A relativização da Súmula 343 do STF no cabimento da ação rescisória por violação literal das leis federais

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Resumo: O presente trabalho analisa a relativização da súmula 343 do Supremo Tribunal Federal no cabimento da ação rescisória por violação literal de lei, abordando a não incidência da súmula citada na interpretação das normas constitucionais e, principalmente, estuda a relativização da súmula 343 do STF na interpretação das normas federais, com base no Recurso Especial 1.026.234 julgado pelo Superior Tribunal de Justiça, em que foi apontada uma nova tendência jurisprudencial do STJ em exigir sempre a melhor interpretação no trato de questões federais, em respeito à função institucional do STJ de ser o guardião da legislação federal e de velar pela uniformidade de interpretação das leis federais.


Palavras-chave: Rescisória, Violação de Lei, Normas federais e Súmula 343.


Sumário: Introdução. 1. A definição de violação literal para o art. 485, V, do CPC. 1.1 A Não Coincidência Entre a Violação Literal e a Violação à Literalidade da Norma. 1.2 O Conceito de Violação Literal e a existência de Controvérsia Jurisprudencial Acerca da Matéria. 1.2.1. A súmula nº. 343 do Supremo Tribunal Federal. 1.2.1.1. A relativização da súmula 343 quando se tratar de normas constitucionais. 1.2.2 O posicionamento de Pontes de Miranda. 1.2.2.1 O conceito de interpretação do direito. 1.2.2.2 O papel dos juízes quando houver divergência jurisprudencial. 1.2.2.3 O objetivo da ação rescisória com base no art. 485 para Pontes de Miranda. 1.2.3 O Entendimento do Ministro Teori Albino Zavascki do Superior Tribunal de Justiça Explicitado no Recurso Especial. nº. 1.026.234-DF. 1.2.3.1 Breve resumo do Recurso Especial em análise. 1.2.3.2 A jurisprudência tradicional do Superior Tribunal de Justiça sobre a matéria e a similitude da Súmula 343 com a Súmula 400. 1.2.3.3 Fundamentos para a não aplicação da súmula 343 em relação à violação literal às normas federais. 1.2.3.3.1 A não aplicação, por parte do Supremo Tribunal Federal, da súmula 400 e da súmula 343 quando a violação for a normas constitucionais. 1.2.3.3.2 A contradição do Superior Tribunal de Justiça ao inaplicar a súmula 400 no Recurso Especial e aplicar a súmula 343 na Ação Rescisória quando a ofensa for a normas federais. 1.2.3.3.3 O papel institucional do Superior Tribunal de Justiça segundo a Constituição Federal de 88. 1.2.3.3.4 A evolução legislativa em vincular as decisões aos precedentes dos Tribunais Superiores. 1.2.3.4 O posicionamento adotado no Recurso Especial 1.026.234-DF e a sua pertinência. 1.2.4 A súmula 343 e a violação a leis locais. Conclusão.


INTRODUÇÃO


A relação jurídico-processual sempre é instaurada tendente a um fim. O Judiciário, ao estabelecer uma decisão da qual não caiba mais recurso a ser utilizado, dota tal decisão de imutabilidade, não podendo esta mais ser discutida, via instrumentos recursais. Tal característica das decisões judiciais representa o instituto da coisa julgada. A coisa julgada é, assim, instituto que garante a estabilidade das decisões judiciais, possibilitando que seja respeitado o princípio da segurança jurídica.


Ocorre que a coisa julgada não é uma situação jurídica tida como absoluta, tendo sido previstas, pelo ordenamento jurídico, hipóteses em que seria possível a sua relativização. Para tais hipóteses, foram previstos instrumentos para propiciar tal relativização, com o fim de se permitir a desconstituição da coisa julgada e a nova apreciação da matéria pelo Poder Judiciário.


Neste contexto, está a Ação Rescisória como um dos principais meios de relativização da coisa julgada. A Ação Rescisória apresenta hipóteses específicas de cabimento. Dentre as hipóteses previstas, destaca-se o seu cabimento quando a decisão violar literal disposição de lei (art. 485, V, do Código de Processo Civil).


O cabimento da ação rescisória por literal violação de lei é de grande utilização no foro. Tal afirmação se baseia nas lições de Luiz Fux, segundo o qual tal hipótese tem carreado para o Judiciário um infindável número de rescisórias[1]. Tal matéria tem sido constantemente levada à apreciação dos tribunais. Além disso, o art. 485, V, do Código de Processo Civil é a existência de grandes divergências doutrinárias e jurisprudenciais quanto ao cabimento da rescisória neste caso. O cabimento da ação rescisória quando a decisão viola literal disposição de lei tem causado intensa divergência jurisprudencial.  Mesmo a existência da súmula 343 do Supremo Tribunal Federal, como será visto adiante, não tem conseguido cessar as discussões doutrinárias e jurisprudenciais relativas à violação literal de lei, já que a citada súmula já vem sendo relativizada no plano das normas constitucionais e, em recente julgado do Superior Tribunal de Justiça, foi relativizada no julgamento das normas federais.


Dessa forma, é necessário analisar a pertinência da existência da súmula 343 em relação ao cabimento da ação rescisória por violação literal de lei.


1. A DEFINIÇÃO DE VIOLAÇÃO LITERAL PARA O ART. 485, V, DO CPC


Um dos aspectos que mais tem gerado questionamentos e divergências na doutrina é a definição do que representaria a expressão violação literal. A jurisprudência e doutrina tentam delimitar a expressão, o que será objeto de análise nos itens seguintes.


