Da Duração Razoável do Processo: Súmula Vinculante e Acesso à Justiça

Resumo: O presente artigo tem por objetivo discutir os benefícios da súmula vinculante, notadamente no que se refere à ampliação do acesso à justiça, analisar a garantia da razoável duração do processo e averiguar em que medida a súmula vinculante contribui para a sua efetivação e, por fim, traçar um paralelo entre as doutrinas que admitem o instituto da súmula vinculante e as que o refutam.

Palavras-chave: Acesso à Justiça. Súmula Vinculante. Duração Razoável do Processo. Celeridade Processual.

Introdução

A expressão “acesso à justiça” é reconhecidamente de difícil definição, mas serve para determinar duas finalidades básicas do sistema jurídico. Primeiro, o sistema deve ser acessível a todos; segundo, ele deve produzir resultados que sejam individual e socialmente justos.

Levando-se em consideração as finalidades supra, o acesso à justiça tem sido cada vez mais solicitado pela sociedade como um instrumento de afirmação e efetivação dos direitos individuais, sociais e políticos consagrados constitucionalmente, exigindo-se do Poder Judiciário que, através da atuação da jurisdição, busque a implementação dos objetivos fundamentais do Estado Democrático de Direito.

Na busca da implementação dos valores e princípios constitucionais, dentre eles o princípio da duração razoável do processo, surgiram movimentos jurídicos com o fim de obter o acesso a uma ordem jurídica justa como forma de promover a plena realização dos direitos individuais, sociais e políticos.

Nesse contexto, surgiu a súmula vinculante, instrumento introduzido no ordenamento jurídico pátrio através da Emenda Constitucional n° 45/04, também conhecida como a Emenda da Reforma do Poder Judiciário, com vistas a garantir maior agilidade ao processo e, assim, reduzir a morosidade processual. Ao mesmo tempo, busca-se, com as súmulas vinculantes, coibir a proliferação de processos repetitivos, responsáveis, em grande parte, pelo abarrotamento do Poder Judiciário. 

Ocorre, porém, que a adoção das súmulas vinculantes não é unânime na doutrina nacional, gerando grandes controvérsias e posições antagônicas, fato que motivou a elaboração do presente trabalho.

Maria Tereza Sadek expõe de forma clara as posições antagônicas, ao constatar que:

 “a súmula vinculante (stare decisis) é vista por seus defensores como indispensáveis para garantir a segurança jurídica e evitar a multiplicação, considerada desnecessária, de processos nas várias instâncias. Tal providência seria capaz de obrigar os juízes de primeira instância a cumprir as decisões dos tribunais superiores, mesmo que discordassem delas, e impediria que grande parte dos processos tivesse continuidade, desafogando o Judiciário de processos repetidos. Seus oponentes, por seu lado, julgam que a adoção da súmula vinculante engessaria o Judiciário, impedindo a inovação e transformando os julgamentos de primeiro grau em meras cópias de decisões já tomadas[1].”

Pretende-se, portanto, na seqüência, analisar a garantia da duração razoável do processo, o instituto da súmula vinculante e a garantia do acesso à ordem jurídica justa, a fim de que, após analisadas as correntes doutrinárias que defendem e refutam a adoção do referido instituto, torne-se possível chegar a uma conclusão acerca do impasse doutrinário que se verifica no cenário jurídico nacional.

Desenvolvimento

1. Da garantia da duração razoável do processo

A Emenda Constitucional n° 45/04, conhecida como a Emenda da Reforma do Poder Judiciário, inseriu no art. 5º da Constituição da República um novo inciso, o de n° LXXVIII, com o seguinte teor: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. Consagrou-se, então, na Constituição, a garantia da duração razoável do processo.

A rigor, a referida garantia já se fazia presente no ordenamento jurídico nacional, tendo em vista os princípios do devido processo legal e da eficiência, sendo que este último aplicável à Administração Pública. O que se fez com a Emenda Constitucional n° 45/04 foi, pois, simplesmente, elevar tal garantia ao patamar de direito constitucional fundamental.

Todo processo demora um tempo. É o que, em boa doutrina, já se chamou de “tempo do processo”[2]. Tem havido, modernamente, uma busca quase que desenfreada pela celeridade do processo, mas há um tempo que precisa ser respeitado. Não se pode, portanto, querer que o processo dê respostas imediatas a quem postula uma tutela jurisdicional. Afinal de contas, algum tempo o processo tem que demorar.

