Alguns aspectos processuais da teoria da desconsideração da personalidade jurídica e análise do procedimento pretendido pelo anteprojeto do novo Código de Processo Civil

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Resumo: o presente artigo pretende analisar alguns aspectos processuais da teoria desconsideração da personalidade jurídica, mormente a respeito da discussão sobre a necessidade de ação autônoma ou incidental e ônus da prova. Pretende-se, ainda discorrer a respeito do incidente de desconsideração previsto no Anteprojeto do Código de Processo Civil para, finalmente, analisar alguns casos significativos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.


Palavras-chave: desconsideração da personalidade jurídica; Anteprojeto do Código de Processo Civil; procedimento; ônus da prova;  incidente processual; contraditório e ampla defesa.


Sumário:  Introdução; 1. A desconsideração segundo a doutrina; 1.1. Do procedimento; 1.2. Do ônus da prova; 2. A desconsideração da personalidade jurídica no Anteprojeto do novo Código de Processo Civil; 3. A desconsideração na jurisprudência; 3.1. Considerações iniciais; 3.2  Desnecessidade de ação autônoma; 3.3. Necessidade de citação do sócio; 3.4. O devido processo legal: contraditório e ampla defesa; Conclusão; Referências bibliográficas.


Introdução


Muito se tem debatido sobre a teoria da desconsideração da personalidade jurídica. Assim, considerou-se oportuno estudo acerca do assunto, especialmente sua relação com o princípio constitucional do devido processo legal, em suas duas acepções: adjetiva e substantiva.


Ao que tudo indica, a grande polêmica envolvendo o tema é a falta de regras claras sobre o procedimento a ser seguido quando de sua aplicação. Evidente que a discussão também está intrinsecamente relacionada com o juízo de ponderação que se deve fazer quando estiverem em rota de colisão dois valores: o resguardo dos interesses de credores da sociedade e o direito ao devido processo legal, na sua acepção adjetiva, com seus corolários da ampla defesa e do contraditório.


Assim, visto que à matéria foi dedicado um Capítulo no Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil, intitulado Do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, serão tecidas algumas considerações com o objetivo de tornar ainda mais atual a discussão acerca do tema.


Por outro lado, busca-se fortalecer o instituto da pessoa jurídica, que representa instrumento legítimo para a consecução de interesses das mais diversas ordens e que possibilita a limitação da responsabilidade dos sócios, sem a qual dificilmente os particulares se animariam a empreender esforços e capitais em atividades de risco, extremamente necessárias ao progresso dos povos.


1. A desconsideração segundo a doutrina


1.1 Do procedimento


Como explica Marlon Tomazette, dificilmente é perceptível a necessidade de se desconsiderar a personalidade jurídica, em face de obrigação da pessoa jurídica, já no processo de conhecimento.[1]


Todavia, nos processos de execução ou cumprimento de sentença, é frequente que se verifique a insuficiência dos bens da pessoa jurídica, a qual decorra de abuso da personalidade jurídica. Logo, é do interesse dos credores que se levante o véu da personalidade jurídica para que a execução atinja os bens dos sócios ou administradores. Porém, para que isso ocorra, é necessária a determinação judicial.[2]


Nesse aspecto, discute-se se essa decisão é proferida no bojo do processo de execução ou no próprio cumprimento de sentença, ou, ainda, se seria necessário um novo processo de conhecimento manejado em face dos sócios ou administradores. A doutrina tem-se dividido quanto à resposta destas questões.


De um lado, estão os que defendem que a desconsideração não pode ser decidida pelo juiz por simples despacho em processo de execução, de maneira que é indispensável a dilação probatória através do meio processual adequado.


Nesse sentido, ensina Fabio Ulhoa Coelho:[3]


“Nota-se que a teoria maior torna impossível a desconsideração operada por simples despacho judicial no processo de execução de sentença. Quer dizer, se o credor obtém em juízo a condenação da sociedade (e só dela) e, ao promover a execução, constata o uso fraudulento da sua personalização, frustrando seu direito reconhecido em juízo, ele não possui ainda título executivo contra o responsável pela fraude. Deverá então acioná-lo para conseguir o título. Não é correto o juiz, na execução, simplesmente determinar a penhora dos bens do sócio ou administrador, transferindo para eventuais embargos de terceiro a discussão sobre a fraude, porque isso significa uma inversão do ônus probatório. […] Desse modo, quando a fraude na manipulação da personalidade jurídica é anterior à propositura da ação pelo lesionado, a demanda deve ser ajuizada contra o agente que a perpetrou, sendo a sociedade a ser desconsiderada parte ilegítima.”


Também é essa a lição de Osmar Vieira da Silva:[4]


“Simples despachos, em processos de execução movimentados contra sociedade, determinando a penhora de bens dos sócios importam flagrante desobediência ao direito constitucional ao devido processo legal.”


 


Por último, entende Ada Pellegrini Grinover que:[5]


“[…] a desconsideração da personalidade jurídica, providência cujo acerto e eficácia devem atentar para a sua excepcionalidade e para a presença de seus pressupostos (fraude e abuso, a desvirtuarem a finalidade social da pessoa jurídica), não pode, não ao menos como regra, ser feita por simples despacho no processo de execução. A cognição para detectar a presença dos citados pressupostos é indispensável e, nessa medida, ao menos como regra, impõe-se a instauração do regular contraditório em processo de conhecimento. […] Esse processo de conhecimento, que fique claro, é o processo de conhecimento condenatório, no qual se pretende a formação de título executivo para que, depois, se promova a invasão patrimonial. A via própria assim exigida, portanto, não é necessariamente um processo que tenha por objeto a desconsideração da personalidade jurídica. Trata-se de ação própria  no sentido de que aquele cujo patrimônio poderá ser atingido, via desconsideração, deve figurar no processo de conhecimento condenatório para que, também em relação a ele, se forme título executivo.”


