Lei Maria da Penha, pelo direito da mulher a uma vida sem violência

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Resumo: O artigo trata da discriminação das mulheres no contexto histórico e nos regulamentos legais, da aplicação dos princípios constitucionais e da interpretação pelos operadores do direito na aplicação das normas, que tem papel importante na transformação e mudança de comportamento. A Lei para corrigir a desigualdade dos sexos, equilibrar a balança da convivência, para que as mulheres possam desfrutar da igualdade nas suas relações.


Sumário: Introdução. 1 Discriminação da mulher ao longo dos tempos. 2 A igualdade e a violência após a Constituição Federal de 1988. 3 Uma violência desigual numa sociedade que se diz igualitária. 4 A esperança na mudança legislativa. Conclusão. Referências.


INTRODUÇÃO


A discriminação da mulher e a violência de gênero acompanham a evolução histórica da humanidade e a organização da sociedade. A violência contra a mulher é um comportamento oriundo de uma cultura que valoriza o mais forte e edifica no sexo masculino o “senhor de todas as coisas”. Comportamento que tem cerceado direitos das mulheres e as enclausurando nos seus próprios lares. Na atual estrutura social os regulamentos são os mais eficazes reguladores de comportamentos, sendo capazes de orientar a mudança estrutural na sociedade.


A violência doméstica e familiar contra a mulher produz a cada dia uma geração mais violenta, apesar de ocorrendo dentro dos lares, acarreta terríveis males para toda a sociedade e influencia diretamente na política econômica e social do país. Ela tem alcançado índices dramáticos e exige melhor resposta do Estado, assim, no cumprimento a medidas internacionais e amparado a princípios constitucionais, foi promulgada a Lei 11.340, batizada de Lei Maria da Penha, nova atenção foi dada a violência contra a mulher.


Essa violência exibe em números a desigualdade presente nos lares brasileiros, com a mulher como vítima da intolerância masculina que insiste em impor uma superioridade sobre o sexo feminino e utiliza a força como medida edificadora. Em contrapartida, na Lei Maria da Penha foi depositada todas as expectativas para igualar as relações entre os sexos e proporcionar às mulheres violentadas por seus companheiros uma vida digna, podendo gozar dos direitos conquistados ao longo dos tempos.


A pesquisa se justifica por tratar de um fenômeno complexo e que merece atenção, pois, não é um fato raro, nem restrito às classes populares, é um assunto carregado de aspectos históricos, comportamentais, sociais e jurídicos.


O objetivo dessa é verificar como a Lei 11.340/2006 pode influenciar no combate a violência doméstica e familiar contra a mulher e estabelecer condições de igualdade entre homens e mulheres nas relações familiares, a fim de modificar um comportamento que discrimina a mulher ao estabelecê-la como propriedade do homem, em que pode dispor e impor suas vontades como bem entender.


A pesquisa foi pautada na busca bibliográfica em meios impressos e eletrônico para a identificação histórica da discriminação da mulher, como é tratada a violência contra ela; e na pesquisa junto a legislação brasileira e nos tratados internacionais, de como os regulamentos podem contribuir para o fim desta violência, em especial a Lei 11.340/2006 utilizada como marco referencial no combate a essa violência e um meio capaz de propiciar a mulher situação de igualdade junto ao homem pelo seu caráter equitativo.


Com a transformação dos pensamentos e a evolução das normas, atualmente, dispõe-se de recursos para o enfrentamento da violência contra a mulher. Porém, ainda existe uma sociedade alheia à essas preocupações e sem o conhecimento do assunto. Sendo que, o conhecimento do problema e o reconhecimento como problema é o marco inicial à atitude, sendo ainda imprescindível além de conhecer, analisar e difundir.


1 DISCRIMINAÇÃO DA MULHER AO LONGO DOS TEMPOS


A discriminação entre homem e mulher acompanhou a história da civilização. Desde a Antiguidade a mulher é inferiorizada em relação ao homem, rotulada como um ser sem alma, secundária, frágil que precisava ser controlada pelo homem, o sexo forte.


Nesse período a mulher detinha o papel de procriadora, dona de casa, tida como seres inferiores no contexto social juntamente com os escravos, inclusive nos relacionamentos afetivos figuravam no segundo plano, conforme Belkis Morgado ilustra em sua obra: “os relacionamentos afetivos mais importantes e sólidos eram reservados às relações homossexuais masculinas, pois, segundo o conceito expresso por inúmeros filósofos, as mulheres não possuíam alma ou inteligência suficiente”[1].


Os mitos ao descreverem as mulheres trilham pelo mesmo sentido discriminatório, classificam-nas como o caos, fenômenos sem controle que precisam ser orientados, daí o homem, caracterizado como o princípio de ordem, agente moderador, sensato e controlador, que irá como princípio de ordem orientar ao feminino nas relações impedindo que este cause a destruição e possa diante de sua proteção poder criar.


A tradição judaico-cristã segue o mesmo raciocínio dos mitos babilônicos, gregos e egípcios. Ela coloca que Deus primeiro criou o homem, Adão, percebendo que ele estava triste e para não ficar só, de sua costela criou Eva, mulher, para ser sua companheira, dando a ela apenas papel de companheira e procriadora. Isso pode ser observado na conclusão de Marlene Neves Strey:


“Essa visão de como o homem e a mulher foram criados ostenta com bastante clareza todo o peso da inferioridade que é atribuída ao sexo feminino no mundo ocidental (…) Essa condição de ser segunda classe dificilmente poderia ser superada no imaginário popular, pois está na base das crenças sobre a criação da humanidade. Não é possível revisar um ato original que está na base de todos os demais atos”[2] (não destacado no original).


