Prescrição e decadência em matéria de benefícios

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A doutrina civilista conceitua os institutos da prescrição e da decadência de modo relativamente uniforme. Destarte, pode-se observar um certo consenso no sentido de que se pode denominar prescrição à perda do direito de exigir uma obrigação pela via jurisdicional. Segundo Washington de Barros Monteiro, citando Clovis Bevilacqua, “prescrição é a perda da ação atribuída a um direito, e de toda a sua capacidade defensiva, em conseqüência do não-uso dela, durante determinado espaço de tempo”[1]. Já a decadência, segundo o mesmo estudioso do tema, é observada quando “o direito é outorgado para ser exercido dentro em (sic) determinado prazo; se não exercido, extingue-se”. É dizer, “a prescrição atinge diretamente a ação e por via oblíqua faz desaparecer o direito por ela tutelado; a decadência, ao inverso, atinge diretamente o direito e por via oblíqua, ou reflexa, extingue a ação”[2].


1.1 Prescrição do direito a prestações


A regra geral de prescritibilidade dos direitos patrimoniais existe em face da necessidade de se preservar a estabilidade das situações jurídicas. Entretanto, as prestações previdenciárias têm finalidades que lhes emprestam características de direitos indisponíveis, atendendo a uma necessidade de índole eminentemente alimentar. Daí que o direito ao benefício previdenciário em si não prescreve, mas tão-somente as prestações não reclamadas dentro de certo tempo, que vão prescrevendo, uma a uma, em virtude da inércia do beneficiário.


Sem prejuízo do direito ao benefício, prescreve em cinco anos, a contar da data em que deveriam ter sido pagas, o direito às prestações vencidas ou quaisquer restituições ou diferenças devidas pela Previdência Social, resguardados, na forma da lei civil, os direitos dos menores, dos incapazes ou dos ausentes (art. 103, parágrafo único, da Lei n. 8.213/91), contra os quais não corre a prescrição, enquanto nesta situação.


Dispondo acerca da matéria, o atual Código Civil — Lei n. 10.406/02 — em seu artigo 198, estabelece que não corre a prescrição “contra os incapazes de que trata o art. 3º”, ou seja, os absolutamente incapazes; “contra os ausentes do País em serviço público da União, dos Estados ou dos Municípios”; e “contra os que se acharem servindo nas Forças Armadas, em tempo de guerra”.


Ressaltamos que, não fluindo os prazos prescricionais contra o menor absolutamente incapaz, e não tendo se operado a prescrição qüinqüenal, a partir da data em que ele completou 16 anos de idade, assiste-lhe direito à retroação da data de início de sua pensão por morte, para a data do óbito do instituidor da pensão. Neste sentido: AC nº 2006.70.00.016681-2/PR, TRF da 4ª Região, Relator Juiz Fernando Quadros da Silva, DE 17.12.2007.


Importante referir também que durante o período de tramitação de processo administrativo no qual se discute sobre o direito do dependente ou segurado, o prazo prescricional fica suspenso (art. 4º do Decreto 20.910/32). E a não ocorrência da prescrição em relação a alguns dos dependentes não beneficiaria os demais, ou seja, consumada a prescrição em relação ao dependente capaz, ao incapaz deve ser assegurado somente o pagamento de sua quota-parte. Neste sentido: AC nº 2003.04.01.051040-1/SC, TRF da 4ª Região, Relator Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, DE 27.8.2007.


As ações referentes à prestação por acidente do trabalho prescrevem em cinco anos, observado o disposto no art. 104 da Lei n. 8.213/91, contados da data:


— do acidente, quando dele resultar a morte ou a incapacidade temporária, verificada esta em perícia médica a cargo da Previdência Social; ou


— em que for reconhecida pela Previdência Social, a incapacidade permanente ou o agravamento das seqüelas do acidente.


