O Direito da não Autoincriminação no Sistema Jurídico Criminal Brasileiro e Americano

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Richard Riberio Luccas – Advogado, Especialista em Direito Penal, foi membro da Comissão de Direito Criminal da Ordem dos Advogados do Brasil, Professor Universitário, Palestrante, Autor de Livros e Escritor de Artigos Jurídicos, Graduando em Biomedicina.

Resumo: Neste trabalho serão abordadas as principais características e diferenças existentes entre o instituto da não autoincriminação no sistema jurídico no Brasil e nos Estados Unidos da América. Este tema se torna importante para análise frente aos constantes ataques aos direitos fundamentais dos cidadãos, seja durante uma investigação criminal ou durante o processo penal. No Brasil este tema é visto de forma muito mais ampla do que no sistema Norte Americano. O leitor terá a oportunidade de observar como este tema é tratado pela lei e como os tribunais estão se manifestando, possibilitando uma reflexão ampla da necessidade ou não de mudanças em nosso ordenamento legal.

Palavras-chave: Direito Criminal, Direito Comparado, Autoincriminação e Sistema Jurídico Brasil e Estados Unidos.

 

Abstract: In this work, the main characteristics and differences existing between the institute of non-self-discrimination in the legal system in Brazil and the United States of America will be addressed. This issue becomes important for analysis in the face of constant attacks on citizens’ fundamental rights, whether during a criminal investigation or during the criminal process. In Brazil, this theme is seen much more widely than in the North American system. The reader will have the opportunity to observe how this topic is treated by law and how the courts are manifesting, allowing a broad reflection on the need or not for changes in our legal system.

Keywords: Criminal Law, Comparative Law, Self-incrimination and Legal System Brazil and United States.

 

Sumário: Introdução. 1- Sistema Jurídico Criminal Brasileiro. 2- Sistema Jurídico Criminal Americano. Conclusão. Referências.

 

Introdução       

O Estado deve ter limites em seu poder de punir do Estado (jus puniendi), garantindo, desta forma, os direitos fundamentais dos cidadãos. O escopo de atingir a verdade real não justifica plenos poderes ao Estado na produção de prova.

Na Europa Continental em que o sistema inquisitivo era aplicado, permitia-se a aplicação de qualquer meio de prova processual inclusive a tortura. Porém ultrapassada esta época surge o sistema acusatório onde a dignidade da pessoa humana começou a aflorar no processo penal em razão de limites impostas ao Estado-Acusador.

Assim deu início à ideia de que o indivíduo acusado de um crime, teria os direitos e garantias que lhe assegurava a defesa de seus interesses, portanto buscava-se direito penal dos fatos e não do autor. Nasce, a partir daí, o direito da não autoincrimição, “jus commune, nemo tenetur se detegere”.

Este direito não foi contemplado, de uma maneira igualitária em seu tratamento, com relação aos Estados que o reconhece. Neste sentido, o direito brasileiro assegura a garantia da não autoincriminação para todos os tipos de provas sejam testemunhas, documentais e outras, porém o sistema jurídico americano entende de maneira diversa e por isso há algumas situações em que não se pode invocar tal garantia.

Pretende-se, portanto, neste trabalho, analisar algumas características deste princípio não só no direito brasileiro mas também no sistema jurídico criminal americano.

 

  1. Sistema Jurídico Criminal Brasileiro

O acusado ou investigado de ter praticado um crime tem o arbítrio de colaborar ou não com a justiça e não poderá ser obrigado a confessar ou produzir prova que possa ser utilizada em seu desfavor. Este direito aplica-se tanto na fase administrativa-policial ou judicial e pode ser suscitada pela defesa uma vez que faz parte da presunção da inocência, pois o agente acusador deve provar que o indivíduo praticou o ato contrário à norma penal.