Na Bíblia, o livro mais lido do mundo, base da formação de milhares de pessoas pode ser observado várias passagens que orientam a submissão da mulher ao marido, orientação seguida ainda nos tempos de hoje por um grande número de pessoas, que não contextualizam o período e para as pessoas que o livro foi escrito; com comportamentos e costumes da época, que ainda hoje são seguidos pelas pessoas em nome da fé, hábitos e costumes doutra época.


A questão religiosa orienta que a mulher deve obedecer ao marido, colocando ele como a cabeça da família, devendo concordar incondicionalmente com eles. Esta família perfeita estipula aos seus membros um comportamento carregado de preconceitos, sendo uma moral voltada para os homens e outra para as mulheres. Enquanto aos homens é concedido um comportamento cheio de liberdades e de admiração, às mulheres é reservado um comportamento restrito e preconceituoso, devendo permanecer sempre puras para os seus maridos.


A ideologia de inferioridade açoita ao sexo feminino e quando a família diferencia os papéis para seus membros, impede que encontrem condições necessárias para assumirem suas identidades. Isto limita o desenvolvimento e fere a liberdade individual, com um crescente e atual paradigma social.


“A menina é treinada desde cedo para ser doméstica (brinca com boneca, fogões, panelinhas, etc), submissa e dependente (…) enquanto o menino é levado a exercitar sua inteligência com sofisticados brinquedos eletrônicos ou jogos que despertem o raciocínio e o contato direto com o mundo e a liberdade, desenvolvendo desde cedo seu potencial autoritário, capacidade de liderança, independência e autonomia”[3].


Enquanto o aspecto social e cultural colocava a mulher em segundo plano, acreditava-se que com o advento da ciência, todos esses paradigmas deixariam de existir. A sociedade, em especial as mulheres e os defensores delas, depositava na ciência a solução e a resposta para todas as dúvidas e questionamentos. No entanto, como argumenta Strey ao falar da ciência: “justamente aquela que traria a verdade em suas palavras, as mulheres passaram a ser consideradas realmente inferiores e com a chancela da instituição que estava acima de qualquer ideologia”[4].


Teses científicas defendiam a ideia da mulher não ser capaz de assimilar os mesmos conteúdos que os homens, assim tinham seus estudos voltados somente àquilo que acreditavam estar proporcional a sua capacidade de aprendizado, como economia doméstica e o ensino religioso, criadas para cuidarem do lar, da saúde dos membros da casa e na orientação e crescimento dos filhos, nada de carreiras acadêmicas ou atividades produtivas no mercado de trabalho, seu espaço seria o ambiente do seu lar.


“A corrente positivista de Augusto Comte também tinha ideias bem definidas sobre as mulheres. Elas não seriam seres absolutamente inferiores, pois tinham superioridade afetiva e moral sobre os homens que, por sua vez, eram intelectualmente superiores a elas (…) enquanto que na mulher prevalecia o instinto maternal. Isso explicaria porque as mulheres estavam completamente voltadas para a família, que seria o seu reduto natural”[5].


No Brasil durante o período colonial a mulher branca (os negros a época eram tidos como objetos) era uma personagem fora da participação no contexto social. A mulher, o negro, o povo indígena e os pobres ocupavam a classe dos marginalizados e violentados no Brasil colônia, discriminação enraizada no comportamento cultural. Quanto às normas legais, eram extremamente rígidas ao tratar dos comportamentos da mulher, privava-a de sua liberdade e violentava-a em sua dignidade.


Ao se casar, a mulher passava a ser um novo bem do seu esposo, vivia para a total satisfação daquele que a tirou de sua casa, cuidaria dele e de seus herdeiros; tornar-se-ia objeto de ostentação diante da sociedade, para ser levada aos bailes, as grandes festas e procriadora; dela adviria os herdeiros e somente isso, pois a satisfação sexual era reservada as prostitutas dos bordéis de luxo, sendo a mulher criada para ser esposa, privada do prazer sexual, dependente do sucesso do homem, zelo do lar e criação dos filhos.


A discriminação também era expressa nos trabalhos intelectuais. Determinados assuntos tidos como polêmicos ou indiscretos receberiam certa conotação e seriam aceitos de acordo com o gênero que os criavam. Se masculino, ocupava status de grande entendimento, tinha o respeito e até caráter científico, digno de admiração, enquanto que o feminino seria cruelmente criticado e, levantavam-se severas suspeitas da vivência feminina aos assuntos abordados, porque a criatividade não estava no rol das características e qualidades femininas.


“Sendo não inteligente do ponto de vista conceptual, até mesmo sua criatividade é contestada; se um homem escrever um trabalho sobre homossexualismo, prostituição ou tóxicos, ninguém vai inferir desse fato que ele seja toxicômaco, prostituto ou homossexual. No entanto, se uma mulher escrever sobre esses assuntos estará sobre suspeição”[6].


Nessa breve caminhada pelos séculos até a chegada ao século XIX não existia qualquer menção ao termo violência de gênero, nem qualquer punição contra quem a praticava. O assassinato praticado pelo marido que suspeitava de traição não era punido, pois estaria lavando sua honra. Em meados do século XX, os Tribunais tiraram do rol dos direitos do marido a agressão e o castigo às suas mulheres, e estes passaram a ser passivos de punição legal.


