O falso pragmatismo de aumento de pena

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Resumo: O presente artigo trata-se de uma maneira diferente de avaliar o tipo penal e sua aplicação, trazendo uma visão que defronta os conceitos pragmáticos e normalmente aceitos acerca de imposição de penalidades.[1]

Palavras-chave: Direito Penal. Tipos Penais. Direitos Humanos. Aplicação do Poder Estatal.

Abstract: This article refers to a diferent way to valeu the penal type and its aplication, bringing a vision that faces the pragmatics ideas and normally accepted around the penalties imposition.

Keywords: Criminal Law. Criminal types. Human Rights. Application of State Power.

Sumário: 1. Conceito de Direito Penal e distinção entre Direito Penal e Poder Punitivo do Estado. 2. Conceito de Pena e sua função. 3. A equivalência das penas brasileiras comparadas a de outros países. 4. Teoria do poder e sua aplicação. 5. Da ineficácia do atual sistema.

Introdução: Pensando alto sobre questões penais

Com uma população carcerária composta por cerca de 500 mil pessoas[2], um código penal de 1940, desrespeito ao principio da dignidade humana[3], sendo esta realidade do sistema penal brasileiro, propõe-se uma nova maneira de pensar.

As diminuições das tipificações penais e das penas, com sua aplicação correta, observando os princípios da dignidade humana e principalmente visando a ressocialização, não só é uma forma de valorização do direito penal, mas um sim aquilo que é mais importante, a vida e a liberdade de um brasileiro.

Busca-se com tal digressão romper com o paradigma que o aumento de pena teria como consequência a diminuição da criminalidade quando tal situação somente agravaria o problema da violência social. Propõe-se uma ideia contraria.

1) Conceito de Direito Penal e distinção entre Direito Penal e Poder Punitivo do Estado.

Antes de iniciar a questão proposta é necessário conhecer de alguns conceitos relacionados à ideia de função social da pena e o que significa Direito Penal.

Entende-se por Direito Penal: Ciência que visa buscar a hermenêutica correta, visando estabelecer a devida orientação aos juízes, em suas decisões, com intuito de conter ou reduzir o poder punitivo, impulsionando assim o progresso do estado constitucional de Direito[4]. Nas palavras de Claus Roxin.

’’Se quiséssemos consagrar numa só frase o sentido e limites do direito penal, poderíamos caracterizar a sua missão como proteção subsidiária de bens jurídicos e prestações de serviços estatais, mediante prevenção geral e especial, que, salvaguarda a personalidade no quadro traçado pela medida da culpa individual. [5]

Em se tratando do conceito de Direito Penal tornar-se comum confundir, este, como uma parte, um objeto; A lei penal. Como já dito acima, trata-se de uma ciência que visa a dar aos juízes a hermenêutica correta da norma, limitando assim o poder punitivo do estado, logo não se confunde Poder Punitivo com Direito Penal. Nas palavras de José Rafael Carpentieri

‘’No caso do direito penal, a utilização desse termo como definição de uma ciência não pode se confundir com uma parte do objeto, a lei penal. A definição imprecisa resulta na confusão entre um saber ou discurso produzido pelos juristas e a legislação penal, que constitui um ato do poder politico. Não se deve confundir direito penal com poder punitivo. ’’[6]

2. Conceito de Pena e sua função.

A todo sujeito que por alguma razão pratica uma conduta que foge da normalidade social, é imposta uma sanção. Essa sanção é conhecida como pena, que tem por objetivo a reflexão e a correção do fato praticado por tal sujeito, Assim confirma Beccaria em sua obra Dos Delitos e das Penas:

"A finalidade das penas não é atormentar e afligir um ser sensível (…). O seu fim (…) é apenas impedir que o réu cause novos danos aos seus concidadãos e dissuadir os outros de fazer o mesmo." [7]

Sobre o conceito e função da Pena diz Luiz Flávio Gomes.