No ordenamento jurídico brasileiro, o princípio da não autoincriminação tornou-se amplo, pois,  assegura ao indivíduo de não prestar compromisso em dizer a verdade no momento de seu interrogatório, poder calar-se sem qualquer prejuízo, o direito de não entregar documentos, recusar-se de produzir material grafotécnico, não fazer o exame do bafômetro, recursar-se de participar de reconhecimento ou acareação dentre outras situações que o resultado poderá incrimina-lo.

Vemos que no Brasil, o escopo central é frear o abuso do órgão acusador para assegurar um devido processo legal, inclusive, protegendo a ampla defesa. Acusado ou investigado não poderá ser obrigado a fazer ou deixar de fazer algo que possam ser usados contra ele em procedimentos criminais, sob pena de nulidade em razão de obtenção de prova ilícita.

Algumas questões sobre o princípio da não autoincriminação estão, de certo modo, pacificadas nos tribunais por força do texto da Constituição Federal, art. 5°, LXIII, “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado”. [1]

A presunção de não culpabilidade trazido pela CF-88 em seu artigo 5º, LVII, “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” [2]., nesta norma constitucional é apresentado que o ônus da prova incumbe à acusação e portanto o acusado ou investigado não tem o dever de auxiliar na produção de prova contra si mesmo.

Não poderá existir obrigatoriedade para o réu em responder perguntas, confessar, dizer a verdade ou praticar qualquer ato que possa ser utilizado durante a instrução penal e sirva de elementos probatórios para reforçar a acusação ou que de qualquer modo traga prejuízo jurídico para ele.

O ordenamento jurídico brasileiro não faz distinção, separação ou escalonamento de qualquer natureza com relação ao exercício do direito da autoincriminação ou não, isto é, o indivíduo pode invocar tal direito para qualquer situação durante o inquérito ou instrução penal, seja um direito testemunhal como ficar em silêncio e não responder às perguntas formuladas, ou atos físicos como negar em doar seu sangue, negar em fazer o exame etilômetro (bafômetro) ou qualquer outro que possa ter resultado como prova contra ele.

Ocorre que algumas questões ainda trazem muitas controvertidas e dúvidas sobre sua constitucionalidade como é o caso da lei n° 12.654/2012 que trouxe uma inovação em seu artigo 9º-A quando determina a extração compulsória de material genético de determinados condenados.

“Art. 9º-A. Os condenados por crime praticado, dolosamente, com violência de natureza grave contra pessoa, ou por qualquer dos crimes previstos no art. 1º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, serão submetidos, obrigatoriamente, à identificação do perfil genético, mediante extração de DNA – ácido desoxirribonucleico, por técnica adequada e indolor.” [3]

Em uma análise mais prática, caso o condenado nego a extração de seu material genético, ou por outra norma e situações diversas negue em fazer algo que venha a trazer prejuízo criminal, estaria ele na iminência de poder ser processado pelo crime de desobediência capitulado no artigo 330 do Código Penal?

A resposta para tal arguição poderia ser negativa ante o princípio segundo o qual ninguém é obrigado a se autoincriminar (nemo tenetur se detegere) de origem constitucional contra a autoincriminação e no direito do acusado de permanecer calado sem ser coagido a produzir provas contra si mesmo.

Portanto, o direito da não autoincriminação deve ser aplicado de forma irrestrita aos processos penais.

 

  1. Sistema Jurídico Criminal Americano

O direito da não auto incriminação, no sistema jurídico americano, está consagrado na V emenda à Constituição e aplica-se à todos os níveis do governo, (federal, estadual e local), quando envolve cidadão ou residente nos Estados Unidos da América, porém há controvérsias sobre sua aplicabilidade para os não cidadãos ou indivíduos que não residam naquele país.