Em 1916, o Código Civil Brasileiro considerou a mulher casada como relativamente incapaz, determinando à esposa a obrigação de solicitar do marido autorização à prática dos atos na vida civil, como trabalhar, gerir e dispor dos seus bens. Apenas em 1961 foi modificada a legislação que igualava as mulheres aos índios, crianças e doentes mentais. Em 1962, com a edição do Estatuto da Mulher Casada, ela deixou de ser considerada incapaz e dependente do marido. Apesar da nova legislação permitir às mulheres dispor livremente de seus bens, na prática o homem ainda mantinha um rígido poder sobre as propriedades em comum.


Na década de 80 diante dos altos e baixos da economia e a crescente ocupação no decorrer dos anos da mulher ao mercado de trabalho, fizeram com que elas começassem a gritar contra a violência sofrida e não mais aceitarem a submissão imposta pelo sexo masculino.


Mas essas mudanças foram tímidas e com atitudes contrárias a sua solidificação. Houve o desprestígio de profissões que passaram a ser ocupadas por mulheres como o magistério, profissão de crédito e status no século XIX quando ocupado exclusivamente por homens, agora com um grande número de mulheres, ficou com o salário reduzido e estagnado.


Essa conotação de descrédito profissional é confirmada nas palavras de Margaret Mead citadas no trabalho de Petersen:


“O homem pode cozinhar, tecer, vestir bonecas ou caçar colibris, mas se tais atividades são apropriadas ao homem, então toda a sociedade, tanto homens como mulheres, as considera importantes. Por outro lado, quando exercidas por mulheres, são consideradas como menos importantes (MEAD apud ROSOLDO, P.15)”[7].


Mas somente no início do século XXI que pode ser observado um tímido avanço na legislação brasileira com a promulgação das primeiras leis que coíbem a violência doméstica contra a mulher, diante de uma discreta manifestação da sociedade pelo descontentamento com o atual quadro de violência.


Mesmo com todas essas modificações, outros comportamentos não mudaram e permanecem inatingíveis, continuam as mulheres a sofrerem discriminações, a serem vítimas de violência dentro de seus lares pelos maridos, filhos e de outras mulheres (mães e filhas, patroas), desde as agressões comportamentais impostas por padrões de beleza; psíquicas, pelas regras comportamentais e censuras e por fim a agressão física, encarada muitas vezes como natural.


Morgado descreve o comportamento e o sofrimento da mulher:


“A mulher é sucessivamente violentada desde cedo pela imposição dos papéis sociais; desde a mais tenra idade é treinada para submeter-se a padrões impostos no decorrer dos séculos por uma autoridade machista; violenta a si mesma assumindo estes padrões sem exercer o direito de criticar e sem se conceder o direito de ser pessoa, com igualdade de direitos e oportunidades concedidas ao macho da espécie”.[8]


A discriminação sofrida pela mulher está no germe da civilização, persistindo o que foi instituído na criação com difíceis e severas possibilidades de modificação, já que o homem é produto da sociedade, esta que ele próprio produz, assim cria-se um limite e uma dependência do homem para com o homem na convivência humana.


Como desde a antiguidade foi reservada à mulher a condição de segundo plano, a nova mulher tem dificuldades de encontrar em si o centro da gratificação pessoal, acostumada somente ao sucesso do marido e ocupada com o desenvolvimento dos filhos. O medo, o sentimento de inferioridade, a injustiça econômica e também jurídica, faz com que as mulheres permaneçam em silêncio diante da discriminação e da violência sofrida, pois em muitas delas existe a ausência de pontos de realização individual e uma falha na restauração da violência sócio-cultural que a acompanha desde seu nascimento.


2 A IGUALDADE E A VIOLÊNCIA APÓS A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988


A igualdade é um anseio natural do ser humano, desde Aristóteles esse direito é atribuído a todos. A Revolução Francesa estabeleceu a igualdade formal que na prática não ocorreu e com a Declaração dos Direitos do Homem a igualdade tornou-se um princípio na busca da mudança de uma herança cultural de submissão da mulher ao homem.

O alcance da igualdade exige todo um processo de modificação da sociedade em diversos aspectos: sociais, culturais e legais. A legislação tem importante papel nessa mudança diante da sociedade, é ela que regula as relações, as instituições e os processos sociais.


A Constituição é a Lei Maior de um país, nela são definidos temas como forma de Estado, forma de governo, a garantia de direitos e os deveres dos cidadãos, a forma de arrecadação dos impostos, as relações entre o Estado que governa e o povo governado.


No Brasil o primeiro regulamento legal que garantiu formalmente a igualdade foi a primeira Constituição do Império. A Constituição de 1824 trazia que “a lei será igual para todos, quer proteja, quer castigue, …”(art.179,§13º). Com certa seleção ao termo e significado de TODOS no período.


“Certamente, essa categoria “todos” implicava a expressão “todos os cidadãos”, excluindo-se, portanto, os escravos, as mulheres (…) Tratava-se, portanto, de uma cidadania excludente e representava a concepção restritiva no uso do plural masculino. Ou seja, “todos os cidadãos” não eram todos os homens e mulheres, nem mesmo quando essas possuíam o mesmo padrão sócio-econômico dos homens ricos”[9].


Preceito de igualdade que foi mantido nas demais Constituições e com o fim da monarquia e da escravidão, a nova Constituição da República de 1891 trazia que “Todos são iguais perante a lei. A República não admite privilégios de nascimento, desconhece foros de nobreza e extingue as ordens honoríficas existentes e todas as suas prerrogativas e regalias, bem como os títulos nobiliárquicos e de conselho”[10].


