por qualquer pessoa contra outra; material, pois se consuma com a morte da vítima; instantâneo, pois se esgota com a ocorrência do resultado; e, por fim, de dano, posto que, para sua consumação, é necessária a superveniência da lesão efetiva do bem jurídico.


Admite co-autoria ou participação, por ação ou omissão.


O sujeito passivo pode ser qualquer pessoa, desde que esteja com vida. Este ser humano será o objeto material do delito, pois sobre ele recai diretamente a conduta do agente.


Admite a sua realização tanto na forma culposa quanto dolosa.


O delito de homicídio na modalidade simples tem a pena de reclusão de seis a vinte anos e na modalidade qualificada de doze a trinta anos. Já na forma culposa, a pena será de detenção de um a três anos.


A ação penal, em qualquer modalidade, é pública incondicionada, competindo, privativamente ao Ministério Público promovê-la, independentemente da manifestação de vontade de quem quer que seja para iniciá-la.


O dolo do homicídio é a vontade livre e consciente de eliminar a vida humana, quando o agente quer o resultado ou assume o risco de produzi-lo. Requer a consciência do nexo causal e dos elementos do tipo. Assim, deve haver um liame entre a conduta e o resultado desejado. Não exige um fim especial, que, a depender do caso concreto, poderá estabelecer circunstâncias qualificadoras ou ensejadoras de diminuição de pena.


Entretanto, o dolo não é constituído apenas pelo objetivo do agente, mas também pelos meios empregados para consecução do fim e as conseqüência secundárias de seu comportamento.


Para que haja crime doloso é preciso que a conduta humana seja voluntária, assim como, o desejo ou aquiescência do resultado.


O dolo subdivide-se em direto e eventual. No dolo direto o sujeito quer o resultado certo, preciso e determinado. Já no dolo eventual, o indivíduo não se importa com o resultado da conduta, sua ocorrência é indiferente.


Deve-se observar, ainda, que sob a forma dolosa temos o homicídio privilegiado e qualificado, respectivamente previstos nos parágrafos 1o e 2o do art. 121, do CP.


O Código Penal Brasileiro, prevê em seu artigo 121, § 3o , o crime de homicídio na sua forma culposa.  O homicídio culposo previsto nos §§ 3.º e 4.º é o crime cometido por um agente que não quis o resultado morte. É causado por negligência (omissão do dever geral de cautela), imprudência (ação perigosa) ou imperícia (falta de aptidão para o exercício de arte ou ofício).


O homicídio culposo poderá também ser qualificado quando: resultar de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício; o agente deixar de prestar imediato socorro à vítima; o agente não procurar diminuir as conseqüências do seu ato e o agente fugir para evitar prisão em flagrante.


Se não ocorrer nenhuma das hipóteses supra (§4.º), o homicídio culposo será dito simples. Uma peculiaridade do homicídio culposo é o fato de o juiz poder deixar de aplicar a pena, se as conseqüências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária, como, por exemplo, no caso em que o agente fique paraplégico ou na hipótese de morte de um filho. São estas, em suma, as figuras que fazem parte do homicídio no sistema jurídico brasileiro. Examinaremos, em seguida, o sistema inglês.


O mesmo diploma, em seu art. 18, II, tipifica como crime culposo aquele em que o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia.


No crime culposo a conduta do agente é voluntária (ação ou omissão), porém contrária ao dever objetivo de cuidar. Por sua vez, o resultado, embora previsível, é involuntário e indesejado, não querido pelo agente.


A culpa aceita as seguintes modalidades: imprudência, negligência e imperícia.


Por imprudência entende-se a prática de uma conduta arriscada ou perigosa e tem caráter comissivo. Caracteriza-se pela intempestividade, precipitação, insensatez ou imoderação. Uma característica sua é a concomitância da culpa e da ação; a culpa ocorre no mesmo instante em que se desenvolve a ação.


Negligência, por sua vez, é a displicência no agir, a falta de precaução, a indiferença do agente que podendo adotar as cautelas necessárias, não o faz. Contrariamente à imprudência, a negligência precede a ação.


Por fim, a imperícia caracteriza-se pela falta de capacidade, despreparo ou insuficiência de conhecimentos técnicos para o exercício de arte, profissão ou oficio. Não se confunde com o erro profissional, haja vista que este último é um acidente escusável, justificável e, de regra, imprevisível, que não depende do uso correto e oportuno dos conhecimentos e regras da ciência. 


Destarte, o homicídio culposo corresponde a qualquer conduta causadora da morte de uma pessoa por imprudência, negligência ou imperícia do agente. É um tipo de injusto penal aberto, que depende da interpretação do juiz para poder ser aplicado.


Para o homicídio culposo, a Lei determina pena de detenção de um a três anos.


Admite a suspensão condicional do processo em face de sua pena mínima, abstratamente, prevista ser igual a 1 (um) ano.