Popularmente conhecido como “Pleading the Fifth” ou “Suplicando pelo Quinto”, é o termo utilizado para requerer as garantias contidas na quinta emenda, dentre elas o direito de não auto incriminação, portanto quando a pessoa for levada em custódia ou for testemunhar poderá invocar tal garantia constitucional e com isso poderá recusar-se a responder todas as perguntas feitas para ela tanto na fase de investigação (policial) ou judicial. Note-se que, quando requerido, a pessoa não poderá escolher qual pergunta irá responder e qual não responderá, ela deverá calar-se de toda e qualquer pergunta, caso decida responder qualquer questionamento será considerado como renunciado o direito contido na quinta emenda e portanto seu depoimento será válido, mesmo que suas palavras venham a trazer auto incriminação.

 

A emenda proposta pelo Congresso em 1789:

 

“No person shall be held to answer for a capital, or otherwise infamous crime, unless on a presentment or indictment of a Grand Jury, except in cases arising in the land or naval forces, or in the Militia, when in actual service in time of War or public danger; nor shall any person be subject for the same offence to be twice put in jeopardy of life or limb; nor shall be compelled in any criminal case to be a witness against himself, nor be deprived of life, liberty, or property, without due process of law; nor shall private property be taken for public use, without just compensation.”[4]

 

“Nenhuma pessoa será responsabilizada por uma pena capital, ou outro crime infame, a menos que em uma apresentação ou acusação de um Grande Júri, exceto em casos surgidos nas forças terrestres ou navais, ou na Milícia, quando em serviço real a tempo de Guerra ou perigo público; nem qualquer pessoa estará sujeita à mesma ofensa e por duas vezes em perigo de vida ou integridade física; nem será compelido em qualquer processo criminal a ser testemunha contra si mesmo, nem ser privado da vida, da liberdade ou dos bens, sem o devido processo legal; nem a propriedade privada será levada ao uso público, sem justa compensação.”

 

Historicamente e de grande relevância jurídico-criminal foi o que ocorreu nos tribunais americanos e ficou conhecido como o caso Miranda contra o Estado do Arizona. Este processo ratificou e determinou regras de procedimentos antes dos interrogatórios, notadamente nos departamentos policiais.

 

Caso: Miranda contra Arizona “(384 US 436) .1966”

 

Ernesto Miranda foi preso, em 13 de março de 1963, pelo departamento de polícia de Phoenix por ser suspeito de sequestrar e estuprar uma mulher de 18 anos de idade. Mirando tinha um histórico de problemas mentais e não havia completado o nono ano escolar.

Conduzido para o departamento policial, foi levado até a sala de interrogatório sem acompanhamento de advogado ou defensor público, além de não ter sido informado sobre seus direitos constitucionais. Foi apresentado um formulário no qual pediram para que ele escrevesse sua confissão que já havia feito oralmente, frisa-se que ele não foi informado de seu direito de permanecer calado, nem foi informado de que suas declarações durante o interrogatório seriam usadas contra ele. Permaneceu naquele ambiente por 2 horas e ao término deste período, a polícia apresentou uma confissão do crime assinada por Miranda onde existia inclusive, afirmações digitadas à máquina: “Juro que faço esta declaração voluntariamente e por minha própria vontade, sem ameaças, coerção ou promessas de imunidade, e com pleno conhecimento dos meus direitos legais, entendendo que qualquer declaração que eu fizer pode ser usada contra mim. “[5]

O caso foi levado para julgamento tendo como base probatória a confissão escrita feita na fase policial, sendo que quando este documento foi apresentado no tribunal a defesa fez arguição de que a confissão escrita não foi feita de forma voluntária requerendo sua exclusão dos autos, porém o requerimento foi negado e ao término do julgamento Miranda foi condenado à 20 a 30 anos de prisão para cada crime simultaneamente (sequestro e estupro).

A defesa apelou para a Suprema Corte do Arizona com os fundamentos de que a confissão obtida pelo departamento policial era inconstitucional e não deveria ter sido admitida no processo, porém o tribunal recursal confirmou a decisão de primeira instância mantendo a condenação.