1.1 A Não Coincidência Entre a Violação Literal e a Violação à Literalidade da Norma


O Código de Processo Civil em seu art. 485, inciso V, estabeleceu como rescindível a sentença que violar literal disposição de lei. Uma leitura apressada do dispositivo daria a entender que somente a violação à literalidade de determinada norma é que autorizaria o uso da ação rescisória. No entanto, este não é o entendimento mais correto.


É sabido que a interpretação das normas jurídicas corresponde a de um processo racional do intérprete, em que o operador do direito, utilizando-se dos mais diversos métodos interpretativos, busca alcançar o verdadeiro sentido da norma.


Dentre os métodos existentes, o literal representa apenas um dentre os possíveis. Neste método, analisam-se os vocábulos, expressões e construções semânticas utilizadas na letra da lei para se encontrar o adequado sentido do texto legal.


O método de análise da literalidade do texto de lei é, em verdade, um dos mais simples e nem sempre se revela como o mais adequado. Isso porque, muitas vezes, a lei emprega expressões ou construções que não atendem à finalidade almejada pelo legislador diante de certos casos. Em certas hipóteses, o que está escrito, a literalidade da lei, pode dizer mais do que a lei realmente queria estabelecer, regulando situações que ultrapassam o desejado pelo espírito da norma, cabendo ao intérprete restringir as hipóteses de sua aplicação.


Pode ocorrer, também, que o texto escrito diga menos do que deveria dizer, deixando de atuar em situações onde sua aplicação se mostrava salutar, cabendo ao intérprete estender a sua aplicação às hipóteses almejadas pelo espírito da norma.


Para Pontes de Miranda[2], a expressão erro “contra literam” deve ser entendida como erro “contra ius”, ou seja, o erro contra literal disposição de lei deve ser entendido como erro contra o direito e não somente como erro à interpretação literal da lei. Nesse sentido, o referido autor entende que “ainda quando o juiz decide contra legem scriptam, não viola o direito, se a sua decisão corresponde ao que ‘se reputa’ o direito (…). O absolutismo da correlação necessária entre texto e direito, que o Estado despótico pregara, o Estado constitucional herdou e as chamadas escolas positivistas receberam como realidade permanente, por falta de conhecimento sociológico, foi aspecto de momento histórico”.


O direito, atualmente, já não é mais visto como expresso ou revelado apenas no texto escrito. Existem fontes diversas do direito e diversos métodos de interpretação para essas fontes, devendo a expressão literal violação de disposição de lei ser entendida como literal violação à ordem jurídica.


Convém destacar o ensinamento de Fredie Didier Jr., expresso nos seguintes termos:


“Seja como for, parece haver uniformidade de entendimento no sentido de que, para a admissibilidade da ação rescisória, não seria necessária a violação à literalidade da norma. É que a norma poderia estar sendo violada, por não o órgão julgador se valido de um método interpretativo mais adequado para o caso concreto, tendo, por exemplo, utilizado um método de interpretação literal, no que pode ter sido rigoroso, atentando contra o espírito da norma, contra sua interpretação teleológica[3].”


1.2 O Conceito de Violação Literal e a Existência de Controvérsia Jurisprudencial Acerca da Matéria


Certos autores entendem que a expressão “violar literal disposição de lei” representaria a intenção do legislador em restringir o cabimento da ação rescisória com base no inciso sob análise. A violação literal representaria uma violação clara, manifesta, expressa. Prosseguem estes autores que violação qualificada, como a citada, só poderia ser encontrada em decisões que violassem única interpretação predominante e aceita no âmbito dos tribunais.


Assim, seria descabida a ação rescisória com base no art. 485, V, do CPC quando se tratasse de matéria cuja interpretação era, à época da decisão, controvertida nos tribunais. Dessa maneira, a existência de dúvidas quanto à interpretação a ser adotada ao dispositivo legal pelos tribunais impediria a utilização da ação rescisória com base no inciso em comento.


1.2.1 A súmula nº. 343 do Supremo Tribunal Federal


A Súmula nº. 343 do Supremo Tribunal Federal verbera que “não cabe ação rescisória por ofensa à literal disposição de lei quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais”.


A questão, para o Supremo Tribunal Federal, então, ficou assentada nos seguintes termos: Se à época da prolação da decisão, a matéria em julgamento possuía entendimento consolidado em determinado sentido e se adota posicionamento contrário, será cabível a rescisória. No entanto, caso a interpretação, à época da decisão, era controvertida no tribunal, a adoção de interpretação razoável na sentença, ainda que não a melhor, impediria o uso da rescisória com base no art. 485, V, do CPC.


1.2.1.1 A relativização da súmula 343 quando se tratar de normas constitucionais


O entendimento fixado na Súmula 343/Supremo Tribunal Federal vem sofrendo grande flexibilização por parte da própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, principalmente, quando se tratar de interpretação relativa às normas constitucionais.


O Supremo Tribunal Federal vem relativizando a aplicação da Súmula nº. 343 quando a violação é em desfavor de normas constitucionais, em razão do princípio da Supremacia da Constituição. Para o citado tribunal, nenhum órgão julgador pode deixar de conferir aplicabilidade às normas constitucionais, no exercício da atividade jurisdicional.