Durante o processo de democratização do país, ocorreu a campanha das eleições diretas para a Presidência da República e a eleição da Assembléia Nacional Constituinte de grande participação de toda a sociedade. E o movimento das mulheres participou ativamente com o “lobby do Batom” e o lema “Constituição para Valer tem que ter Direitos da Mulher”, conseguiu que grandes conquistas fossem incluídas à Carta Maior.


A Constituição de 1988 garante direitos a grupos sociais até então discriminados e colocados à margem, tanto juridicamente ou não: crianças e adolescentes, mulheres, negros, pessoas com deficiência, idosas e presidiários. Somente nessa Constituição que as mulheres conseguiram a efetivação de seu lugar em situação de igualdade com o homem na sociedade e no âmbito familiar.


“A nova Constituição Federal de 1988 por duas vezes garante, expressamente, o princípio da isonomia: primeiramente nos Direitos Fundamentais do Homem, ao estabelecer que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”, e adiante, especificando para não restar qualquer dúvida, reafirma que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição” e, no capítulo da família, reforça “os direitos e deveres referente à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”[11].


Além da garantia de igualdade expressa no artigo 5º, caput e inciso I e no art. 226, §5º, a Constituição proíbe diferença de salário, de exercício de função e de critérios de admissão ao trabalho por motivo de sexo (art.7º, XXX), garante ao cônjuge ou ao companheiro o direito à pensão previdenciária (art. 201, V). E, para eficácia de todas essa garantias, a Lei Maior resguarda ainda que a lei punirá qualquer discriminação atentatória aos direitos e liberdades fundamentais (art. 5º, XLI).


Os direitos das mulheres receberam grande atenção nessa Constituição, ela foi um marco ao igualar homens e mulheres em direitos e obrigações. Tendo o trabalho como direito social, a CF proíbe diferença de salários, de exercício de função e de critérios de admissão ao trabalho por motivo de sexo. Foi instituído ainda o direito à pensão previdenciária e incluído o direito ao salário maternidade para a trabalhadora. Porém, o trabalho doméstico não teve igual receptividade.


O texto constitucional além de propiciar a igualdade material ainda inovou ao tratar da isonomia, com alguns tratamentos desigualitários em respeito às diferenças entre os sexos, como o direito à licença maternidade, a proteção da mulher no mercado de trabalho, tempo para aposentadoria diferenciada para homens e mulheres.


“Sobre maternidade e paternidade, a CF/88 ampliou a licença maternidade para quatro meses, sem prejuízo do emprego e do salário (art.7º, III) e aprovou a licença paternidade (art.7º, XIX) (…) a CF proibiu a dispensa arbitrária ou sem justa causa da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez, até cinco meses, enquanto não fosse promulgada lei complementar”[12].


A diferença de cinco anos entre homens e mulheres para obtenção do benefício previdenciário (art.201, §7º, I, II) é justificado pelos movimentos de mulheres em razão das tarefas domésticas e cuidado das crianças que recaem sobre elas e no âmbito privado, os homens não compartilham as atividades domésticas, configurando assim uma dupla jornada ao sexo feminino diante de uma cultura patriarcal, onde o homem não trabalha dentro de sua casa, sendo o responsável por trazer somente o alimento, mesmo que a mulher também o faça.


O artigo 6º da CF caracteriza a segurança como um direito social. O Estado trouxe para si a responsabilidade de administrar e assegurar aos cidadãos essa segurança, além de dar assistência às famílias, na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações (art.226, §8º).


Este dispositivo trouxe um grande avanço no ordenamento jurídico brasileiro ao reconhecer a violência familiar e doméstica que por uma herança cultural não era reconhecida como problema do Estado por ocorrer no âmbito familiar, mas que vinha sendo denunciado pelos movimentos feministas desde as décadas de 70 e 80. Tendo sido regulamentado pela Lei 11.340/2006, preenchendo uma lacuna no ordenamento jurídico.


Apesar de estar nessa situação legal privilegiada pelas normas do Estado, a família sofre pela existência das normas costumeiras oriundas de um costume. Essas normas paralelas trazem aspectos retrógrados à legislação do Estado, totalmente distantes dos atuais padrões democráticos, reforçadas pela tradição autoritária do sistema sócio-político brasileiro. Como se houvesse um direito paralelo nas relações familiares, fora do seu alcance, no que bem define o jargão popular na expressão “em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher”, numa negativa da cidadania da mulher no âmbito familiar.


3 UMA VIOLÊNCIA DESIGUAL NUMA SOCIEDADE QUE SE DIZ IGUALITÁRIA


Existe uma preocupação quanto ao processo de violência do homem, dos seus agentes causadores e contra quem ele comete, contra o homem, o meio ambiente. No entanto, não há uma preocupação pela violência contra a mulher: a violência dos usos e costumes, da imposição dos papéis sociais rígidos, a violência da mulher contra a mulher mais frágil, a violência da mulher contra si, fazendo com que ela aceite sem criticar o que lhe é imposto, relegando seus direitos e deveres de pessoa.


A Lei 11.340/2006, Lei Maria da Penha surgiu no anseio de revelar este problema, tirou dos moldes da violência comum, a praticada contra a mulher no seu ambiente doméstico, familiar ou de intimidade, um estatuto para socorrer essas vítimas, não somente de caráter repressivo, sobretudo, preventivo e assistencial, na promoção de mecanismos para coibir esta agressão[13]. Ela veio para ocupar lugar de lei integral, abrangendo os direitos, a prevenção, a implementação de políticas públicas, processos ágeis e eficazes.


