Os fundamentos do auxílio-reclusão

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Resumo: O presente artigo visa analisar o benefício previdenciário denominado auxílio reclusão. O trabalho foi organizado em três capítulos, seguindo um modelo de lógica dedutiva, pois parte sempre de um antecedente geral para um consequente específico. Desse modo, o trabalho analisa as bases morais do auxílio reclusão. Depois, analisa as regras jurídicas do sistema em que está inserido e, por fim, o analisa especificamente. Em arremate, o trabalho demonstra a compatibilidade entre o auxílio-reclusão e a constituição federal.

Palavras-chave: Auxílio-reclusão; Fundamentos morais; Fundamentos jurídicos.

Abstract: This paper is about the previdenciary benefit called reclusion-aid. The paper was organized in three chapters, following a model of deductive logic, because it always begin from a general antecedent to a specific consequent. Therefore, the paper analyzes the moral bases of reclusion-aid. Then the paper analyzes the legal rules of the system in which the reclusion-aid is inserted and, finally, analyzes the benefit specifically. In conclusion, the paper demonstrates the compatibility of the reclusion-aid and the federal constitution.

Keywords: Reclusion-aid; Moral basis; Legal basis.

Sumário: 1. Noções preliminares; 2. A seguridade social; 2.1. A previdência social; 2.2.As características da previdência social; 2.3. Condições da previdência social à luz do regime geral; 2.4. A proteção da família; 3. O auxílio-reclusão; 3.1. Antecedentes históricos; 3.2. O aparato normativo do auxílio-reclusão; 3.2.1. Os beneficiários do auxílio-reclusão; 3.2.2. A contingência; 3.2.3. O início da prestação, suas causas suspensivas e extintivas; Notas conclusivas; Referências bibliográficas.

Introdução

O presente artigo terá por escopo a análise do benefício previdenciário auxílio- reclusão, buscando verificar e compreender seus fundamentos jurídicos e ideológicos, consoante as disposições da Constituição Federal.

O trabalho a ser desenvolvido tem sua importância assentada na necessidade de difusão das regras do benefício previdenciário, buscando, assim, desmistificá-lo, pois, sobre ele, pairam inúmeras opiniões popularescas sobejamente conhecidas e totalmente destituídas de cientificidade jurídica, já que embasadas em argumentos e palpites deduzidos a partir do ranço preconceituoso que está difusamente instalado na sociedade atual, culminado por banalizar uma discussão jurídica e social importante e relevante.

Em virtude de o trabalho abordar e analisar as bases teóricas do auxílio-reclusão, evidenciando suas ideias essenciais, usar-se-á, fundamentalmente, o método dialético de pesquisa. Com isso, o trabalho expressará a opinião assente da doutrina sobre os diversos tópicos que permeiam o tema. Utilizar-se-á também, porém na estrita medida do necessário, os métodos dedutivo e indutivo de pesquisa.

Para cumprir seu intento, o artigo será estruturado em três capítulos. O primeiro capítulo será dedicado à verificação do ambiente jusfilosófico no qual está inserida a ideia do auxílio-reclusão, visando, assim, buscar os seus fundamentos morais. O segundo capítulo será dedicado ao estudo da dogmática do direito previdenciário vigente, buscando demonstrar os elementos jurídico-morais que dão os fundamentos dos benefícios previdenciários, notadamente o auxílio-reclusão. No capítulo três será analisada a disciplina jurídica do auxílio-reclusão, abrangendo as condições para a percepção do benefício.

Por fim, exprimiremos os pontos de conclusão de toda a pesquisa, preconizando que a aplicação do instituto analisado está em consonância com a disciplina constitucional vigente.

1. Noções preliminares

Todo operador do Direito já foi questionado a respeito do benefício previdenciário denominado auxílio-reclusão. Em geral, referidos questionamentos são expressos por indivíduos contrários à sua existência, pois entendem injusto terem de pagar pensão para o preso ou para a sua família. À vista disso, tais indivíduos expressam opiniões popularescas sobejamente conhecidas e totalmente destituídas de cientificidade jurídica, já que tal contrariedade está fincada em argumentos deduzidos a partir do ranço preconceituoso que está difusamente instalado na sociedade atual, culminado por banalizar uma discussão jurídica e social importante e relevante, impossibilitando, dessa maneira, a sua correta compreensão, já que a ideia difundida é falaciosa.

Tendo isso em mira, o presente arrazoado, conforme já afirmado, buscará demonstrar dito benefício previdenciário à luz das regras jurídicas vigentes, visando, assim, retirar o tema do âmbito da lenda urbana para colocá-lo em seu devido lugar, isto é, no rol dos instrumentos de proteção social fornecidos pelo Estado brasileiro, visando, dessa maneira, combater a pobreza extrema e a exclusão social, temas afeitos ao princípio da solidariedade social, consoante a sua disciplina constitucional.

Já aqui é possível identificar o elemento legitimador de referido benefício previdenciário, vez que o Estado brasileiro não é de cariz liberal clássico, tratando-se, ao contrário, de um Estado liberal social (e, por via de consequência, democrático), conforme análise sistemática do Texto Constitucional.