O Judiciário deve zelar, ainda sob a ótica do Supremo Tribunal Federal, pela máxima observância dos preceitos existentes na Constituição Federal. Para o Supremo Tribunal Federal, somente há a proeminência da Constituição, se a interpretação adotada pelos tribunais for sempre a melhor, reputando-se como não respeitados, plenamente, os princípios da Carta Magna, quando se adota interpretação razoável que não for a mais precisa.


O entendimento do Pretório Excelso é acompanhado pelo Superior Tribunal de Justiça. Ambos os tribunais estão admitindo, majoritariamente, o cabimento da ação rescisória em face de julgados que, ao apreciarem matéria constitucional, tenham adotado interpretação que não fosse a melhor a ser aplicada ao texto constitucional, ainda que o tema à época da decisão comportasse divergências jurisprudenciais e que tivesse havido a fixação do entendimento da Corte Suprema somente após o trânsito em julgado da decisão rescindenda.


Nesse sentido, eis o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça:


“PROCESSO CIVIL E TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA SOBRE PROVENTOS DE INATIVIDADE DE SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. LEI ESTADUAL Nº 7.672/82, ART. 42, “O”. INCONSTITUCIONALIDADE. AÇÃO RESCISÓRIA. VIOLAÇÃO A LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. AFASTAMENTO DA SÚMULA 343/STF.  POSICIONAMENTO RECENTE DA PRIMEIRA SEÇÃO DO STJ. FUNDAMENTOS DO ACÓRDÃO RECORRIDO. POSSIBILIDADE. ORIENTAÇÃO DA CORTE ESPECIAL (RESP 476.665/SP). 1. O enunciado da Súmula 343 não é aplicável quando a questão verse sobre “texto” constitucional, hipótese em que cabível ação rescisória mesmo diante da existência de controvérsia interpretativa nos Tribunais, em face da “supremacia” da Constituição, cuja interpretação “não pode ficar sujeita à perplexidade”, e da especial gravidade de que se reveste o descumprimento das normas constitucionais, mormente o “vício” da  inconstitucionalidade das leis.  (Precedente: ERESP 608122/RJ) “Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais.” (Súmula 343 do STF).” (STJ, Primeira Turma, Recurso Especial 896728/RS, Rel. Min. Luiz Fux, DJ. 16/10/2008).


Ainda sobre o tema, citamos a seguinte decisão do Supremo Tribunal Federal:


“AÇÃO RESCISÓRIA. VIOLAÇÃO À LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI. ART. 485, V, DO CPC. FINSOCIAL. EMPRESA EXCLUSIVAMENTE PRESTADORA DE SERVIÇOS. MAJORAÇÕES DE ALÍQUOTA DECLARADAS INCONSTITUCIONAIS NO JULGAMENTO DO RE 150.764. ACÓRDÃO RESCINDENDO QUE AFIRMOU O ENQUADRAMENTO DA EMPRESA COMO EXCLUSIVAMENTE PRESTADORA DE SERVIÇOS, MAS EXTIRPOU AS REFERIDAS MAJORAÇÕES COM BASE EM PRECEDENTE APLICÁVEL ÀS EMPRESAS COMERCIAIS E INDUSTRIAIS. ART. 56 DO ADCT. VIOLAÇÃO. 1. Preliminares de decadência por decurso do biênio legal e citação extemporânea. Afastamento diante de precedentes deste Tribunal. 2. Preliminar de descabimento da ação por incidência da Súmula STF 343. Argumento rejeitado ante a jurisprudência desta Corte que elide a incidência da súmula quando envolvida discussão de matéria constitucional. 3. Este Supremo Tribunal, ao julgar o RE 187.436, rel. Min. Marco Aurélio, declarou a constitucionalidade das majorações de alíquotas do Finsocial (art. 7º da Lei 7.787/89, art. 1º da Lei 7.894/89 e art. 1º da Lei 8.147/90) no que envolvidas empresas exclusivamente prestadoras de serviços. 4. Decisão rescindenda que destoa da orientação firmada nesse precedente, afrontando os arts. 195 da CF e 56 do ADCT, conforme a interpretação firmada no mesmo julgado. 5. Ação rescisória julgada procedente”. (STF, Ação Rescisória 1409/SC, Pleno, 26/03/2009,Rel. Min. Ellen Gracie)


A limitação que se impõe, nesses casos, em regra, é que a ação rescisória seja proposta em até 2 (dois) anos do trânsito em julgado da decisão. No entanto, há doutrinadores, a exemplo de Humberto Theodoro Júnior, que, de lege ferenda, defendem não haver limite temporal quando se tratar de violação às normas constitucionais. Já outra corrente doutrinária entende que o prazo de 2 anos para ajuizamento da ação rescisória deveria ter início a partir do trânsito em julgado da decisão que firmasse o posicionamento do Supremo Tribunal Federal em determinado sentido.


Por razões de segurança jurídica e com o objetivo de se ter um parâmetro objetivo para a análise da admissibilidade da ação rescisória nesta hipótese, entendemos que o prazo deve ter o mesmo termo inicial que as demais situações passíveis de rescisão, ou seja, o trânsito em julgado da decisão rescindenda.