Por outro lado, parte da doutrina invoca o princípio da instrumentalidade e efetividade do processo para afirmar que a desconsideração pode sim ser operada no próprio processo de execução, sem necessidade de outra ação com esse mesmo propósito.


Assim, leciona Flávia Lefèvre Guimarães:[6]


“Ponderando, num segundo momento, sobre a hipótese de insolvência decorrente de culpa, parece a melhor solução a que autoriza a aplicação pura da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, sem qualquer tipo de preocupação com os limites subjetivos da coisa julgada. […] Defendemos, por conseguinte, o entendimento de que nesses casos não há necessidade de que o responsável solidário ou subsidiário tenha integrado o pólo passivo da ação condenatória para ter seu patrimônio atingido na fase de execução. Aliás, nem é preciso que haja algum tipo de responsabilidade prevista em lei. Basta a constatação da fraude e a prova de que quem se beneficiou foi a sociedade acionista para que se possa alcançar seu patrimônio.”


Genacéia da Silva Alberton, partindo da análise da decisão proferida na Apelação Cível 190010454, prolatada pelo extinto Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul, conclui que não há que se falar em cerceamento de defesa haja vista que, efetivamente, a parte a ser atingida pela decisão estaria presente na demanda, diretamente ou encoberta pelo véu da pessoa jurídica.[7]


Referido acórdão está assim ementado:[8]


“Pessoa jurídica – Responsabilidade de integrante de sociedade por quota de responsabilidade limitada: teoria da despersonalização da pessoa jurídica – Para se isentar de responsabilidade pessoal de dívidas contraídas pela empresa não basta ao ex-sócio demonstrar que foi dissolvida e que o distrato foi levado ao Registro do Comércio. Impõe-se demonstrar, pelo menos, a destinação dada ao patrimônio social. Princípio da desconsideração da personalidade jurídica que sobreleva a questão voltada ao enriquecimento injustificado. Solução na espécie, que encontra reforço, ademais, no que dispõe o ar. 33 da Lei de Falências.” (Ap. 190010454  – Capital – 5ª Câm. Civ. – TARS – j. 20.3.90 – Rel. Juiz (de Alçada) Vanir Perin).


Assim, conforme ensina, nos casos em que se tem admitido a desconsideração da personalidade jurídica revela-se nítida a desnecessidade do chamamento formal daquele que vem a ser atingido pela sentença. Ao contrário, sua integração no polo passivo da demanda decorre da consequência lógica da natureza e fundamento da superação.[9]


“Uma vez requerida e admitida pelo juízo a desconsideração e a penhora de bem de terceiro cumpre ao magistrado determinar a intimação do titular, contra quem se deu a desconsideração, cujo bem foi objeto de constrição, para que exerça o seu direito de defesa, em respeito ao princípio do contraditório. […] Na verdade, o terceiro que sofreu a penhora de seu bem, por força da desconsideração da personalidade jurídica, não exercerá a ampla defesa, com cognição exauriente, nos próprios autos da execução onde foi proferida a decisão interlocutória que apreciou e deferiu o pedido formulado pelo exeqüente de se desconsiderar a pessoa jurídica executada. A defesa do terceiro deve ser exercida em sua plenitude, via ação autônoma de embargos de terceiro, ou ainda se utilizando do recurso de agravo de instrumento contra decisão interlocutória”.


De qualquer forma, conforme leciona Fredie Didier Jr., qualquer que seja a posição adotada, seja pela instauração de um litisconsórcio eventual, seja pela de um incidente cognitivo no processo de execução, o que não pode ser esquecido é que se deve dar oportunidade para que as partes debatam, não sendo lícita a aplicação da desconsideração sem que tenha havido prévio contraditório.[10]


Também de acordo com o mencionado autor, não se pode ambicionar tão-somente a efetividade do processo e menosprezar as garantias processuais conquistadas e fortalecidas ao longo da história. Assim, não é razoável que, dado o caráter excepcional da medida, somente se faculte ao sócio o contraditório eventual dos embargos à execução, o qual depende da prévia penhora para garanta do juízo, ou, ainda, de embargos ou recurso de terceiro.[11]


1.2 Do ônus da prova


Outra questão que desperta interesse doutrinário diz respeito ao ônus da prova no decorrer do processo que visa à desconsideração da personalidade jurídica.


Ensina Gilberto Gomes Brushi que a regra que norteia o sistema probatório é a de que quem alega deve provar. Assim, aquele que alegar fato constitutivo de seu direito tem o dever de prová-lo, pois, do contrário, a pretensão deduzida por ele em juízo será repelida. Tal sistemática está prevista no art. 333, do Código de Processo Civil,  que trata do ônus probatório do autor e do réu.[12]


No que diz respeito à desconsideração da personalidade jurídica, em regra, deverá ser obedecido o citado dispositivo legal, a menos que se trate de relação de consumo, já que, dado o seu caráter protetivo, o ônus da prova se inverte.[13]


Considera-se, nesses casos, a vulnerabilidade do consumidor. Assim, sendo verossímeis ao juiz as alegações deste ou sua hipossuficiência para produzir a prova do fato constitutivo de seu direito, inverte-se o ônus da prova.[14]


Por isso, Flávia Lefèvre Guimarães conclui:[15]


“Tendo-se em vista as compreensíveis dificuldades enfrentadas pelo consumidor no campo das provas, o juiz deve ser menos rígido ao apreciar as alegações do autor consumidor, autorizando, desde o início do processo, a inversão do ônus da prova. Ou seja, deve o juiz dar-se por satisfeito com a demonstração pelo consumidor de indícios de abuso de direito, excesso de poder, fraude etc…, possibilitando efetividade ao direito introduzido pelo Código, garantindo-se, por meio da autorização da inversão do ônus da prova logo, junto com o despacho saneador, a desconsideração da personalidade jurídica para fazer cumprir o ressarcimento do dano sofrido pelo consumidor.”