Tal característica é facilmente identificada no artigo 3º da Constituição, que dispõe ser objetivo da República a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; a garantia do desenvolvimento nacional; a erradicação da pobreza e a marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais; a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Conforme conhecimento trivial, o Estado Liberal original, oriundo das revoluções burguesas do século XVIII, prega a liberdade total do indivíduo frente ao Estado, cuja atribuição básica é garanti-la, não podendo ingerir na vida dos indivíduos. Nessa sistemática, os indivíduos devem, por si próprios, buscarem a sua felicidade, sem qualquer intervenção estatal, razão pela qual a marca desse modelo é o absenteísmo total do estatal.

Nesse sentido temos o entendimento de Marcelo Cattoni, segundo o qual a função do Estado Liberal é: “garantir a certeza nas relações sociais, através da compatibilização dos interesses privados de cada um com o interesse de todos, mas deixar a felicidade ou a busca da felicidade nas mãos de cada indivíduo” (2002, p. 55). Desse modo, o Estado não deve se preocupar em promover a distribuição de benesses sociais, pois a ascensão de classe se dá via mercado, conforme ressalta André Ramos Tavares: “havia a concepção de que ao Estado cumpriria cuidar da ordem pública, proporcionando um aparato policial, defendendo as instituições (prestando Justiça) e protegendo-se contra agressões internacionais. O mercado, por seu turno, deveria desenvolver-se livremente, isto é, sem a interferência do Estado, salvo para prestar a necessária segurança e para atuar naqueles setores nos quais não haveria interesse para a iniciativa privada” (2006, p. 47-48).

Evidentemente que esse modelo ruiu, pois, com a crise econômica de 1929 (analisando à luz da crise americana) percebeu-se, cabalmente, que o absenteísmo total do Estado conduz, em momentos de crises, à ruína da sociedade, colocando os indivíduos em situação de miséria extrema.

Visando corrigir tais inconvenientes, os Estados passaram a investir acentuadamente em redes de proteção social, visando evitar, assim, a miséria extrema e a exclusão social daqueles que, pelas adversidades da vida, se veem desprovidos de meios básicos de sobrevivência.

Por essa rede de proteção, o Estado passa a implementar políticas sociais, concedendo benesses aos indivíduos necessitados, concebendo aquilo que ficou conhecido como Estado de bem-estar social (Welfare State), modelo político e filosófico amplamente difundido atualmente.

Nesse diapasão, pode-se asseverar que o principal instrumento de proteção social, no âmbito brasileiro, é a seguridade social, que, segundo Celso Barros Leite, “deve ser entendida e conceituada como o conjunto de medidas com as quais o Estado, agente da sociedade, procura atender à necessidade de que o ser humano tem de segurança na adversidade, de tranquilidade quanto ao dia de amanhã” (2003, p. 17).

 No contexto brasileiro, suas diretrizes estão insculpidas no artigo 194 da Constituição Federal, que dispõe ser a seguridade social um sistema conjunto e integrado de ações de iniciativa do Poder Público e da sociedade, destinadas a assegurar, a todos indistintamente (vide art. 3º da CF) o direito à saúde, à assistência e à previdência social, o fazendo, nos dois últimos casos, fundamentalmente mediante a concessão de benefícios pecuniários, tais como aposentadorias, pensões e auxílios, dentre os quais o tão mal compreendido auxílio-reclusão.

A seguridade social, portanto, está regida pelos valores de bem-estar e justiça social, que são os valores supremos de nossa sociedade (BALERA; 2004, p. 16), daí porque José Afonso da Silva dizer que o Brasil está inserido em um capitalismo social, isto é um capitalismo preocupado com o bem comum, que é “o bem de um comunidade de homens…consiste fundamentalmente, na vida dignamente humana da população ou, em outra palavras, na boa qualidade de vida da população” (MONTORO; 2000, p. 219).

Para garantir o bem comum e a justiça social o Estado brasileiro procura garantir a seguridade social, conceito que abarca os direitos à saúde, à assistência e à previdência social, pautando-se na ideia de solidariedade entre os membros da sociedade, conforme delineado no Texto Constitucional.

Franco Montoro nos dá a ideia de justiça social e bem comum: “justiça social é nome novo de uma virtude antiga – justiça geral ou legal – que Aristóteles detidamente e exaltou nos seguintes termos: ‘Nem a estrela de manhã, nem a estrela vespertina são tão belas quanto a justiça geral’. Velho de mais de 20 séculos, esse conceito é, entretanto, de vigorosa atualidade. Podemos dizer, quando se aproxima do ano 2000, que praticar essa justiça é despertar em nós o sentido social, que um século de individualismo quase destruiu. É considerar-se servidor do bem comum” (2000, p. 213).

Vê-se, pois, que a seguridade social, conceito amplo que abrange, entre outros benefícios e benesses, o auxílio-reclusão, é dever do Estado e ônus a ser suportado pela sociedade, pois somente com ela é possível a construção do bem comum e da justiça social, programas encartados na Constituição Federal.

É nesse ambiente jusfilosófico que o benefício a ser estudado está inserido, de modo que, de partida, as opiniões dissidentes, acerca do benefício objeto deste estudo, são destituídas de fundamento jurídico, vez que sua previsão está amparada constitucionalmente, não sendo considerado favor do Estado ou da sociedade contribuinte, mas sim um dever, um ônus a ser suportado por todos nós, visando à construção de uma sociedade justa e solidária, conforme pactuado em 5 de outubro de 1988.

2. A seguridade social

De modo geral, vimos que a seguridade social é o conjunto de ações do Estado e da sociedade voltada à concretização dos direitos sociais previstos no Texto Constitucional. Cumpre, agora, analisar detidamente no que exatamente ela consiste.