O Supremo Tribunal Federal, com a relativização da aplicação da sua Súmula 343, tem associado a melhor interpretação da Constituição Federal à sua interpretação conferida à norma constitucional. Assim, quando houvesse, no julgamento de matérias constitucionais, desrespeito ou inobservância ao entendimento fixado pelo Supremo Tribunal Federal (mesmo que o entendimento tivesse sido fixado posteriormente à decisão), teria havido violação literal de disposição de lei. Por outro lado, quando fosse observado o entendimento do Supremo Tribunal Federal, não seria cabível a rescisória com base no art. 485 V do Código de Processo Civil.


Como visto quando tratado o assunto relativo à impugnação de sentença, cujo fundamento seja a ineficácia do título por inconstitucionalidade declarada pelo Supremo, o legislador tem conferido maior relevância às decisões do Supremo Tribunal Federal. O papel do Supremo Tribunal Federal como guardião da Constituição Federal tem recebido destaque ainda maior na legislação infraconstitucional, servindo a ação rescisória para assegurar tal proeminência da Corte Magna na sua tarefa de interpretar a Constituição Federal.


Nesse sentido, é o entendimento de Fredie Didier Jr., para quem:


“a violação a uma norma constitucional é bem mais grave do que a ofensa a um dispositivo de lei infraconstitucional; violar a Constituição equivale a atentar contra a base do sistema normativo. Cumpre, diante disso, preservar a supremacia da Constituição e de resto, garantir a autoridade das decisões do Supremo Tribunal Federal, enquanto guardião do texto constitucional[4].”


1.2.2 O posicionamento de Pontes de Miranda


Será analisado, neste contexto, o posicionamento de Pontes de Miranda, pois o autor é o maior tratadista do país acerca da ação rescisória, apresentando posicionamento diverso da orientação contida na súmula 343 do Supremo Tribunal Federal, o que passamos a analisar.


1.2.2.1 O conceito de interpretação do direito


O relevo que se deve dar às normas constitucionais é extremamente pertinente e adequada. No entanto, há autores, por todos Pontes de Miranda, que entendem ser descabida a orientação contida na Súmula 343 do Supremo Tribunal Federal. O entendimento explicitado por Pontes de Miranda encontra fundamento inicial na sua concepção do que é a interpretação do direito, nos seguintes termos:


“Aqui, fazem-se mister algumas precisões.a) Questão de interpretação é questão de se saber qual a regra jurídica, ou qual a configuração da regra jurídica, que está no sistema jurídico e deve ser, portanto, explicitado.b) Questão de escolha entre interpretações dadas é questão que somente surge se há duas ou mais interpretações e tem o tribunal de fixar qual a certa, de assentar a melhor. Quando se infringe a interpretação, que é certa, e se adota a não certa, quer ocorrendo a), quer ocorrendo b), infringe-se a lei, no sentido de elemento proposicional do sistema jurídico. O esforço que se possa custar ao juiz para obter a interpretação certa não importa. Iura novit curia. O juiz tem de saber e de dizer a lei: se o não diz, ou se entende que lhe vai custar muito encontrar o senso da lei, não interessa à ordem jurídica. O defeito, a deficiência, a defecção, é dele.”[5]


O raciocínio, basicamente, é o seguinte: a atividade de interpretar é inerente à atividade de julgar. Somente há dúvidas quanto à interpretação de uma lei quando for possível a existência de interpretações divergentes, ainda que a divergência se dê no âmbito jurisprudencial. Tal divergência não serve para tornar incabível a ação rescisória com base no art. 485, V, do CPC, pois é tarefa do juiz interpretar o direito.


1.2.2.2 O papel dos juízes quando houver divergência jurisprudencial


O papel do magistrado, então, é interpretar e aplicar sempre a melhor interpretação das normas, em razão do princípio de que ao juiz é dado conhecer o direito. Quando não se adota a melhor interpretação está se violando literalmente a ordem jurídica, já que o direito, na maior parte dos casos, é controvertido e o seu grande momento de atividade intelectiva se dá no momento da interpretação desses casos.


Se há apenas um entendimento acerca de determinada matéria, dificilmente será proferida decisão em sentido contrário. As decisões violadoras à ordem jurídica surgem, geralmente, quando há divergência, quando há controvérsia quanto ao modo ou extensão de aplicação da norma. O papel do julgador é, principalmente nesses casos, realizar a atividade interpretativa com afinco e zelo, não podendo seu erro ficar acobertado pelo simples fato de não ser uma decisão absurda.


Se não houvesse divergência quanto às normas jurídicas, ainda que no âmbito jurisprudencial, praticamente não haveria sentido a existência de um Poder do Estado especializado na resolução de litígios, dotado de profissionais capacitados com o fim de resolver e dirimir as controvérsias interpretativas.


Arrematando o pensamento, citamos Pontes de Miranda:


“As diferenças de exegese passam-se no sujeito, nos juízes, e não no ordenamento jurídico. São subjetivas. Seria bem frágil o sistema jurídico se ao simples fato do erro, da meia ciência, ou da ignorância de aplicadores e intérpretes, as suas regras jurídicas pudessem empanar-se, encobrir-se, a ponto de não se poder corrigir a violação da lei. Assim, quando as Câmaras Cíveis Reunidas do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, a 3 de dezembro de 1952, deixaram de rescindir julgamento que infringira regra jurídica, com o simples fundamento de que havia duas interpretações da lei, reinfringiram o direito, porque o atacaram em sua própria integridade e o reduziram a algo de só existente na mente dos juízes.”[6]