A violência contra a mulher é qualquer ação ou omissão de modo discriminatório, agressivo e coercitivo pela vítima ser mulher, causando-lhe dano, morte, constrangimento, limitação, sofrimento físico, sexual, moral, psicológico, social, político ou econômico, bem como perda patrimonial. Essa violência pode acontecer tanto em espaços públicos ou privados[14].


Assim, a mulher é violentada desde o seu nascimento pela imposição dos papéis sociais, ela é treinada para submeter-se a padrões impostos pela cultura formada e cultivada por uma autoridade machista; esta estrutura faz com que a mulher se violente ao assumir esses padrões não se dando o direito de ter as mesmas prerrogativas do sexo masculino.


O filho do ser humano por sua estrutura biológica ser a mais indefesa dos animais da escala zoológica, precisa de proteção por um longo período, isso fez com que a mulher não tivesse outro papel, a não ser cuidar da sobrevivência dos descendentes, assim, desde a antiguidade por se dedicar ao crescimento da prole, a mulher não trabalhava e foi considerada economicamente dependente do homem.


A saída da mulher do espaço doméstico ao mercado de trabalho não foi acolhida como comportamento igualitário, os serviços executados por elas ainda são vítimas de violência econômica, submetida a menores salários mesmo que em mesma função e com maior qualificação profissional


A violência contra a mulher por muitas vezes é caracterizada pela violência de gênero, mesmo tendo um âmbito de atuação diferenciado. A violência de gênero têm forma mais extensa e se generalizou como expressão utilizada para fazer referência aos diversos atos praticados contra mulheres como forma de submetê-las a sofrimento físico, sexual e psicológico em todos aspectos sociais, como ênfase as relações de trabalho, caracterizada pela imposição de um controle do gênero masculino sobre o feminino, numa hierarquia inexistente dos sexos.


Os abusos contra o sexo feminino estão expressos nas desigualdades dos homens e mulheres e numa cultura que hierarquiza o masculino sobre o feminino. Comportamento que é inserido na criança pela própria mulher que cuida da formação da primeira idade. Fazendo com que cresçam com senso de inferioridade e submissão da mulher para com o homem.


“A imposição dos papéis sociais é feita através das mulheres e estas se tornam, dessa maneira, guardiãs e mantenedoras dos usos e costumes de uma sociedade. A mulher, na verdade, impõe com muito mais rigor as tradições e a moral às meninas do que aos meninos”[15].


Na caracterização da violência contra a mulher é necessário reconhecer a mulher como vítima na organização da sociedade pelos motivos anteriormente apresentados, com dificuldades para conseguir romper a barreira das diferenças entre os sexos. Tendo os direitos humanos sua efetividade somente quando as diferenças deixarem de ser cultivadas, já que a igualdade é a base das relações de gênero, Saffiotti completa que “podem-se pensar os seres humanos como portadores de necessidades, interesses e aspirações diferentes, cuja satisfação pode mais facilmente ocorrer se as categorias de gênero mantiverem relações simétricas”[16].


A violência doméstica se apresenta como os atos de maus-tratos desenvolvidos no âmbito domiciliar, residencial ou num lugar onde habite um grupo familiar; este tipo de violência se caracteriza pelo aspecto espacial em que ocorre a violência e para isso não se ocupa do sujeito submetido à violência, abrangendo qualquer pessoa do âmbito doméstico, como também o homem, porém, ocorre principalmente com mulheres, crianças, idosos e deficientes físicos ou mentais.


Cardoso em seu trabalho traz o conceito dessa violência:


“Toda ação ou omissão cometida no seio da família por um de seus membros que despreza a vida ou a integridade física, psicológica ou, inclusive, a liberdade dos outros membros da família, que causa um sério dano ao desenvolvimento da personalidade (Consejo de Europa, apud Grosman, Mesterman e Adamo, 1989, p.68)”[17].


A violência familiar é a que provém das relações entre seus membros, formadas por vínculos de parentesco natural (pai, mãe, filho, avós) ou civil (marido, sogra, padrasto), por afinidade (o primo ou tio do marido) ou afetividade (amigo que mora na mesma casa), sendo a mulher a principal vítima dessa violência.


Dados estatísticos revelam que a violência física doméstica é mais de duas vezes maior para a mulher que para o homem. E que, as mulheres são agredidas fisicamente de forma maciça na residência, num total de 63% são agredidas em seus lares, numa demonstração da gravidade da violência doméstica contra a mulher[18].


A Lei Maria da Penha veio para coibir e prevenir essa violência. Protege mulher, independe da orientação sexual dos envolvidos, tanto numa relação heterossexual, contra o homem agressor, o filho, o irmão, podendo a mulher na qualidade de companheira de outra figurar também como sujeito ativo. Surge uma nova concepção de família que se define pelo vínculo de afetividade, como manifesta Eliana J. M. Ferreira: “a família modernamente concebida tem origem plural e se revela como núcleo de afeto no qual o cidadão se realiza e vive em busca da própria felicidade”[19].


Nesse contexto, a mulher homossexual quando vítima de ataque pela parceira, no âmbito da família também é protegida pela lei. Dias expõe como esse conceito de família foi ampliado pelo dispositivo legal:


“no momento em que é afirmado que está sob o abrigo da lei a mulher, sem se distinguir sua orientação sexual, alcançam-se tanto lésbicas como travestis, transexuais e transgêneros que mantêm relação íntima de afeto em ambiente familiar ou de convívio. Em todos esses relacionamentos, as situações de violência contra o gênero feminino justificam especial proteção”[20].