Segundo a sua disciplina constitucional, a seguridade social congrega dois conjuntos de ações: a assistencial e a previdenciária.

Pela ação assistencial, o Estado busca amparar toda e qualquer pessoa, sem qualquer discriminação, em casos de necessidade e para tanto não exige que o beneficiário tenha vinculação com o sistema previdenciário ou que tenha contribuído diretamente para ele. Pode-se dizer, portanto, que a ação assistencial é incondicionada e abarca os direitos relativos à assistência social e à saúde, daí porque, por exemplo, qualquer um de nós, independentemente de qualquer condição, pode usufruir do sistema público de saúde.

Já a ação previdenciária, por seu turno, está inserida num sistema contributivo, no qual fazem jus aos seus benefícios somente os indivíduos inscritos e filiados ao sistema, como ocorre no caso das aposentadorias, por exemplo.

Vê-se, portanto, que a seguridade social visa garantir três grandes conjuntos de direitos: saúde, assistência social e previdência.

Sabemos todos que, por imperativo constitucional, a saúde é direito de todos (caráter universal) e dever do Estado – art. 196 da Constituição – que deve prestá-la em caráter dúplice: medicina preventiva e medicina curativa, visando, assim, a garantia plena da higidez física e mental humana, como condição para a garantia do direito à vida e dignidade. Conforme a dicção dos artigos 197 e 199 da Constituição Federal, as políticas públicas relacionadas à saúde, serão promovidas, implementadas, prestadas e geridas de forma descentralizada pela União, pelos Estados e pelos Municípios, admitindo-se, ainda, a participação de entidades privadas.

Noutro ponto, temos a assistência social – expressão máxima do princípio constitucional da solidariedade social, cuja função é a proteção de todos os necessitados, sem prévia exigência de vinculação e contribuição com o sistema, vez que assentada na ideia basilar, segundo a qual não há sociedade justa e igualitária se alguém está a passar por dificuldades tais que impedem uma vida minimamente digna.

É preciso ter em conta que o Estado Brasileiro tem obrigação de prover o mínimo social e o faz por meio da assistência social, conforme determinação dos artigos 203 e 204 da Constituição Federal. Por esses dispositivos, vê-se que a assistência social tem as seguintes funções: garantia de renda mínima e reintegração à vida comunitária.

É nisso que consiste, em apertada síntese, a rede proteção social que o Estado põe à disposição dos indivíduos.

É preciso, por fim, ressaltar que o benefício objeto deste breve estudo – o auxílio-reclusão – está inserido no âmbito da previdência social. Logo, conforme já demonstrado, temos que tal benefício não é uma graça dada pelo Estado, pois não está contido no contexto dos benefícios assistenciais, mais sim um direito que se adquire pela contribuição direta ao sistema de previdência.

Com isso, derruba-se mais um mito acerca do benefício: O Estado não está a sustentar bandido, como querem uns, mas sim está a pagar uma prestação devida, porque o auxílio-reclusão advém de uma contingência coberta pela previdência social.

Assim, quem recebe auxílio-reclusão não está a receber favor do Estado, mas sim a receber algo que lhe é devido.

A fim de compreender melhor o conteúdo do benefício estudado, vejamos no consiste especificamente a previdência social.

2.1. A previdência social

Segundo a clássica definição, a previdência social é a técnica de proteção, que estabelece uma séria de seguros com vistas a minimizar os riscos sociais (BALERA; 2004, p. 49). É, pois, uma das expressões da seguridade social, e que visa a atingir as finalidades constitucionais relativas à ordem social.

Consoante o art. 201 da Constituição Federal, a previdência social será organizada sob a forma de regime geral de caráter contributivo (logo, não é benesse do Estado) e de filiação obrigatória, observados os critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial. Ela atenderá os seguintes seguros: cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada; proteção à maternidade, especialmente à gestante; proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário; salário-família e auxílio- reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda; pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes.

Dessa maneira, percebe-se que a previdência social não está regida pelo princípio da universalidade, tal qual ocorrem com a assistência social e o direito à saúde, encerrando, ao contrário, um nível de proteção limitado, visto que somente os trabalhadores que contribuem para o sistema previdenciário usufruirão de seus benefícios, caso tenham comprometida a capacidade de continuar percebendo rendimentos de seu trabalho, não comprometendo, totalmente, os meios à sobrevivência do segurado-trabalhador e de sua família.

Vê-se, assim, que o modelo de proteção social relativo à previdência social é limitado ao segurado e a seus dependentes, que são os benefícios do sistema. O trabalhador se filia ao sistema; contribui para ele; caso ocorra alguma das contingências estabelecidas pelo art. 201 da Constituição, ele ou sua família receberão um auxílio previdenciário substitutivo do salário.

A previdência social, portanto, é um seguro que cobre determinados riscos. Um desses riscos é a prisão do trabalhador, conforme visto. Assim, não se justifica a grita em torno do benefício objeto de estudo, porquanto ele é moral e juridicamente legítimo.

Vejamos as características da previdência social, conforme disposição do artigo 201 da Constituição Federal.

2.2. As características da previdência social

A previdência social está estabelecida em três regimes distintos: o regime geral, o regime próprio dos servidores públicos e o regime de previdência complementar, de natureza privada. O que nos interessa é o regime geral, pois é nele que está contido o benefício objeto de estudo.

