A análise da conciliação da duração razoável com o princípio da celeridade processual

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Resumo: O presente trabalho visa analisar a possibilidade de conciliação dos princípios da celeridade e da duração razoável do processo, com vistas à assegurar a máxima efetividade da constituição. Nesta linha, visa-se aferir quais são as possibilidades fáticas de tal convivência, com o fito de se assegurar a tutela jurisdicional mais eficiente.

Palavra-chave: Duração razoável do processo. Celeridade processual. Tutela jurisdional eficiente. Possibilidades.

Sumário: Introdução 1. Princípio da celeridade processual e duração razoável. 2. Óbices à possibilidade de conformação. 3. Diretrizes para uma possível conciliação. 4 . Conclusão

INTRODUÇÃO

A atividade desenvolvida na função jurisdicional, garantidora dos princípios de um Estado Democrático de Direito, assume diante da sociedade a responsabilidade de dirimir conflitos. O papel criativo do juiz, incentivado principalmente nessa época de pós-positivismo, nos leva a questões cruciais como a uniformidade das decisões e a preservação do valor justiça e da segurança jurídica. A imprevisibilidade e a demora das decisões judiciais retiram cada vez mais a confiança que a população deposita no Poder Judiciário.

Espera-se sempre uma decisão justa e tecnicamente adequada. E mais, espera-se ainda uma decisão célere. A dificuldade que reside é de como realizar a plena conformação de tais exigências que devem revestir uma dada decisão judicial, em atenção ao primado da máxima efetividade do texto constitucional. Com a finalidade de se analisar a possível mitigação à este conflito aparente, vale trazer à baila o conceito que se tem de tais elementos.

1. PRINCÍPIO DA CELERIDADE PROCESSUAL E DURAÇÃO RAZOÁVEL. ÓBICES À POSSIBILIDADE DE CONFORMAÇÃO.

O princípio da celeridade, também conhecido como brevidade processual, em uma análise simplista, significa uma prestação jurisdicional rápida. Já a duração razoável engloba a observância da ampla defesa, do contraditório, do duplo grau de jurisdição, além de outras garantias constitucionais referentes ao processo e que demandam um certo tempo. Existem os prazos de citação, de contestação, de recurso, dentre outros, que devem ser respeitados. Portanto duração razoável não significa celeridade, e sim o tempo estritamente necessário para uma prestação jurisdicional justa e de qualidade.

A doutrina entende que a razoável duração engloba a análise de três critérios: a complexidade da causa, o comportamento dos litigantes e de seus procuradores ou da acusação e da defesa no processo e a atuação do órgão jurisdicional.

“Assim, é evidente que se uma determinada questão envolve, por exemplo, a apuração de crimes de natureza fiscal ou econômica, a prova pericial a ser produzida poderá demandar muitas diligências que justificarão duração bem mais prolongada da fase instrutória.

Por outro lado, não poderão ser taxadas de “indevidas” as dilações proporcionadas pela atuação dolosa da defesa, que, em algumas ocasiões, dá azo a incidentes processuais totalmente impertinentes e irrelevantes”.[1]

Estes dois institutos não se confundem, embora ambos sejam corolários do Devido Processo Legal.

Há uma dificuldade de conformar estes princípios, tendo em vista a atual crise pela qual passa o judiciário brasileiro.Como atender aos anseios sociais por uma tutela sem dilações indevidas, que respeite o devido processo legal e, ao mesmo tempo, seja uma prestação célere? Afinal, uma decisão para ser efetiva não basta ser justa e adequada, mas deve ser proferida em um tempo razoável, uma vez que o direito material é suscetível de perecimento.

Não se assegura ao juiz o non liquet devido ao excesso de serviços. Com a obrigação de sentenciar ou despachar sob pena de responsabilidade funcional, o magistrado deixa de lado valores como justiça e adequação, proferindo sentenças “chapadas”, o que compromete a qualidade do serviço e, conseqüentemente, do próprio Judiciário, que perde prestígio.