Questionamento importante sobre a matéria diz respeito à possibilidade de o Juiz reconhecer de ofício a prescrição em favor do INSS. Acerca do assunto, decidiu favoravelmente a Turma Nacional de Uniformização dos JEFs:


“PREVIDENCIÁRIO – REVISÃO DO SALÁRIO DE BENEFÍCIO – PRESCRIÇÃO – RECONHECIMENTO DE OFÍCIO – POSSIBILIDADE. I – Sentença e acórdão que deferiram o pedido de revisão da renda mensal da aposentadoria por tempo de serviço, sem, todavia, limitar as parcelas prescritas. II – Possibilidade de decretação de ofício da prescrição em se tratando de direitos da Fazenda Pública, porquanto indisponíveis. III – Pedido de uniformização conhecido e provido.” (Pedido de Uniformização no Processo n. 200381100283235. Relator Juiz Federal Hermes Siedler da Conceição Júnior, DJU de 30.5.2006)


Entretanto, convém assinalar que o atual Código civil prevê em seu art. 194 que “o juiz não pode suprir, de ofício, a alegação de prescrição, salvo se favorecer a absolutamente incapaz”.


No caso de cessação do pagamento do benefício previdenciário, tendo o segurado interposto recurso contra tal decisão, a prescrição qüinqüenal somente começa a correr a partir da decisão definitiva do processo administrativo.


Na aferição da prescrição qüinqüenal, o que está em causa é o pagamento dos créditos do segurado, de modo que a aferição deve se dar a partir dos vencimentos destes, e não a partir das competências a que tais créditos se referem.


1.2 Decadência do direito à revisão do cálculo de benefício previdenciário


A instituição do prazo decadencial para revisão do cálculo dos benefícios previdenciários se deu pela Medida Provisória n. 1.523-9, de 27.6.97, posteriormente convertida na Lei n. 9.528, de 10.12.97, que deu nova redação ao art. 103 da Lei n. 8.213/91.


A decadência atinge todo e qualquer direito ou ação do segurado ou beneficiário tendente à revisão do ato de concessão do benefício (cálculo da renda mensal inicial, por exemplo) e foi fixada inicialmente em dez anos, contados do dia primeiro do mês seguinte ao recebimento da primeira prestação, ou, quando for o caso, do dia em que o segurado tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo.


O prazo decadencial foi reduzido para cinco anos pela Medida Provisória n. 1.663-15, de 22.10.1998, convertida na Lei n. 9.711, de 20.11.1998. No entanto, a Medida Provisória n. 138, de 19 de novembro de 2003, convertida na Lei n. 10.839, de 5.2.2004, voltou a fixar em dez anos o prazo de decadência.


Nos casos dos benefícios concedidos anteriormente à instituição da decadência, inexistia limitação no tempo à possibilidade de revisão, tendo se incorporado ao patrimônio jurídico do segurado o direito de questionar o ato concessório a qualquer tempo. Em análise mais restritiva aos direitos dos segurados, podemos admitir que o prazo decadencial tenha começado a correr da data da publicação da lei que instituiu a decadência, mas não podemos admitir como marco inicial a data de início dos benefícios já concedidos quando da edição dessa lei, pois estar-se-ia dando efeito retroativo à decadência. Entendimento semelhante teve o TRF da 4ª Região ao manter a decisão de antecipação de tutela deferida em ação civil pública, em que ficou consignado que “o prazo previsto no art. 103 da Lei n. 8.213/91, na redação que lhe foi dada pela Medida Provisória n. 1.523-9, de 27.6.97, convertida na Lei n. 9.528/97, alterada pela Medida Provisória n. 1.663-15, de 22.10.98, por sua vez convertida na Lei n. 9.711, de 20.11.98, só começa a fluir a partir da data da edição da primeira Medida Provisória”


(AI n. 2000.04.01.040688-8/SC, 6ª Turma, Rel. Juiz Nylson Paim de Abreu, sessão de 8.8.2000).