O que se busca com essa garantia, portanto, é que o processo dure o estritamente necessário para que se possa alcançar os resultados justos visados por força da garantia do devido processo legal. Isso porque o processo excessivamente lento é incapaz de promover justiça, pois justiça que tarda, falha. Para Laspro, “não se pode falar em acesso à justiça se houver demora no processo, pois, além do risco de perecimento do direito, a longa duração do processo também implica danos econômicos em detrimento daquele cujo direito foi ofendido”[3]. De outro lado, porém, o processo excessivamente rápido gera insegurança, sendo quase impossível que produza resultados justos.

Não se pode, pois, considerar que a garantia da duração razoável do processo sirva de base para a construção de processos instantâneos. O que se assegura com esse dispositivo é a construção de um sistema processual em que não haja dilações indevidas. Dessa maneira, o processo deve demorar todo o tempo necessário para que o resultado justo possa ser alcançado, sem que haja comprometimento, portanto, dos princípios essenciais garantidores do aceso à justiça.

2. Da súmula vinculante

Súmula (de summula) expressa o diminutivo, o resumo, a menor parte de summa, que significa soma. A soma é a jurisprudência, no sentido do Civil Law (precedentes reiterados de um tribunal para casos iguais). A súmula é a mínima parte da jurisprudência dominante da Suprema Corte, que prende ou amarra a obediência dos juízes e tribunais (vinculum pode ser traduzido como laço, atilho, liame). O termo vinculante provém da expressão latina que marca a Chiesa di San Pietro in Vincoli, mandada erigir por Leão I Magno, no século V, para abrigar parte das correntes que prendiam São Pedro na Prisão Mamertina.

Explicada a origem do termo, pode-se afirmar que as súmulas vinculantes, instituídas pela Emenda Constitucional n° 45/04, surgiram a partir da necessidade de reforço à idéia de uma única interpretação jurídica para o mesmo texto constitucional ou legal, de maneira a assegurar-se a segurança jurídica, a garantia da duração razoável do processo e o princípio da igualdade, pois os órgãos do Poder Judiciário não devem aplicar as leis e atos normativos aos casos concretos de forma a criar ou aumentar desigualdades arbitrárias, devendo, pois, utilizar-se de todos os mecanismos constitucionais no sentido de conceder às normas jurídicas uma interpretação única e igualitária, no menor espaço de tempo possível.

Essa, inclusive, foi a intenção do legislador constituinte ao estabelecer como competência do Supremo Tribunal Federal o julgamento dos recursos extraordinários (uniformização na interpretação da Constituição Federal) e a competência do Superior Tribunal de Justiça para o julgamento dos recursos especiais (uniformização na interpretação da legislação federal).

Esse modelo, porém, não se mostrou célere e suficiente para impedir desigualdades perpetradas por diferentes interpretações judiciais da mesma norma, buscando o legislador constituinte derivado, no modelo anglo-saxônico, o stare decisis, da expressão stare decisis et quieta non movere (mantenha-se a decisão e não se perturbe o que foi decidido).

Na visão de André Ramos Tavares, a súmula vinculante seria “uma espécie de ponte de ligação entre decisões (especialmente de controle de constitucionalidade ou interpretativas) proferidas numa dimensão concreta e uma decisão (sumulada) proferida com caráter geral (abstrato)”[4].

Ante o abarrotamento do Judiciário, buscou-se, com a instituição das súmulas vinculantes, dar efetividade ao disposto no artigo 5°, LXXVIII, da Constituição da República, reduzindo-se, assim, a morosidade da justiça e reforçando-se, por conseguinte, a segurança jurídica.

O §1° do artigo 103-A da Constituição da República explicita os pressupostos de edição da súmula vinculante, ao aduzir que o referido instituto “terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questões idênticas”.

De fato, a insegurança jurídica causa desgaste à autoridade da justiça, uma vez que os magistrados não se entendem e passam a decidir de forma contraditória e conflituosa. Conseqüentemente, as pessoas submetidas à jurisdição ficam sem o direito de planejar o futuro porque as decisões judiciais se tornam imprevisíveis. Nesse sentido, a súmula vinculante destina-se a dar segurança ao povo, através de uma jurisdição mais previsível, ao mesmo tempo em que torna a marcha processual mais rápida e, portanto, eficaz.