Já quanto à regra geral, isto é, à hipótese de desconsideração disciplinada pelo Código Civil, explica Ada Pellegrini Grinover, lembrando as lições de Malatesta, que o “ordinário se presume e o extraordinário se prova”. Logo, diante da questão referente ao ônus da prova em matéria de desconsideração da personalidade jurídica, a eventual fraude cometida pelo devedor ou pelos sócios da sociedade devedora é fato constitutivo do direito do credor, que busca a satisfação, excepcionalmente, no patrimônio pessoal do sócio.[16]


Ressalte-se que o critério adotado pelo legislador ao distribuir o ônus da prova é o do interesse. Assim, o sujeito que se beneficiar do reconhecimento do fato controvertido tem o ônus de prová-lo. [17]


Portanto, se a fraude é alegada pelo credor e seu reconhecimento irá beneficiá-lo, é a ele que cabe o ônus de demonstrar o alegado fato fraudulento, sob pena de, em não agindo assim, violar frontalmente a regra do art. 333, do Código de Processo Civil.[18]


2. A desconsideração da personalidade jurídica no Anteprojeto do novo Código de Processo Civil


Através do ato n. 379, de 2009, emanado do Presidente do Senado Federal, encontra-se constituída Comissão de Juristas para elaborar o anteprojeto de novo Código de Processo Civil.


Referida Comissão, presidida por Luiz Fux, Ministro do Superior Tribunal de Justiça, e tendo como relatora a Prof.ª Tereza Arruda Alvim Wambier, é composta por Adroaldo Furtado Fabrício, Benedito Cerozzo Pereira  Filho, Bruno Dantas, Elpídio Donizetti Nunes, Humberto Theodoro Júnior, Jansen Fialho de Almeida, José Miguel Medina, José Roberto dos Santos Bedaque, Marcus Vinícius Furtado Coelho e Paulo César Pinheiro Carneiro.[19]


Segundo consta da exposição de motivos do referido anteprojeto, o principal objetivo, senão “o grande desafio”, que o inspira é a possibilidade de se dar maior celeridade ao processo, garantindo aos que batem às portas dos tribunais real efetividade na prestação jurisdicional.[20]


Outros objetivos são citados na referida exposição de motivos, valendo destacar, no que diz respeito especificamente à desconsideração da personalidade jurídica, segundo consta lá, o de “estabelecer expressa e implicitamente verdadeira sintonia fina com a Constituição Federal”[21]


Dessa forma, partindo da necessidade de que fique evidente a harmonia da lei ordinária em relação à Constituição Federal, preocupou-se o anteprojeto do novo Código de Processo Civil em incluir, expressamente, princípios constitucionais na sua versão processual. Com o mesmo objetivo, outras regras foram incluídas de forma a dar maior concreção a tais princípios, como, no caso, as que prevêem um procedimento, com contraditório e produção de provas, previamente à decisão que desconsidera ou não a personalidade jurídica, tanto em sua versão tradicional, como às avessas.[22]


Ademais, prevê, expressamente que, antecedida de contraditório e de produção de provas, haja decisão sobre a desconsideração da personalidade jurídica, com o redirecionamento da ação, na dimensão de sua patrimonialidade, e também sobre a desconsideração dita inversa, nos casos em que se abusa da sociedade, para usá-la indevidamente com o fito de camuflar o patrimônio pessoal do sócio.[23]


Feitas essas considerações, transcrevem-se os arts. 62 a 65, que tratam do tema, no Livro I, Título IV, Capítulo II, do referido anteprojeto:[24]


“Art. 62. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado na forma da lei, o juiz pode, em qualquer processo ou procedimento, decidir a requerimento da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas obrigações sejam estendidas aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.


Art. 63. A desconsideração da personalidade jurídica obedecerá ao procedimento previsto nesta Seção.


Parágrafo único: O procedimento desta Seção é aplicável também nos casos em que a desconsideração é requerida em virtude de abuso de direito por parte do sócio.


Art. 64. Requerida a desconsideração da personalidade jurídica, o sócio ou o terceiro e a pessoa jurídica serão intimados para, no prazo comum de quinze dias, se manifestar e requerer as provas cabíveis.


Art. 65. Concluída a instrução, se necessária, o incidente será resolvido por decisão interlocutória impugnável por agravo de instrumento.”


As primeiras considerações a serem feitas dizem respeito ao art. 62, já que não é exagero dizer que o anteprojeto reduz o alcance da teoria da disregard of legal entity. Isto porque prescreve a aplicação do referido artigo apenas aos casos de abuso da personalidade jurídica quando, segundo a legislação brasileira, nem todos os casos em que a teoria é aplicada decorrem de abuso da personalidade. Assim, o anteprojeto deixa de considerar as hipóteses que se enquadram na chamada “teoria menor”da desconsideração, pois nestes casos é apenas necessário que haja confusão patrimonial e a  insatisfação do crédito de terceiros.