O Superior Tribunal de Justiça tem adotado o entendimento de que o art. 103 da Lei n. 8.213/91, na redação conferida pela Lei n. 9.528/97, não possui eficácia retroativa quando estabelece o prazo decadencial. Ou seja, a Lei nova não pode ser aplicada nas relações jurídicas constituídas anteriormente, porque implicaria, em última análise, violar os direitos adquiridos dela resultantes. Neste sentido:


“RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO. REVISÃO DA RENDA MENSAL INICIAL. PRAZO DECADENCIAL. ARTIGO 103 DA LEI Nº 8.213/91, COM A REDAÇÃO DA MP Nº 1.523/97, CONVERTIDA NA LEI Nº 9.728/97. APLICAÇÃO ÀS RELAÇÕES JURÍDICAS CONSTITUÍDAS SOB A VIGÊNCIA DA NOVA LEI. 1. O prazo de decadência para revisão da renda mensal inicial do benefício previdenciário, estabelecido pela Medida Provisória nº. 1.523/97, convertida na Lei nº 9.528/97, que alterou o artigo 103 da Lei nº 8.213/91, somente pode atingir as relações jurídicas constituídas a partir de sua vigência, vez que a norma não é expressamente retroativa e trata de instituto de direito material. 2. Precedentes. 3. Recurso especial não conhecido.” (REsp n. 479964/RN. 6ª Turma. Relator Ministro Paulo Galotti. DJ de 10.11.2003).


Acerca do prazo decadencial, a Turma Nacional de Uniformização dos JEFs proferiu decisão seguindo orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, nos termos que seguem:


“A aplicação retroativa do diploma legal em questão constituiria violação ao princípio da segurança jurídica e absoluta iniqüidade, pois, até 1997, o não-exercício da pretensão em comento não tinha o condão de acarretar a perda dos direitos materiais a ela subjacentes.


Assim, somente os segurados cujos benefícios foram concedidos depois da vigência da MP nº. 1.523/97 estão sujeitos aos prazos nela estabelecidos, ou seja, em 26/06/97.” (Pedido de Uniformização n. 2004.61.85.009918-9, Relatora Juíza Federal Renata Andrade Lotufo, DJU de 15.5.2006).


No referido julgado da TNU, foi adotado também como fundamentação as lições de Simone Barbisan Fortes e Leandro Paulsen, nos seguintes termos:


“A decadência previdenciária, ao contrário do que ocorre com a prescrição, atinge o próprio ‘fundo de direito’, isto é, uma vez decorrido o prazo legalmente previsto impede o próprio reconhecimento do direito, vedando assim também qualquer produção de efeitos financeiros.


Todavia, é preciso que se frise que seu objeto, até mesmo em face dos princípios da hipossuficiência e da protetividade dos segurados, é bastante limitado, atingindo exclusivamente a revisão do ato de concessão de benefício.


Portanto, não há decadência do direito ao benefício, já que o dispositivo legal determina sua incidência quando em discussão revisão de ato concessório, isto é, de benefício já em manutenção.


Daí decorre que o segurado pode, a qualquer tempo, requerer, judicial ou administrativamente, benefício cujo direito tenha sido adquirido a bem mais de 10 anos.


Por outro lado, discussões no entorno do benefício previdenciário ou de sua renda, que sejam posteriores ao ato de concessão também ficam fora do prazo decadencial, como por exemplo aquelas pertinentes ao reajustamento de benefícios previdenciários.


Resta, portanto, como único objeto do prazo decadencial, a matéria pertinente ao cálculo da renda mensal inicial dos benefícios previdenciários: tem-se, aqui, um benefício concedido, e a discussão envolve revisão de um elemento do ato de concessão, qual seja a fixação da renda mensal inicial da prestação.” (FORTES, Simone Barbisan e PAULSEN. Direito da Seguridade Social. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005 – p. 252/253).


Os prazos prescricional e decadencial limitam sobremaneira o direito à revisão dos benefícios previdenciários. Por outro lado, solidificam os procedimentos adotados pelo ente Previdenciário em épocas passadas, evitando o pagamento de indenizações de grande vulto.


 


Notas:

[1] Curso de direito civil. 16 ed., São Paulo: Saraiva, 1986, v. 1, p. 286.

[2] Ibidem, p. 288.


Informações Sobre os Autores

João Batista Lazzari

Mestre em Ciência Jurídica. Juiz Federal em Santa Catarina. Professor de Direito Previdenciário

Carlos Alberto Pereira de Castro

Mestre em Ciência Jurídica. Juiz do Trabalho em Santa Catarina. Professor de Direito Previdenciário


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