Essa nova realidade não poderia excluir os vínculos afetivos que fogem ao conceito de família e da entidade familiar que também são marcados pela violência. Tanto namorados e noivos, apesar de não viverem sob mesmo teto e ocorrer violência do relacionamento, faz com que a mulher seja abrigada pela Lei. Pois, para se configurar violência doméstica deve haver um nexo entre a agressão e a situação que a gerou, ou seja, a relação íntima de afeto deve ser a causa da violência.


4 A ESPERANÇA NA MUDANÇA LEGISLATIVA


A Lei 11.340/2006 veio para inovar, principalmente mudar certos valores impostos ao longo de anos, comportamento social que não pode ser eterno, uma vez alcançado o objetivo deste dispositivo legal e caracterizado de forma real a igualdade material entre homens e mulheres no âmbito das questões de violência doméstica e familiar.


Os direitos fundamentais do homem tem a tarefa de designar, paralelo ao direito positivo, as prerrogativas e instituições que ele garante para uma convivência digna, livre e igual de todos os cidadãos e cidadãs, no alcance do valor intangível da pessoa humana.


A Lei muda a forma de como serão tratados os crimes contra mulheres no Brasil. Ela traz uma definição específica de violência doméstica e familiar que pode ser considerada como física, psicológica, sexual, patrimonial e moral.


A Constituição Federal proclama em seu art. 226, caput, que “a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”. Proteção que é confirmada e assegurada no §8º do referido dispositivo, “a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”.


Para atender esse compromisso e resguardar a integridade da família entrou em vigor a Lei Maria da Penha. Porém, a especial proteção à mulher é conseqüência de terem se tornado costumeiro os casos de violência contra a mulher e, pela vulnerável condição da vítima quanto a referida violência. Preocupação que foi expressa no item 6 da Exposição de Motivos do projeto:


“O projeto delimita o atendimento às mulheres vítima de violência doméstica e familiar, por entender que a lógica da hierarquia de poder em nossa sociedade não privilegia as mulheres. Assim, busca atender aos princípios de ação afirmativa que têm por objetivo implementar “ações direcionadas a segmentos sociais, historicamente discriminados, como as mulheres, visando a corrigir desigualdades e promover a inclusão social por meio de políticas públicas específicas, dando a estes grupos um tratamento diferenciado que possibilite compensar as desvantagens sociais oriundas da situação de discriminação a que foram expostas”[21].


Além de atender a recomendação da OEA que condenou o Brasil pelo descaso com que tratava a violência contra a mulher e regulamentar direitos assegurados no âmbito internacional, ratificados pelo país, como as Convenções sobre a Erradicação de Todas Formas de Discriminação Contra a Mulher e sobre a Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher, no seu art. 1º a Lei deixa expresso que seu objetivo é “coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher”. É o combate as agressões ocorridas no âmbito doméstico e familiar, com a peculiar preocupação de proteger a mulher.


Impedir os atos violentos praticados por homens ou mulheres que tenham relação de afetividade, ou qualquer pessoa com as quais conviva no âmbito doméstico e familiar, ou com quem mantenha ou tenha mantido relação de intimidade, podendo ocorrer em qualquer lugar. Observa-se que o bem jurídico tutelado é a integridade da mulher, física, moral e econômica, tutelando desde a morte, da lesão corporal e a qualquer sofrimento psíquico ou fisico.


A norma orienta aos magistrados, promotores, advogados, delegados e operadores do direito em geral, a necessidade de um contato com a realidade social em que vive e a sensibilidade para interpretar os diversos institutos trazidos pela lei no anseio de garantir os mecanismos de proteção à mulher, dos abusos e violências que venham enodoar sua dignidade humana e igualdade formal e material sonhada entre os sexos.


É a adaptação do sentido da lei às realidades sociais, a chamada interpretação sociológica, em que o intérprete deve acompanhar as mudanças que o cercam, os impactos que as alterações provocam na sociedade, a lei sendo aplicada à realidade num contexto útil e eficaz na busca derradeira da Justiça.


O artigo 4º ao estabelecer que “as condições peculiares das mulheres em situação de violência doméstica e familiar” deverão ser consideradas na interpretação da lei, direcionada a uma realidade em que o homem não vive aterrorizado temendo ataques da mulher, com medo de ser abusado sexualmente por ela, que tenha perdido a liberdade de ir e vir, de trabalhar ou estudar, que tenha perdido a auto-estima e esteja destruído psicologicamente pela parceira ou que tenha medo de deixá-la e que acabe morto ou viva assustado por não conseguir proteger os filhos da esposa.


Conduta tipicamente suportada por mulheres que sofrem a violência dentro de seus lares e instigada por àquele em que depositou toda a confiança e afeto para estar ao seu lado ao longo do tempo, e no decorrer desses eventos, ela se sente desvalorizada sem ter a quem recorrer, pois, na maioria dos casos, é dependente do agressor, seja financeira, afetiva ou familiar.


O surgimento de novos direitos, novas relações e novas realidades reportam a interpretação sociológica da norma “com esse espírito, desarmado, despido de preconceitos, livre de fetichismos e atento à realidade que o cerca, que deve o intérprete, em nosso entendimento, enfrentar os desafios propostos pela lei”[22].