Regido pela Lei 8.213/91, temos o regime geral da previdência social, que alcança todos os trabalhadores que são regidos pela disciplina jurídica da iniciativa privada. Trata-se de regime de filiação compulsória e automática para aqueles trabalhadores que se enquadram na categoria de segurados obrigatórios, que são aqueles que exercem qualquer atividade remunerada, rural ou urbana, com ou sem vínculo empregatício.

Assim, enquadram-se como filiados obrigatórios aqueles que possuam vínculo empregatício regido pela Consolidação das Leis do Trabalho, urbano ou rural, empregados domésticos, contribuintes individuais, dentre os quais se inserem os trabalhadores autônomos, titulares de firmas individuais, empresários, trabalhadores eventuais, trabalhadores avulsos e segurados especiais, isto é, o produtor, parceiro, meeiro e arrendatário rurais, o garimpeiro, o pescador artesanal e assemelhado, que exerçam atividades, individualmente, em regime de economia familiar.

Importante destacar que o regime geral admite a filiação facultativa para as pessoas que não se enquadrem no conceito da filiação obrigatória.

Consoante do artigo 18 da Lei 8.213/91, o regime geral da previdência consigna, como prestação, os benefícios pecuniários e os serviços, oferecidos aos segurados e aos seus dependentes, afinal a previdência, de forma ampla, busca resguardar a família.

Os benefícios pecuniários oferecidos pelo regime geral aos segurados são: aposentadorias por invalidez, idade, tempo de contribuição e especial; auxílio-doença; salário-família; salário-maternidade e auxílio-acidente. Para os dependentes temos a pensão por morte e o auxílio-reclusão.

2.3. Condições da previdência social à luz do regime geral

Consoante vimos, os benefícios da previdência social são condicionados ao preenchimento de certos requisitos, quais sejam: prévia e compulsória filiação (regra geral) e contributividade.

A filiação prévia e compulsória ao sistema geral de previdência social é condição basilar do sistema de proteção social, vez que “obrigatoriedade significa que as pessoas que estejam em determinadas condições estipuladas pela lei não se podem furtar a ser sujeitos da relação jurídica que se instaura em virtude da própria lei. A obrigatoriedade abrange não apenas os segurados como também o órgão segurador, que não seleciona as pessoas com as quais manterá a relação jurídica assecuratória, desde que as mesmas reúnam as condições objetivas previstas pela lei. Nos dizeres de Lionello R. Levi tais condições funcionam como ’fatos jurídicos objetivos que provocam o surgimento da relação” (CARDONE; 1990, p.23).

Assim, como regral geral, a relação entre o trabalhador, seus dependentes e o Estado se instaura, para fins de previdência social, automaticamente e não poderia ser de outra forma. A sujeição é obrigatória e o Estado se obriga a cobrir eventuais riscos.

Este vínculo automático é denominado filiação, que ocorre pelo simples exercício de atividade profissional remunerada. Por ele, o segurado (trabalhador e dependentes) se une à previdência social compulsoriamente, surgindo daí uma relação jurídica bilateral, na qual o segurado deve contribuir com o custeio da maquinaria previdenciária e o Estado, por seu lado, garante-lhe o direito às prestações previdenciárias oferecidas conforme determinação legal.

A filiação, portanto, é ato jurídico complexo, que delimita os direitos e os deveres recíprocos entre os atores da relação, vez que identifica os titulares das prestações previdenciárias e aqueles que devem contribuir com o sistema.

A filiação, contudo, é obrigatória nos casos dispostos no art. 11 da Lei nº. 8.213/91, quais sejam: os empregados urbanos e rurais que prestem serviços com vínculo empregatício, os trabalhadores temporários, o servidor público ocupante de cargo em comissão sem vinculo efetivo, os empregados domésticos, os contribuintes individuais, dentre os quais estão os trabalhadores autônomos, titulares de firma individual urbana ou rural, sócio-gerente e sócio-cotista que recebam remuneração, os trabalhadores eventuais, além dos trabalhadores avulsos, e os segurados especiais, que são o produtor, parceiro, meeiro, arrendatário rurais, garimpeiro, pescador artesanal, que exerçam atividade em economia familiar.

Há casos outros em que lei admite a filiação em caráter facultativo. A lei, portanto, abarca duas categorias de filiados: os que são obrigatórios e os que são facultativos.

Podem ser filiados facultativos qualquer pessoa, maior de dezesseis anos, que não se engrade na categoria de filiado obrigatório. Tal possibilidade é decorrência dos princípios da universalidade de solidariedade.

Nesse caso, a adesão ao sistema decorre de manifestação da vontade e não de forma peremptória, como nos casos de filiação obrigatória, em que, o simples exercício de atividade remunerada disposta em lei é condição bastante para a filiação.

A contributividade é outra condição da previdência e tal condição é a marca distintiva entre a previdência social é a assistência social e o direito à saúde, tripé da seguridade social.

Por essa condição exige-se que o indivíduo contribua com o custeio da previdência social, conforme determinação do art. 195, I, da Constituição Federal, que dispõe ser a previdência social financiada pelos recursos dos orçamentos da União, Estados, Distrito Federal, Municípios, trabalhadores e demais segurados da previdência social, não incluindo a contribuição sobre a aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social.

Desse modo, os benefícios da previdência social não são mera liberalidade ou assistencialismo do Estado. São direitos havidos das contribuições pecuniárias dos trabalhadores em solidariedade com outros entes, conforme dicção do art. 195 da Constituição.

