A Súmula Vinculante e o Sistema Recursal

1. A Súmula Vinculante e sua Sistematização

Depois de inúmeros debates jurídicos, políticos e históricos, inclusive com elementos do direito comparado, a súmula vinculante fazia parte da “reforma do judiciário” e resultou no art. 103-A, CF (EC. nº 45), disciplinado no âmbito infra-constitucional pela Lei nº 11.417, de 19/12/2006,[1] com aplicação subsidiária do Regimento Interno do STF.

Por força da alteração constitucional, poderá o STF, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei (art. 103-A, caput, CF, art. 2º, Lei nº 11.417/2006).

Nos termos da própria Constituição, a súmula vinculante terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.

A aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles legitimados a proporem a ação direta de inconstitucionalidade, ou seja, o Presidente da República; a Mesa do Senado Federal; a Mesa da Câmara dos Deputados; a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; o Governador de Estado ou do Distrito Federal; o Procurador-Geral da República; o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; partido político com representação no Congresso Nacional; confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional (art. 103, CF).

Além desses, a Lei nº 11.417/2006 ampliou o rol dos legitimados a pleitear a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula, admitindo que o Defensor Público-Geral da União; os Tribunais Superiores, os Tribunais de Justiça de Estados ou do Distrito Federal e Territórios, os Tribunais Regionais Federais, os Tribunais Regionais do Trabalho, os Tribunais Regionais Eleitorais e os Tribunais Militares também o façam (art. 3º, VI e XI).

Os municípios poderão pleitear, apenas de forma incidental nos processos em que sejam parte, a revisão ou o cancelamento de enunciado de súmula vinculante, o que não autoriza a suspensão do processo.

Durante a tramitação das propostas de edição, revisão ou cancelamento de súmula, o Procurador-Geral da República, nas propostas que não houver formulado, manifestar-se-á previamente.

A edição, a revisão e o cancelamento de enunciado de súmula, com efeito vinculante, dependerão de decisão tomada por dois terços dos membros do STF, em sessão plenária.

A publicação do enunciado da súmula deverá ocorrer em seção especial do Diário da Justiça e do Diário Oficial da União no prazo de 10 dias após a sessão plenária.

Nos termos do Regimento Interno do STF, durante o procedimento de edição, revisão ou cancelamento de enunciado da súmula vinculante, o relator admitirá, por decisão irrecorrível, a manifestação de terceiros na questão, que terá o papel de amigo da Corte (amicus curiae).[2]

A súmula com efeito vinculante tem eficácia imediata, mas o STF, quando vislumbrar razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse público, por decisão de dois terços dos seus membros, poderá restringir os efeitos vinculantes ou decidir que só tenha eficácia a partir de outro momento.

Na hipótese de ser revogada ou modificada a lei em que se fundou a edição de enunciado de súmula vinculante, o STF, de ofício ou por provocação, procederá à sua revisão ou cancelamento.

A proposta de edição, revisão ou cancelamento de enunciado de súmula vinculante não autoriza a suspensão dos processos em que se discuta a mesma questão.

Da decisão judicial ou do ato administrativo que contrariar enunciado de súmula vinculante, negar-lhe vigência ou aplicá-lo indevidamente caberá reclamação ao STF, sem prejuízo dos recursos ou outros meios admissíveis de impugnação.

Contra omissão ou ato da administração pública, o uso da reclamação só será admitido após esgotamento das vias administrativas.[3]

Ao julgar procedente a reclamação, o STF anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial impugnada, determinando que outra seja proferida com ou sem aplicação da súmula, conforme o caso.

No caso específico de processos administrativos no âmbito da administração pública federal direta e indireta, se o recorrente alegar que a decisão administrativa contraria enunciado da súmula vinculante, caberá à autoridade prolatora da decisão impugnada, se não a reconsiderar, explicitar, antes de encaminhar o recurso à autoridade superior, as razões da aplicabilidade ou inaplicabilidade da súmula, conforme o caso (art. 56, § 3º, Lei 9.784/99).

Se o recorrente na via administrativa alegar violação de enunciado da súmula vinculante, o órgão competente para decidir o recurso explicitará as razões da aplicabilidade ou inaplicabilidade da súmula, conforme o caso (art. 64-A).

Acolhida pelo STF a reclamação fundada em violação de enunciado da súmula vinculante, dar-se-á ciência à autoridade administrativa prolatora e ao órgão administrativo competente para o julgamento do recurso, que deverão adequar as futuras decisões em casos semelhantes, sob pena de responsabilização pessoal nas esferas cível, administrativa e penal (art. 64-B). Regra que também deveria ser estendida a todos os órgãos da administração pública estadual, distrital e municipal.

