Da impossibilidade da nomeação dos precatórios advindos da trimestralidade

Resumo: Em sede de execução fiscal o bem dado em garantia para a penhora deve atender aos ditames da lei 6.830⁄80 tendo como aplicação subsidiária o Código de Processo Civil. Ao precatório declarado inconstitucional além de sua exigibilidade falta também a certeza, requisitos para o oferecimento de título de crédito à penhora, em sede de execução fiscal, nos termos do art. 11 da lei 6830⁄80, não sendo este peremptório. O Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional a lei estadual que determinara a vinculação do reajuste da remuneração dos servidores à variação do IPC, acolhendo a tese de relativização da coisa julgada com fulcro no parágrafo único do art. 741, do CPC.


Palavras-chave: execução fiscal – precatório – garantia do juízo – coisa julgada inconstitucional


Sumário: 1. Intróito necessário; 2. Da impossibilidade da nomeação dos precatórios advindos da trimestralidade. 3. Outras questões que impedem o precatório de garantir o juízo na execução fiscal. 4. A errônea aceitação dos precatórios pela Vara Privativa das Execuções Fiscais de Vitória. 5. Conclusão


1. Intróito necessário


Através do presente trabalho tentaremos alertar aos estudiosos do direito, sobretudo os mais afetos a cobrança judicial dos créditos públicos, sobre o procedimento que vem sendo adotado por algumas empresas executadas. É percuciente afirmar que as ilegalidades perpetradas neste procedimento que serão objeto de estudo, já vêm há algum tempo sendo debatidas no âmbito da Procuradoria Geral do Estado, com vitórias junto ao Egrégio Tribunal do Estado do Espírito Santo.


Tão mais segura será a presente análise quando se esclarecer, de primeva, que não se trata de simples possibilidade ou impossibilidade de utilização dos títulos judiciais, denominados precatórios, para fins de garantia do juízo nas Execuções Fiscais, bem como quanto à possibilidade ou não de compensação dos montantes dentro dos executivos fiscais.


Em pese ser estéril esta discussão para corroborar a impossibilidade da nomeação dos precatórios advindos da trimestralidade, teceremos ao final outros argumentos no que tange a impossibilidade de nomeação destes títulos.


Não obstante, o cerne principal do presente texto será a impossibilidade da nomeação à penhora dos supostos direitos de crédito decorrentes de precatório que contempla pretenso crédito decorrente da aplicação da Lei Estadual 3.935/87[1].


Para o desenvolvimento do texto não foram utilizadas bibliografias relativas ao assunto. Por isso, preocupamo-nos menos em rechear a análise de citações doutrinárias eruditas, que viriam apenas a cansar o leitor, ou dificultar-lhe a compreensão, e mais em despertar o seu interesse, dando-lhe uma visão atualizada da matéria.


2. Da impossibilidade da nomeação dos precatórios advindos da trimestralidade


Vem se tornando corriqueiro nos executivos fiscais, algumas empresas, geralmente patrocinadas pelos mesmos patronos, quando citadas para cumprir com o pagamento da dívida tributária excutida, procederem à nomeação de bens à penhora consubstanciada na oferta de supostos créditos decorrentes de precatórios que supõe possuírem em face de uma cessão de direitos creditórios que lhes foram feitas, colacionando uma escritura do cartório de registro civil.


O ponto primordial da querela trazida à baila e que merece especial atenção do leitor, não reside no fato de ser ou não possível a nomeação de crédito decorrente de precatório, mas no fato de que no Estado do Espírito Santo existirem inúmeros precatórios cuja certeza e exigibilidade encontram-se suspensos, ou melhor, encontram-se sub-judice, por conta de questão de ordem levantada, acerca da inconstitucionalidade da Lei Estadual 3.935/87, a qual embasou a decisão que deu origem aos processos que redundara na expedição dos referidos títulos representativos das dívidas judiciais, dentre os quais, o representativo do crédito em discussão.


A suscitada Lei estadual 3.935/87, declarada inconstitucional pelo E. Supremo Tribunal Federal, vinculava a correção dos vencimentos dos servidores públicos do Estado do Espírito Santo à variação trimestral do IPC.


Por se tratar de indexador fixado pela União, bem como prever o dispositivo sua vinculação automática na correção dos vencimentos dos servidores estaduais, revestiu-se a norma em comento em manifesta inconstitucionalidade, por afrontar ao princípio da autonomia dos entes federativos em legislar em matéria de seu interesse.