Existe ainda a possibilidade de aplicação de aumento de pena, previsto no § 4°, do citado artigo, que descreve as causas especiais de aumento de pena.


Damásio de Jesus, salientando que o perdão judicial não se aplica aos crimes de trânsito, diz:


A morte culposa de ente querido, causada na direção de veículo automotor não admite o perdão judicial; nas relações comuns, fora do trânsito, permite. Considerando que 99% dos casos de perdão judicial são aplicados nos delitos de circulação, a proibição é absurda.


O Código de Trânsito Brasileiro foi instituído pela Lei 9.503, de 23 de setembro de 1997. Sua criação resultou da necessidade em se conter o grande numero de vítimas e  acidentes do trânsito.


O Brasil está entre os países com maiores índices de violência no trânsito. Em parte, devido a má formação do condutor, ao precário estado de conservação de nossas vias somada à deficiência da educação no trânsito.


O homicídio culposo no trânsito é previsto em legislação especial (Lei 9.503/97), denominada Código de Trânsito Brasileiro, mais especificamente em seu artigo 302.


E aquele cometido na direção de um veículo automotor. Logo, verifica-se uma especificação do instrumento através do qual o crime e cometido.


Para caracterizar o crime de homicídio culposo no trânsito é necessário que o agente esteja conduzindo o veículo quando o crime for cometido. Quer dizer, a conduta é atípica se o agente não se encontrar na direção do veículo. Por exemplo, se o carro encontra-se desligado e o agente, imprudentemente, o empurra, acarretando um homicídio, estaremos diante de homicídio culposo disciplinado pelo CP e não pelo CTB.


O núcleo do crime de homicídio é “matar alguém” e o CTB descreve a conduta da seguinte forma: “praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor”. Segundo Luiz Regis Prado11, a redação conferida ao dispositivo é precária, pois viola frontalmente o princípio da legalidade na vertente da taxatividade/determinação.


Logo, o ideal seria que o tipo homicídio culposo do Código de Trânsito Brasileiro fosse descrito como “causar a morte de alguém, culposamente, na direção de veículo automotor”.


O crime de homicídio culposo no trânsito pode ocorrer em vias públicas ou privadas, bastando que seja praticado em um veículo automotor. Assim, independe para caracterizar o delito que o mesmo seja cometido dentro de um estacionamento de shopping ou em qualquer rodovia ou rua.


A caracterização da culpa nos delitos de trânsito provém, inicialmente, do desrespeito às normas disciplinares contidas no próprio Código de Trânsito (imprimir velocidade excessiva, dirigir embriagado, transitar na contramão, desrespeitar a preferência de outros veículos, efetuar conversão ou retorno em local proibido, avançar o sinal verme­lho, ultrapassar em local proibido etc.). Estas, entretanto, não constituem as únicas hipóteses que podem caracterizar o crime culposo, pois o agente, ainda que não desrespeite as regras disciplinares do Código, pode agir com inobservância do cuidado necessário e, assim, responder pelo crime. A ultrapassagem, por exemplo, se feita em local permitido, não configura infração administrativa, mas, se for efetuada sem a necessária atenção, pode dar causa a acidente e implicar  na ocorrência do crime culposo.


É necessário tratar do conflito existente entre a norma prevista no Código de Trânsito Brasileiro e a prevista no Código Penal, no que tange as sanções impostas, já que ambas tratam do crime de homicídio culposo, em que o indivíduo não assume o risco do resultado nem, muito menos, a intenção de causá-lo, mas é punido por sua conduta negligente, imprudente ou imperita, que resulta em dano ao bem jurídico mais relevante – a vida.


O Código Penal, em seu art. 47, III, já previa a hipótese de suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículos, modalidade de pena que comina na suspensão ou interdição de direitos, aplicável aos crimes culposos de trânsito, segundo preconiza o art. 57 do mesmo diploma legal. 


Inobstante já existir esta previsão no CP, o CTB em seu art. 302 tipificou especificamente o homicídio culposo no trânsito, aumentando sua pena-base e cumulando-a com outras restritivas de direitos, numa reunião de artigos pré-existentes do CP.


Sobre o tema não há entendimento pacífico na doutrina haja vista Luiz Regis Prado entender pela impossibilidade de aplicação analógica do perdão judicial ao dispor: “O


obstáculo decisivo está na impossibilidade de aplicação analógica de normas penais não incriminadoras excepcionais”.


Em ambos os artigos que disciplinam o homicídio culposo o objeto jurídico (a vida humana), o tipo objetivo (matar alguém) e o tipo subjetivo (culpa) são os mesmos.


A diferença reside somente no fato de que no homicídio culposo, disciplinado pelo CTB, o agente se encontra na direção de um veículo automotor.