2. A Súmula Vinculante e os Recursos

Como se sabe, após a sua aprovação pelo Pleno do STF e a partir de sua publicação na imprensa oficial, a súmula terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal (art. 103-A, caput, CF, art. 2º, Lei nº 11.417/2006).

A súmula vinculante somente terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas (questões jurídicas ou de direito), acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.

Desta forma, a edição da súmula vinculante atinge todos os processos judiciais e administrativos em curso, estejam eles tramitando em primeira ou em qualquer outra instância.

Parece-nos que em havendo súmula vinculante sobre a matéria controvertida, a ação poderá ser julgada de total improcedência, dispensada a citação, pela aplicação da sistemática do art. 285-A, do CPC.

O mesmo não poderá ocorrer no caso de procedência da pretensão inicial conforme enunciado da súmula vinculante, pois o amplo direito de defesa deverá ser garantido, até para que o requerido tenha a oportunidade de demonstrar não se tratar da hipótese de aplicação da súmula ou, em sendo um Município, requerer o cancelamento ou revisão da súmula de forma incidental. Mantida a questão controvertida, será o caso de julgamento antecipado do mérito (art. 330).

Contra o ato administrativo ou decisão judicial que contrariar súmula vinculante ou que indevidamente a aplicar (art. 103-A, CF), caberá reclamação ao STF (art. 102, I, l, art. 103-A, § 3º). Também conhecida como “reclamação constitucional”. O art. 7º, da Lei 11.417/2006, prevê expressamente o cabimento da reclamação.

Proposta diretamente contra o ato administrativo, a reclamação tem natureza medida judicial de impugnação, quando ela se voltar contra decisão judicial, sua natureza será recursal.

No caso de omissão ou ato da administração pública, o uso da reclamação só será admitido após o esgotamento das vias administrativas (art. 7º, § 1º, Lei nº 11.417/2006). Padece de inconstitucionalidade tal exigência, por restringir o princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional do Estado (art. 5º, XXXV, CF).[4]

Acolhida a reclamação, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso (art. 103-A, § 3º, CF).

No processo civil, o juiz a quo não receberá o recurso de apelação quando a sentença estiver em conformidade com súmula do STJ ou do STF (art. 518, § 1º, CPC, Lei nº 11.276/2006). Trata-se da súmula obstativa de recurso.

O juiz trabalhista, em nosso modo de ver, também não permitirá o seguimento do recurso ordinário que contrária às súmulas do STF e TST.

Evidentemente que o recurso de apelação e ordinário trabalhista também não poderão ser admitidos pelo juiz a quo quando confrontarem súmula vinculante.

Pela sistemática do CPC, quando do recebimento do recurso pelo tribunal, o relator negará seguimento ao recurso que estiver em confronto com a súmula vinculante, como já ocorre quando o mesmo está em confronto com súmula ou jurisprudência dominante do STF ou do Tribunal Superior (art. 557, caput).

Por outro lado, se a decisão atacada estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do STF ou de tribunal superior, o relator poderá dar provimento ao recurso (art. 557, § 1º).

Acreditamos que em ambos os casos da mesma forma deverá agir o relator diante da súmula vinculante.

No caso do agravo de instrumento contra decisão interlocutória, no processo civil, o relator poderá negar liminarmente seguimento quando estiver em confronto com as súmulas e jurisprudência dominante do respectivo tribunal e dos tribunais superiores (art. 527, I).

No caso de agravo de instrumento contra decisão que denegar seguimento ao recurso extraordinário e especial, o relator poderá, se o acórdão recorrido estiver em confronto com súmula ou jurisprudência dominante do STF ou do STJ, conhecer do agravo e lhe dar provimento ao recurso excepcional ou, ainda, se houver elementos necessários ao julgamento do mérito, determinar sua conversão, observando, daí por diante, o procedimento pertinente ao recurso (art. 544, §§ 3º e 4º, CPC).

O art. 896, § 5º, CLT, permite o ministro-relator negar seguimento ao recurso de revista, embargos e ao agravo de instrumento, quando a decisão recorrido estiver em consonância com o enunciado da súmula da jurisprudência do TST. Também nos parece ser possível negar seguimento ao recurso de revista, embargos e ao agravo de instrumento quando a decisão recorrida estiver em conformidade com as súmulas do STF.[5]

Tanto no juízo de admissibilidade pelo juízo a quo, quanto ad quem feito pelos tribunais ou pelo TST, o recurso (ordinário, revista, agravo de instrumento, agravo de petição, embargos) contrário à súmula vinculante não pode ser admitido.

