O crime de obtenção fraudulenta de financiamento em instituição financeira e a prática de estelionato: nota distintiva fundamental

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Resumo: O artigo visa a estabelecer a distinção entre os delitos de obtenção fraudulenta de financiamento e estelionato, máxime no que toca às repercussões atribuíveis a cada uma das tipificações.

Palavras-chave: Financiamento;empréstimo; distinção; Crime Contra o Sistema Financeiro Nacional; Competência.

O presente abreviado estudo tem por escopo a reafirmação do traço distintivo – fundamental e insuperável – entre o delito insculpido no art. 19 da Lei nº 7.492/86 e o delito encartado no artigo 171 do Código Penal. Para além deste aspecto, insta que se examine as consequências radicalmente distintas daí derivadas.

Como é cediço, tal como capitulado no citado artigo 19, é crime contra o Sistema Financeiro nacional a conduta de quem: obtém, mediante fraude, financiamento em instituição financeira. O núcleo central do tipo legal em comento consiste justamente na obtenção fraudulenta de financiamento junto à instituição financeira.

O financiamento deve ser entendido, consoante MARIA HELENA DINIZ, como a:

“(…) operação bancária pela qual o banco antecipa numerário sobre créditos que o cliente (pessoas física ou jurídica) possa ter, com o escopo de emprestar-lhe certa soma e proporcionar-lhe recursos necessários para a realização de certo negócio ou empreendimento, reservando-se o direito de receber de devedores do financiado os créditos em seu  nome ou na condição de seu representante, sem prejuízos das ações que contra ele conserva até a liquidação final.”[1]

Verifica-se a claras luzes que a destinação da verba obtida mediante financiamento é específica e vinculada: o financiamento é obtido para realizar investimento certo e determinado. Financiar nada mais é do que é custear ou suportar as despesas de um certo empreendedor ou determinada empresa industrial, comercial ou agrícola, mediante recursos em dinheiro.[2]

No tocante à matéria, o Banco Central editou a Circular n.º 1.273/87 que instituiu o Plano Contábil das Instituições do Sistema Financeiro Nacional – COSIF, obrigatório para todas as instituições financeiras no Brasil, e definiu, no item 1.6.1.2, a expressão "financiamento":

“Os financiamentos são as operações realizadas com destinação específica, vinculadas à comprovação da aplicação dos recursos. São exemplos os financiamentos de parques industriais, máquinas e equipamentos, bens de consumo durável, rurais e imobiliários”. (grifos nossos)

Ressoa, deste modo, inequívoco o caráter essencial caracterizador do financiamento: a vinculação dos recursos à realização de um certo e determinado investimento. Neste sentido, tendo por baliza o princípio da legalidade máxime no seu corolário da taxatividade, tem-se por fundamental a configuração de financiamento fraudulento para a perfectibilização do crime previsto no artigo 19 da Lei nº 7.492/86.

É dizer: só se imputa o delito contra o Sistema Financeiro quando se trate de efetivo financiamento realizado fraudulentamente. Se a operação financeiro-econômica detém natureza diversa, é possível que se discuta a ocorrência de delito outro, jamais, porém, deste objeto do corrente exame.

Sucede que –  nada obstante a aparente clareza que revolve a matéria – diuturnamente há diversos casos [que divergem de financiamento] em que se imputa enganadamente o tipo legal multicitado. A hipótese mais notória consiste na obtenção fraudulenta de empréstimo perante instituição financeira.

É comum verificar a existência de inquéritos policial e mesmo processos judiciais que tem por finalidade investigar e julgar a prática de crime contra o Sistema Financeiro supostamente realizado mediante a obtenção de empréstimo.  Frise-se, todavia, que empréstimo não se confunde com financiamento, pelo que absolutamente injustificável a miscelânea entre as operações, bem como a derivada inadequação da subsunção dos fatos à norma.

De maneira a aclarar a distinção – fundamental e inolvidável – recém-referida, tome-se por parâmetro a Circular n.º 1.273/87 do Banco Central:

“Os empréstimos são as operações realizadas sem destinação específica ou vínculo à comprovação da aplicação dos recursos. São exemplos os empréstimos para capital de giro, os empréstimos pessoais e os adiantamentos a depositantes”. (grifos aditados)

Retomando-se o quanto abordado previamente, é de se notar que – antipodicamente, ao revés do financiamento – o empréstimo é uma operação realizada sem destinação específica ou vinculada à comprovação da aplicação de recursos. A sua concessão fica ordinariamente vinculada à existência de uma garantia de devolução e um prazo determinado e da forma contratada, mas possui destinação livre.[3]

A premissa fundamental é que se compreenda a distinção existente entre financiamento e empréstimo. Quanto ao ponto: enquanto este tem, quanto ao seu emprego, destinação livre, aquele apresenta-se vinculado ao custeio de determinado empreendimento ou aquisição.[4]

Fundado nesta distinção, não se pode admitir a imputação do crime previsto no art. 19 da Lei nº 7.492/86 quando se tratar de obtenção fraudulenta de empréstimo em instituição financeira, tendo em vista que a elementar normativa financiamento  não fora preenchida. Tal conclusão não significa dizer, porém, que a fraude para a obtenção de empréstimo é atípica. Absolutamente. A referida conduta é passível de configurar o crime de estelionato, previsto no artigo 171 do Código Penal.

Poder-se-ia arguir, ao final deste exame, quanto à relevância da distinção, uma vez que o réu defende-se dos fatos imputados e não da capitulação delitiva – que pode, inclusive, ser alterada até a prolação da sentença condenatória. O aspecto justificante é tão relevante quanto é basilar, qual seja: a competência para processamento e julgamento da ação penal correlata.

Ora, não se deve descurar que, como consta do art. 26 da Lei nº 7.492/86, a ação penal por crime contra o Sistema Financeiro será promovida pelo Ministério Público Federal perante a Justiça Federal. A competência para a apuração do delito previsto no art. 19 da Lei nº 7.492/86 será, pois, sempre da Justiça Federal; a apuração do estelionato, todavia, dá-se geralmente perante a Justiça Estadual – a não ser, é claro, que subsista elemento outro que, em respeito ao art. 109, IV, da Constituição Federal[5], autorize a atração da competência.

Nos casos em que se processa a obtenção fraudulenta de empréstimo como se obtenção fraudulenta de financiamento fosse, mais do que mero equívoca na capitulação delitiva, decorrerá necessariamente a nulidade absoluta da ação penal em razão da incompetência material do Juízo processante, nos termos do art. 564, I, do Código de Processo Penal.

 

Notas:
[1] DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico, p. 557-558.

[2] FRANÇA, Limongi. Enciclopédia  Saraiva de Direito. São Paulo: Saraiva, 1977, p. 434-435.

[3] PRADO, Luiz Regis. Ob cit. P. 210.

[4] TÓRTIMA

[5] Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: (…)
IV – os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral;


Informações Sobre o Autor

Gabriel Dalla

Bacharel em Direito pela Universidade Federal da Bahia. Especialista em Ciências Criminais pelo JusPodivm-Faculdade Baiana de Direito. Mestrando em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia. Coordenador adjunto dos Cursos de Pós-Graduação em Ciências Criminais do JusPodivm/BA, Faculdade Baiana de Direito/BA e Ciclo/SE


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