 1.2.2.3 O objetivo da ação rescisória com base no art. 485 para Pontes de Miranda


Para Pontes de Miranda, a ação rescisória visa extirpar violação clara ao ordenamento jurídico, seja a nível constitucional ou infraconstitucional:


“A violação do próprio direito constitucional em tese não é mais suficiente como pressuposto da ação rescisória do que a violação do direito ordinário, processual ou material, público ou privado. Os recursos extraordinário e especial dos arts. 102, III, a), b), c) e 105, III, a), b), c) da Constituição de 1988, selecionam direito, a ação rescisória não(…). O que interessa ao Estado e ao povo é a integridade, a observância, o respeito de todo o seus sistema jurídico.[7]


Para Pontes de Miranda, então, a ação rescisória com base no art. 485, V, do CPC seria uma ação destinada a garantir o respeito, por parte das decisões judiciais, ao ordenamento jurídico. Serviria, dentre outros objetivos, para extirpar as ofensas existentes ao direito no âmbito das decisões judiciais, ainda que houvesse divergência jurisprudencial acerca da matéria à época da decisão.


1.2.3 O Entendimento do Ministro Teori Albino Zavascki do Superior Tribunal de Justiça Explicitado no Recurso Especial. nº. 1.026.234-DF


Uma decisão recente, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, cujo relator foi o Min. Teori Albino Zavascki, estabeleceu a não incidência da Súmula 343 do Supremo Tribunal Federal nos casos em que haja violação à orientação do Superior Tribunal de Justiça na interpretação das leis federais. O julgamento citado foi proferido no Recurso Especial nº. 1.026.234-DF. Tal julgado será analisado com profundidade, pois parece ser o princípio de uma mudança de entendimento por parte do Superior Tribunal de Justiça e, por isso, merece ser abordado no presente trabalho.


1.2.3.1 Breve resumo do Recurso Especial em análise


O Recurso Especial foi proposto em face de decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região que, ao julgar a ação rescisória com base no art. 485, V, julgou extinto o processo sem exame do mérito, em razão da aplicação da Súmula nº. 343 do Supremo Tribunal Federal, reconhecendo não ser o caso de violação literal de lei. Tratava-se o julgamento originário de demanda em que se pedia a declaração de não-incidência do imposto de renda sobre complementação de aposentadoria, figurando como parte recorrida a Fazenda Nacional.


1.2.3.2 A jurisprudência tradicional do Superior Tribunal de Justiça sobre a matéria e a similitude da Súmula 343 com a Súmula 400


A jurisprudência tradicional do Superior Tribunal de Justiça era de admitir, na interpretação de leis federais, interpretação razoável, ainda que esta não fosse a mais exata, quando houvesse divergência jurisprudencial.


Nesse sentido, podemos citar o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial 721218 / AL, 2ª T., Rel. Min. Castro Meira, Dj. 23/05/2005, p. 256
sobre a matéria:


“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. FGTS. EXPURGOS INFLACIONÁRIOS. AÇÃO RESCISÓRIA. SÚMULA 343/STF. INCIDÊNCIA. INTERPRETAÇÃO CONTROVERTIDA NOS TRIBUNAIS. 1. Se a interpretação era controvertida nos Tribunais à época em que plasmada a decisão rescindenda, não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, ainda que a jurisprudência, posteriormente, tenha se firmado favoravelmente ao pleito do autor (Súmula 343/STF e 134/TFR). 2. Segundo orientação da Primeira Seção desta Corte, deve-se afastar a incidência da Súmula 343/STF somente nas hipóteses em que o Supremo Tribunal Federal venha a declarar a inconstitucionalidade da lei aplicada pelo acórdão rescindendo. 3. A Corte Suprema analisou a questão relativa aos expurgos inflacionários do FGTS no RE nº 226.855/RS, portanto, mediante o controle difuso, com efeito ‘inter partes’, e, ainda assim, o fez à luz do princípio do direito adquirido, sem declarar a inconstitucionalidade de qualquer dispositivo legal. Dessa forma, não há óbice à aplicação da Súmula 343/STF a essa questão. 4. Ainda que houvesse, por parte do acórdão rescindendo, violação à norma de estatura constitucional, estaria o Supremo impossibilitado de conhecer do recurso extraordinário interposto contra decisão desta Corte que inadmite o processamento da ação rescisória com base na aplicação da Súmula n.º 343/STF. Embora a Constituição da República assegure a intangibilidade da coisa julgada, coube ao legislador ordinário fixar os pressupostos para a propositura dessa ação, bem como as hipóteses em que se admite a rescisão do julgado. 5. A controvérsia relativa aos pressupostos de cabimento da ação rescisória e a aplicação, ou não, da Súmula n.º 343/STF tem natureza infraconstitucional, o que impede a admissão do apelo extraordinário, já que a lesão à Carta Magna, caso existente, seria apenas reflexa e mediata. Precedentes do STF. 6. Recurso especial improvido.” (grifos nossos)


Aplicava-se, assim, a orientação contida na Súmula 343 do Supremo Tribunal Federal, que teve fundamentos similares aos da Súmula 400, no âmbito do recurso extraordinário. Apesar disso, o Ministro Zavascki propôs a revisão da jurisprudência do tribunal a respeito.


1.2.3.3 Fundamentos para a não aplicação da súmula 343 em relação à violação literal às normas federais


Serão abordados, a seguir, os fundamentos para a não incidência da súmula 343 do Supremo Tribunal Federal, quando a decisão rescindenda tratar da interpretação de normas federais e contiver entendimento contrário ao fixado pelo Superior Tribunal de Justiça.