Já quanto ao art. 63 caput determina que a desconsideração deverá seguir o procedimento disposto naquela seção. Não fosse suficiente, dispõe o art. 719, §4◦ também do Anteprojeto que para a desconsideração da personalidade jurídica é obrigatório a observância do incidente previsto neste código.


No que diz respeito ao parágrafo único do art. 63, a redação proposta pretende abranger a desconsideração inversa, mencionada na exposição de motivos como “desconsideração às avessas”.


Contudo, vale lembrar que desconsideração inversa é o afastamento do princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica para responsabilizar a sociedade por obrigação pessoal do sócio.[25]


Já a desconsideração da personalidade jurídica tradicional pode ser aplicada quando houver abuso do direito à personificação, justamente para suspender episodicamente a eficácia de certo e determinado ato que, de alguma forma, prejudique terceiros, sem, contudo, acarretar a anulação da personalidade jurídica.[26]


Assim, é notório que em qualquer das hipóteses há abuso de direito cometidos pelo sócio ou administrador, a diferença entre as duas acepções reside no fato de que, no primeiro caso, isto é, na modalidade inversa, o sócio ou administrador se utiliza da pessoa jurídica para se esquivar de obrigações próprias, confundindo seu patrimônio pessoal com o social. No segundo caso, o sócio ou administrador torna-se credor da sociedade com o objetivo de se beneficiar caso a pessoa jurídica venha a se tornar insolvente.


Portanto, parágrafo único do art. 63 nada mais é do que a repetição do dispositivo anterior. Melhor seria se a redação fosse no sentido de estipular diretamente que o incidente de desconsideração também é aplicável nos casos de desconsideração inversa. De qualquer forma, louvável é o objetivo do legislador ao estender aplicação do incidente também aos casos de desconsideração inversa.


No tocante ao art. 64 algumas ponderações merecem ser feitas. Ao utilizar o termo intimação ao invés de citação nota-se que o legislador objetivou dar maior efetividade e celeridade ao processo, uma vez que ao se falar em citação o processo obrigatoriamente deve ser suspenso até que a parte citada seja encontrada.


Contudo, melhor seria se as partes não integrantes no feito fossem citadas, para que lhes fossem garantidos o direito ao contraditório e à ampla defesa. Isto porque os princípios constitucionais processuais devem ser sempre conjugados e não suprimidos, de tal forma que se permita garantir o direito ao devido processo legal às partes e ao mesmo tempo buscar a efetividade e celeridade do processo. Ademais, é importante lembrar que citação é pressuposto processual de existência e citação válida é pressuposto processual de validade, logo de nada adianta suprimir essa etapa do rito processual porque qualquer resultado que daí advir terá seu valor jurídico comprometido.


Como a questão da efetividade no incidente reside no fato de que, ao saberem da instauração de um processo ou de um incidente em que se discuta a despersonalização, tanto os sócios como administradores podem “desaparecer” com o patrimônio pessoal e social, tornando inócuo o incidente.  Justamente com intuito de evitar situações como a descrita é que o art. 798 do atual Código de Processo Civil prevê que o magistrado, ao analisar o caso concreto, determine as medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação.


Nesse sentido, Anteprojeto do Código de Processo Civil reflete uma tendência que demanda pela fungibilidade das medidas cautelares, pois já não traz um livro apenas para tratar das medidas cautelares. Estas se encontram dispostas mais abstratamente junto com a tutela antecipada. Dessa forma, visando assegurar que os provimentos antecipatórios sejam adequadamente providos se está, conjuntamente, garantindo uma participação mais ativa do magistrado e ampliando a importância do poder geral de cautela.


Portanto, diante de todo o exposto, nada obsta que o juiz ao se deparar com o incidente de desconsideração da personalidade jurídica e ao verificar a necessidade da medida bloqueie os bens dos sócios e administradores, bem como os ativos da sociedade em caso de desconsideração inversa, enquanto aguarda a citação das partes que não integram a relação processual. Assim, é possível que se conjugue a efetividade da medida com o devido processo legal e seus corolários, garantindo-se, ainda, a inafastabilidade da jurisdição.


Dispõe ainda o dispositivo em análise que o prazo para manifestação dos suspeitos de abuso de direito será de 15 dias, embora, seja o prazo comum com o da pessoa jurídica. Há, ainda, expressa previsão quanto a possibilidade de produção de provas, em respeito ao principio devido processo legal.


Finalmente, quanto ao art. 65 conclui-se que o Anteprojeto põe fim a uma longa discussão doutrinária que divergia entre a necessidade de uma ação autônoma ou um incidente processual para que se opere a desconsideração. Como o próprio título já diz, trata-se de um incidente, logo não necessitará de ser autuado de forma apartada dos autos principais, devendo ser decidido por interlocutória, impugnável através de agravo de instrumento.


3. A desconsideração na jurisprudência


3.1. Considerações iniciais


O ideal é que fosse possível um estudo aprofundado da jurisprudência, principalmente nos Tribunais de Justiça Estaduais, para verificar como vem sendo aplicada a teoria da desconsideração da personalidade jurídica.


Como isso não é possível no âmbito limitado deste artigo, optou-se por se fazer um breve apanhado de alguns acórdãos do Superior Tribunal de Justiça, responsável pela uniformização da aplicação da legislação infraconstitucional em âmbito federal.


3.2  Desnecessidade de ação autônoma


“Processo civil. Recurso ordinário em mandado de segurança. Falência.