A pena ou qualquer outra resposta estatal ao delito, destarte, acaba assumindo um determinado papel”. No modelo clássico, a pena (ou castigo) ou é vista com finalidade preventiva puramente dissuasória (que está presente, em maior ou menor intensidade, na teoria preventiva geral negativa ou positiva, assim como na teoria preventiva especial negativa). Já no modelo oposto (Criminologia Moderna), à pena se assinala um papel muito mais dinâmico, que é o ressocializador, visando a não reincidência, seja pela via da intervenção excepcional no criminoso (tratamento com respeito aos direitos humanos), seja pelas vias alternativas à direta intervenção penal’’[8]

Como ilustrado por Luiz Flavio Gomes, a pena em um conceito atual visa principalmente à questão da ressocialização do individuo que cometeu o ilícito penal,  não a sua punição sem reflexão alguma, somente como forma de castigo. Assim se tem a verdadeira aplicação da pena, visando a ressocialização e principalmente respeitando os direitos humanos que é um direito de primazia de todos os povos.

3. A equivalência das penas brasileiras comparadas a de outros países.

Atualmente, tendo em vista todas as questões referentes ao direito, faz-se necessária uma reflexão para o tema ‘’a equivalência das penas’’, ou seja, os modos para os quais as penas são estabelecidas para um determinado delito, como elucida Luiz Eduardo Soares[9]. Um exemplo dessa equivalência seria que para o crime de roubo é estabelecido a pena mínima de quatro anos e máxima de dez anos de reclusão (Art. 157 do código penal). Ainda sobre tal tema afirma Antônio Henrique Graciano Suxberger:

 “A pena consubstancia retribuição da culpabilidade do sujeito, considerada a culpabilidade como decorrente da ideia kantiana de livre arbítrio”. Esse é seu único fundamento e, com amparo nesse argumento, é que se diz que, se o Estado não mais se ocupasse em retribuir, materializar numa pena a censurabilidade social de uma conduta, o próprio povo que o justifica também se tornaria cúmplice ou conivente com tal prática e a censura também sobre o povo recairia’’ [10]

Analisando este fato com leis penais de outros países, tais como Alemanha, que comina uma pena de seis meses a seis anos (§ 249 Strafgesetzbuch) e a França em que sua pena máxima é de sete anos (Art. 312-1 Códe Penal), percebe-se que as penas previstas são mais brandas que no Brasil, que teve sua independência em 1822 e se diz uma republica democrática de direitos. Nas palavras de Luís Greco. 

“Poder-se-ia, assim, de uma perspectiva retributivista, isto é, partindo da teoria segundo a qual a pena se justifica por razoes de justiça, afirmar, que no caso de um brasileiro, a justiça impõe uma pena maior comparado a estrangeiros. A explicação mais natural para essa curiosa tese será     a de que, como a vida do brasileiro vale menos tem-    se de priva-lo de mais anos de vida para satisfazer às exigências de justiça.” [11]

4. Teoria do poder e sua aplicação.

Com base nos estudos feitos por Alysson Mascaro sobre poder, sua teoria e sua aplicação pratica, o modelo brasileiro se caracteriza como sendo ‘’direto’’, ou seja, é imposta diretamente uma sanção Estatal para determinado sujeito que descumpre a lei[12]. Foucault relata que para que o poder tenha uma aplicação correta deve ser aplicado nas marginais, ou seja, impedindo os fatores (observando os dispositivos de dominação e a conexão com os sistemas de poderes locais) e não propriamente dito o ocorrido, pois impedindo os fatores irá se impedir o ocorrido.

“Recapitulando as cinco precauções metodológicas: em vez de orientar a pesquisa sobre o poder no sentido do edifício jurídico da soberania, dos aparelhos de Estado e das ideologias que o acompanham, deve-se orienta-la para a dominação, os operadores materiais, as formas de sujeição, os usos e as conexões da sujeição pelos sistemas locais e os dispositivos estratégicos. É preciso estudar o poder colocando-se fora do modelo Leviatã, fora do campo delimitado pela soberania jurídica e pela instituição estatal.” [13]

A partir dessa premissa observamos que o Estado Brasileiro preocupa-se em punir o ocorrido, aquele que pratica o fato, mas não procura dirimir os fatores que vieram a justificar a incidência do fato. Um exemplo claro é o da republica de estudantes relatado por Luiz Eduardo Soares, que elucida de maneira metafórica o que foi exposto acima.

