Da viabilidade do benefício assistencial ao deficiente em razão da incapacidade parcial do requerente

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Resumo: A Constituição Federal exige apenas dois requisitos para a concessão do benefício assistencial de que trata o art. 203, inciso V: 1) condição de portador de deficiência ou idoso; e 2) situação de desamparo (não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família). A Lei nº 8.742, de 07.12.1993, ao regulamentar o dispositivo constitucional, estabeleceu, em seu art. 20, § 2º, que para efeito de concessão do benefício assistencial, a pessoa portadora de deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho. O ponto fulcral a ser rebatido neste artigo diz respeito à interpretação do conceito “incapacidade para a vida independente e para o trabalho”. O INSS vem interpretando o referido conceito como “incapacidade para os atos da vida diária”, tendo editado normas internas neste sentido. Todavia, a interpretação dada pelo INSS aos dispositivos legais é equivocada, haja vista que é necessário cotejar a lei com a realidade social.


Sumário: 1) A previsão constitucional do benefício assistencial ao deficiente; 2) Os requisitos exigidos pela Lei n.° 8.742/93; 3) O Decreto regulamentar nº 1.744, de 08.12.1995, e as normas internas editadas pelo INSS; 4) A interpretação equivocada do INSS sobre o conceito de “incapacidade para a vida independente e para o trabalho”; 5) A interpretação jurisprudencial sobre o conceito de “incapacidade para a vida independente e para o trabalho”; 6) O necessário rompimento do paradigma do conceito de “justiça” para a exata compreensão da previsão constitucional da assistência social; 7) considerações finais.


A Constituição Federal exige apenas dois requisitos para a concessão do benefício assistencial de que trata o art. 203, inciso V:


1. condição de portador de deficiência ou idoso; e


2. situação de desamparo (não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família).


Eis o art. 203, V, da CF/88:


“Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: (…)


V – a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.”


Buscou a norma constitucional garantir o benefício assistencial a toda pessoa portadora de deficiência que não possuísse as mínimas condições econômicas de subsistência, seja por recursos  próprios ou pela ajuda de sua família.


O legislador infraconstitucional, ao dispor sobre a organização da assistência social, Lei nº 8.742, de 07.12.1993, estabeleceu, em seu art. 20, § 2º, que para efeito de concessão do benefício assistencial, a pessoa portadora de deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho.


O Decreto nº 1.744, de 08.12.1995, por sua vez, que veio regulamentar o benefício de prestação continuada previsto na Lei n. 8.742/93, estabelece, em seu art. 6º, inciso I, que:


“Art. 6º Para fazer jus ao salário mínimo mensal, o beneficiário portador de deficiência deverá comprovar que: (…)


I – é portador de deficiência que o incapacite para a vida independente e para o trabalho.”


O ponto fulcral a ser rebatido neste artigo diz respeito à interpretação do conceito “incapacidade para a vida independente e para o trabalho”. O INSS vem interpretando o referido conceito como “incapacidade para os atos da vida diária”, tendo editado normas internas neste sentido.


A Orientação Interna/INSS/DIRBEN nº 58/2001, anexo II, publica uma tabela de dados para avaliação de deficiência, entre os quais podemos destacar os seguintes itens: atividades de vida, necessidade ou não de acompanhamento, higiene, alimentação, vestuário, locomoção, instrução, excretores, manutenção permanente de cuidados médicos, de enfermagem ou de terceiros, etc.


Todavia, a interpretação dada pelo INSS aos dispositivos legais é equivocada, conforme se vê a partir da leitura de acórdão de lavra do ilustre Desembargador Federal Antônio Celso Kipper:


“2. A doutrina constitucional, nacional ou estrangeira, é torrencial no sentido de que o legislador, em sua tarefa de concretização, está obrigatoriamente vinculado, antes de mais nada, ao texto constitucional, ou, em outras palavras, o texto constitucional limita a interpretação feita pelo legislador ao concretizar a norma constitucional (KONRAD HESSE). Em conseqüência, o legislador encontra-se vinculado ao conteúdo constitucionalmente declarado dos direitos fundamentais, e se se aparta deste, cabe ao juiz protegê-lo, com o que é o juiz e não a lei a garantia última dos direitos (RUBIO LLORENTE).


3. A Constituição Federal exige apenas dois requisitos no tocante ao benefício assistencial de que trata o art. 203, V: (a) condição de deficiente (pessoa portadora de deficiência) ou idoso e (b) situação de desamparo (não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família). Ou seja, buscou a norma constitucional garantir o benefício assistencial a toda pessoa portadora de deficiência que não possuísse mínimas condições econômicas de subsistência, próprias ou de sua família.