Grupo de sociedades. Estrutura meramente formal. Administração sob unidade gerencial, laboral e patrimonial. Desconsideração da personalidade jurídica da falida. Extensão do decreto falencial a outra sociedade do grupo. Possibilidade. Terceiros alcançados pelos efeitos da falência. Legitimidade recursal.


– Pertencendo a falida a grupo de sociedades sob o mesmo controle e com estrutura meramente formal, o que ocorre quando as diversas pessoas jurídicas do grupo exercem suas atividades sob unidade gerencial, laboral e patrimonial, é legitima a desconsideração da personalidade jurídica da falida para que os efeitos do decreto falencial alcancem as demais sociedades do grupo.


– Impedir a desconsideração da personalidade jurídica nesta hipótese implicaria prestigiar a fraude à lei ou contra credores.


– A aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica dispensa a propositura de ação autônoma para tal. Verificados os pressupostos de sua incidência, poderá o Juiz, incidentemente no próprio processo de execução (singular ou coletiva), levantar o véu da personalidade jurídica para que o ato de expropriação atinja terceiros envolvidos, de forma a impedir a concretização de fraude à lei ou contra terceiros.


– Os terceiros alcançados pela desconsideração da personalidade jurídica da falida estão legitimados a interpor, perante o próprio juízo falimentar, os recursos tidos por cabíveis, visando a defesa de seus direitos.


(RMS 12.872/SP, Rel. Ministra  NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 24/06/2002, DJ 16/12/2002 p. 306. destaques nossos.)


DIREITO PROCESSUAL CIVIL E COMERCIAL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DE  INSTITUIÇÃO FINANCEIRA SUJEITA À LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL NOS AUTOS DE SUA FALÊNCIA. POSSIBILIDADE. A CONSTRIÇÃO DOS BENS DO ADMINISTRADOR É POSSÍVEL QUANDO ESTE SE BENEFICIA DO ABUSO DA PERSONALIDADE JURÍDICA.


– A desconsideração não é regra de responsabilidade civil, não depende de prova da culpa, deve ser reconhecida nos autos da execução, individual ou coletiva, e, por fim, atinge aqueles indivíduos que foram efetivamente beneficiados com o abuso da personalidade jurídica, sejam eles sócios ou meramente administradores.


– O administrador, mesmo não sendo sócio da instituição financeira liquidada e falida, responde pelos eventos que tiver praticado ou omissões em que houver incorrido, nos termos do art. 39, Lei 6.024/74, e, solidariamente, pelas obrigações assumidas pela instituição financeira durante sua gestão até que estas se cumpram, conforme o art. 40, Lei 6.024/74. A responsabilidade dos administradores, nestas hipóteses, é subjetiva, com base em culpa ou culpa presumida, conforme os precedentes desta Corte, dependendo de ação própria para ser apurada.


– A responsabilidade do administrador sob a Lei 6.024/74 não se confunde a desconsideração da personalidade jurídica. A desconsideração exige benefício daquele que será chamado a responder. A responsabilidade, ao contrário, não exige este benefício, mas culpa. Desta forma, o administrador que tenha contribuído culposamente, de forma ilícita, para lesar a coletividade de credores de uma instituição financeira, sem auferir benefício pessoal, sujeita-se à ação do art. 46, Lei 6.024/74, mas não pode ser atingido propriamente pela desconsideração da personalidade jurídica.


Recurso Especial provido.


(REsp 1036398/RS, Rel. Ministra  NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/12/2008, DJe 03/02/2009. destaques nossos.)


PROCESSO CIVIL. ARTS. 458, II, E 535, I E II, DO CPC. OFENSA. NÃO-OCORRÊNCIA. SÚMULA N. 284/STF. ANÁLISE DE CLÁUSULAS DE CONTRATO E REEXAME DE PROVA. SÚMULAS NS. 5 E 7/STJ. MATÉRIAS INFRACONSTITUCIONAIS. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA N. 211/STJ. AUTO-FALÊNCIA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. ARRESTO DOS BENS DOS SÓCIOS. DESNECESSIDADE DE AÇÃO AUTÔNOMA. DECRETAÇÃO NO PROCESSO FALIMENTAR. IMPUGNAÇÃO VIA RECURSOS CABÍVEIS. DESRESPEITO AO CONTRADITÓRIO, AMPLA DEFESA E DEVIDO PROCESSO LEGAL. NÃO-OCORRÊNCIA. IMPUGNAÇÃO VIA RECURSOS CABÍVEIS. PRECEDENTES.


SÚMULA N. 83/STJ.


1.   É improcedente a argüição de ofensa aos arts. 458, II, e 535, I e II, do CPC quando o Tribunal a quo examina e decide, de forma motivada e suficiente, as questões que delimitam a controvérsia, expedindo regularmente as razões de seu convencimento, inclusive com suporte doutrinário e jurisprudencial. De mais a mais, a parte recorrente não demonstrou com clareza e precisão, na via do apelo especial, que temas não foram abordados, o que implica a incidência da Súmula n. 284/STF.


2.  “A simples interpretação de cláusula contratual não enseja recurso especial” – Súmula n. 5 do STJ.


3.  “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial” – Súmula n. 7 do STJ.


4.  A ausência de prequestionamento de matérias infraconstitucionais, supostamente malferidas,  inviabiliza o conhecimento do recurso especial (Súmula n. 211 do STJ).


5. No âmbito civil, cabe ao magistrado, a teor de diretriz jurisprudencial desta Corte, desconsiderar a personalidade jurídica da empresa por simples decisão interlocutória nos próprios autos da falência, sendo, pois, desnecessário o ajuizamento de ação autônoma para esse fim.