Tal vício foi detectado e reconhecido por decisão do E. STF, sendo que, após o esgotamento da vias recursais naquela instância constitucional, foi suscitada questão de ordem no âmbito desta C. Corte Estadual de Justiça, levantando a inexigibilidade dos precatórios expedidos com base na inconstitucional norma estadual suso mencionada.


Por ocasião do julgamento da questão de ordem alavancada, foram suspensos os pagamentos dos 29 precatórios[2] que contemplavam créditos decorrentes da aplicação da Lei Estadual 3.935/87, sendo certo que estes precatórios estão com seus pagamentos suspensos por decisão deste E. Tribunal.


Por conta de tais fatos, encontram-se tais créditos desprovidos de dois dos principais e indispensáveis requisitos que os autorizariam a ser dados em garantia à execução em curso, quais sejam a certeza e exigibilidade.


Ademais, as cessões destes precatórios possibilitam que, através de outros instrumentos de cessão, o mesmo precatório seja usado, mediante translado, como garantia em inúmeros outros processos nos quais os executados são devedores, bem como, o cedente poderia vender o título a diversas outras empresas, sem que se possa aferir, senão após o encontro de contas na liquidação do precatório, quanto do crédito representado pelo título foi cedido a terceiros, e nesta fase os prejuízos causados ao Estado seriam irreparáveis.


Para quantas outras pessoas estes precatórios não foram repassados, pois não há nenhuma segurança jurídica, de tal forma que hoje no Estado existe uma mercancia destes títulos, cujo escopo é atravancar a atuação das execuções fiscais com prejuízos para a coletividade.


É pacífico no E. Supremo Tribunal Federal o entendimento sobre a inconstitucionalidade de leis que vinculam o reajuste de servidores públicos estaduais à variação de índices federais. A matéria está, inclusive, sumulada, consoante se observa do verbete de nº 681 do STF:


“Súmula 681: É inconstitucional a vinculação do reajuste de vencimentos de servidores Estaduais ou municipais a índices federais de correção monetária.” (Grifamos)


O motivo é exatamente a violação da autonomia do Estado membro e do princípio federativo. E isso porque a referida vinculação acaba por proporcionar verdadeiro reajuste automático (sempre que haja variação do índice estabelecido pela União), independentemente de decisão ou de lei específica do Estado-membro, em total afronta à sua capacidade de auto-administração.


Com base nesse mesmo entendimento, o art. 6º e seu parágrafo único da Lei nº 3.935/87 foram declarados inconstitucionais pela Supremo Tribunal Federal, nos Recursos Extraordinários n.ºs 166581/ES  e 204882/ES, cujas decisões estão assim ementadas:


”RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REAJUSTE TRIMESTRAL DE VENCIMENTOS/PROVENTOS NA FORMA DISCIPLINADA PELA LEI ESTADUAL Nº 3.935/87, PELA VARIAÇÃO DO IPC DO TRIMESTRE. VINCULAÇÃO A INDEXADOR DECRETADO PELA UNIÃO FEDERAL. INCONSTITUCIONALIDADE. 1. A lei estadual, que determina que o reajuste da remuneração dos servidores fica vinculado automaticamente à variação do IPC, é inconstitucional, por atentar contra a autonomia estadual em matéria que diz respeito a seu peculiar interesse. 2. Precedentes. Recurso extraordinário conhecido e provido, para denegar a segurança requerida.” (RE nº 166581/ES, Rel. Min. Maurício Corrêa, Segunda Turma, DJ 30.08.1996). (Grifamos)


 “SERVIDORES PÚBLICOS DO ESTADO. REAJUSTE DE VENCIMENTOS COM BASE EM LEI ESTADUAL QUE ESTABELECE VINCULAÇÃO AUTOMÁTICA A ÍNDICE FIXADO PELO GOVERNO FEDERAL. VINCULAÇÃO VEDADA. A vinculação, na lei estadual, da remuneração de servidores estaduais a índice de reajustamento ditado pelo Governo Federal vicia a autonomia dos Estados-membros, bem como a regra que veda a vinculação e reajustamento automático de remuneração no âmbito do Poder Público. Precedentes. Recurso extraordinário conhecido e provido.” (RE nº 204882/ES, Rel. Min. Ilmar Galvão, Primeira Turma, DJ 27.02.98) (Grifamos)


Em suma: os dispositivos impugnados não foram recepcionados pela Constituição Federal de 1988 porque afrontam nitidamente a autonomia do estado membro e o princípio federativo (artigos 1º, 18 e 25 a 28 da CRFB/88).