O advogado de defesa, John P. Franck[6], apelou para a Suprema Corte dos Estados Unidos, e em uma decisão histórica, houve a modificação da sentença por 5-4, onde o  Chefe de Justiça Earl Warren[7] , determinou que a promotoria não poderia apresentar a confissão de Miranda como prova em um julgamento criminal porque a polícia não havia informado Miranda sobre seu direito a um advogado e sobre a auto incriminação. O dever da polícia de dar essas advertências é imposto pela Quinta Emenda da Constituição , que dá ao suspeito o direito de recusar “ser testemunha de si mesmo”, e pela Sexta Emenda, que garante aos réus criminais o direito a um advogado.

Sexta Emenda Constitucional dos Estados Unidos da América:

 

“In all criminal prosecutions, the accused shall enjoy the right to a speedy and public trial, by an impartial jury of the State and district wherein the crime shall have been committed, which district shall have been previously ascertained by law, and to be informed of the nature and cause of the accusation; to be confronted with the witnesses against him; to have compulsory process for obtaining witnesses in his favor, and to have the Assistance of Counsel for his defence.” [8]

 

“Em todos os processos criminais, o acusado terá o direito a um julgamento rápido e público, por um júri imparcial do Estado e distrito em que o crime foi cometido, distrito que deve ter sido previamente determinado por lei, e ser informado de a natureza e a causa da acusação; ser confrontado com as testemunhas contra ele; ter processo compulsório para obtenção de testemunhas em seu favor e ter o auxílio de um advogado para sua defesa.”

 

Fundamentou também que o direito da não autoincriminação faz parte do ordenamento jurídico há muito tempo e tem objetivo também de afastar a vulnerabilidade de uma detenção. Caso isso não seja reconhecida poderá aparecer abusos do governo. Sustentou também que a falta de observância de direitos contidos na constituição pode ensejar falsas confissões. O direito do réu a um advogado é um direito igualmente fundamental, porque a presença de um advogado nos interrogatórios, pode permitir que o investigado ou réu conte sua versão sem medo.

Portanto, com o escopo de proteger direitos fundamentais do investigado ou acusado, o Tribunal determinou que a polícia, no momento da detenção de um indivíduo e antes de seu interrogatório, ele seja informado de seus direitos, quais sejam, de permanecer em silêncio, de ter um advogado e permitir o acesso à um defensor para que o acompanhe durante o interrogatório, e de que tudo que ele disser poderá e será usado contra ele no tribunal.

No caso Ernesto Miranda esses direitos foram-lhe omitidos, razão pela qual a Suprema Corte dos Estados Unidos entendeu que sua confissão foi inconstitucional e por isso sua condenação foi modificada, anulando o julgamento, desta decisão surgiu o termo “Direitos Miranda”.

Com a decisão da Suprema Corte, foi feito novo julgamento sem a observância de sua confissão e ele foi condenado pelos mesmos critérios de pena, 20-30 anos.

 

Autoincriminação Física e Testemunhal

 

Por uma leitura literária dos direitos da não autoincriminação, contido na quinta emenda, vemos claramente que tal dispositivo constitucional assegura que o indivíduo não produza prova contra si porém de cunho testemunhal, senão vejamos;”(…)nem será compelido em qualquer processo criminal a ser testemunha contra si mesmo (…)”.

No momento de seu interrogatório, na delegacia ou durante o processo, a pessoa poderá fazer uso de suas garantias constitucionais e não prestar seu depoimento, fazendo prevalecer os Direitos Miranda e a quinta emenda. Como já citado anteriormente o acusado que optar por não testemunhar, não poderá escolher a pergunta para responder conforme seu bel prazer, deverá permanecer em silêncio durante todo o procedimento.

As testemunhas também poderão fazer uso do direito contido na quinta emenda, porém, poderão optar, de forma seletiva, quais as perguntas que irão responder e quais não irão, além disso e diferentemente dos réus, as testemunhas podem ser obrigadas a testemunhar geralmente por força de uma intimação.