Insta salientar que, no contexto da contributividade, vige o princípio da automaticidade das prestações, segundo o qual o órgão previdenciário não pode deixar de pagar os benefícios previdenciários ante a falta de pagamento das contribuições previdenciárias, visto que a obrigação de efetuar os recolhimentos das contribuções compete ao empregador e não aos segurados empregados e avulsos.

Tal princípio tem o condão de proteger os segurados empregados e avulsos, bem como seus dependentes, visto que eles não podem ser prejudicados caso o empregador não cumpra com sua obrigação de efetuar os repasses ao ente previdenciário.

Esse princípio, portanto, é uma defesa da parte mais vulnerável da relação previdenciária.

2.4. A proteção da família

A família é a base da sociedade. Se a família vai bem, a sociedade vai bem. Tal assertiva é um truísmo, porém nunca é demais repetir. Pensando nisso, a legislação previdenciária, com fundamento nos preceitos constitucionais vistos, busca dar especial proteção a esse ente, pensando, numa última análise, proteger a sociedade.

Nessa linha é o entendimento de Ilídio das Neves, que assevera: “a essencialidade e importância da família como base da própria sociedade implica um adequado enquadramento contingencial no domínio da segurança social e do respectivo ordenamento jurídico. São várias as situações relevantes a considerar neste domínio, em que estão em causa interesses e responsabilidades, tanto individuais, inerentes aos cidadãos, como colectivas, inerentes ao Estado. Parte-se do princípio de que ter filhos e educá-los não é um problema que apenas afecte e unicamente interesse aos pais, mas é de molde a envolver também, de modo efectivo, a colectividade, ou seja, o Estado. É sem dúvida um assunto privado, porque depende de opções individuais das pessoas, mas apresenta elevada exigência humana e importantes efeitos sociais, a que o poder político não deve ser indiferente. Por isso, contrariamente ao que propugnam alguns, a defesa das prestações por encargos familiares não deve depender, pelo menos prioritariamente, de considerações demográficas, não obstante o seu possível efeito na natalidade, mas de considerações de equidade econômica e social” (1996, p. 470-471).

E tal ideário está bem desenhado pela Constituição Federal, que, em seu art. 226, assevera que a família, por ser a base do seio social, terá uma proteção especial do Estado, que o fará, entre outras medidas, via previdência social.

É nesse contexto que se inserida todos os benefícios sociais e previdenciários, notadamente o auxílio-reclusão, que encontra nesses preceitos o seu fundamento de validade.

Quando o contribuinte é preso, o Estado garante a sua subsistência e a sua proteção, porém sua família fica desprovida de qualquer meio de mantença, daí por que o benefício surge, visto que o evento prisão afeta diretamente a situação econômica da família, colocando-a em risco social, visto que a situação de vulnerabilidade é conducente da disposição ao crime, conforme lecionam Fragoso, Catão e Sussekind: “a desestruturação familiar que decorre da prisão de um de seus membros, o desamparo econômico que conduz, freqüentemente, a esposa (ou companheira) e filhos a iniciarem uma vida criminosa, as inúmeras e dispensáveis humilhações por que passam as visitas, constituem situações dolorosas para a família” (1980, p. 87).

Evidentemente que tal situação conduz à conturbação da sociedade, afetando diretamente a base do Estado, cabendo a este, portanto, o dever de prestar auxílio para tal família não se desestabilize. Assim, é possível concluir que o Estado, ao conferir proteção à família, está, em verdade, preservando-se.

3. O auxílio- reclusão

Vistos os fundamentos jurídicos e morais acerca do auxílio-reclusão enquanto benefício previdenciário, passemos agora à sua analise intrínseca, revelando o seu regramento normativo.

3.1. Antecedentes históricos

O substrato do auxílio-reclusão não é novidade no ordenamento jurídico brasileiro, estando presente desde os anos trinta, época do governo socializante de Getúlio Vargas, em que surgiram os institutos de previdências disseminados entre diversas categorias profissionais, que já previam o benefícios similares ao auxílio-reclusão, como foram os casos das categorias dos bancários (Decreto n.54 de 12/09/34), dos estivadores (Decreto n. 4.264 de 19/06/39, dos marítimos (Decreto n. 22.872 de 29/06/33).

Tais normas, embora diferentes sob determinados aspectos do vigente auxílio-reclusão, guardam similitude no que concerne ao seu substrato: proteção da família face à contingência prisão.

Posteriormente, no governo Kubitschek, tal benefício foi universalizado, pois foi estendido à toda a classe previdenciárias, constando na Lei Orgânica da Previdência Social (Lei 3807/60), que dispunha, em seu artigo 43, o seguinte:

“Art. 43. Aos beneficiários do segurado, detento ou recluso, que não perceba qualquer espécie de remuneração da empresa, e que houver realizado no mínimo 12 (doze) contribuições mensais, a previdência social prestará auxílio-reclusão na forma dos arts. 37, 38, 39 e 40, desta lei.

§ 1º O processo de auxílio-reclusão será instruído com certidão do despacho da prisão preventiva ou sentença condenatória.

§ 2º O pagamento da pensão será mantido enquanto durar a reclusão ou detenção do segurado, o que será comprovado por meio de atestados trimestrais firmados por autoridade competente.”