6.  Decretada a desconsideração da personalidade jurídica da falida, com a conseqüente propagação dos seus efeitos aos bens patrimoniais dos sócios, não ocorre desrespeito aos postulados do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, nem maltrato a direito líquido e certo de terceiros prejudicados, quando patente sua legitimidade para defesa dos seus direitos, mediante a interposição perante o juízo falimentar dos recursos cabíveis. Precedentes: REsp n. 228.357-SP, Terceira Turma, relator Ministro Castro Filho, DJ de 2.2.2004; REsp n. 418.385-SP, Quarta Turma, relator Ministro Aldir Passarinho Júnior, DJ de 3.9.2007.


7. “Não se conhece do recurso especial, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida” – Súmula n. 83 do STJ.


 8.  Recurso especial não-conhecido.”


(REsp 881.330/SP, Rel. Ministro  JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 19/08/2008, DJe 10/11/2008. destaques nossos.)


3.3. Necessidade de citação do sócio


“PROCESSO CIVIL. VIOLAÇÃO DO ART. 535, II, DO CPC. NÃO-OCORRÊNCIA.


EXECUÇÃO. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. PENHORA DOS BENS DO SÓCIO. NECESSIDADE DE CITAÇÃO. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL.


NÃO-COMPROVAÇÃO.


1. Não há por que falar em violação do art. 535, II, do CPC nas hipóteses em que o acórdão recorrido, integrado pelo julgado proferido nos embargos de declaração, dirime, de forma expressa, as questões suscitadas nas razões recursais.


2. Impõe-se a citação do sócio nos casos em que seus bens sejam objeto de penhora por débito da sociedade executada que teve a sua personalidade jurídica desconsiderada.


3. Não se conhece da divergência jurisprudencial quando não demonstra o recorrente a identidade de bases fáticas entre os julgados indicados como divergentes.


4. Recurso especial não-conhecido.”


(REsp 686.112/RJ, Rel. Ministro  JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 08/04/2008, DJe 28/04/2008. destaques nossos.)


3.4. O devido processo legal: contraditório e ampla defesa


“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RESPONSABILIDADE POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.


FRAUDE EM CONTRATOS DE LEASING. SÓCIO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA.


DECRETAÇÃO DE INDISPONIBILIDADE E SEQÜESTRO DE BENS. CONSIDERAÇÕES GENÉRICAS. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO.


1. Acórdão “a quo” que denegou agravo de instrumento cujo objetivo foi a concessão de efeito suspensivo à liminar que decretou a indisponibilidade e seqüestro dos bens do recorrente em Ação Civil Pública de Responsabilidade por Ato de Improbidade Administrativa, a qual objetivou apurar fraudes no âmbito de contratos de leasing.


2. Chamamento do recorrente para integrar o pólo passivo da demanda sustentado no fato de ser ele o sócio principal da empresa e ter assumido responsabilidade referente aos contratos firmados.


3. Decisum recorrido que deixou de avaliar a extensão e as conseqüências graves da medida tomada, além de não ter tido o cuidado de considerar a caracterização da provisoriedade das alegações iniciais do Ministério Público; não se elencam os fatos que demonstram os fortes indícios de responsabilidade, além de não expor em que consistem os riscos determinantes da decretação estatuída.


4. A indisponibilidade de bens, para os efeitos da Lei nº 8.429/92, só pode ser efetivada sobre os adquiridos posteriormente aos atos supostamente de improbidade.


5. A decretação da disponibilidade e o seqüestro de bens, por ser medida extrema, há de ser devida e juridicamente fundamentada, com apoio nas regras impostas pelo devido processo legal, sob pena de se tornar nula.


6. Inocorrência de verificação dos pressupostos materiais para decretação da medida, quais sejam, existência de fundada caracterização da fraude e o difícil ou impossível ressarcimento do dano, caso comprovado.


7. Enquanto os bens financiados em garantia ao contrato não forem buscados e executados, em caso de inadimplência, para sustentar, com as suas vendas, as prestações assumidas, é impossível, juridicamente, falar-se em prejuízo patrimonial decorrente do referido negócio jurídico. Os bens financiados são da empresa arrendadora; são apenas entregues ao financiado que, após o término do contrato, poderá optar pela sua compra.


8. Inobservância do Princípio da Proporcionalidade (“mandamento da proibição de excesso”), tendo em vista que não foi verificada a correspondência entre o fim a ser alcançado por uma disposição normativa e o meio empregado, a qual deve ser juridicamente a melhor possível.


9. A desconsideração da pessoa jurídica é medida excepcional que só pode ser decretada após o devido processo legal, o que torna a sua ocorrência em sede liminar, mesmo de forma implícita, passível de anulação.


10. Agravo regimental provido. Recurso especial provido, para cassar os efeitos da indisponibilidade e do seqüestro dos bens do recorrente.”


(AgRg no REsp 422.583/PR, Rel. Ministro  JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 20/06/2002, DJ 09/09/2002 p. 175. destaques nossos.)


ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA.


LICITAÇÃO. SANÇÃO DE INIDONEIDADE PARA LICITAR. EXTENSÃO DE EFEITOS À SOCIEDADE COM O MESMO OBJETO SOCIAL, MESMOS SÓCIOS E MESMO ENDEREÇO. FRAUDE À LEI E ABUSO DE FORMA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NA ESFERA ADMINISTRATIVA. POSSIBILIDADE.


PRINCÍPIO DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA E DA INDISPONIBILIDADE DOS INTERESSES PÚBLICOS.