Pois bem, conforme já explanado alhures, é imperioso de proêmio avaliarmos estas questões, que, em nosso sentir, estão umbilicalmente ligadas à eficácia da nomeação destes títulos e que afastam qualquer possibilidade de o crédito ser dado como garantia em qualquer feito executivo fiscal.  


Assim, com supedâneo nestas considerações, podemos afirmar, sem medo de errar, que a nomeação destes títulos é absolutamente ineficaz, uma vez que o crédito nomeado não atende aos requisitos de certeza e exigibilidade necessários para que estes possam servir como garantia das execuções em curso enquanto pendente a questão de ordem acima apontada. Enfim, os supostos créditos que vêm sendo ofertados são incertos, pois a pendência judicial sobre sua validade e existência o reveste desta incerteza.


Neste diapasão, os créditos representativos dos precatórios da trimestralidade são inexigíveis, visto que estão sujeitos à condição para sua validade como direito creditório contra o Estado do Espírito Santo, consubstanciada no superamento da questão de ordem que dá conta da inconstitucionalidade da lei que lhe deu origem e que foi declarada pelo E. STF.


Assim, em que pese o precatório representar um crédito contra o Estado, para que este crédito possa servir de garantia, ainda que contra o próprio Estado em face do qual é expedido, é indispensável que este direito creditório seja líquido, certo e exigível, sob pena de ineficácia.


Julgar como eficaz a nomeação do crédito representativo do precatório em comento, que se encontra sub-judice, representa aceitar penhora de direito sob condição, subordinado a evento futuro e incerto, em manifesto prejuízo do credor e benefício desmedido ao devedor serôdio, que dá à penhora algo não existe no mundo jurídico.


3. Outras questões que impedem o precatório de garantir o juízo na execução fiscal


Não obstante as questões declinadas no item precedente, outras, da mesma importância, impedem a eficácia da nomeação de créditos decorrentes de precatório judiciais cedidos a outrem.


O primeiro ponto a ser mencionado, diz respeito à cessão destes mesmos créditos em inúmeras execuções, em diversos processos onde o fisco capixaba figura como exeqüente. Ora, não há como se certificar em quantas outras execuções fiscais esses supostos precatórios já não foram oferecidos, pois essas cessões não são notificadas ao Estado do Espírito Santo, tampouco averbada a transferência do crédito no precatório requisitório. Ora, a empresa executada, ou o próprio cedente do título, poderiam até mesmo ter cedido seus supostos créditos a terceiros, sem que o Estado pudesse aferir, senão após o encontro de contas na liquidação do precatório, e nesta fase os prejuízos causados ao Estado seriam nefastos.


Essas cessões sequer são notificadas ao Estado, tampouco averbada a transferência do crédito no precatório requisitório respectivo, a fim de serem tomadas as devidas providências quanto ao encontro destes valores e a subsistência de saldo a ser cedido ou a garantir eventual execução, ou seja, não há nenhuma garantia de quantas pessoas estão se valendo destes supostos créditos, e em quantas execuções eles estão sendo oferecidos, não obstante estes precatórios serem inexigíveis conforme explanado alhures no ponto II.


Na prática, o cessionário do precatório objeto destas nomeações sequer promovem a devida notificação do Estado, por intermédio do Cartório de Títulos e Documentos em que foi registrada, para fins  de  confirmação  da  existência  do  precatório e controle do saldo remanescente, justamente por não existir nenhum saldo a ser liquidado, uma vez que se tratar de supostos créditos advindos da trimestralidade, debatida a exaustão no ponto II.


Atentemos que em grande parte dos casos as empresas executadas apenas colacionam aos autos mera fotocópia do traslado de escritura pública de cessão de direitos, celebrada sem os requisitos legais, inclusive no que tange a ciência ao devedor quanto a transferência, possibilitando a indicação deste mesmo crédito em inúmeros outros processos, sem que haja, senão quando do pagamento destes precatórios a confrontação e mensuração do montante cedido com o montante devido pelo Estado.