Com a Consolidação das Leis da Previdência Social (CLPS), promulgada pelo Decreto n. 77.077/76, tal benefício foi mantido no sistema jurídico até ser erigido à norma constitucional, com força de objetivo da república, conforme art. 3º, incisos I, III e IV.

Conforme se vê em seu regramento, tal benefício é substitutivo da renda familiar e não mero reparador de desequilíbrio, embora tal característica tenha sido atenuada com a Lei 10.666/2003, que garante a possibilidade de o segurado preso exercer atividade laboral não afastando a percepção do benefício.

Conforme leciona Márcia Uematsu Furukawa, “pretendeu o legislador salvaguardar o direito dos dependentes, já que a remuneração dificilmente será suficiente para suprir as necessidades do segurado recluso ou de sua família, já que poderá ser inferior ao salário mínimo, patamar mínimo previsto pela Carta Constitucional como capaz de atender às necessidades básicas dos cidadãos. Tal insuficiência também pode se dar diante da previsão da lei de execução penal da ordem de destinação da remuneração dos presos, que deve ser destinada em primeiro lugar à indenização dos danos causados pelo crime, à assistência familiar, a pequenas despesas pessoais e ao ressarcimento do Estado (art. 29, §1º, LEP)” (2006, p.62).

3.2. O aparato normativo do auxílio-reclusão

No plano constitucional o regramento do auxílio-reclusão está disposto no art. 201, IV do magno texto. Referido dispositivo sofreu substancial alteração pela Emenda 20 de 1998, que trouxe limitação ao benefício, porque a partir dela, somente fazem jus ao benefício os dependentes de baixa renda dos segurados da previdência social.

Visando determinar o sentido e o alcance do termo baixa-renda, a própria emenda 20/98 trouxe, em seu artigo 13, a sua definição: “até que lei discipline o acesso ao salário família e auxílio-reclusão para os servidores, segurados e seus dependentes, esses benefícios serão concedidos apenas àqueles que tenham renda bruta mensal igual ou inferior a R$ 360,00 (trezentos e sessenta reais), que, até a publicação da lei, serão corrigidos pelos mesmos índices aplicados aos benefícios do regime geral de previdência social (nossos os destaques)”.

Referida limitação, em que pese certos argumentos contrários, não é inconstitucional, visto que o Estado tem o dever de zelar pela higidez do sistema previdenciário, devendo adotar os critérios necessários a manter o equilíbrio econômico do sistema. Além disso, não se concebe a concessão de benesses sociais superiores às forças econômicas o Estado. Assim, o limitativo funciona como um critério atuarial plenamente justificável à luz dos princípios da seletividade e distributividade.

Esse é o entendimento de Marisa Ferreira dos Santos, para quem “a seleção e a distribuição impõem a adoção de um fator de discriminação, que levará à delimitação do rol de necessidades protegidas e dos beneficiários da proteção” (2004, p. 202).

No plano infraconstitucional o auxílio-reclusão está previsto no art. 80 da Lei 8.213/1991 que assim dispõe: “o auxílio-reclusão será devido, nas mesmas condições da pensão por morte, aos dependentes do segurado recolhido à prisão, que não receber remuneração da empresa nem estiver em gozo de auxílio-doença, de aposentadoria ou abono de permanência em serviço”. Referida lei, conforme sabemos, foi regulamentada pelo Decreto nº 3.048/1999, trazendo regramento específico ao benefício nos artigos 116 a 119.

Vê-se, assim, que a técnica utilizada para a compreensão normativa do benefício auxílio-reclusão é a da remissão, visto que a lei traz para ele as disposições condicionantes da pensão por morte, já que ambos os benefícios tem natureza substitutiva de renda, razão pela qual ele não se submete a período de carência, que é o número mínimo de contribuições previdenciárias necessárias para a aquisição de determinado benefício.

Referida regra é informada pelo princípio constitucional da solidariedade, segundo o qual em situações de risco social, como no caso de família à mercê da própria sorte diante da contingência prisão, é preciso a atuação estatal imediata, tendente a por à salvo os dependentes do segurado.

Importante ressaltar que, por ser benefício substitutivo de renda, é necessário que o segurado, ao ser privado da liberdade, não pode dispor de rendimentos capazes de prover a subsistência de seus dependentes, ressalvado a hipótese prevista na Lei 10.666/2003.

Tal advertência é conveniente e lógica, pois, por imperativo constitucional, o benefício é condicionado à ideia de baixa-renda. Assim, se o encarcerado possui meios de manter a sua família não há que se falar em baixa-renda, logo, não há se falar em auxílio-reclusão.

É o que nos ensina Furuakwa: “em largos traços, pode-se dizer que são condições para a percepção do benefício o recolhimento do segurado à prisão, a não-percepção de remuneração da empresa ou de outro benefício como aposentadoria, auxílio-doença ou abono de permanência em serviço. Entretanto, pode exercer atividade remunerada no regime fechado e semi-aberto, a teor do disposto no art. 2º da Lei n. 10.666/03” (2006, p. 71).

3.2.1. Os beneficiários do auxílio-reclusão

Por ser expressão do princípio constitucional da solidariedade, o auxílio-reclusão tem abrangência ampla no que se refere aos seus beneficiários, pois fazem jus à ele os dependentes de todos as categorias de segurados, sejam obrigatórios ou facultativos.