Segundo Cássio Juvenal Faria, “Ocorre o conflito aparente de normas penais quando o mesmo fato se amolda a duas ou mais normas incriminadoras. A conduta, única, parece subsumir-se em diversas normas penais. Ou seja, há uma unidade de fato e uma pluralidade de normas contemporâneas identificando aquele fato como criminoso”.


O Código de Trânsito Brasileiro criou um subsistema punitivo especial ou marginal, marcado por reprimendas específicas às infrações penais de trânsito, como é o caso da suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor, agora erigida à categoria de pena principal, aplicável de forma isolada ou cumulativa e com prazo de duração de dois meses a cinco anos (arts. 292 e 293).


O legislador, ao tratar sobre o homicídio culposo no trânsito, foi mais rigoroso. Ao analisar os novos dispositivos penais trazidos pelo Código de Trânsito, nitidamente se percebe que a pena disposta para o homicídio culposo neste código é desproporcional se comparada com outros delitos de maior gravidade.


O agente que provoca um homicídio culposo através de um desabamento, de um disparo acidental de arma de fogo, de um choque elétrico, etc., poderá ter contra si uma pena de 1 a 3 anos de detenção, como também poderá, conforme o caso, ser beneficiado pelo instituto da suspensão do processo, previsto no art. 89 da Lei 9.099/95, uma vez que incidirá nas sanções do art. 121, parágrafo 3º, do CP.


Ao passo que, aquele que provoca o mesmo resultado dos exemplos supracitados, por estar na direção de um veículo automotor, terá uma pena base maior, cumulada com outra, restritiva de direitos, e não será beneficiado pelo referido instituto, previsto na Lei 9.009/95.


Não obstante o avanço alcançado pelo novo regramento, deparamo-nos com alguns equívocos trazidos pelo Código. Sedento por punir de forma mais rigorosa o motorista imprudente, o legislador acabou suplantando princípios elementares de Direito Penal. Em análise aos novos dispositivos penais criados pelo Código de Trânsito, percebe-se que há penas desproporcionais em relação a outros delitos de maior gravidade.


Para o Direito Penal vigente, se alguém causa a morte involuntária de uma pessoa, mediante grave negligência ou imperícia ao manejar uma arma de fogo; ao montar um cavalo; ao elaborar um cálculo estrutural de uma laje de concreto que vem a desabar; ao se omitir no cuidado devido na manutenção de uma rede elétrica, que vem a causar um incêndio numa casa comercial, ao pilotar um jetski ou uma lancha de passeio, o crime praticado será necessariamente o de homicídio culposo simples.


Na verdade, em qualquer um destes casos, por mais intenso que tenha sido o grau da culpa, seja qual for a circunstância desfavorável que torne o crime mais grave e reprovável, a pena mínima será de um ano e a máxima de três anos de detenção.


No entanto, basta uma simples e trivial negligência ao volante de um veículo automotor, causadora de um homicídio, para que este seja punido com uma pena mínima de dois anos e máxima de quatro anos de detenção. Há aí, uma diferença quantitativa significativa que estabelece uma injustificável e desnecessária assimetria no sistema punitivo.


Estamos diante de uma impropriedade jurídicopenal que fere o princípio razoabilidade, porque não tem lógica, nem é de bom senso partir da presunção jurídica de que todo o homicídio culposo de trânsito é necessariamente mais grave do que qualquer outro, que não tenha sido praticado na direção de um veículo automotor.


Entendemos que o aumento da carga punitiva – apenas para o homicídio culposo de trânsito – contraria a régua da justa proporcionalidade, que aponta no sentido de se aplicar a mesma escala punitiva para responder a condutas infracionais que apresentem idêntico potencial de ofensividade.


Nesse sentido, denota-se que a sanção prescrita ao delito de lesão culposa decorrente de acidente de trânsito (artigo 303) acabou excedendo até mesmo a pena do crime de lesão corporal dolosa, insculpida no artigo 129, caput, do Código Penal, fator que demonstra  incongruência por parte do legislador.


A título de exemplo, imagine-se que, conduzindo um veículo, um agente atropele culposamente um pedestre que atravessa uma rua, provocando-lhe lesões leves. No mesmo sentido, suponha-se que, irado por uma discussão de trânsito, um motorista atropele dolosamente um ciclista com a intenção de lesioná-lo, causando-lhe hematomas pelo corpo.


No caso concreto, o agente que atropelou dolosamente o ciclista com o intuito de lesioná-lo será enquadrado no art. 129, caput, do Código Penal, sujeitando-se a uma sanção que varia de 3 meses a 1 ano de detenção.


De forma totalmente incoerente, o agente provocador da lesão culposa será punido com detenção que varia entre 6 meses e 2 anos, como também terá suspensa ou proibida sua permissão ou habilitação para dirigir.