Em segundo, a cessão destes créditos, que transferem a titularidade dos créditos em discussão, é nula de pleno direito e não tem qualquer efeito em face do Poder Público, diante do cristalino descumprimento do disposto no art. 290 do CCB, que obriga as partes, que entabularam a transferência creditória, a notificar o devedor, sob pena de não ter qualquer eficácia contra o mesmo, assim dispondo:


“Art. 290-A cessão do crédito não tem eficácia em relação ao devedor, senão quando a este notificada; mas por notificado se tem o devedor que, em escrito público ou particular se declarou ciente da cessão feita.”


Assim, diante da regra legal suso mencionada, a cessão da forma como vem sendo aventada é ineficaz, por não terem as partes contratantes cumprido com os requisitos exigido pelo art. 290 do CCB/02, não podendo tal crédito ser dado como garantia nos executivos fiscais.


Por terceiro, quadra registrar que os precatórios não se prestam a garantirem o juízo, tendo em vista não possuírem cotação em bolsa, como se exige o art. 11 da Lei 6.830/80, bem como por possuírem vencimento incerto, não podendo, também por esta razão, servirem de garantia nos executivos fiscais.


É de salientar-se que a satisfação deste mencionado direito não é automática, mas submetida a limitações, inclusive constitucionais, como se depreende do art. 100, da CF., e dos artigos 730 e 731, do Código de Processo Civil.


Neste sentido, oportuno trazermos o entendimento firmado pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Espírito Santo, sendo de se destacar o teor dos seguintes arestos, verbis:


“Preliminar: Fundamentação sucinta não significa falta de fundamentação. Rejeita-se a preliminar argüida nesse sentido. Mérito: Indevida a compensação de crédito cobrado via execução fiscal, válida é recusa de penhora sobre precatórios para garantir a dívida, se não satisfazem estes a gradação prevista na Lei nº 6.830, posto não possuir cotação em bolsa nem prazo de vencimento fixado. Agravo desprovido. (TJES – AI 030019001442 – 3ª C.Cív. – Rel. Des. Nivaldo Xavier Valinho – J. 22.10.2002)”


“É justificável a recusa em processo de execução, de nomeação à penhora de crédito decorrente de precatório por carecer ele (precatório) de liquidez; ademais, o precatório não pode ser imediatamente convertido em dinheiro, nem possui ele (precatório) cotação no mercado de títulos. Precedentes do TJ. 2. Recurso Desprovido. (Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n° 007.059.000.211, Relator Desembargador Álvaro Manoel Rosindo Bourguignon, Relator Substituto Desembargador Fernando Estevão Bravin Ruy, Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, DJ de 23.3.2006).”


“O precatório não possui cotação em bolsa, não tendo, portanto, qualquer valor no mercado de títulos, além de ser de difícil conversão em dinheiro; 2. Inadmissível compelir ao exequente a aceitar, como garantia da dívida, o mencionado título, uma vez que a execução deve ser feita para atender os interesses do credor e não do devedor; 3.Ademais, o art. 15, inciso II, da Lei de Execuções Fiscais, autoriza a Fazenda Pública substituir os bens penhorados por outros, independentemente da ordem de gradação prevista no art. 11 da referida legislação; 4. Recurso conhecido, mas não provido. (Agravo Inominado no Agravo de Instrumento n° 024.069.003.119, Relator Desembargador Arnaldo Santos Souza, Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, DJ de 24.8.2006). “


Por quarto, os supostos créditos decorrentes de precatórios nomeados são adquiridos de terceiros, não se enquadrando como título da dívida pública, mas apenas e tão-somente como direitos sobre eventuais créditos do precatório sinalizado, o qual se afigura como último bem na ordem de preferência estabelecida pelo art. 11 da LEF, e, portanto, as nomeações apresentadas não obedecem a ordem legal de preferência para nomeação, não podendo ser aceita, ainda mais quando dispõe os executados de bens em melhores condições de solvabilidade para garantirem os créditos excutidos. Neste sentido:


“Não se nega aqui a possibilidade de nomeação à penhora de direito de crédito decorrente de precatório judicial, mas apenas que, como se trata de direito de crédito, e não de título de crédito como sustentado pela Agravante, tal bem reside em último lugar na ordem de preferência tanto do art. 655 do CPC, como do art. 11, da Lei nº 6.830/80, o que justifica a recusa do exeqüente na busca de bens situados em pregressa gradação e de mais fácil solução, sem que de tanto se possa falar em preclusão do direito de recusa, uma vez não se haver comprovado que mesmo após sua intimação quanto à penhora efetuada permanecera o Agravado silente.” (…) (TJES – AgRg-AI 024029003191 – 3ª C.Cív. – Rel. Des. Rômulo Taddei – J. 04.06.2002) JCPC.655 JCPC.620