Além disso, o formalismo ganha forças nessa atual crise, uma vez que representa um meio de defesa do próprio órgão contra os inúmeros processos e recursos que recebem.

O excesso de demandas vem ocasionando uma sobrecarga dos juízes e como conseqüência a morosidade do poder judiciário, diante da incapacidade de julgar todos os processos em um tempo razoável. A quantidade ínfima de juízes em relação ao número de processos, e a falta de meios eficazes para fiscalizar o cumprimento do dever funcional dos magistrados são causas diretas desta morosidade.

 Vale ressaltar que a quantidade excessiva de recursos admitidos também desencadeia maior retardamento nas prestações jurisdicionais, a exemplo de recursos de apelação interpostos em ações possessórias, uma vez que o mesmo possui efeito suspensivo.

Como se pode observar, a crise decorre da conjugação de três fatores: o primeiro de ordem material, uma vez que o poder judiciário carece de investimentos para melhoria das técnicas utilizadas; o segundo de ordem formal, dada a defasagem das leis processuais, apesar das inúmeras reformas ocorridas ao longo do tempo; e o terceiro de ordem cultural, relativa à mentalidade dos operadores do direito.

2. DIRETRIZES PARA UMA POSSÍVEL CONCILIAÇÃO

Antes de aprofundar o tema, é preciso que conheçamos a origem destes princípios, para que se possa compreender os motivos pelos quais estes se incorporaram no ordenamento jurídico brasileiro, e as soluções encontradas, a fim de combater a crise que assola o Poder Judiciário.

O princípio da celeridade e o direito fundamental à duração razoável do processo encontram suas raízes na Convenção Européia para Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, realizada na cidade de Roma, em 1950, onde foi utilizada pela primeira vez a expressão “prazo razoável”. O seu art. 6º assegura nos seguintes termos:

“Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de caráter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. […]”

Foi na Convenção Americana dos Direitos e dos Deveres dos Homens (1966), também conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, que tais princípios ganharam uma proporção maior na América. Tendo como espelho a Convenção Européia, encontra-se expressa em seu art. 8º a garantia judicial a um processo dentro de um prazo razoável.

Esta mesma convenção foi responsável por introduzir o Brasil no grupo de países que tem como valor institucional um processo sem dilações indevidas. Mesmo se tratando de norma internacional, o Brasil, ao se tornar signatário deste acordo em 18 de julho de 1992, elevou tais princípios à categoria de direito fundamental. Isto porque os tratados internacionais que têm como conteúdo direito e garantias fundamentais possuem status hierárquico de norma constitucional.

Com as transformações ocorridas, o legislador sentiu a necessidade de criar leis infraconstitucionais para dar uma maior concretude ao novel princípio incorporado pelo ordenamento jurídico nacional. A Lei 9.099/95 cria os Juizados Especiais com o objetivo de desburocratizar e, conseqüentemente, acelerar o andamento dos processos menos complexos, possibilitando a defesa oral e impedindo um número demasiado de recursos.

O Código Processual Civil também sofreu modificações para se adequar às novas necessidades do Poder Judiciário. A reforma do CPC retirou óbices que atrapalhavam a efetividade da prestação jurisdicional, como, por exemplo, o art. 125, II que define o poder diretivo do juiz no processo, ressaltando a necessidade de velar pela rápida solução do litígio.

 Todas essas mudanças culminaram na Emenda n ° 45/2004. Inserida no artigo 5º do texto constitucional, ela prevê em seu inciso LXXVIII que a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. Outra novidade incorporada ao texto constitucional veio com o art. 93, II e, que passa a proibir a promoção do juiz que retém os autos processuais além do prazo estipulado. Por estar incorporada no capítulo de direitos e garantias fundamentais, deve-se dar a esta emenda aplicação imediata, independente de legislação infraconstitucional, sendo insuscetível de interpretação restringida.