– A constituição de nova sociedade, com o mesmo objeto social, com os mesmos sócios e com o mesmo endereço, em substituição a outra declarada inidônea para licitar com a Administração Pública Estadual, com o objetivo de burlar à aplicação da sanção administrativa, constitui abuso de forma e fraude à Lei de Licitações Lei n.º 8.666/93, de modo a possibilitar a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica para estenderem-se os efeitos da sanção administrativa à nova sociedade constituída.


– A Administração Pública pode, em observância ao princípio da moralidade administrativa e da indisponibilidade dos interesses públicos tutelados,  desconsiderar a personalidade jurídica de sociedade constituída com abuso de forma e fraude à lei, desde que facultado ao administrado o contraditório e a ampla defesa em processo administrativo regular.


– Recurso a que se nega provimento.”


(RMS 15.166/BA, Rel. Ministro  CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/08/2003, DJ 08/09/2003 p. 262. destaques nossos.)


FGTS. REDIRECIONAMENTO DE EXECUÇÃO. APLICAÇÃO DE DISPOSITIVOS DA CLT. APLICAÇÃO DA TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. INOVAÇÃO DA LIDE EM SEDE DE AGRAVO REGIMENTAL.


IMPOSSIBILIDADE.


I – A questão trazida pela agravante acerca da possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica in casu pela aplicação dos artigos da CLT veio inovar a quaestio iuris. E, consoante cediço, não é possível a inovação das razões jurídicas oferecidas em sede de agravo regimental quando os fundamentos não foram apontados na ocasião propícia, seja por força da preclusão ou da necessária observância do princípio do contraditório. Precedentes: AgRg no Ag nº 1.036.540/SP, Rel. Min. ELIANA CALMON, DJe de 22/09/2008 e AgRg no Ag nº 786.925/PB, Rel Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJ de 12/03/2007.


II – Agravo regimental improvido.


(AgRg no REsp 1063194/SP, Rel. Ministro  FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 11/11/2008, DJe 17/11/2008. destaques nossos.)


PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE TÍTULO JUDICIAL. ART. 50 DO CC/02. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA INVERSA. POSSIBILIDADE.


I – A ausência de decisão acerca dos dispositivos legais indicados como violados impede o conhecimento do recurso especial. Súmula 211/STJ.


II – Os embargos declaratórios têm como objetivo sanear eventual obscuridade, contradição ou omissão existentes na decisão recorrida.


Inexiste ofensa ao art. 535 do CPC, quando o Tribunal a quo pronuncia-se de forma clara e precisa sobre a questão posta nos autos, assentando-se em fundamentos suficientes para embasar a decisão, como ocorrido na espécie.


III – A desconsideração inversa da personalidade jurídica caracteriza-se pelo afastamento da autonomia patrimonial da sociedade, para, contrariamente do que ocorre na desconsideração da personalidade propriamente dita, atingir o ente coletivo e seu patrimônio social, de modo a responsabilizar a pessoa jurídica por obrigações do sócio controlador.


IV – Considerando-se que a finalidade da disregard doctrine é combater a utilização indevida do ente societário por seus sócios, o que pode ocorrer também nos casos em que o sócio controlador esvazia o seu patrimônio pessoal e o integraliza na pessoa jurídica, conclui-se, de uma interpretação teleológica do art. 50 do CC/02, ser possível a desconsideração inversa da personalidade jurídica, de modo a atingir bens da sociedade em razão de dívidas contraídas pelo sócio controlador, conquanto preenchidos os requisitos previstos na norma.


V – A desconsideração da personalidade jurídica configura-se como medida excepcional. Sua adoção somente é recomendada quando forem atendidos os pressupostos específicos relacionados com a fraude ou abuso de direito estabelecidos no art. 50 do CC/02. Somente se forem verificados os requisitos de sua incidência, poderá o juiz, no próprio processo de execução, “levantar o véu” da personalidade jurídica para que o ato de expropriação atinja os bens da empresa.


VI – À luz das provas produzidas, a decisão proferida no primeiro grau de jurisdição, entendeu, mediante minuciosa fundamentação, pela ocorrência de confusão patrimonial e abuso de direito por parte do recorrente, ao se utilizar indevidamente de sua empresa para adquirir bens de uso particular.


VII – Em conclusão, a r. decisão atacada, ao manter a decisão proferida no primeiro grau de jurisdição, afigurou-se escorreita, merecendo assim ser mantida por seus próprios fundamentos.


Recurso especial não provido.


(REsp 948.117/MS, Rel. Ministra  NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/06/2010, DJe 03/08/2010. destaques nossos.)


Conclusão


Como exposto, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica tem como objetivo fortalecer o próprio instituto da pessoa jurídica e não desacreditá-lo. Para tanto, é preciso fortalecer a teoria da disregard doctrine no direito material mas, sobretudo, no direito processual onde ainda residem uma série de controvérsias.


Parte da doutrina defende a necessidade da desconsideração ser feita num processo autônomo, garantindo-se o direito das partes ao contraditório e à ampla defesa mas, eventualmente, retirando a sua eficácia porque o processo torna-se mais demorado possibilitando que as partes envolvidas dilapidem o patrimônio objeto de litígio.


Por outro lado, parte da doutrina e a recente jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça se manifestam no sentido de que não é necessário ação autônoma, podendo a desconsideração ser feita incidentalmente dentro de um processo execução ou até mesmo no processo de conhecimento, embora neste último caso seja mais difícil perceber a necessidade da desconsideração.