“1. Fundamentada suficientemente a decisão agravada, rejeita-se a preliminar argüida nesse sentido. Mérito: Vedada a compensação tributária em execução fiscal e não sendo o precatório adquirido de terceiro título capaz de garantir em penhora à execução fiscal, nega-se provimento ao agravo.” (TJES – AI 030019001434 – 3ª C.Cív. – Rel. Des. Nivaldo Xavier Valinho – J. 11.09.2002)


Por quinto, em aceitando o crédito representado por precatórios, estaríamos aceitando compensação de forma contrária à Lei, uma vez que o artigo 170 do CTN somente autoriza a compensação de crédito tributário por meio de autorização legislativa, e, para o caso em tela, não há previsão legal disciplinando a compensação pretendida.


 Assim dispõe do dispositivo legal em comento:


“Art. 170. A lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda Pública.”


No mesmo sentido, não permite o art. 16, §3º da Lei 6830/80 a possibilidade de efetivação da compensação no processo de execução fiscal:


“§ 3º. Não será admitida renovação, nem compensação, e as exceções, salvo as de suspeição, incompetência e impedimentos, serão argüidas como matéria preliminar e serão processadas e julgadas com os embargos.”


Vale considerar mais detidamente a matéria de que trata o § 3º do artigo 16. Das causas impeditivas, modificativas ou extintivas da obrigação de pagar, exigível através do processo de execução fiscal, e respeitadas as leis especiais que dispõem em outro sentido, exclui-se a compensação, assim como a reconvenção.


Observa-se que, no campo tributário, a compensação é admissível quando a lei, taxativamente prevê aquela forma de extinção do crédito, como admite o artigo 170 do Código Tributário Nacional.


Mas, ainda que, em casos expressamente previstos em lei, a compensação pudesse a vir a ser argüida como matéria de defesa, o devedor somente poderia fazê-lo, depois de ter tornado líquido e certo o seu crédito, como impõe o citado artigo 170 do Código Tributário Nacional. Isso, sem dúvida, em processo outro que não o da própria execução proposta pela Fazenda Pública, salvo se lei especial permitisse a compensação.


Deveras, uma vez que a norma tributária tem caráter público submetido ao princípio da estrita legalidade tributária, a compensação tributária com os títulos judiciais expedidos sob a denominação de “precatório” torna-se impossível, salvo se houver plena concordância e autorização da Fazenda Pública mediante a edição de lei específica sobre o tema (art. 37 caput da Constituição Federal c/c artigo 170 do Código Tributário Nacional).


Neste sentido, verbis:


“Preliminar: Fundamentação sucinta não significa falta de fundamentação. Rejeita-se a preliminar argüida nesse sentido. Mérito: Indevida a compensação de crédito cobrado via execução fiscal, válida é recusa de penhora sobre precatórios para garantir a dívida, se não satisfazem estes a gradação prevista na Lei nº 6.830, posto não possuir cotação em bolsa nem prazo de vencimento fixado. Agravo desprovido.” (TJES – AI 030019001442 – 3ª C.Cív. – Rel. Des. Nivaldo Xavier Valinho – J. 22.10.2002)


Esta pretensão é, por vias oblíquas, efetuar compensação entre duas obrigações heterogêneas, sem se perder de vista que, se admitida, poderia fulminar o princípio constitucional da ordem cronológica dos precatórios.


A compensação de créditos na seara tributária consiste em poder discricionário da Administração, sendo vedado ao magistrado deferi-la sem expressa vênia legal (cf. § 3º do artigo 16 da LEF).


Com efeito, inviável o oferecimento à penhora de precatórios adquiridos de terceiros, haja vista que representa, por via transversa, uma compensação de créditos, vedada em execução fiscal (art. 16, § 3º da LEF), não obstante o fato desta oferta depender da anuência da Fazenda Pública por inteligência do art. 9º, IV da LEF.