Mais grave ainda é a situação do agente que comete um homicídio culposo conduzindo um veículo. Neste caso, a sanção prevista no art. 302 do CTB estabelece uma pena que varia de 2 a 4 anos de detenção, obstando, inclusive, a aplicação de qualquer benesse prevista na Lei dos Juizados Especiais (Lei 9.099/95).


Assim, segundo o art. 302 do CTB, não só foi aumentada a duração da pena privativa de liberdade em relação ao tipo simples do Código Penal, como também foi cominada, de forma cumulativa, uma nova pena restritiva de direitos (suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor). Esta pena atinge tanto as pessoas que já possuem permissão ou habilitação para dirigir, que ficam com este direito suspenso, como as que ainda não possuem permissão para dirigir, que ficam proibidas de obtê-la.


Efetivamente, ao incriminar um fato reprovável, incumbe ao legislador avaliar suas conseqüências sociais. Todavia, deve estabelecer uma proporção ao menos razoável entre a quantidade punitiva cominada e a gravidade efetiva, real (nocividade social), dos fatos incriminados.


Entretanto, devido a semelhança entre os dois casos entendemos que, o § 5o do art. 121, do CP, deve ser aplicado às hipóteses do homicídio culposo no trânsito, por analogia in bonan part.


Acrescente-se que a criação destas duas figuras culposas qualificadas no Código de Trânsito Brasileiro constitui uma derrota dos militantes da possibilidade da incidência do dolo eventual nos crimes de trânsito, que perderam uma boa oportunidade de verem sua teoria respaldada em lei.


A nova lei apresenta uma imprecisão na descrição dos tipos penais, por serem descritas utilizando o próprio nomen juris da conduta. Em verdade, o núcleo do crime de homicídio não é “praticar homicídio”, mas “matar alguém”. O ideal seria se o novo tipo fosse descrito como “causar a morte de alguém, culposamente, na direção de veículo automotor”. Da mesma forma, o tipo do art. 303 restaria mais claro como “ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem, culposamente, na direção de veículo automotor”.


Tratar de crimes cujo resultado é idêntico a outros já existentes no Código Penal, em legislação autônoma, não parece de boa técnica, por romper a sistemática do ordenamento jurídico-penal. O ideal, em vez de criar qualificadoras em um novo diploma legal, seria simplesmente fazer inserir, em um dos parágrafos dos arts. 121 e 129 do Código Penal, uma qualificadora ou mesmo uma nova causa de agravamento de pena da forma culposa pela circunstância de seu cometimento “na direção de veículo automotor”.


Em verdade, a sobredita imprecisão terminológica, na referência direta ao nomen juris decorre exatamente do fato de não estarem as qualificadoras contidas no mesmo dispositivo do tipo principal.


Conforme dito anteriormente, é contestável o intuito da Lei em punir mais severamente os crimes no trânsito. Com esta afirmação, entenda-se, não estamos menosprezando a gravidade ou necessidade de punição para estes crimes. Entretanto, o legislador, quando elabora uma norma deve ter em mente que estas são marcadas pela obrigatoriedade, impessoalidade e abstração. Por obrigatoriedade entende-se que as normas de Direito Publico são normas cogentes, não podem ser revogadas pela vontade das partes.


Impessoais, porque são voltadas, em tese, para todas as pessoas; e, abstratas porquanto não são pensadas para resolver um determinado caso concreto e sim uma generalidade de casos. Cabe ao juiz, ao analisar o caso concreto, dosar a pena punindo de maneira adequada o agente delituoso, de acordo com o que está previsto no art. 59 do CP que diz: “O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vitima estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime.” 


Por exemplo, no que se refere ao crime de roubo, o caput do art. 157 do CP não fala em roubo de bicicleta, automóvel ou eletrodoméstico, nem tão pouco individualiza todos os meios pelos quais este poderá ser realizado, mas sim em “roubo”. Apenas em seu § 2o, I, salienta que se o meio empregado for o uso de arma de fogo, a pena base será aumentada. Logo, neste caso, não foi criado um tipo penal diverso nem tão pouco com pena base diversa cumulada com qualquer outra sanção, pois o meio empregado foi ensejador de causa de aumento de pena.


O mesmo poderia ter sido aplicado ao homicídio culposo no transito. Quer dizer, ter a mesma pena base do homicídio culposo do CP, sendo que o meio empregado, o veiculo automotor, seria ensejador de uma causa de aumento de pena. Ocorre que este, no CTB, não obstante ter tido sua pena base aumentada, teve cumulada outra pena, restritiva de direitos, prevendo, ainda, em seu parágrafo único e incisos causas de aumento de pena.


Logo, fica claro que o homicídio culposo de transito é muito mais severamente punido do que qualquer outro homicídio culposo do CP.


 

Referências

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Informações Sobre o Autor

Aline Teixeira de Souza

bacharel em direito. Pós graduada em Ciencias Criminais


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