‘’Um estudante pratica uma conduta diferenciada dos demais atirando um controle remoto na televisão, e todos querem puni-lo expulsando-o, não observando que o mesmo praticou o ‘’fato’’ devido à falta de organização na republica e por forte estresse proveniente do seu trabalho’’. Assim é a nossa realidade penal, pune-se o fato, prevalece o fator. ’’[14]

5. Da ineficácia do atual sistema

Ao se punir o agente do fato típico, o mesmo terá que se deparar com a realidade criminal, esta, com total desrespeito aos direitos humanos e como já dito, a dignidade humana, sistema esse que valoriza a não ressocialização invés da ressocialização[15], o que torna o agente do fato típico um verdadeiro criminoso, não porque cometeu o delito, mas sim pelas condições oferecidas a ele.

O sistema atual é marcado pela ineficácia em se tratando da ressocialização daqueles que cometeram praticas delituosas, retratando uma realidade que esta a cada dia mais longe dos ideais de segurança social. Assim Luiz Flavio Gomes:

‘’Por outro lado, tantos aprisionamentos também não têm evitado a reincidência nem tornado os encarcerados pessoas melhores, tendo em vista as condições indignas e desumanas de sobrevivência nas unidades prisionais (Veja: Relatório do Mutirão Carcerário 2010/2011). Diante desse cenário, surgem as indagações: O que fundamenta e para onde está nos levando todo esse encarceramento massivo, sobretudo de gente que não cometeu crime violento?’’ [16]

O sistema carcerário brasileiro atual vem demonstrando sua fragilidade e sua falta de eficácia, levando assim a reflexão: O aumento das penas e da politica criminal realmente diminuiria a criminalidade? Assim o criminologo norte americano Jeffery:

 “Mais leis, mais penas, mais policiais, mais juízes, mais prisões, significa mais presos, porém não necessariamente menos delitos. A eficaz prevenção do crime não depende tanto da maior efetividade do controle social formal (mais prisões), senão da melhor integração ou sincronização do controle social formal (polícia, justiça, penitenciárias) com o informal (família, escola, fábricas, religião etc.)” [17]

Conclusão

Conclui-se a partir do que foi exposto, que o falso pragmatismo de aumento de pena e aplicação de sofrimentos, nada mais se configura como sendo uma vingança privativa sem nexo e um apoio a velha falácia de que um brasileiro é inferior a outros povos[18]. Ao se punir o agente que viera a praticar o ‘’fato’’ esquece-se do fator, logo não se diminui a criminalidade, apenas a aumenta, e assim consecutivamente a violência social.

A politica de encarceramentos em massa não tem contribuído para a paz social e tão pouco para diminuição das praticas delituosas, o que demonstra que aumento das penas nada tem a contribuir, e sim piorar a ineficácia do atual sistema, que é marcado pela violência e desrespeito aos direitos humanos, retrato este, marcado pela politica do falso pragmatismo do aumento de pena.

 

Referências
Kelsen Hans. Teoria Pura do direito. São Paulo, Martins Fontes, 2006.
MASCARO, Alysson. Filosofia do direito. São Paulo: Atlas. 2010.
SOARES, Luiz Eduardo. Justiça. Rio de Janeiro: Nova Fronteira Participações,  2011.
BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Tradução: Vicente Sabino Júnior. São Paulo: CD, 2002.
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Parte Geral. Volume 1. São Paulo: Saraiva, 2002.
JESUS, Damásio E. de. Direito penal: parte geral. 31. ed. São Paulo: Saraiva, 2010
 
Notas:
 
[1] Trabalho orientado pelo Prof. José Rafael Carpentieri. Mestre em Direito Penal pela Universidade Metodista de Piracicaba. Atualmente cursando Doutorado em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Autor do livro História Crítica do Direito Penal. Professor da Fundação Machadense de Ensino Superior e Comunicação

[2] A população carcerária brasileira passou de 514 mil detentos em dezembro de 2011 para 550 mil em junho de 2012. Os números foram apresentados, nesta quinta-feira (6/12), pelo juiz auxiliar da Presidência do CNJ Luciano Losekann, durante o I Encontro Nacional dos Conselhos da Comunidade, realizado em Brasília. O representante do CNJ propôs que esses conselhos trabalhem não apenas na busca de uma execução penal eficaz, mas também com foco na necessidade de redução da superpopulação carcerária. http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/22552-populacao-carceraria-do-brasil-atingiu-550-mil-presos-em-junho

[3] Dentre as necessidades humanas, a liberdade e a dignidade são elementares. Portanto, diante de um sistema penal essencialmente violador dos direitos humanos e ineficaz na solução de conflitos, o papel do direito penal como discurso cientifico é construir barreiras capazes de conter ou reduzir o poder punitivo. CARPENTIERI, Rafael. História Critica do Direito Penal. São Paulo: safE, 2012.