No mesmo sentido Cunha e Pinto citam o ensinamento do Ministro Silvio de Figueiredo do Superior Tribunal de Justiça expresso na jurisprudência RSTJ, 129/364, que a vida é mais rica que nossas teorias. E citou as palavras do De Page, que o juiz não pode quedar-se surdo às exigências do real e da vida. Sendo o direito uma norma essencialmente viva, destinado a reger homens e termina firmando que a interpretação das leis não deve ser formal, mas sim, real, humana, socialmente útil[23].


A Lei Maria da Penha é expressão do princípio da igualdade, ao garantir a determinados sujeitos de direitos ou anular determinadas violações de direitos que pedem uma resposta específica como a violência doméstica e familiar contra a mulher. Deve prevalecer o respeito a diversidade e a diferença, com um tratamento diferenciado aos mais vulneráveis para sanar sua vulnerabilidade. E as pesquisas demonstram a necessidade de tratamento especial às mulheres vitimadas por este tipo de violência.


As discriminações positivas visam compensar desvantagens não só históricas como revelam recentes dados estatísticos, uma mulher a cada 15 segundos é vítima de agressão em seu próprio lar, o motivo, não ter passado a camisa direito, queimado o arroz, estar de conversa com o vizinho, por falha na execução de alguma atividade atribuída ao gênero feminino no âmbito doméstico e na qualidade de esposa, por ser mulher e o homem querer demonstrar sua força, as equalizações tornam-se necessárias para a satisfação e identidade do Estado Democrático de Direito no alcance da justiça e igualdade consagrada na Constituição.


O princípio da igualdade só seria ferido caso a lei não buscasse uma finalidade constitucional e acolhida pelo direito e não tivesse uma justificativa objetiva e razoável, ainda que, o discrímen sexo somente pode ser utilizado para atenuar os desníveis e não para desnivelá-los materialmente se estiver gozando das mesmas condições, o que não ocorre com a violência doméstica.


Diversos doutrinadores como Rogério Sanches Cunha, Ronaldo Batista Pinto, Sérgio Ricardo de Souza, Alexandre de Matos Guedes, Vitor Frederico Kümpel, dentre outros seguem essa corrente e como bem conclui Maria Berenice Dias ao falar das justificativas da lei:


“Justificativas não faltam para que as mulheres recebam atenção diferenciada. O modelo conservador da sociedade coloca a mulher em situação de inferioridade e submissão tornando-a vítima de violência masculina. Ainda que os homens também possam ser vítimas de violência doméstica, tais fatos não decorrem de razões de ordem social e cultural. Por isso se fazem necessárias equalizações para meio de discriminações positivas, medidas compensatórias que visam remediar as desvantagens históricas, conseqüências de um passado discriminatório”[24] (grifo nosso).


A Lei 11.340/2006 veio para sanar a necessidade e conveniência de dar um tratamento diferenciado para a efetiva realização da justiça e igualdade consagrada na CF, para possibilitar à mulher o direito à sua integridade física, psíquica, sexual, patrimonial e moral, sem vergonhas e crente na aplicabilidade da justiça, tendo o conforto de ser tratada dessa maneira no mesmo patamar de igualdade com o homem, sem medo e confiante em si.


O Poder Público deve garantir a todos os indivíduos que sua dignidade seja respeitada e a sociedade deve zelar pela sua efetividade e a mulher neste contexto tem sido vítima em sua dignidade pela manifestação de relação de poder historicamente desigual entre os sexos no âmbito doméstico.


CONCLUSÃO


A igualdade de gênero não será construída enquanto um subjugar o outro, tendo o masculino realizado esse comportamento ao longo dos anos. A violência sofrida pelo sexo feminino de forma física, psicológica, patrimonial, social e cultural contribui para o aumento da lacuna das condições de igualdade entre homens e mulheres.


Essa violência é um vício de formação. Sua existência é cultural, proveniente de todas as sociedades patriarcais, que reserva às mulheres o âmbito doméstico para sua atuação, tendo surgido paralelamente com a origem da entidade familiar, com o homem na figura de provedor e administrador da família, era a cabeça dessa entidade, como reforça a tradição judaico-cristã, ao ilustrar a criação da espécie humana e a edificação da família no antigo Testamento.


Assim, a mulher tem dificuldades de reação e mudanças, já que a primeira batalha ela enfrenta nos ensinamentos que adquiriu durante a vida;, como modificar tão facilmente um ato original que ocasionou aos demais, àquilo que recebeu durante os primeiros anos da vida. Sendo um produto da sociedade, as assertivas que lhe são embutidas ali permanecem e se difundem.


No espaço doméstico, reside a dificuldade do reconhecimento da violência. Numa relação de proximidade, dependência e convivência, a violação dos direitos humanos das mulheres nem sempre é reconhecido como violência, não sendo um comportamento praticado por estranhos, mas sim pelo companheiro, atos considerados “normais” entre os casais, comum, como algo corriqueiro e sem importância.


A Lei Maria da Penha veio para corrigir essa desigualdade social, equilibrar a balança da convivência e obrigações domésticas na sociedade brasileira, pois se faz justa essa discriminação positiva para remediar as desvantagens históricas e discriminatórias sofridas pelas mulheres, é uma medida compensatória para atenuar um desnível secular, atendendo aos princípios da igualdade, da dignidade da pessoa humana, da proteção e da proporcionalidade, além de acolher aos métodos de interpretação sociológica, axiológica, teleológica e histórica da norma.