Em se tratando de outros meios de prova diversos da prova testemunhal, tais como exames grafotécnicos, sangue, DNA ou impressões digitais, não estão alcançados por essa norma constitucional, sendo assim, o indivíduo não poderá invocar o direito da não autoincriminação, podendo o juiz determinar a apresentação ou a realização de tais meios de provas, mesmo que estes sejam utilizados em contra o indivíduo.

Com a evolução da tecnologia, novas situações aparecem no meio jurídico e os tribunais acabam por lançar suas decisões sobre tais temas utilizando todos os ensinamentos necessários para dar uma resposta à sociedade, é o que ocorreu no caso em MinnesotaState v. Diamond , 2017 WL 163710 (2017) [9].

Ao retornar em sua casa, uma senhora verificou que foi vítima de furto, sendo eles objetos pessoas, como jóias, eletrônicos e cofres. Após uma prévia investigação os policias encontraram o suspeito do crime e prenderam Diamondon. Foi feita a apreensão de sapatos e um celular que estava em pose do suspeito. Os policiais obtiveram e executaram mandados para apreender os sapatos e o celular de Diamond. Além disso, eles obtiveram um mandado de busca no conteúdo do celular. Mas eles não podiam pesquisar seu conteúdo porque o celular exigia uma impressão digital para desbloqueá-lo. Foi determinado que Diamond desbloqueasse seu aparelho celular por meio de sua impressão digital, porém este se recusou, afirmando seu privilégio da Quinta Emenda contra a não autoincriminação.

O tribunal distrital concluiu que obrigar a impressão digital de Diamond não violaria o privilégio da Quinta Emenda porque incitar a produção da impressão digital não exigiria o uso de sua mente. Consequentemente, ele ordenou que Diamond fornecesse uma impressão digital ou digital, conforme considerado necessário pelo Departamento de Polícia, para desbloquear seu telefone celular apreendido. Diamond continuou com o objetivo de não fornecer a impressão digital necessária para desbloquear o telefone. No entanto, ele finalmente desbloqueou o celular com impressão digital no tribunal após ser detido por desacato civil e alertou sobre a possibilidade e as consequências do desacato criminal. Os policiais usaram um software de análise forense para pesquisar e extrair os dados do celular, incluindo registros de chamadas e mensagens enviadas e recebidas do celular. O “datashowed” comunicação frequente de Diamond no dia do crime. Durante o julgamento do júri, o tribunal distrital admitiu as mensagens e registros de chamadas da busca do celular. O tribunal também admitiu evidências acusatórias não relacionadas ao conteúdo do celular, que mostraram que Diamond havia cometido o crime. Essas evidências incluíram uma análise dos sapatos de Diamond, que correspondiam às pegadas encontradas na cena do crime; registros da torre de celular que o colocaram na área do crime no momento relevante; registros da casa de penhores; e testemunho. O júri considerou Diamond culpado pelo crime.

Após recurso da defesa o tribunal validou este julgamento mantendo a sentença e concluiu que fornecer uma impressão digital não era privilegiado pela quinta emenda por não se tratar de prova testemunhal.