São esses dependentes que fazem jus ao benefício, não se cuidando de transferência de direito do segurado preso aos seus dependentes. Ou seja, são os dependentes que titularizam o direito ao benefício. É o que nos explica a doutrina: “o direito do dependente não é como se poderia pensar um direito transmitido pelo segurado. É ele, na realidade, jus proprium, que pelo dependente pode ser exercido contra a instituição, pois desde que se aperfeiçoem aquelas duas situações o dependente passa a ostentar esse direito subjetivo” (COIMBRA; 1996, p. 108).

Conforme dispõe o art. 16 da Lei 8.213/91, são dependentes as seguintes pessoas: I- o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido; II – os pais; III – o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido.

Cumpre salientar que, por esforço de mera retórica, querem alguns aplicar, ao inciso I, a dinâmica da pensão alimentícia devida ao filho, estendendo-a até os 24 anos, se estiver estudando em curso universitário. No plano previdenciário tal é impraticável, pois, à luz do princípio do equilíbrio econômico, não é possível estender os benefícios para além dos limites normativos, visto que eles foram concertados para manter o sistema hígido.

Ademais, não há que se cogitar a extensão, visto que “os filhos que cursam ensino superior não estão impossibilitados de exercer atividade laboral e prover o próprio sustento. A realidade social e econômica do Brasil aponta altos índices de desemprego, inclusive a dificuldade dos jovens na busca do primeiro emprego. Entretanto, tal realidade não desautoriza o fato de que um jovem, ao atingir 18 (dezoito anos), não esteja em condições de exercer atividade laboral remunerada e, por conseguinte, apto a gerir a sua própria vida, inclusive seu patrimônio, e prover o sustento próprio” (DERZI; 2004, p. 228).

Tais dependentes de se dividem em classes de preferências, sendo que a primeira classe exclui, da abrangência do benefício, a classe posterior. Assim, por exemplo, havendo dependentes da classe disposta no inciso I, não farão jus ao benefício os dependentes das classes seguintes – incisos II e III.

Essa é a disposição do § 1º do referido dispositivo legal, que assim dispõe: a existência de dependente de qualquer das classes deste artigo exclui do direito às prestações os das classes seguintes.

Insta salientar que se presume a dependência dos dependentes indicados no inciso I, conforme estabelece o § 4º do artigo 16 da Lei 8.213/91.

Também será dependente, equiparado a filho, o enteado do segurado, porém nesse caso não há presunção de dependência, devendo o segurado emitir declaração comprovado da dependência, conforme assevera o § 2º do dispositivo analisado.

3.2.2. A contingência

Em termos previdenciários, contingência são os acontecimentos que autorizam os segurados e/ou dependentes a usufruírem as prestações ofertadas pela Seguridade Social.

No que se refere ao benefício objeto do estudo, a prisão do segurado é a contingência que autoriza à percepção do benefício pelos seus dependentes. Perceba-se que a lei abrange todo e qualquer tipo de segregação social.

Assim, o termo prisão, no âmbito previdenciário, abrangerá as prisões civis, militares e as penais, sejam condenatórias ou cautelares.

O termo “prisão”, no que se refere à contingência previdenciária, é tão amplo (e não poderia ser diferente) que se equipara à ela, para fins de obtenção do benefício, a internação dos menores infratores.

Assim, seja por qualquer motivo, se o segurado estiver privado da liberdade ambulatorial, por ato punitivo do Estado, caberá aos seus dependentes o benefício auxílio-reclusão, caso seus dependentes fiquem privados dos meios de subsistência.

É a ressalva que faz Furukawa: “veja-se, portanto, que o segurado deve estar impossibilitado de prover o sustento de sua família, razão pela qual o benefício não será devido, caso o segurado continue percebendo remuneração da empresa, ou esteja em gozo de benefícios de aposentadoria, auxílio-doença ou abono de permanência, pois, nessas situações, resta descaracterizada a necessidade social dos dependentes do segurado, cuja subsistência estaria garantida por meio daquelas prestações previdenciárias ou pela remuneração” (2006, p. 77).

Evidentemente que tal regramento restou mitigado pela Lei 10.666/2003, conforme verificamos.

Disso se verifica que não é cabível o auxílio-reclusão caso o segurado esteja a cumprir pena em regime aberto, em que pese este ser um regime de prisão.

Não cabe o auxílio no regime aberto porque nele o segurado deve trabalhar para suster sua família. Nesse regime de cumprimento de pena, o trabalho é uma das condições que o preso deve preencher para fazer jus à progressão, demonstrando autodisciplina, conforme determina o art. 114 da Lei de Execuções Penais.

3.2.3. O início da prestação, suas causas suspensivas e extintivas

Analisando o aparato normativo do auxílio-reclusão, encontramos dois marcos iniciativos do benefício. O primeiro é a data da prisão, seja ela qual for; o segundo, é a data do requerimento para a percepção do benefício.

Para fins previdenciários, prevalecerá o primeiro marco se o requerimento for feito em até trinta dias, contados da contingência. Se o requerimento for feito após o trigésimo dia, então não mais prevalecerá a data da prisão, mas sim a data em que o benefício efetivamente foi requerido. Essa é a disposição do artigo 74, incisos I e II, da Lei n. 8.213/91, com redação dada pela Medida Provisória n. 1.596-14, de 10/11/97, convertida na Lei n. 9.528/97. No mesmo sentido, temos o artigo 116, § 4º, do Decreto nº. 3.048/1999.