[4] ZAFFARONI, Eugenio Raúl;ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro.Derecho Penal- Parte Geral. 2. Ed. Buenos Aires: Ediar, 2002.p.5.

[5] ROXIN, Claus. Teoría del tipo penal. Buenos Aires: Delpalma, 1979, p. 83

[6] CARPENTIERI, Rafael. História Critica do Direito Penal. São Paulo: safE, 2012.

[7] BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Tradução: Vicente Sabino Júnior. São Paulo: CD, 2002.

[8] GOMES, Luiz Flávio. Penas e medidas alternativas à prisão: doutrina e jurisprudência. 2. Ed. vol. 1. Verer., Atual. e Ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 40.

[9] A equivalência não se da diretamente entre o mal provocado na vitima por um ato criminoso e o mal a ser provocado na pessoa que cometeu o crime. Até porque a ideia moderna da pena, não é fazer mal para quem fez o mal, mas, pelo contrario, ensinar ao criminoso o caminho do bem, reeducando-o e o afastando da sociedade. Se a equivalência não se dá entre mal e mal, também não se dá entre o crime e a pena, uma vez que o crime não privou a vitima de liberdade por determinado tempo. Portanto não há equivalência entre um e outro, o crime e a pena, quando esta se realiza sob a forma de prisão. SOARES, Luiz Eduardo. Justiça. Rio de Janeiro: Nova Fronteira Participações, 2011.

[10] SUXBERGER, Antônio Henrique Graciano, Legitimidade da Intervenção Penal.Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006; pg 110

[11] Boletim IBCCRIM nº 236 – julho / 2012. Quanto vale a vida de um brasileiro?- um apelo à comissão de reforma do código penal.  Luís Greco.

[12] Para o direito, a visão de Foucault é critica, na medida em que não mais se vislumbra o fenômeno jurídico a partir da relação norma-sujeito, como se o estado e o individuo autônomo e pleno fossem os átomos fundamentais a partir dos quais as combinações jurídicas se realizariam. É nas estruturas de poder que constituem o sujeito – e que permeiam, mais por baixo e mais por alto, o próprio Estado e as normas jurídicas – que se pode localizar a verdade do direito que o direito positivo estatal não compreende. MASCARO, Alysson. Filosofia do direito. São Paulo: Atlas. 2010.

[13] FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1996, p. 186.

[14] SOARES, Luiz Eduardo. Justiça. Rio de Janeiro: Nova Fronteira Participações, 2011.

[15] As duas maiores cidades de Minas GeraisBelo Horizonte e Uberlândia tiveram números de assassinatos similares no ano de 2012, em Uberlândia, o índice foi de 32,95 mortes, considerando a estimativa populacional de 619,5 mil habitantes (IBGE/2012). Já na capital mineira, o índice foi de 33,23 homicídios e latrocínios, enquanto em São Paulo que é a maior cidade do país foram contabilizadas 14,04 mortes para cada grupo de 100 mil moradores.

[16] Gomes Flavio Luiz, Encarceramento Massivo. Revista Consultor Jurídico, 23 de janeiro de 2013.

[17] García-Pablos e Gomes, Criminologia, 2010, p. 344).

[18] Constata-se a partir desses argumentos que o legislador brasileiro ao criar penas altas com intuito de diminuir a criminalidade apenas fortificou o pragmático e aceito conceito de que um brasileiro é inferior penalmente a um estrangeiro, trocando em miúdos: A vida de um brasileiro vale menos. Boletim IBCCRIM nº 236 – julho / 2012. Quanto vale a vida de um brasileiro?- um apelo à comissão de reforma do código penal.  Luís Greco.


Informações Sobre o Autor

João Paulo Salles Pinto

Acadêmico de Direito na FUMESC (Fundação Machadense de Ensino Superior e comunicação)


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