1.2.3.3.1 A não aplicação, por parte do Supremo Tribunal Federal, da súmula 400 e da súmula 343 quando a violação for a normas constitucionais


Argumentou o relator, como fundamentos para a não incidência da súmula 343 no trato de questões federais, o fato do Supremo Tribunal Federal, em homenagem ao princípio da Supremacia da Constituição e realizando o seu papel de guardião da Carta Magna, já havia rechaçada a aplicação da Súmula 400, quando se tratasse de julgamento de matéria constitucional, já que as normas constitucionais devem ser dotadas sempre da melhor interpretação e não de interpretação simplesmente tolerável, ainda que não manifestamente equivocada ou aberrante.


Seguindo o mesmo raciocínio e considerando que a “Súmula nº. 343 nada mais é que a repercussão, na esfera da ação rescisória, da súmula nº. 400, que não se aplica a texto constitucional, no âmbito do recurso extraordinário” (Recurso Extraordinário 89.108, RTJ 101/207, voto do Min. Moreira Alves), o Supremo também afastou a aplicação da Súmula 343, quando a ação rescisória tratasse de violação à Constituição Federal.


 Nesse sentido, está o voto do Min. Gilmar Mendes no julgamento dos Embargos de Declaração no Recurso Extraordinário 328.812, em 06.03.08:


“Nesse ponto, penso, também, que a ação rescisória adquire uma feição que melhor realiza o princípio da isonomia. Se por um lado a rescisão de uma sentença representa certo fator de instabilidade, por outro não se pode negar que uma aplicação assimétrica de uma decisão desta Corte em matéria constitucional oferece instabilidade maior, pois representa uma violação a um referencial normativo que dá sustentação a todo o sistema[8].


1.2.3.3.2 A contradição do Superior Tribunal de Justiça ao inaplicar a súmula 400 no Recurso Especial e aplicar a súmula 343 na Ação Rescisória quando a ofensa for a normas federais


O Superior Tribunal de Justiça, inicialmente, aplicou a Súmula 400 no âmbito do julgamento de Recursos Especiais (Recurso Especial. 43 RJSTJ 2/608; Recurso Especial. 203 RJSTJ; Recurso Especial. 281-RJSTJ 4/1537). No entanto, como havia realizado o Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal de Justiça afastou a incidência da Súmula no trato de interpretação de leis federais, admitindo o cabimento de Recurso Especial, em face de decisões que tivessem adotado interpretação razoável, mesmo que não tivesse sido a mais correta. O Superior Tribunal de Justiça, então, mudou sua interpretação sob o argumento de que “a doutrina encartada naquela súmula era incompatível com o sistema recursal implantado pela Constituição de 1988 e com a criação de um tribunal, o Superior Tribunal de Justiça, guardião da legislação federal, encarregado de zelar pela sua integridade e pela sua aplicação uniforme.[9]


Salienta o Min. Zavascki, em seu voto, que o Superior Tribunal de Justiça, porém, não teve o mesmo posicionamento em relação a Súmula 343, não rechaçando a aplicação da súmula como o fizera, a nível constitucional, o Supremo Tribunal Federal. No entanto, alega que tal postura não se coaduna com o papel do Superior Tribunal de Justiça outorgado pela Constituição de 1988.


Nesse sentido, Celso de Albuquerque Silva entende que:


“Esta posição ambígua do Superior Tribunal de Justiça não é digna de encômio e termina por demonstrar a falta de sensibilidade do Tribunal com sua função institucional de assegurara uniformidade do direito federal. Talvez o Superior Tribunal de Justiça não tenha ainda percebido de que, a exemplo do que ocorre com o Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional, é o STJ o responsável pela última e, conseqüente única, obrigatória e vinculante interpretação do direito federal infraconstitucional.A exemplo do que ocorre com o Supremo Tribunal Federal, que inicialmente afastou a aplicação da súmula 400 e depois estendeu o mesmo entendimento para a Súmula 343, acreditamos e esperamos que o Superior Tribunal de Justiça, fazendo vale sua missão constitucional, também afaste a aplicação da súmula 343 para admitir a propositura da ação rescisória quando a decisão trânsita em julgado afrontar entendimento jurisprudencial sedimentado no Tribunal, uniformizando a aplicação do direito federal e distribuindo a justiça ao conferir tratamento igual a situações jurídicas idênticas”.[10]


1.2.3.3.3 O papel institucional do Superior Tribunal de Justiça segundo a Constituição Federal de 88


A Carta Magna de 88 criou o Superior Tribunal de Justiça e conferiu a ele o papel de uniformizar a interpretação das leis federais em todo o território nacional. O Superior Tribunal de Justiça desempenha atividade fundamental no Judiciário brasileiro. Isso porque, por se tratar o país de uma República Federativa, em que os estados são dotados de autonomia e de corpo Judiciário próprio, seria previsível a existência de divergência quando da interpretação das leis federais entre os diversos tribunais de justiça estaduais ou tribunais regionais federais.


Em razão disso, com o objetivo de se evitar a fragilização das leis federais e a violação ao princípio da isonomia, coube ao Superior Tribunal de Justiça dirimir as divergências porventura existentes entre os diversos tribunais locais comuns espalhados ao longo do país. Com esse espírito, é que foi criado o Recurso Especial, com base na divergência jurisprudencial, acerca das leis federais. Além disso, cabe ao Superior Tribunal de Justiça zelar pela integridade da aplicação das leis federais, velando pela sua melhor interpretação.