Outrossim, uma vez que os títulos judiciais possuem natureza indenizatória, não caberia qualquer possibilidade de compensação strictu sensu, uma vez que a compensação exige homogeneidade entre os créditos. Crédito tributário, neste caso, somente poderia ser compensado com crédito tributário; crédito de natureza indenizatória poderia ser compensado com outros de natureza indenizatória.


Neste diapasão, descabe qualquer entendimento sobre a equivalência à dinheiro, uma vez que o precatório é titulo judicial que possui regras próprias de liquidação. O pagamento somente se dará de maneira anual, mediante prévia dotação orçamentária, sob pena de decretação de intervenção federal ou estadual. Contudo, enquadra-se como um “direito” do contribuinte, o qual se encontra em último lugar na lista de nomeação de bens à penhora prevista no artigo 11 da LEF.


Embora se tratando de crédito a que se opõe outro crédito, no caso em que se tratar de execução fiscal, onde há envolvimento de pessoa jurídica de direito público, as regras aplicáveis são as de direito público específicas para o caso, ou seja, as previstas na Lei 6.830/80, especialmente os artigos 9º e 11 e o artigo 170 do CTN.


No mesmo sentido, cabe explicitar o voto brilhante do Ministro Franciulli Neto, de maneira singular explicita todo o trabalho até o presente momento apresentado:


“1. Em execução fiscal, não é defesa a substituição de um bem penhorado por outro; daí, não há inferir que tal substituição possa ocorrer entre um bem que poderá ir à praça pública em condições de satisfazê-la com outro como aquele apresentado pela executada, i. e., crédito seu contra a Fazenda, uma vez que este não pode de pronto, tal qual se encontra, ser praceado. Um crédito sujeito a precatório não atende ao fim teleológico da praça pública. A pretensão do devedor menos não fora que, por vias oblíquas, efetuar compensação entre duas obrigações heterogêneas, sem se perder de vista que, se aceita, poderia fulminar o princípio constitucional da ordem cronológica dos precatórios. A compensação de créditos na seara tributária consiste em poder discricionário da Administração, sendo vedado ao magistrado deferi-la sem expressa vênia legal (cf. § 3º do artigo 16 da LEF). Não há razão que justifique a condenação do ente político, vencedor na demanda, por litigância de má-fé. Recurso especial não conhecido.STJ – SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Classe: RESP – RECURSO ESPECIAL – 157913 Processo: 199700876292 UF: RS Órgão Julgador: SEGUNDA TURMA Data da decisão: 10/09/2002 Fonte DJ DATA: 31/03/2003 PÁGINA:182 Relator(a) FRANCIULLI NETTO Decisão Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEGUNDA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Os Srs. Ministros Laurita Vaz, Paulo Medina e Eliana Calmon votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Francisco Peçanha Martins.”


Por sexto, e último, a nomeação de precatório viola o disposto no art. 100 da CF, que obriga o pagamento dos precatórios de acordo com a ordem cronológica enviada pelo Presidente do Tribunal de Justiça, de modo que, aceitando a satisfação do crédito fiscal pelo precatório, estar-se-ia burlando a regra que estabelece o pagamento dos referidos créditos na ordem cronológica de sua apresentação junto ao Tribunal para privilegiar aquele que ocupa posição mais distante na ordem de pagamento.


Com relação a este ponto, cumpre ressaltar que, uma vez admitido a nomeação de precatório à penhora, os efeitos desta decisão, que ocasiona a quebra da ordem cronológica de pagamento, redundará na completa falência dos Estados, pois a própria norma constitucional prevê, nestes casos, o seqüestro dos valores diretamente nas contas do ente estatal para fazer frente a todos os precatórios posicionados em situação de preferência cronológica à aquele que ocasionou a quebra da ordem, prejudicando todo o funcionamento da máquina estatal e como conseqüência, toda a coletividade.


4. A errônea aceitação dos precatórios pela Vara Privativa das Execuções Fiscais de Vitória


Não obstante todos os argumentos expostos, principalmente o da suspensão dos referidos precatórios pelo STF, a i. juíza que responde pela Vara das Execuções Fiscais da Capital, vem aceitando tais precatórios como garantia do juízo. Fundamentando seu posicionamento e valendo de argumentos metajurídicos, afirma que a nomeação deve ser levada a cabo tendo em vista que “a carga tributária que assola o país é demasiadamente alta, de sorte que penhorar outros bens, que não aqueles oferecidos pelo devedor, afetaria o livre exercício de sua atividade econômica e, por conseqüência, a futura quitação da suposta dívida, já que a empresa teria que suportar mais um encargo, além da enorme carga tributária, transpondo-se em um fardo pesado demais para a mesma”.     