Além de explicitar o princípio da celeridade processual, a emenda também foi responsável no incentivo de mudanças na própria estrutura do poder judiciário, proporcionando a redução do número de recursos extraordinários a serem permitidos, sendo necessária a repercussão geral (art.102 par. III); a criação de súmula vinculante, fazendo com que as decisões sejam mais uniformizadas, em nome da celeridade processual; a justiça intinerante; a possibilidade de despacho ordinatório do processo pelos serventuários da justiça; o fim das férias coletivas, o que permite a atividade jurisdicional ininterrupta; a distribuição imediata de processo em todos os graus; a atuação do Conselho Nacional de Justiça, como órgão fiscalizador; a descentralização do funcionamento da justiça; e aumento proporcional do número de juízes em relação à demanda.

Algumas dessas medidas tomadas para garantir uma maior celeridade do processo acabaram restringindo certas garantias constitucionais, que embora alongassem o processo como um todo, era fundamental para a afirmação de um Estado Democrático de Direito. O afrontamento entre esses dois direitos fundamentais – de um lado a celeridade, do outro a duração razoável- ocasionou um choque de princípios constitucionais.

De início, é aparentemente contraditório conciliar estes dois princípios. O direito material perece, como já foi supracitado, e, portanto ainda que se tenham atingido todas as garantias necessárias à razoabilidade processual, a decisão judicial pode se tornar inútil diante de um prolongamento demasiado. E mais, a morosidade pode gerar a denegação do acesso à justiça no seu sentido material, posto que o direito à ação engloba também uma decisão útil.

O princípio da dignidade da pessoa humana – núcleo dos direitos fundamentais -resta ferido uma vez que a parte, muitas vezes, tem que esperar anos para que sua pretensão seja atendida, acarretando não só danos matérias como psicológicos, devido à incerteza que a atormenta por muitos anos.

 Por outro lado, o uso do processo como mero instrumento capaz de possibilitar o cumprimento do princípio da celeridade, pode acarretar a violação do devido processo legal e, por conseguinte, impedir o alcance da tão almejada justiça.

Diante deste conflito, relativo ou aparente, entre princípios é necessário que o juiz faça uma ponderação à luz do caso concreto. Por ambos serem considerados princípios constitucionais de extrema valia para a jurisdição, é preciso tentar harmonizá-los dentro do processo, tarefa nem sempre fácil, mas que pode ser alcançada mediante a utilização dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

Quando for impossível, diante do caso concreto, equilibrar a celeridade processual e o devido processo legal dentro do processo- havendo conflito relativo – o magistrado tende a optar pelo último princípio, em nome da segurança jurídica. Esta posição é a defendida pela doutrina e jurisprudência. Alguns exemplos de decisões do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal ratificam essa afirmativa.

a)    STJ – Recurso Especial nº 2003/0187557-9, o qual teve como relatora a Ministra Nancy Andrighi:

“Processo civil. Ação para remoção de curador julgada procedente. Interposição de recurso de apelação pelo curador removido. Improvimento, com aplicação da pena por litigância de má-fé com fundamento em que a interposição de apelação seria ato protelatório. Ilegalidade.

O direito da parte ao duplo grau de jurisdição integra o devido processo legal, inerente ao sistema processual civil. Configuração exagerada a decisão que restringe o exercício deste direito, ainda que em nome do princípio da celeridade processual.

Ainda que admitido, pelo recorrente, em audiência, que não pretendia continuar exercendo a curatela, a interposição de recurso de apelação contra a decisão que o removera desse encargo não pode ser considerada ato meramente protelatório, de forma que autorizasse a imposição da pena por litigância de má-fé. Recurso a que se dá provimento.”

b)    STF – Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 21469-4, relator Ministro Marco Aurélio:

“RECURSO ORDINÁRIO – DEVOLUTIVIDADE – ALCANCE- PAR. I DO ARTIGO 515 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – DECADÊNCIA E PRESCRIÇÃO. Limitando-se a decisão impugnada ao pronunciamento quer da decadência, quer da prescrição e concluindo o órgão revisor pela impropriedade do que decidido, descabe adentrar, de imediato, ao exame do mérito estrito senso. A regra do par. I do artigo 515 do Código de Processo Civil pressupõe que a questão de fundo tenha sido parcialmente apreciada, não conduzindo a procedimento que, embora calcada nos princípios da economia e da celeridade processual, acabe por implicar supressão de instância, com ofensa ao devido processo legal – LV do artigo 59 da Constituição Federal.”