Os interessados na desconsideração devem peticionar, relatando os fatos e os motivos que ensejam o pedido, devendo os envolvidos ser intimados, ou citados, caso ainda não sejam partes. Posteriormente, caso haja decisão desfavorável, podem recorrer aos tribunais, regra geral, através de agravo de instrumento, também como manifestação do due process of law através do direito ao duplo grau de jurisdição.


Esse segundo posicionamento parece mais acertado, tanto que o Anteprojeto do Código de Processo Civil prevê a possibilidade de se instaurar o incidente de desconsideração, cuja decisão proferida ao final do incidente terá caráter interlocutório e sua impugnação será feita via agravo de instrumento, tal como acontece nos casos mais recentes em que se têm aplicado a teoria da desconsideração.


De qualquer forma, o Anteprojeto poderia ter sido mais ousado, por exemplo, determinando que os bens da empresa, do sócio ou administrador sejam bloqueados, caso haja necessidade, para que deles não disponham seus proprietários, de forma a garantir a efetividade da medida. Também considera-se que o Anteprojeto deveria ter optado por citação dos sócios ao invés de intimação.


Por fim, ainda que o Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil possa ter algumas falhas, é louvável o intuito de se estabelecer um procedimento, evitando que se use procedimentos diversos em casos semelhantes.


 


Referências biliográficas:

ALBERTON, Genacéia da Silva. A desconsideração da pessoa jurídica no código do consumidor: aspectos processuais. Direito do Consumidor, São Paulo, n. 7, p. 7-29, jul./set. 1993.

BRUSCHI, Gilberto Gomes. Aspectos processuais da desconsideração da personalidade jurídica. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004.

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa. 11. ed. rev., atual. São Paulo: Saraiva, 2008. v. 2.

GRINOVER, Ada Pellegrini. Da desconsideração da pessoa jurídica: aspectos de direito material e processual. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 371, p. 3-15, maio 1997.

GUIMARÃES, Flávia Lefèvre. Desconsideração da personalidade jurídica no código do consumidor: aspectos processuais. São Paulo: Max Limonad, 1998.

SILVA, Osmar Vieira da. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos processuais. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.

TOMAZZETE, Marlon. Aspectos processuais da desconsideração da personalidade jurídica. Disponível em: www://jus2.uol.com.br/doutrina/imprimir.asp?id=8840. Acesso em 31/08/10.

TÔRRES, Heleno Taveira; QUEIROZ, Mary Elbe (Coords.). Desconsideração da personalidade jurídica em matéria tributária. São Paulo: Quartier Latin, 2005.


Notas:

[1]Cf. TOMAZZETE, Marlon. Aspectos processuais da desconsideração da personalidade jurídica. Disponível em: www://jus2.uol.com.br/doutrina/imprimir.asp?id=8840. Acesso em 31/08/10. p. 1.

[2] Cf. Id., Ibid., p. 1.

[3] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa. 11. ed. rev., atual. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 2.  p. 56.

[4] SILVA, Osmar Vieira da. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos processuais. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 205.

[5] GRINOVER, Ada Pelegrini. Ada. Da desconsideração da personalidade jurídica: aspectos de direito material e processual. Revista Forense, v. 371, p. 3-15, maio 1997.

[6] GUIMARÃES, Flávia Lefèvre. Desconsideração da personalidade jurídica no código do consumidor: aspectos processuais. São Paulo: Max Limonad, 1998. p. 20.

[7] Cf. ALBERTON, Genacéia da Silva. A desconsideração da pessoa jurídica no código do consumidor: aspectos processuais. Direito do Consumidor, São Paulo, n. 7, p. 7-29, jul./set. 1993.

[8] Cf. Id., Ibid., p. 7-29.

[9] Cf. Id., Ibid., p. 7-29.

[10] Cf. DIDIER JÚNIOR, Fredie. Aspectos processuais da desconsideração da personalidade jurídica. In: TÔRRES, Heleno Taveira, QUEIROZ, Mary Elbe (Coords.), op. cit., p. 385-410.

[11] Cf. Id. Ibid., p. 385-410.

[12] Cf. BRUSCHI, Gilberto Gomes. Aspectos processuais da desconsideração da personalidade jurídica. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004. p. 85.

[13] Cf. Id., Ibid., p. 86.

[14] Cf. GUIMARÃES, Flávia Lefèvre, op. cit., p. 176-177.

[15] Id., Ibid., p.

[16] Cf. GRINOVER, Ada Pelegrini. Ada, op. cit., p. 3-15.

[17] Cf. Id., Ibid., p. 3-15.

[18] Cf. Id., Ibid., p. 3-15.

[19] Cf. Anteprojeto do Código de Processo Civil, p. 8..Disponível em: http://drop.io/direitointegral/asset/2010-06-08-anteprojeto-cpc-senado-oficial-pdf.  Acesso em: 01/07/10..  p. 8.

[20] Cf. Anteprojeto do Código de Processo Civil, p. 8-11.

[21] Cf. Anteprojeto do Código de Processo Civil, p. 8.

[22] Cf. Anteprojeto do Código de Processo Civil, p. 8.

[23] Cf. Anteprojeto do Código de Processo Civil, p. 14.

[24] Cf. Anteprojeto do Código de Processo Civil, p. 60.

[25] COELHO, Fábio Ulhoa, op. cit., p. 45.

[26] Cf. Id., Ibid., p. 45


Informações Sobre o Autor

Mariana Candini Bastos

Advogada. Mestranda em Direito dos Contratos e da Empresa pela Escola de Direito da Universidade do Minho (Portugal). Pós-graduanda em Direito e Processo do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Trainee em 2010 na CBMM Europe BV – Amsterdã, Holanda.


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