Nesse sentido, citamos o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça:


“A interpretação da súmula 343, do STF, não deve conduzir o entendimento jurisprudencial a provocar diferentes para a solução para litígios que envolvem interesses individuais de pessoas componentes de várias estamentos sociais, como é o caso dos instalados para a solução dos critérios de reajuste da prestação da casa própria. A função unificadora da interpretação da legislação infraconstitucional deve preponderar acima de princípios formais aplicados à ação rescisória” (STJ, 1ª Seção, Embargos de Declaração na Ação Rescisória 394-BA, Rel. Min. José Delgado, j. 11/02/1998)


Com base nos argumentos expostos, Zavascki defende que o Superior Tribunal de Justiça deveria ter adotado em relação à Súmula 343 o mesmo entendimento que teve em relação à de nº 400, já que ambas teriam o mesmo fundamento de recusa.


Outro fundamento para a não aplicação da Súmula 343, quando a decisão violar entendimento do Superior Tribunal de Justiça em relação à interpretação de leis federais, é conferir tratamento isonômico aos destinatários das normas jurídicas federais. A existência de interpretações diferentes para a mesma norma federal, conferindo tratamento distinto aos cidadãos, não é situação almejada pela Constituição Federal de 1988. Em função disso, a ação rescisória com base no art. 485, V, do CPC, nesses casos, pode servir como instrumento para expurgar violações ao princípio constitucional da igualdade, assegurando a mesma interpretação da lei federal para casos idênticos.


1.2.3.3.4 A evolução legislativa em vincular as decisões aos precedentes dos Tribunais Superiores


Para o Ministro Teori Albino Zavascki, o afastamento da incidência da Súmula 343, ao apreciar ação rescisória que trate de violação a lei federal, é extremamente necessário, já que admitir interpretação razoável que não seja a melhor é ir de encontro à direção da evolução legislativa em vincular as decisões aos precedentes dos Tribunais Superiores.


Nessa linha, temos o art. 38 da Lei 8.038/90 que autorizou o relator, no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça, a negar seguimento a recurso contrário à súmula do respectivo tribunal. Já o novo art. 557 e seus parágrafos autorizaram o relator, por meio de julgamento monocrático, a negar seguimento a recursos, quando a decisão hostilizada estiver conforme a súmula ou jurisprudência dominante do respectivo tribunal ou dos tribunais superiores. Por sua vez, o art. 544, §§ 3º e 4º, autorizou o relator de Agravo de Instrumento em Recurso Especial ou Extraordinário, com base em súmula ou jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça ou Supremo Tribunal Federal, a conhecer do agravo e prover o Recurso Especial ou Recurso Extraordinário. Já o § 3º do art. 475 dispensou o reexame necessário das sentenças conformes a jurisprudência do Pleno do Supremo Tribunal Federal ou a súmula de tribunal superior competente


A valorização dos precedentes judiciais dos tribunais superiores se tornou ainda mais evidente com o art. 14 da Lei 10.259/2007, que criou o mecanismo de uniformização de interpretação de lei federal, estabelecendo a eficácia vinculante dos precedentes da Turma de Uniformização em seu § 2º e no § 4º da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça aos pedidos de uniformização de jurisprudência retidos. Passou-se a aplicar, então, o julgamento uniforme de demandas repetitivas.


Em 2006, mais um passo foi dado na consagração dos precedentes, com o art. 518, §1º, que considerou incabível a apelação contra sentenças proferidas com base em súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça. Já o regramento infraconstitucional da repercussão geral, por meio dos arts. 543-A e 543-B, fortaleceu os precedentes, quando considerou como existente a repercussão geral no caso da decisão contrariar súmula ou jurisprudência dominante no tribunal.


Em 2008, com a Lei 11.672, os precedentes do Superior Tribunal de Justiça foram extremamente valorizados com a regulamentação do procedimento para o julgamento de recursos especiais repetitivos no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, especificamente quando for detectada multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito.


1.2.3.4 O posicionamento adotado no Recurso Especial 1.026.234-DF e a sua pertinência


Por todo o exposto, parece-nos com razão o entendimento explicitado pelo Ministro Teori Albino Zavascki. O Ministro sistematiza as situações de existência possíveis e o modo de atuação do Superior Tribunal de Justiça, com o qual concordamos, da seguinte forma:


“Se a divergência interpretativa é no âmbito dos tribunais locais, não pode o STJ se furtar à oportunidade propiciada pela ação rescisória, de dirimi-la, dando à norma a interpretação adequada e assim firmando o precedente a ser observado; se a divergência for no âmbito do próprio STJ, a ação rescisória será o instrumento para uniformização interna; e se a divergência for entre tribunal local e o STJ, o afastamento da súmula 343/STF será a via para fazer prevalecer a interpretação assentada nos precedentes da Corte Superior, reafirmando, desse modo, a sua função constitucional de guardião da lei federal.”[11]


Reputamos como adequado o entendimento firmado pelo Ministro Teori Albino Zavascki, em razão dos fundamentos já elencados. Com posição similar ao entendimento de Zavascki, encontra-se o entendimento de Fredie Didier Jr., nos seguintes termos:   