Outra situação peculiar foi o que ocorreu no caso “State vs Stahl  WL 7118574 (2016)” [10], onde Stahl foi acusado de vídeo voyeurismo, pois a vítima afirmava que estava fazendo compras em uma loja quando observou um homem agachado com o que ela acreditava ser um celular na mão. Ela viu que a tela do celular estava iluminada. Ela então observou o homem com o braço estendido, segurando o celular sob sua saia. A vítima o confrontou e o homem disse a ela que havia deixado cair o celular. Enquanto gritava por ajuda, a vítima tentou deter o homem, mas ele conseguiu se libertar e fugir da loja antes que a ajuda chegasse. O vídeo de vigilância da loja confirmou que o homem se agachou com um dispositivo iluminado na mão, movendo-o em direção à vítima saia. Também mostrava o homem saindo da loja e entrando em um veículo no estacionamento. Usando o número da placa do veículo, a polícia identificou Stahl como o proprietário registrado do veículo e obteve a foto de sua carteira de motorista. A polícia identificou Stahl positivamente como o homem no vídeo de vigilância. Stahl foi preso, mas um celular não foi encontrado com sua pessoa. Durante uma entrevista com a polícia, Stahl admitiu estar na loja, negou ter tirado imagens inadequadas e concordou verbalmente com uma busca em seu celular, localizado em sua residência. Depois que os policiais recuperaram o celular da residência de Stahl, ele retirou seu consentimento para fazer uma busca no telefone. No dia seguinte, a polícia pediu um mandado de busca para o conteúdo do celular de Stahl. No entanto, o Estado não foi capaz de executar o mandado e visualizar o conteúdo do telefone porque o celular de Stahl tem uma senha e ele se recusou a fornecer a senha às autoridades. Como resultado, o Estado entrou com uma moção para obrigar a produção da senha.  O Estado alegou que não há Quinta Emenda implicação em obrigar Stahl a dar aos oficiais a senha neste caso. Na audiência sobre a moção do Estado para obrigar, nenhum dos lados apresentou testemunho ou prova; apenas o argumento foi apresentado.

O tribunal concluiu que o privilégio da Quinta Emenda contra a autoincriminação se aplicava de forma que Stahl, sendo assim, ele não poderia ser obrigado a apresentar a senha. Os argumentos lançados, dentre outros foi de que para que ele entregasse a senha ele deveria fazer pensamentos, vez que a senha se encontrava em sua mente, e, portanto, tratava-se de uma prova testemunhal sendo possível o direito da não autoincriminação.

Podemos observar duas vertentes nos casos exemplificativos acima, uma é de que se um aparelho, seja celular ou computador, for protegido por senha que envolve impressão digital o Estado poderá afastar a aplicabilidade do direito da não autoincriminação, porém se a proteção for por senha que deva ser digitada (alfa numérica) , tal direito será assegurado.

Exigir que um suspeito “desbloqueie” um telefone ou forneça aos policiais uma impressão do “dedo que desbloqueia” um telefone pode implicar na Quinta Emenda, porque tal ordem exigiria que o suspeito decidisse qual dedo usar e assim para compartilhar o conhecimento do suspeito sobre qual dedo opera o sensor ou qual dedo está a codificado no aparelho, logo ele deverá usar sua mente para fazer a escolha equiparando tal procedimento como testemunhal.

Assim, o direito americano, especificamente no que diz respeito ao direito de não autoincriminação contido na quinta emenda constitucional, traz regras diferenciadas quanto à prova testemunhal e física, enquanto àquela assegura ao indivíduo sua proteção esta não tem alcance nesta norma.

 

Conclusão

Em comparação entre o direito americano e o brasileiro no que se refere ao princípio da autoincriminação temos que ambos estão elevados ao grau constitucional uma vez que no Brasil é encontrado diretamente no texto originário constitucional no artigo 5º inciso LXIII e no ordenamento jurídico americano encontra-se na quinta emenda constitucional.

Há uma grande e relevante diferença em sua aplicabilidade uma vez que o direito americano “separa” provas testemunhais e provas físicas, esta diferenciação deixa claro que somente poderá invocar tal direito quando envolver prova testemunhal, porém quando envolver provas físicas (sangue, DNA e outras) o direito não poderá ser invocado.

Esta diferenciação não se aplica no direito brasileiro, uma vez que ele é amplo e irrestrito, e para corroborar com isso temos casos em que o réu opta por responder seletivamente quais perguntas entender pertinentes ou se nega em fazer exames de sangue sem ter qualquer prejuízo contra si.

Fato é que ambos os países (Estados Unidos e Brasil) utilizam suas normas e princípios de acordo com a realidade de sua sociedade e nos julgamentos realizados pelas Supremas Cortes Federais, sempre obedecendo o bem comum e o bom senso.

 

Referências

LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal: volume único / Renato Brasileiro de Lima – 5. ed. rev .. ampl. E atual.- Salvador: Ed. JusPodivm, 2017.

