Homicídio doloso no trânsito

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O legislador, quando permite e disciplina a fabricação e a condução de veículos motorizados, tem conhecimento da possibilidade de ocorrência de eventos danosos. Impõe, por isso, deveres de conduta aos motoristas. Como determina o art. 1.º, § 2.º, do Código de Trânsito Brasileiro – CTB (Lei n. 9.503, de 23 de setembro de 1997), “o trânsito, em condições seguras, é um direito de todos […]”. É necessário, contudo, nos termos de seu art. 28, que o condutor dirija o veículo com vistas à segurança coletiva, de modo a resguardar o nível de proteção da vida e da incolumidade física dos usuários das vias públicas.


O tráfego de veículos automotores, portanto, mesmo com obediência às normas regulamentares, traz um risco. É o chamado risco permitido, cujo comportamento causador não configura infração administrativa nem penal. A veiculação motorizada, entretanto, quando infringe as regras protetoras da segurança pública, conduz ao risco proibido, qualificando a direção como infração administrativa ou penal, ou ambas.


Nós, brasileiros, antes da entrada em vigor do CTB, estávamos, no tráfego de veículos, matando cerca de 40 mil pessoas por ano, somente cifradas as de morte instantânea; lesionadas, 400 mil. De 1998 em diante, passamos a assassinar, no trânsito, 30 mil pessoas por ano, lesionando 300 mil. Em muitos casos, as mortes e lesões corporais resultam da denominada condução anormal, como ocorre nos casos de ultrapassagens perigosas, “costurar o trânsito”, contramão de direção, rachas, passagem por sinal vermelho, zigue-zagues, velocidade excessiva, banguela, embriaguez ao volante etc.


Estou seguramente convencido de que determinados crimes de homicídio cometidos no trânsito de veículos automotores são dolosos e não culposos. Exemplos retirados do cotidiano:


1.º) Um motorista, ao retirar o veículo da garagem, de ré, não verifica a presença do próprio filho, de 2 anos de idade, brincando atrás do pesado caminhão, vindo a causar-lhe a morte.


2.º) Numa ladeira, um motorista se esquece de puxar o freio de estacionamento. O veículo se desloca e vem a matar um transeunte.


3.º) Um condutor, altas horas da madrugada, embriagado e dirigindo o veículo com excesso de velocidade (mais de 180 km/h), perde a direção e causa atropelamento e morte de pessoas.


4.º) Um automóvel (ou uma motocicleta), num “racha”, dirigido com excessiva velocidade, atropela um assistente, matando-o.


Entendo que, em tese, os dois primeiros casos configuram homicídios culposos (art. 302 do CTB); os dois últimos, entretanto, certamente são, de acordo com a minha opinião, homicídios dolosos (art. 121 do CP).


De acordo com o art. 18, I, parte final, do Código Penal (CP), aplicável aos delitos de homicídio no trânsito, age com dolo eventual o condutor que “assume o risco” de produzir a morte de eventual vítima. Significa que, sob a ótica da lei penal, o motorista prevê o resultado como possível e aceita ou consente em sua ocorrência. Não basta, pois, a simples representação da morte, isto é, que o “acidente” e a morte integrem a mente do condutor como possíveis. Exige-se que sejam alcançados pela vontade. Mas não de maneira reflexiva, expressa, sacramental, concreta, clara e atual, como acontece no dolo direto ou determinado (art. 18, I, primeira parte), no qual o agente quer o evento, e, sim, de maneira indireta, tolerando-o, anuindo à sua superveniência, desprezando-o, colocando-o em plano sem importância, consentindo em sua produção, sendo-lhe indiferente. E como se manifesta, nos casos concretos, essa anuência à produção do resultado nos homicídios dolosos de trânsito?


O consentimento que o tipo requer não é o manifestado formalmente, o imaginado explicitamente, o “meditado”, “pensado cuidadosamente”. Não se requer fórmula psíquica ostensiva, como se o condutor pensasse “consinto”, “conformo-me com a morte de qualquer terceiro”. Nenhuma justiça conseguiria condenar um motorista bêbado ou “rachador” por dolo eventual se exigisse confissão cabal de que psíquica e claramente consentiu no “acidente” e morte; que, durante décimos de segundos, em determinado momento anterior ao fato mortal, deteve-se para meditar sobre suas opções de direção, aderindo ao resultado. Jamais foi visto no banco dos réus motorista ébrio que confessasse ao Juiz: “Antes do choque, eu pensei que alguém poderia morrer, mas, mesmo assim, e bêbado como estava, continuei a dirigir”.


Desde crianças, todos sabemos dos perigos que acompanham os “rachas” e os bêbados na direção de veículos nas ruas e estradas. Infelizmente, porém, há milhares de homicidas dolosos no trânsito, os quais nada respeitam e nos matam como se fôssemos moscas. Conduzem de várias formas anormais, como se dissessem: “Eu sei que isso é perigoso; tomo conhecimento, todos os dias, de que um acidente é possível, mas dane-se o mundo, pois vale mais a adrenalina; aconteça o que acontecer, quero viver perigosamente”. Trata-se de uma aceitação tácita, suficiente para integrar o tipo e levar o réu ao Tribunal do Júri.



Informações Sobre o Autor

Damásio Evangelista de Jesus

advogado, Professor de Direito Penal, Presidente do Complexo Jurídico Damásio de Jesus e Diretor-Geral da Faculdade de Direito Damásio de Jesus. Recebeu o Prêmio Costa e Silva e o Colar D. Pedro I, é Doutor Honoris Causa em Direito pela Universidade de Estudos de Salerno (Itália) e autor de livros na área criminal.


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