“Se a lei violada for uma norma constitucional, haverá tal violação, quando a decisão rescindenda tiver destoado da interpretação dada àquela norma pelo Supremo Tribunal Federal. Caso, entretanto, a norma seja infraconstitucional haverá violação, quando a interpretação conferida pela decisão rescindenda afastar-se daquela ministrada pelo Superior Tribunal de Justiça. Com efeito, tanto o STF como o STJ desempenha a função primordial de interpretar e preservar, respectivamente, a legislação constitucional e a infraconstitucional, daí resultando o papel de uniformizar a jurisprudência nacional quanto àquela respectiva legislação, em decisões paradigmáticas”.[12]          


1.2.4 A súmula 343 e a violação a leis locais


Propomos o cancelamento da súmula 343 do Supremo Tribunal Federal, com o objetivo de que os tribunais locais, ao julgarem ação rescisória fundada em violação de lei local, possam rescindir a decisão que tenha adotado interpretação razoável que não seja a melhor. 


Como fundamentos para este entendimento, apontamos o fato de que a evolução legislativa da vinculação dos precedentes não assegurou a proeminência                        apenas da jurisprudência dos tribunais superiores, mas também da súmula e jurisprudência dominante existentes nos tribunais locais     


Se é bem verdade que o Superior Tribunal de Justiça tem o papel de guardião da legislação federal, também é verdade que os tribunais de justiça estaduais possuem a última palavra na interpretação das leis estaduais, podendo ser considerados como os guardiães da legislação de cada estado a que pertençam. Assim, caso        haja a adoção, por juízo inferior ao Tribunal de Justiça, de interpretação de lei estadual de forma contrária á jurisprudência do TJ, deve o citado tribunal                  admitir o cabimento da ação rescisória para fazer valer a vinculação do julgado ao seu precedente jurisprudencial.                


Concordamos, assim, com Pontes de Miranda que discorda frontalmente com a afirmação de que a divergência jurisprudencial torna incabível a utilização da ação                rescisória com base o art. 485, V, do CPC. Para o referido autor, como dito antes, a dúvida interpretativa está na mente dos juízes e não no ordenamento jurídico, sendo função do Judiciário adotar sempre a melhor interpretação. Acrescentamos que quando se fornece uma decisão que beira o razoável, mas que não corresponde à exatidão interpretativa, não se estará prestando a atividade jurisdicional de forma adequada, sendo a ação rescisória por violação literal de disposição de lei o instrumento adequado para sanar tal defeito, desde que proposta no prazo legal.      


CONCLUSÃO


O conceito de violação literal, assim, não corresponde simplesmente a violação à literalidade da norma, já que há diversos métodos de interpretação para as normas jurídicas, representando a análise da literal apenas a uma das mais simples.


Ressalte-se que orientação jurisprudencial contida na súmula 343 do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que não cabe ação rescisória por literal violação de lei quando houver controvérsia jurisprudencial à época da decisão, desde que a decisão não seja absurda, não vem sendo aplicada no caso de violação às normas constitucionais.


No caso de violação às normas federais, a jurisprudência tradicional do Superior Tribunal de Justiça ainda é no sentido de aplicar o conteúdo da súmula 343. Entretanto, já há julgado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça inaplicando a súmula citada, em razão do papel institucional do Superior Tribunal de Justiça outorgado pela Constituição Federal de 1988;


Registre-se também que a controvérsia jurisprudencial não deve ser motivo para não se admitir a ação rescisória por literal violação de disposição de lei, segundo o princípio de que Iura novit curia.


Assim, a súmula 343 deve ser cancelada, pois, também, se devem prestigiar as decisões proferidas pelos Tribunais de Justiça acerca da interpretação das leis locais, já que cabe a estes dar a última palavra acerca da interpretação de tais normas, não podendo prevalecer decisões que tenham contrariado o seu entendimento, ainda que não sejam decisões absurdas.


 


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Notas:

[1]  FUX, Luiz. Curso de direito processual civil, Volume I, 3ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 849.

[2]  MIRANDA, Pontes de. Tratado da ação rescisória.-Campinas: Bookseller, 1998, p. 269.

[3]  DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro; Curso de Direito Processual Civil, 3 ed.,  Salvador:Editora JusPodivm, 2007, vol. 3, p. 327.

[4]  DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro; Curso de Direito Processual Civil, 3 ed.,  Salvador:Editora JusPodivm, 2007, vol. 3, p. 329.

[5]  MIRANDA, Pontes de. Tratado da ação rescisória.-Campinas: Bookseller, 1998, p. 283. 

[6]  MIRANDA, Pontes de. Tratado da ação rescisória.-Campinas: Bookseller, 1998, p. 283.

[7]  MIRANDA, Pontes de. Tratado da ação rescisória.-Campinas: Bookseller, 1998, p. 294.

[8]  STF, Embargos de Declaração no RE 328.812, voto Min. Gilmar Mendes, em 06.03.08.

[9]  STJ, Resp 1.026.234/DF, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 11.6.2008.

[10]  SILVA, Celso de Albuquerque apud STJ, Resp 1.026.234/DF, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 11.6.2008.

[11]  STJ, Resp 1.026.234/DF, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 11.6.2008.

[12]  DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro; Curso de Direito Processual Civil, 3 ed.,  Salvador:Editora JusPodivm, 2007, vol. 3, p. 328.


Informações Sobre o Autor

Ubenilson Colombiano Matos dos Santos

Advogado


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