 

LOPES JR., Aury. Direito processual penal / Aury Lopes Junior. – 17. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2020.

 

TORON, Alberto Zacharias. Habeas Corpus e o Controle do Devido Processo Legal: Questões Controvertidas e de Processamento do Writ. 2ª ed., revista atualizada e ampliada. Revista dos Tribunais, 2018, p. 64.

 

QUEIJO, Maria Elizabeth. O direito de não produzir prova contra si mesmo (o princípio nemo tenetur se detegere e suas decorrências no processo penal). São Paulo: Saraiva, 2003.

 

[1] BRASIL. Constituição Federal de 1988. Título II dos Direitos e Garantias Fundamentais – Capítulo I Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos. Disponível no site: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso feito em 11 de agosto de 2020.

[2] BRASIL. Constituição Federal de 1988. Título II dos Direitos e Garantias Fundamentais – Capítulo I Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos. Disponível no site: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso feito em 11 de agosto de 2020.

[3] BRASIL. Lei nº 12.654. De 28 de Maio de 2012. Disponível no site: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12654.htm. Acesso feito em 19 de agosto de 2020.

[4] Estados Unidos da América. V Emenda Constitucional. Disponível no site: https://constitution.congress.gov/constitution/amendment-5/. Acesso feito em 20 de agosto de 2020.

[5]   LIEF, Michael S. e CALDWELL, H. Mitchell.  “You Have the Right to Remain Silent”.  American Heritage, August / September de 2006. Disponível no site: https://www.americanheritage.com/you-have-right-remain-silent#1. Acesso feito em 15 de julho de 2020.

[6]  Oliver, Myrna (September 12, 2002). “John P. Frank, 84; Attorney Won Key Decision in 1966 Miranda Case”. Los Angeles Times. Retrieved May 12, 2017. Disponível no site: https://www.latimes.com/archives/la-xpm-2002-sep-12-me-frank12-story.html. Acesso feito em 23 de julho de 2020.

[7] Law Library. “Ernest Miranda”. Disponível no site https://law.jrank.org/pages/12265/Miranda-Ernest-Earl-Warren.html. Acesso feito em 01 de agosto de 2020.

[8] Estados Unidos da América. VI Emenda Constitucional. Disponível no site: https://constitution.congress.gov/constitution/amendment-6/. Acesso feito em 20 de agosto de 2020.

[9] BRENNER, Susan. Second-Degree Burglary, the Cell Phone and the Fifth Amendment. 30 de janeiro de 2017. Disponível no site: http://cyb3rcrim3.blogspot.com/2017/01/. Acesso feito em 2 de agosto de 2020.

[10] PAPPACODA, Joe. The Fifth Amendment And Compelling iPhone Data Decryption: A Judge Orders Your Client To Reveal Their iPhone Password To The Police In Order To Download Data On The iPhone Under ‘The Foregone Conclusion Doctrine’, And You Say Isn’t That A Fifth Amendment Violation? Can Your Client Be Compelled to Assist Police For Their Own Criminal Investigation And Prosecution? An Article Explaining Why Your Client’s 5th Amendment Rights Are Implicated. 18 de setembro de 2018. Disponível no site: https://www.virtuallitigationparalegal.com/single-post/2018/09/14/A-Judge-Orders-Your-Client-To-Reveal-Their-iPhone-Password-To-The-Police-Under-The-Foregone-Conclusion-Doctrine-And-You-Say-Isnt-That-A-Fifth-Amendment-Violation-Can-Your-Client-Be-Compelled-To-Assist-Police-Their-Own-Criminal-Investigation-And-Prosecution-An-Article-Explaining-Why-Your-Clients-5th-Amendment-Privilege-Can-Be-Implicated-But-Only-With-iPhone-Passcode-Protected-And-Encrypted-Cell-Phone-Data. Acesso feito em 01 de agosto de 2020.

 

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