Conforme claramente se verifica, data vênia, os argumentos expostos pela douta juíza não são hábeis para fundamentar sua decisão. Não há, sequer, indícios de juridicidade. Com todo o respeito que a douta juíza merece, sua decisão apenas procurou resguardar interesses de grandes empresas inadimplentes para com o Estado, deixando de lado o Interesse Público de reaver seus créditos, não obstante açoitar o dever do Estado em entregar a prestação jurisdicional de modo efetivo.


A douta juíza alega ainda que tal decisão está amparada no entendimento do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo. Para tanto, cita decisão monocrática, portanto precária, da Desembargadora Catharina Maria Novaes Barcellos. Nesse ponto, surge a seguinte pergunta: como se pode considerar que uma decisão monocrática seja “o entendimento” de determinado tribunal? Deveria, ao menos, citar outros julgados proferidos pelas câmaras do tribunal, a fim de constatarmos realmente a opinião dos demais desembargadores.


Em uma simples pesquisa jurisprudencial, percebe-se que, ao contrário do afirmado pela douta juíza, o E. Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo não tem aceitado a penhora sobre precatório judicial quando houver bens em melhor situação ou quando não houver razão que autorize relativizar a ordem de precedência. Ora, se o tribunal capixaba não vem aceitando simples precatórios, muito menos iria aceitar os da trimestralidade, uma vez que, conforme exposto, está com sua exigibilidade suspensa.


Nesse sentido:


“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO – EFEITO SUSPENSIVO – INDEFERIDO – EXECUÇÃO – OFERTA DE PRECATÓRIOS – IMPOSSIBILIDADE NO CASO CONCRETO – AUSÊNCIA DE LIQUIDEZ -RECURSO DESPROVIDO. 1 – É justificável a recusa em processo de execução, de nomeação à penhora de crédito decorrente de precatório por carecer ele (precatório) de liquidez; ademais, o precatório não pode ser imediatamente convertido em dinheiro, nem possui ele (precatório) cotação no mercado de títulos. Precedentes do TJ. 2. Recurso Desprovido. (Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n° 007.059.000.211, Relator Desembargador Álvaro Manoel Rosindo Bourguignon, Relator Substituto Desembargador Fernando Estevão Bravin Ruy, Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, DJ de 23.3.2006).”


“AGRAVO INOMINADO CONTRA DECISÃO QUE NEGOU SEGUIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO POR MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA. EXECUÇÃO. NOMEAÇÃO DE BENS À PENHORA. PRECATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO IMPROVIDO. LO precatório não possui cotação em bolsa, não tendo, portanto, qualquer valor no mercado de títulos, além de ser de difícil conversão em dinheiro; 2. Inadmissível compelir ao exequente a aceitar, como garantia da dívida, o mencionado título, uma vez que a execução deve ser feita para atender os interesses do credor e não do devedor; 3.Ademais, o art. 15, inciso II, da Lei de Execuções Fiscais, autoriza a Fazenda Pública substituir os bens penhorados por outros, independentemente da ordem de gradação prevista no art. 11 da referida legislação; 4. Recurso conhecido, mas não provido. (Agravo Inominado no Agravo de Instrumento n° 024.069.003.119, Relator Desembargador Arnaldo Santos Souza, Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, DJ de 24.8.2006).”


Especificamente, no tocante à trimestralidade, destaca-se a decisão do i. Des. Arnaldo Santos Souza:


“(…) depreende-se dos autos que o fisco estadual aforou ação executiva a fim de haver crédito fiscal constante da certidão de dívida ativa nº 5258/2001, em face da recorrida, a qual, citada, nomeou à penhora os direitos sobre o crédito do precatório nº 200100158530. ato contínuo, a julgadora monocrática entendeu por bem aceitar a oferta da agravada, o que provocou o inconformismo da Fazenda Pública Estadual. eis o âmago da controvérsia.