Importante ressaltar, contudo, que a EC n° 45/04, ao instituir as súmulas vinculantes, não adotou o clássico stare decisis, nem tampouco transformou o sistema de civil law em common law.

Ademais, conquanto o instituto da súmula vinculante tenha sido introduzido por meio da referida Emenda Constitucional, os seus efeitos já existiam nas ações declaratórias de constitucionalidade e inconstitucionalidade, em sede de controle concentrado, uma vez que os efeitos de suas sentenças já vinculavam os órgãos do Judiciário e a administração pública.

De acordo com o disposto no artigo 103-A da Constituição da República, permitiu-se ao Supremo Tribunal Federal, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei (Lei 11.417/06).

Conforme visto, o Supremo Tribunal Federal pode agir de ofício ou mediante provocação, o que significa que a Suprema Corte não tem exclusividade em se tratando de legitimidade para propor o direito sumular. Dessa forma, qualquer pessoa legitimada a propor a ação direta de inconstitucionalidade também tem tal prerrogativa, consoante dispõe o artigo 103-A, §2° da Carta Maior. São elas: o Presidente da República, a Mesa do Senado Federal, a Mesa da Câmara dos Deputados, a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal, o Governador de Estado ou do Distrito Federal, o Procurador-Geral da República, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, partido político com representação no Congresso Nacional e, por fim, confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

Sendo assim, a súmula vinculante pode ser entendida como sendo um instituto que potencializa a eficácia das decisões do Supremo Tribunal Federal, na medida em que o seu efeito, dito vinculante, opera sobre a declaração do Pretório Excelso acerca da validade, da interpretação e da eficácia de determinadas normas, a respeito de matéria constitucional, e que tem como destinatários diretos os órgãos jurisdicionais e todos os administradores públicos, em sentido lato (efeito erga omnes). Destina-se, dessa maneira, à reconciliação dos juízes e à pacificação da jurisprudência.

3. Do acesso à justiça

O conceito de acesso à justiça evoluiu concomitantemente à evolução do Estado, sendo tal feito constatado pelo estudo das duas perspectivas que a ciência processual desenvolveu em relação ao referido movimento.

A primeira é a que caracteriza o acesso à justiça como sinônimo de acesso ao Judiciário, ou seja, ingresso em juízo (perspectiva interna do processo), e a segunda, significa acesso a uma ordem de valores e direitos consagrados pelo Estado Democrático de Direito, permitindo o acesso à ordem jurídica justa (perspectiva externa do processo/instrumento ético para realização da justiça) (MORALLES, 2006).

A primeira perspectiva de acesso à justiça é caracterizada pelo ingresso em juízo para defesa de direitos, representada pelo exercício do direito de ação, estando prevista no artigo 5°, XXXV, da Constituição da República: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

Assim, assegura-se o direito de ingresso em juízo abstratamente, bastando a afirmação de um direito, sem preocupação com a sua concretização efetiva através de mecanismos processuais. Entretanto, tal perspectiva não satisfaz integralmente aos operadores e consumidores do direito, pois apenas enfoca a onda renovatória do acesso à justiça em um de seus aspectos ou momentos: o da admissão em juízo, excluindo os demais[5].

A segunda perspectiva é aquela que entende o acesso à justiça como “acesso à ordem jurídica justa”, caracterizado como acesso a uma ordem de valores e direitos selecionados pela sociedade que permitam a realização do ideal de justiça social, oportunidades equilibradas aos litigantes, participação democrática e tutela jurisdicional efetiva. 

Para Luiz Guilherme Marinoni, o acesso à justiça significa acesso a um processo justo, a uma justiça imparcial, que permita o desenvolvimento de um processo com a participação equilibrada e efetiva das partes. E ainda, se manifesta com acesso à informação, orientação jurídica e aos meios alternativos de composição da lide[6].

O direito de acesso à justiça é considerado por Mauro Cappelletti e Garth Bryant como o mais básico dos direitos humanos, uma vez que a sua denegação pode gerar a inefetividade dos demais[7].