De forma semelhante ao sistema recursal vigente, os recursos ordinário, agravo de petição e embargos poderão ser acolhidos por decisão do relator quando estiver em conformidade com enunciado de súmula vinculante do STF, por aplicação do previsto no art. 557, CPC, e do art. 896, § 5º, CLT.

Caberá a parte interessada demonstrar que não se trata da hipótese de aplicação da súmula.

Contudo, quando a parte interessada for um município, esse poderá propor, incidentalmente ao curso de processo em que seja parte, a edição, a revisão ou o cancelamento de enunciado de súmula vinculante, o que não autoriza a suspensão do processo (art. 3º, § 1º, Lei nº 11.417/2006).

A reclamação constitucional contra decisão judicial ou ato administrativo não obsta outros recursos ou meios admissíveis de impugnação (art. 7º), como ação rescisória ou mandando de segurança. Em outras palavras, caracteriza uma exceção ao princípio da singularidade (unirrecorribilidade, absorção ou unicidade recursal).[6]

 

Notas:
[1] A Lei nº 11.417, de 19/12/2006, foi publicada no DOE em 20/12/2006 e tem uma vacatio legis de 3 meses (art. 11).
[2] A função do amigo da Corte (amicus curiae) é trazer informações durante a tramitação do procedimento que possam colaborar com a decisão dos ministros do STF sobre a edição, revisão ou cancelamento do enunciado da súmula vinculante.
[3] Padece de inconstitucionalidade tal exigência, por restringir o princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional do Estado (art. 5º, XXXV, CF).
[4] De forma semelhante, a exigência de exaurimento da via administrativa antes do ingresso do mandado de segurança não prevalece após a CF/88.
[5] Acrescente-se que se considera inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal ou em aplicação ou interpretação tidas por incompatíveis com a Constituição (art. 884, § 5º, CLT, e art. 741, II, parágrafo único, CPC, MP nº 2.180-35/2001, em vigor pela EC nº 32).
[6] Não pode haver a interposição simultânea ou cumulativa de mais de um recurso quanto ao mesmo ato. A parte tem a obrigação de escolher o recurso adequado. Se escolher um apelo incorreto e de forma grosseira, estará precluso o direito quanto à recorribilidade. Esse princípio está inserido de forma implícita no ordenamento jurídico, ao contrário do que ocorria pelo CPC de 1939, em seu art. 809.
Em outras palavras, significa que para cada ato jurisdicional existe um recurso único e adequado, de modo que não se pode exercer cumulativamente dos recursos contra a mesma decisão.
No processo civil, considerando objetivamente decisões complexas, com conteúdos impugnados por recursos distintos, tem-se como exceção, as partes podem interpor de forma simultânea: embargos infringentes, recurso especial e o extraordinário.
No processo trabalhista, será o caso de embargos de divergência e de nulidade (art. 3º, III, b, Lei nº 7.701/88) da decisão da turma para a SDI do TST.

 


 

Informações Sobre os Autores

 

Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante

 

Advogado. Professor da Faculdade de Direito Mackenzie. Ex-coordenador do Curso de Direito da Faculdade Integrada Zona Oeste (FIZO). Ex-procurador chefe do Município de Mauá. Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Mestre em Integração da América Latina pela Universidade de São Paulo (USP/PROLAM). Autor de várias obras jurídicas em co-autoria com Francisco Ferreira Jorge Neto, com destaques para: Direito do Trabalho (4ª ed., no prelo) e Direito Processual do Trabalho (3ª ed., 2007), todos pela Lumen Juris.

 

Francisco Ferreira Jorge Neto

 

Desembargador Federal do Trabalho (TRT 2ª Região). Coordenador e Professor da Pós-Graduação Lato Sensu do Pró-Ordem em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho em Santo André (SP). Professor Convidado: Curso de Pós-Graduação Lato Sensu da Escola Paulista de Direito. Mestre em Direito das Relações Sociais – Direito do Trabalho pela PUC/SP. Autor de livros, com destaques para: Direito do Trabalho (5ª edição) e Direito Processual do Trabalho (4ª edição), publicados pela Lumen Juris, em co-autoria com Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante

 


 

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