O agressor por ser fruto da mesma formação distorcida, conceitos de superioridade, de posse, incutidos desde a infância, o que desencadeou na agressividade dominante à companheira, sua principal vítima, também precisa de atenção.


Este comportamento iguala o ser humano a um objeto, precisa-se repensar os valores que são atribuídos aos homens, pois antigamente, ser homem era razão de orgulho, ser honrado, hoje, os jovens propagam que matando, espancando, sendo oportunistas, conseguirão o que deseja. Porque será que o homem não pode chorar? Assim, têm-se um problema que precisa ser sanado com a mudança de comportamento.


Precisa-se dar às vitimas um acesso digno à justiça, com a tutela integral oferecida pela nova norma, de forma preventiva, protetiva, assistencial e até repressiva para garantia da igualdade e da cidadania. A norma não resolve tudo, é necessário o respeito aos direitos das mulheres e sua inserção equitativa à atuação dos homens, com os mesmos salários, prerrogativas e obrigações. É preciso utilizar a lei além do seu aspecto criminal e processual, cuidar do aspecto emocional e psicológico do autor e da vítima, tanto do homem quanto da mulher.


A Lei surgiu para dar oportunidade e coragem as mulheres que sofriam caladas não porque gostavam de apanhar ou que são propriedades do homem, se calavam porque sua dignidade estava ferida, machucada pela humilhação e pelo descrédito depositado nas leis de um Estado que nada fazia para ampará-la, vendo no Estado democrático a igualdade em direitos como um sonho distante que se tornou mais possível em agosto de 2006.


A desigualdade é uma realidade e a disparidade continua a ser um desafio a todos os Estados e paralelamente aumenta os índices de violência contra a mulher. Para se alcançar a igualdade entre o homem e a mulher é necessário modificar o papel tradicional de ambos na sociedade e na família e a Lei Maria da Penha veio pra contribuir e auxiliar nessa mudança.


Para que esta mudança ocorra é necessária a participação de toda a sociedade, a começar dentro dos lares, na formação da criança, seja menino ou menina, na escola, nas brincadeiras de rua, nos diálogos de pai e mãe e principalmente na conscientização individual. Na atuação do Poder Público, nesse primeiro momento com a criação e promoção de programas que re-eduquem aos agressores, na criação de casas abrigos, redes de atendimento as mulheres vitimadas e principalmente nas decisões do poder judiciário e atuação dos operadores do direito que deverão agir livres de preconceitos, de forma dinâmica e atenta a cada particularidade apresentada, proporcionando o respeito e a credibilidade que a vítima merece.


Já que uma sociedade justa não se firma apenas pela imposição de leis, e nem essas num passe de mágica proporcionará igualdade nas relações, para a construção desta sociedade o ser humano deve ser valorizado o que propiciará a igualdade entre homens e mulheres e observar-se-á como ensina Marilene Silveira Guimarães, que igualdade não se decreta, se constrói. A partir daí, sem a violência contra a mulher ter-se-á um Estado completo e civilizado, onde as mulheres possam desfrutar do direito a uma vida sem violência.


 


Referências

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Notas:

[1] MORGADO, Belkis. A solidão da mulher bem-casada. p.09.

[2] STREY, Marlene Neves. Mulher, gênero e representação. In _________. Mulher estudos de gênero, p.88.

[3] MORGADO, Belkis. Op. cit., p.06.

[4] STREY, Marlene Neves. Op. cit. p.87

[5] Idem. Ibidem, p.90

[6] MORGADO, Belkis. Op. cit. p.10-11

[7] PETERSEN, Áurea Tomatis. Homens e Mulheres: enfim, as desigualdades estão acabando? In STREY, Marlene Neves. Mulher estudos de gênero, p.23

[8] MORGADO, Belkis. Op. cit. p.13

[9] BARSTED, Leila de A. Linhares. Mulheres, Direitos Humanos e Legislação: Onde está a nossa cidadania?In SAFIOTTI, Heleieth I. B. & VARGAS, Mônica Muñoz (Org). Mulher Brasileira é assim, p. 240.

[10] Idem, ibidem.

[11] GUIMARÃES, Marilene Silveira. A igualdade jurídica da mulher. In STREY, Marlene Neves. Op. Cit., p. 30.

[12] GUIMARÃES, Marilene Silveira. Op. Cit. p.27.

[13] CUNHA, Rogério Sanches, PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica, p.20.

[14] Glossário sobre violência doméstica. Site copo de leite.

[15] MORGADO, Belkis. Op. Cit., p.20.

[16] SAFFIOTI, Heleieth I.B.Violência de gênero no Brasil Contemporâneo. In _____. Mulher Brasileira é assim, p.153.

[17] CARDOSO, Nara Maria Batista. Mulher e maus-tratos. In STREY, Marlene Neves. Op. Cit., p.127.

[18] SAFFIOTI, Heleieth I. B.. Op. Cit. p.156.

[19] SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários à Lei de Combate a Violência Contra a Mulher, p.13.

[20] DIAS, Maria Berenice. Violência Doméstica e União Homossexual. Disponível em: <http://www.saraivajur.com.br>.  Acesso em: 28 dez.2006.

[21] SOUZA, Luiz Antonio de. Op. Cit., p.33.

[22] CUNHA, Rogério Sanches. Op. Cit., p.28.

[23] Idem, Ibidem, p.27.

[24] DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na justiça, p.56.


Informações Sobre o Autor

Márcio Batista de Oliveira

Especialista em Direito e Processo do Trabalho. Graduado em Direito pela UFMS


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