Nesse sentido, percebe-se que a súmula vinculante, como instrumento que tem por fim efetivar o direito à duração razoável do processo, pode ser considerada como elemento imprescindível do acesso à justiça, vez que possibilita maior celeridade ao processo, e contribui, assim, para que a função pacificadora do Poder Judiciário ocorra de modo mais eficaz.

Analisados, portanto, os três elementos embasadores da discussão que aqui se levanta, verificar-se-á, em seguida, os argumentos utilizados pelas correntes doutrinárias que são, respectivamente, contra e a favor da adoção das súmulas vinculantes, sob este aspecto.

 4. Doutrina contrária às súmulas vinculantes

A doutrina contrária às súmulas vinculantes afirma que haverá verdadeiro engessamento de todo o Poder Judiciário e conseqüente paralisia na evolução do Direito, além da possibilidade de maior totalitarismo do órgão de cúpula judicial, como alegado pelo professor Eros Grau, atualmente Ministro do Supremo Tribunal Federal, ao se posicionar contra os efeitos vinculantes e afirmar que “nenhuma razão ou pretexto se presta a justificar essa manifestação de totalitarismo, que também nenhuma lógica pode sustentar, e que, afinal, há de agravar ainda mais a crise do direito oficial, em nada contribuindo à restauração da sua eficácia”[8].

Para os defensores desta corrente, as súmulas vinculantes, ao dotarem o Supremo Tribunal Federal desse “totalitarismo”, acabariam, por conseqüência, engessando a independência dos magistrados, uma vez que o juiz singular, ao ter que julgar em conformidade com os precedentes fixados pelo Supremo Tribunal, não mais teria suas convicções independentes.

Dando passos mais largos, Luís Flávio Gomes afirma que a inconstitucionalidade da súmula vinculante é evidente[9], uma vez que a súmula vinculante, no seu entendimento, violaria a independência jurídica do juiz, contrariando, dessa forma, dispositivo constitucional. 

Essa vertente doutrinária ainda afirma que o referido instituto, em vez de fortalecer a atuação judicial, acabaria por tolher a liberdade interpretativa dos julgadores e embaraçar as inspirações criadoras, necessárias a aprimorar as concepções jurídicas e o ideal de justiça. 

Argumenta-se, ademais, que a possibilidade de descumprimento da súmula vinculante, combatido por meio da interposição de reclamação constitucional junto ao Supremo Tribunal Federal (artigo 103-A, §3° da Constituição da República), faria com que o Pretório Excelso apenas substituísse os recursos considerados como repetitivos por reclamações de decisões ou recursos não condizentes com a súmula, obstruindo-se, dessa forma, os trabalhos do Supremo Tribunal Federal, já que, nesse sentido, a súmula vinculante não possibilitaria uma maior celeridade à justiça.

Nesse sentido, Lênio Luiz Streck salienta:

“o maior problema da súmula vinculante parecer ser o que chamo de ‘mecanismo de auto-imposição dependente’ que é também sua maior fraqueza. Sim, porque o descumprimento da súmula vinculante impõe a atuação sucessiva e desgastante do STF, transformando-o em uma espécie de ‘oficial de execução de suas próprias sentenças” (STRECK, 2005, p. 160).

André Ramos Tavares (2007, p.34) acrescenta que, além dessa situação ser extremamente constrangedora ao Supremo Tribunal Federal, ela também inviabiliza o exercício de sua função fundamental, de guardião da Constituição.

Entende-se, ainda, que, ao se conferir validade às súmulas vinculantes, os seus enunciados passariam a ter força de lei, o que faria com que o Judiciário assumisse função atípica de legislador ordinário e, até mesmo, constitucional.

5. Doutrina favorável às súmulas vinculantes

A parcela de operadores do direito que defende a adoção das súmulas vinculantes possui como argumento principal de suas indagações o afogamento do Judiciário e a garantia da celeridade processual.

De fato, o abarrotamento do Poder Judiciário é tema que passou a merecer certo destaque hodiernamente, justamente por refletir uma preocupação dos órgãos de cúpula em tentar apontar uma solução para o problema.