4. A exigência, para a percepção do benefício, de ser a pessoa incapaz para a vida independente, se entendida como incapacidade para todos os atos da vida, não se encontra na Constituição. Ao contrário, tal exigência contraria o sentido da norma constitucional, seja considerada em si, seja em sintonia com o princípio da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III), ao objetivo da assistência social de universalidade da cobertura e do atendimento (CF, art. 194, parágrafo único, I) e à ampla garantia de prestação da assistência social (CF, art. 203, caput). Se aquela fosse a interpretação para a locução incapacitada para a vida independente, constante no art. 20, § 2º, da Lei 8.742/93, o legislador teria esvaziado indevidamente o conteúdo material do direito fundamental da pessoa portadora de deficiência, deixando fora do seu âmbito uma ampla gama de pessoas portadoras de deficiência incapacitante para o trabalho, e, em conseqüência, incorreria em inconstitucionalidade”. (grifos nossos).


Portanto, por incapacidade para a vida independente e para o trabalho deve ser entendida aquela que impossibilita a pessoa portadora de deficiência a prover a sua subsistência pelo trabalho ou por outro meio que não o trabalho, mas que lhe dê independência financeira (incapacidade para a vida independente).


Sendo assim, num caso hipotético, se o periciado apresentar incapacidade laborativa permanente para ocupações que requeiram esforços físicos, não possuindo formação intelectual que garanta a sua recolocação no mercado de trabalho em atividades em que não seja essencial o esforço físico, não poderá ser-lhe negado o benefício assistencial – desde atendido o requisito econômico – sob o argumento que a incapacidade apresentada é apenas parcial.


Com efeito, não podendo exercer atividades que exijam esforços físicos, pouquíssimas são as atividades que podem garantir a subsistência de pessoa que não possua formação intelectual compatível com as exigências do mercado de trabalho.


Ademais, necessário referir que a incapacidade parcial não constitui óbice à concessão do benefício assistencial. Isso ocorre porque é necessário cotejar a lei com a realidade social, não dissociando do sentido que baliza a regra.


Merece referência, sobre o assunto, o seguinte precedente colhido junto ao Tribunal Regional Federal da 5ª Região, no qual se esclarece o sentido social que deve ser cotejado:


“CONSTITUCIONAL E PREVIDENCIÁRIO. AMPARO ASSISTENCIAL. ART. 203, V, DA CF/88. ART. 20, DA LEI N.º 8.742/93. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS À CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. (…) 3. Cuida-se de perquirir, assim, se o ora recorrido teria condições de viabilizar a sua subsistência, a despeito da deformação que apresenta no seu membro inferior direito, com repercussões na sua coluna, a teor das perícias realizadas administrativamente e em Juízo. Embora as perícias tenham concluído pela capacidade plena para as atividades da vida independente e pela capacidade para o trabalho apenas em relação a algumas profissões, creio que a incapacidade para a vida laboral está demonstrada nos autos, exsurgindo o direito ao benefício postulado. Importante observação, que contribui para essa conclusão, diz respeito ao nível de escolaridade do recorrido, consistente apenas em primeiro grau incompleto. Questiona-se, pois, sobre quais atividades poderia o apelado exercitar, não possuindo ele, sequer, o primeiro grau, bem como não tendo ele condições físicas de desempenhar atividades que exijam pegar peso ou mesmo caminhar, haja vista que apenas deambula. É certo que não está presente, in casu, a capacidade para o labor, assistindo, pois, ao deficiente físico, o direito à percepção do salário mínimo, substitutivo da renda que não pode auferir por seu esforço próprio. 4. Pelo não provimento da apelação e da remessa necessária”. (TRF 5ª REGIÃO – AC: 200180000094260 – 2ª Turma – DJ:29/01/2004 – Rel(a). Des. Federal Francisco Cavalcanti) Grifou-se.


Por outro lado, para que se compreenda com exatidão o sentido teleológico da norma constitucional instituidora do benefício de amparo social ao deficiente (art. 203, inciso V, da Constituição da República), torna-se imprescindível abandonar o velho conceito de justiça pregado pela doutrina liberal-capitalista, de caráter eminentemente individualista, pelo qual se concretizaria a justiça dando-se a cada um o que lhe é devido.


O princípio constitucional da solidariedade (art. 3º, inciso I, da Constituição da República) e até mesmo a previsão constitucional da assistência social (art. 203 e 204 da Constituição da República), exigem a evolução para o conceito de justiça social, pelo qual se alcançaria o ideário de justiça dando-se a todas as pessoas não o que lhes pertencer, mas sim o que for necessário para a satisfação de suas necessidades humanas, sob o pilar central do princípio da dignidade da pessoa humana.


Sob esse prisma, a conclusão inarredável a que se chega é que o requisito de incapacidade  para a vida independente e para o trabalho, exigido como condição para a concessão do benefício assistencial ao deficiente, deve ser interpretado não como incapacidade total – aquela que incapacita o indivíduo para todas as formas de trabalho e também para a manutenção de uma vida cotidiana independente – mas apenas como a incapacidade que, observadas as condições pessoais do requerente, tais como a formação intelectual, o meio social em que vive e os limites impostos pela deficiência, o impede de prover a sua própria subsistência.



Informações Sobre o Autor

Jair Soares Júnior

Defensor Público Federal, chefe da Defensoria Pública da União no Mato Grosso do Sul, pós-graduado em Direito das Relações Sociais pela Fundação Escola Superior do Ministério Público/MS e pós-graduado em Direito Militar pela Universidade Castelo Branco/RJ


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