4. CONCLUSÃO

Diante do que foi explicitado, é possível constatar que o princípio da celeridade processual muitas vezes é utilizado de forma descomedida, sem observar o devido processo legal, levando a uma descredibilidade do Poder Judiciário. Uma decisão célere não significa necessariamente uma decisão justa. O que ocorre é que a idéia de uma duração razoável do processo já é inerente ao conceito do devido processo legal, afinal o que se pretende é uma decisão efetiva, o que engloba não só a idéia de segurança, mas também a celeridade processual.

Entretanto, o princípio da celeridade processual precisou ser explicitado na Constituição, o que acarretou modificações irrazoáveis na legislação infraconstitucional, fazendo com que sua utilização ocorra em detrimento do próprio devido processo legal. Isso pode ser observado na última reforma do CPC, que retirou óbices existentes, a fim de alcançar a celeridade processual. No entanto, muitos desses procedimentos serviam para efetivar o devido processo legal.

A morosidade da prestação jurisdicional brasileira, levando à crise do Poder Judiciário, fez com que o ordenamento incorporasse legislação estrangeira e fizesse modificações nas suas leis infraconstitucionais, a fim de solucionar o problema de forma rápida. Mais uma vez tenta-se resolver a questão sem perceber sua real causa.

 O que se observa no Brasil é uma realidade social que muito se distingue daquela de onde o país importou a referida legislação. Não houve uma preocupação em adequar esses institutos à sociedade brasileira. As modificações legislativas devem ocorrer, porém de forma razoável, não pondo em risco a segurança jurídica. Além disso, deve haver também uma alteração na mentalidade das partes, que devem atuar de forma idônea, não incorrendo em litigância de má-fé, e dos advogados, magistrados, promotores e defensores, que devem buscar sempre um processo efetivo.

A conciliação desses princípios – devido processo legal e celeridade processual – deve ocorrer dentro do processo, de forma a garantir a segurança jurídica e o não perecimento do direito da parte. Deve haver uma ponderação desses valores, a fim de se alcançar uma decisão efetiva. O Judiciário deve se preocupar não só em proferir uma decisão célere, mas também uma decisão de qualidade, que obedeça ao devido processo legal. Esse pensamento é corroborado pelo jurista André Tavares (2006, p.629): “o processo deverá durar o mínimo, mas também todo o tempo necessário para que não haja violação da qualidade da prestação jurisdicional”.

 

Referências
ALVIM, JOSÉ EDUARDO CARREIRA. Teoria geral do processo. 10.ed. Rio de Janeiro:Forense, 2006. 364, p.
ARMELIN, Donaldo. Uma visão crítica da atual crise do Poder Judiciário. Revista do Processo, São Paulo, n. 137, a. 31, jul. 2006.
AZEVEDO, Luciana dos Anjos. Devido processo legal e celeridade processual. Monografia do curso de direito. Universidade Salvador – UNIFACS, 2006, 96, p.
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civi.18 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, v.1, 2008.528 p.
DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de direito processual civil – Teoria geral do processo e processo de conhecimento. 10 ed. Salvador/BA: Podivm, v. 1, 2008. 594 p.
MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria geral do processo. 3.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, 510,p.
TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 6.ed São Paulo: Saraiva, 2008, 1279, p.
 
Notas:
[1] TUCCI, José Rogério Cruz e. “Garantia do processo sem dilações indevidas”. Garantias constitucionais do processo civil. São Paulo: RT, 1999, p. 239-240.


Informações Sobre o Autor

Camila Chair Sampaio

Advogada atuante na área de direito administrativo


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