Sustenta o recorrente que a decisão hostilizada não merece prosperar, eis que colide frontalmente com jurisprudência do colendo STJ e deste Egrégio Tribunal de Justiça. Revela que o título oferecido pela recorrida não traduz liquidez a fim de atender à medida executiva determinada pelo juízo a quo, na medida que o STF tem entendido ser inconstitucional a lei estadual 3.935/87, “[…]a qual embasou a decisão que deu origem aos processos que rendundara na expedição dos referidos títulos representativos das dívidas judiciais, dentre os quais, o representativo do crédito em discussão.” (sic) (fls. 04) realmente, tenho entendido ser justa a resistência do Estado quando a executada oferece à penhora créditos de precatórios, ainda que provenientes da própria fazenda exequente. A uma porque, inobstante tratar-se de título da dívida pública, tais precatórios não possuem cotação em bolsa e, portanto, sem qualquer valor no mercado de títulos; e, a duas, pois não se pode compelir ao exeqüente a aceitar a garantia oferecida, vez que a execução deve ser feita para atender os interesses do credor e não da devedora. No caso vertente, além das duas premissas antes mencionadas, há um outro elemento que culmina por robustecer tal juízo, qual seja, o fato de que os precatórios oferecidos pela executada, ora, agravada, decorrem de direitos reivindicados com base em lei estadual que, ao que tudo indica, cinge-se de inconstitucionalidade.” (grifos nossos) (Agravo de Instrumento Nº 24079003257, 1ª Câmara Cível, DJES 13/04/2007)


Não bastasse, a própria Des. Catharina Maria Novaes Barcellos, em brilhante voto no Agravo de Instrumento 024.06.901106-2, DJES 30/03/2007, verificando a real situação dos precatórios da trimestralidade, considerou ineficaz a nomeação de tais precatórios, condenando, inclusive, a empresa que ofereceu os supostos créditos em litigância de má-fé, pois a omissão da real situação dos precatórios levou a Desembargadora a erro, prolatando decisão liminar a favor da empresa.


Segue a ementa:


“EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXECUÇÃO FISCAL – OFERTA DE DIREITO DE CRÉDITO DECORRENTE DE PRECATÓRIO JUDICIAL – DECISÃO PLENÁRIA RELATIVIZANDO A COISA JULGADA – INEXIGIBILIDADE – NOMEAÇÃO À PENHORA INEFICAZ – LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ – MULTA – RECURSO DESPROVIDO.  1. Hipótese em que a devedora agravante ofereceu à penhora direito de crédito decorrente de precatório judicial, cuja obrigação foi declarada anteriormente inexigível pelo Egrégio Tribunal Pleno, fundada na inconstitucionalidade da Lei nº 3.935⁄87, que instituiu a trimestralidade dos reajustes dos vencimentos dos servidores públicos estaduais.  2. Informação omitida maliciosamente pela devedora agravante, o que por certo mudaria completamente a sorte do julgamento do presente agravo, induzindo a Relatora a erro na concessão da tutela de urgência. 3. É manifestamente infundada a alegação segundo a qual, enquanto não transitado em julgado o v. acórdão que relativizou a coisa julgada, seria possível a nomeação à penhora feita pela devedora agravante, afinal a desconstituição do título executivo judicial tem por conseqüência lógica e irremediável a inexistência dos direitos de créditos que lhe foram cedidos, e o recurso extraordinário não possui efeito suspensivo (art. 497 do CPC). 4. Assim, vislumbra-se claramente a má-fé processual da agravante, que omitiu fato relevante, cujo conhecimento tornou manifestamente infundado e protelatório o recurso interposto, sendo tal conduta temerária e passível de sanção, na forma dos arts. 17, II e VII, e 18 do CPC. 5. Recurso desprovido, com a aplicação de multa de 1% (um por cento) sobre o valor da causa atualizado, por litigância de má-fé.”


5. Conclusão


Face o exposto, acreditando que este texto foi realizado de modo a aclarar o assunto referente à penhora dos precatórios decorrentes da trimestralidade, não usando argumentos utópicos, espera-se que a matéria tenha sido devidamente aclarada.


 


Notas:

[1] Lei que instituiu a trimestralidade, no qual os plenários do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal de Justiça do Espírito Santos já se manifestaram acerca da questão da inconstitucionalidade da trimestralidade dos reajustes dos vencimentos dos servidores públicos estaduais.

[2] Referencia completa ao final do presente texto.


Informações Sobre o Autor

Gustavo Luís Teixeira das Chagas

Procurador do Estado do Espírito Santo com atuação na Subprocuradoria fiscal (SPFI). Advogado. Professor Universitário. Ex-Procurador Federal


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