Os Tribunais Superiores têm recebido uma quantidade assombrosa de processos, sendo que esse número vem dilatando consideravelmente, a cada dia que passa. Esse altíssimo volume de casos a espera de uma solução por parte do Poder Judiciário afeta consideravelmente a qualidade da prestação jurisdicional, ainda que realizada pelos mais conceituados magistrados da nação.

Isso porque, se por um lado, esses juízes se vêem obrigados a atender mandamentos constitucionais e legais, como os de celeridade, eficiência e respeito aos prazos estipulados, por lado outro, têm que lidar com a falta de infra-estrutura dos órgãos estatais e com a ausência de adequado aparelhamento pessoal.

Dessa forma, fica fácil vislumbrar como é possível que se dê vazão a decisões injustas que comprometem, por conseguinte, a pacificação social, que é o maior objetivo do direito.

Ademais, ao contrário do que afirmam os opositores da súmula vinculante, o referido instituto não é autoritário, na medida em que permite que haja uma democrática participação da comunidade jurídica na formulação do direito jurisprudencial. Ademais, a súmula vinculante não impõe ao magistrado a sua utilização obrigatória, caso o enunciado não se aplique perfeitamente ao caso concreto.

Nesse sentido, Alexandre de Moraes afirma que:

“competirá a cada um dos magistrados, ao analisar o caso concreto, a conclusão pela aplicação de determinada súmula ou não, ou mesmo a possibilidade de apontar novos pontos característicos que não se encontram analisados na súmula, ou ainda, a necessidade de alteração da súmula em virtude da evolução do Direito, de maneira semelhante ao que ocorre no direito norte-americano, quando o juiz utiliza-se do mecanismo processual do distinguishing (distinção entre o caso concreto e o precedente judicial) para demonstrar que não é caso de aplicação de determinado precedente na hipótese em julgamento[10].

 Nesse contexto, vê-se, pelas palavras de Alexandre de Moraes e por dispositivo constitucional (artigo 103-A, §2°, Constituição da República), que o direito sumular é capaz de se adaptar às eventuais mudanças que podem ocorrer nos entendimentos jurisprudenciais. Refuta-se, assim, argumento que sustenta que o mencionado instituto acabaria por engessar todo o Poder Judiciário e provocar, conseqüentemente, uma paralisia na evolução do direito.

Ainda nesse diapasão, conclui-se que, por não provocarem um engessamento do Poder Judiciário e por não representarem uma ameaça à evolução do direito, as súmulas vinculantes também não provocam um cerceamento à liberdade de pensamento e, principalmente, de convencimento dos magistrados, habilidades necessárias a aprimorar as concepções jurídicas e o ideal de justiça. Muito pelo contrário, as súmulas vinculantes dotam as sentenças de preciosos fundamentos dos componentes do Supremo Tribunal Federal, com o que os membros da magistratura, ao invés de perderem independência, são fortalecidos em seus argumentos e em sua autoridade.

Dessa maneira, o juiz continua, como historicamente sempre foi, com o livre arbítrio para formar o seu pensamento sobre os assuntos que são levados para o seu deslinde, o que representa uma conquista do cidadão. 

Além disso, pode-se dizer, ainda, que a edição e utilização das súmulas vinculantes possibilita a drástica redução do número de processos e a célere pacificação e solução uniforme de complexos litígios, que envolvem toda a coletividade e colocam em confronto diferentes órgãos do Judiciário e da administração pública.

Dessa maneira, por meio desse instituto torna-se possível dar efetividade à garantia insculpida no artigo 5º, LXXVIII da Constituição da República, devido ao seu potencial de acelerar a prestação jurisdicional e proporcionar, assim, maior segurança jurídica aos cidadãos brasileiros.

Destarte, a súmula vinculante representa alternativa de combate à demora no reconhecimento do direito do cidadão, característica esta tradicionalmente atribuída ao sistema judiciário brasileiro, conhecido também por ser anacrônico, caro e elitista. 

Reis Freide salienta que:

“a reforma constitucional permitirá, sem novos processos, a realização da justiça para os interessados em situação idêntica e reduzirá significativamente a quantidade de processos em tramitação no Judiciário, o que contribuirá para a melhor qualidade da prestação jurisdicional[11].”