Conforme sustenta Miguel Horvath Júnior, tal regramento comporta exceção. Para ele, se o beneficiário for menor ou inválido, o auxílio-reclusão será devido desde à prisão, em qualquer caso, pois será caso de direito indisponível, impassível de ser modulado (2004, p. 17), haja vista que contra eles não há transcurso de prazo prescricional.

A característica imanente ao benefício é o pagamento de prestação previdenciária enquanto o segurado estiver preso. Daí, havendo interrupção do estado de prisão, haverá a suspensão da prestação previdenciária. Essa é a disposição do art. 80 da Lei 8.213/91 e do art. 117, § 2º, do Decreto 3.048/99.

Assim, se por qualquer caso, incluindo a fuga, houver a interrupção da prisão, o benefício será suspenso.

Sobre a fuga como causa suspensiva do benefício, certas doutrinas batem-se contra a possibilidade, argumentando, em geral, que a fuga não faz desaparecer o estado de necessidade dos dependentes beneficiários do auxílio-reclusão, razão pela qual não poderia o Estado punir a família do fugitivo.

Entretanto, tal argumento não deve prevalecer, pois, como bem salienta Furukawa “o critério material do benefício é a prisão do segurado, da qual decorre a situação de necessidade de seus familiares, sendo devido o benefício enquanto aquele estiver recolhido à instituição prisional. A prestação previdenciária não é concedida tão-somente em face da formal decretação da prisão do segurado, exigindo-se que reste comprovado o efetivo recolhimento do segurado à prisão para fazerem seus dependentes jus ao benefício. A manutenção do benefício, mesmo quando o segurado não esteja efetivamente recolhido à prisão, sob fundamento de se suprirem as necessidades da família, implicaria a descaracterização do benefício, com a alteração do núcleo do benefício” (2006, p. 124).

De outra parte, o benefício será extinto ocorrendo as seguintes causas: soltura do segurado por cumprimento da pena, morte do beneficiário ou cessão de outras condições do benefício, emancipação ou implemento da idade de 21 anos em relação o beneficiário filho, equiparado ou irmão, cessação da invalidez para o beneficiário inválido, concessão de aposentadoria ou auxílio-doença para o segurado e a morte do segurado.

Bem, essas são as disposições que regem a percepção do benefício previdenciário ora estudado.

Notas conclusivas

Com o presente estudo, procuramos demonstrar que o benefício previdenciário auxílio-reclusão se assenta em bases lógicas, pois, especialmente, guardam correspondência com os princípios constitucionais da dignidade, da razoabilidade e da proporcionalidade.

Guarda correspondência com os postulados do princípio da dignidade, pois o auxílio-reclusão é uma importante consequência dos instrumentos de proteção social, garantidos pelo estado brasileiro, conforme disposto no artigo 194 da Constituição Federal, que garante minimamente o direito à saúde, à assistência e à previdência social, o fazendo, nos dois últimos casos, fundamentalmente mediante a concessão de benefícios pecuniários.

 No que se refere aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, o auxílio- reclusão guarda plena relação, porque o benefício se mostra justo do ponto de visto de conteúdo (princípio da razoabilidade), pois, conforme vimos, ele não é um benefício gracioso, embora destituído de carência; e está relacionado com o princípio da proporcionalidade, porque o auxílio-reclusão é necessário e adequado, na medida em que, para garantir as disposições juridico-ideológicas do artigo 194 da CF, não há, ainda, uma maneira menos gravosa para satisfazer as necessidades dos dependentes do preso e o auxílio-reclusão.

Referências
BALERA, Wagner. Noções preliminares de direito previdenciário. São Paulo: Quartier Latin, 2004.
CARDONE, Marly A. Previdência, Assistência, Saúde – o Não Trabalho na Constituição e 1988, São Paulo: LTr, 1990
CATTONI, Marcelo. Direito constitucional. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002.
COIMBRA, José dos Reis Feijó. Direito Previdenciário Brasileiro. 6. ed., Rio de Janeiro: Edições Trabalhistas, 1996.
DERZI, Heloisa Hernandes. Os beneficiários da pensão por morte. São Paulo: Lex Editora, 2004.
FRAGOSO, Heleno, CATÃO, Yolanda, SUSSEKIND, Elisabeth. Direito dos Presos. Rio de Janeiro: Forense, 1980.
FURUKAWA, Márcia Uematsu. O auxílio-reclusão no ordenamento jurídico brasileiro. 2006, 194 f. Dissertação (Mestrado em Direito das Relações Sociais) – Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2006.
HORVATH JÚNIOR, Miguel. Direito Previdenciário. 4a ed. São Paulo: Quartier Latin, 2004.
LEITE, Celso Barroso. Curso de Direito Previdenciário em homenagem a Moacyr Velloso Cardoso de Oliveira. 5ª ed. São Paulo: LTr, 2003.
MONTORO, André Franco. Introdução à Ciência do Direito. 25ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
NEVES, Ilídio. Direito da Segurança Social – Princípios Fundamentais numa Análise Prospectiva, Coimbra, 1996.
SANTOS, Marisa Ferreira de. O Princípio da Seletividade das Prestações de Seguridade Social, São Paulo: LTr., 2004.
TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

Informações Sobre o Autor

Emílio Gutierrez Sobrinho

Bacharel em Direito; Especialista em Direito Constitucional pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus; Especialista em Direito Processual Civil pela Escola Paulista da Magistratura; Curso de Extensão em Direito Constitucional Inglês pela Universidade de Londres


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