Importante ressaltar, sobretudo, que a correta utilização das súmulas vinculantes implica, também, na efetivação do princípio da isonomia, na medida em que assegura direitos idênticos a todos, mesmo àqueles que não tenham ingressado no Poder Judiciário, mas que, eventualmente, possam vir a ser lesados pela administração.

Insta salientar que a súmula vinculante, bem produzida e aplicada, contribui para o prestígio da justiça, uma vez que evita decisões que causam perplexidade ou que sejam paradoxais.

Dessa maneira, percebe-se que a edição da súmula vinculante constitui instrumento de grande valia no mundo jurídico, na medida em que possibilita que a marcha processual seja mais célere e racional, o que, por sua vez, traduz mais nitidamente os anseios pelo acesso a uma ordem jurídica justa.

Conclusão

Revelada, portanto, a preocupação do constituinte com a demora na prestação jurisdicional, tratou-se de positivar garantia que buscasse evitar os efeitos catastróficos do fator tempo nos processos.

A garantia da razoável duração dos processos, insculpida no artigo 5º, LXXVIII da Carta Maior, determina, dessa forma, que o processo dure o estritamente necessário para que se possa alcançar os resultados justos visados por força da garantia do devido processo legal.

Constata-se que o que se deposita nas mãos do Judiciário não é simplesmente um amontoado de documentos a serem analisados, mas o bem da vida dos jurisdicionados.

Sendo assim, o grande desafio que se impõe atualmente não é apenas o de atingir a celeridade nos processos, mas, junto com esse objetivo, garantir a manutenção de todos os princípios e garantias essenciais à busca pela ordem jurídica justa.

Nesse contexto, percebe-se que a súmula vinculante é instituto que foi criado justamente para que tais objetivos pudessem ser efetivados na prática, na medida em que permite a efetivação da garantia da duração razoável dos processos e, conseqüentemente, o acesso a uma ordem jurídica mais justa, primando-se, sempre, pela busca na melhoria qualitativa das decisões.

Trata-se, destarte, de instrumento de grande valia no mundo jurídico, na medida em que garante maior agilidade ao processo e permite, dessa forma, que a marcha processual seja mais célere e racional.

A súmula vinculante é, portanto, por tudo que foi dito supra, instrumento que tem por fim efetivar o direito à duração razoável do processo, justamente por poder ser considerada como elemento imprescindível do acesso à justiça, vez que possibilita maior celeridade ao processo, e contribui, assim, para que a função pacificadora do Poder Judiciário ocorra de modo mais eficaz.

Com vistas a dar efetividade aos princípios e garantias consagrados no ordenamento jurídico pátrio, outra alternativa não resta ao Poder Judiciário, senão a de se utilizar do referido instrumento, a fim de que ele possa cumprir a sua missão com o máximo possível de eficiência.

Referências
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Notas:
[1] SADEK, Maria Tereza. Judiciário: Mudanças e Reformas. USP – Estudos Avançados, v.18, n° 51, p. 91, maio/ago. 2004.

[2] TUCCI, José Rogério Cruz e. Tempo e Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 26.

[3] LASPRO, Oreste Nestor de Souza. Duplo Grau de Jurisdição no Direito Processual Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 114.

[4] TAVARES, André Ramos. Nova lei da súmula vinculante: estudos e comentários à Lei 11.417/06. São Paulo: Método, 2007, p. 15.

[5] DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 274.

[6] MARINONI, Luiz Guilherme. Novas Linhas do Processo Civil. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 28.

[7] CAPPELLETTI, Mauro; BRYANT, Garth. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Fabris, 1988, p. 11.

[8] GRAU, Eros Roberto. Sobre a Produção Legislativa e a Normativa do Direito Oficial: o Chamado Efeito Vinculante. Revista da Escola Paulista de Magistratura, ano 1, n° 3, p. 78, maio/out. 1997.

[9] GOMES, Luís Flávio. A Dimensão da Magistratura no Estado de Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 202.

[10] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2007, p. 551.
 

[11] FREIDE, Reis. Das Reformas Constitucionais. Revista dos Tribunais, ano 6, n° 25, p. 74-75, out/dez. 1998.


Informações Sobre o Autor

Felipe Boy Vieira

Bacharel em Direito pela UFMG; Analista do Ministério Público do Estado de Minas Gerais; Pós Graduado em Direito Processual Civil e Direito Processual Penal


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