Desrespeitos à regra da livre distribuição

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1. Introdução

A regra da livre distribuição – corolário
do princípio constitucional juiz natural (art. 5o, incisos XXXVII e
LIII, da CF/88)
– é norma expressa e cogente no Código de Processo Civil pátrio (art. 251 e 252)
e pode assim ser resumida: onde houver, com competência concorrente, mais de um
órgão, ou mais de um cartório ou repartição vinculados ao mesmo órgão, impõe-se
a prévia distribuição, paritária e alternada, entre
juízes e escrivães (MOREIRA, Barbosa. O Novo
Processo Civil Brasileiro
. 21a ed. Forense, p. 20), devendo ser
observados, nessa técnica, “aspectos abstratos, gerais e objetivos,
a fim de evitar-se uma designação ad hoc” (SCHWAB, Karl. Divisão de Funções e o Juiz
Natural
. RePro nº 48, 1987, p. 127).

De um modo geral, a distribuição ocorre por
sorteio, que, nos dias atuais, é realizado por computador e, apenas em casos
excepcionais, é feito manualmente.

A técnica processual elegida pelo
legislador brasileiro tem uma finalidade prática e outra ética: (a) distribuir
igualitariamente a carga de trabalho entre os juízos e (b) evitar que a parte
escolha, a seu livre talante, entre os juízes competentes, o que deseje julgar
seu processo.

Do ponto de vista ético, a livre
distribuição mostra-se como instrumento de garantia da imparcialidade do
magistrado. Daí sua importância, na arguta observação de MONIZ DE ARAGÃO:

“não faz
sentido, em face dos modernos postulados do Direito Processual Civil,
considerar irrelevante a ausência de distribuição. A adoção de tal tese
– facultando-se ao autor, em conseqüência, a possibilidade de se dirigir
diretamente ao juízo de sua preferência – importa em subordinar ao poder
dispositivo da parte matéria que é de ordem pública e paira acima da
própria intervenção dos juízes, que não a podem modificar para atender
quaisquer interesses. Juiz que concorda em despachar assunto que não lhe foi
previamente distribuído estará sempre sujeito a parecer suspeito de
parcialidade aos olhos da parte contrária e do público” (apud CARNEIRO, Athos Gusmão. O Litisconsórcio Facultativo Ativo
Ulterior e Os princípios do juiz natural e do devido processo legal
. RePro, RT, 96/201).

Além disso, em um Estado Democrático
que tem no reconhecimento da pluralidade de idéias uma de suas notas
fundamentais, não se pode admitir que um juiz tenha sua jurisdição subtraída
pelo simples fato de possuir um posicionamento jurídico contrário à pretensão
da parte.

Desse modo, é preciso reprimir as fraudes
que comumente ocorrem na distribuição de processos, até para que se restaure a
legitimidade moral do Poder Judiciário. Afinal, dispensar a distribuição,
permitindo que a parte escolha o juiz de seu agrado, é transformar a justiça
pública em negócio particular, num trágico retrocesso de vários séculos na
história do processo (MESQUITA, José Ignácio Botelho de.
Competência – distribuição por dependência. RePro
nº 19, 1980, p. 218).

O presente estudo longe de querer ter a
conotação de denúncia (na acepção coloquial da palavra) pretende tão somente
detectar alguns mecanismos utilizados para se burlar a livre
distribuição, buscando oferecer antídotos, extraídos do próprio sistema
processual posto, capazes de minimizar as
fraudes.

2. Por que burlar a
distribuição?

Apesar de a regra processual da livre
distribuição ser de caráter cogente e de fácil aplicação, ela é violada,
diariamente, de forma velada ou às escâncaras.

Frauda-se a distribuição por diversos
motivos. Na maioria dos casos, o fenômeno ocorre por ter o advogado da causa
conhecimento prévio do entendimento do juiz sobre determinada matéria. Assim,
caso o processo “caia nas mãos” do magistrado cujo entendimento jurídico é
favorável ao seu cliente, a vitória será uma certeza,
pelo menos em primeiro grau. Veja-se que o fato é mais suscetível de ocorrer no
âmbito da Justiça Federal, onde as discussões jurídicas se repetem em inúmeros
processos.

A existência do duplo grau de jurisdição
não minimiza a necessidade da burla para os que dela se utilizam. Muitas vezes, a vitória em primeira instância já traz por si só
diversas vantagens financeiras para a parte, sobretudo quando há provimento
liminar ou antecipatório, cuja execução é imediata, máxime se se tratar de tutela “satisfativa”, ou seja, que esgote no
todo ou em parte o objeto da ação, como por exemplo, as que determinam a
liberação ou embarque de mercadorias, expedição de Certidões Negativas de
Débito, levantamento de valores sem oferecimento de garantia etc.

Por isso, advogados inescrupulosos, que
fazem de tudo para ganhar a causa de seu cliente, sem qualquer crise de
consciência, não hesitarão em fraudar a distribuição, se isso lhes propiciar a
vitória na demanda.

3. Fraude ao sistema de
processamento de dados

A maneira mais abominável de se malograr a
livre distribuição é através da violação ao sistema de dados. Para a
perpetração do ilícito, é necessário obter acesso à manipulação dos dados
cadastrais, geralmente por meio de um funcionário do setor de distribuição.

Esse tipo de fraude é fácil de ser
descoberto. Contudo, é preciso que se analisem os dados internos do sistema
para perceber que a distribuição foi viciada. Por essa razão, o magistrado
processante do feito pode nem saber que o processo lhe foi distribuído por uma
designação aleatória da parte, já que a alteração dos dados ocorrerá no âmbito
do setor de distribuição.

Pelo que sei, a
forma mais utilizada para se manipular a distribuição, violando-se o sistema de
dados, é obter uma senha de acesso capaz de alterar os campos referentes aos
nomes das partes. Desse modo, quando um processo “laranja” é distribuído, por
sorteio, ao juízo desejado, basta alterar, antes de proceder à distribuição
física dos autos, o nome das partes originárias, colocando, em seu lugar, o
nome das partes do novo processo, para, em seguida, substituir as peças do
processo original então protocoladas pelas peças do
novo processo.

Freqüentemente, têm sido descobertos, em vários Estados,
casos de fraudes utilizando esse tipo de ardil.

Aqui mesmo, no âmbito do Tribunal Regional
Federal da 5a Região, o Corregedor Regional Francisco de Queiroz
Cavalcanti vem investigando alguns fatos envolvendo violação ao sistema, tendo
sido providenciada, inclusive, uma auditoria por empresa especializada para
apurar a segurança do programa utilizado. No Ceará, a Dra. Germana de Oliveira
Moraes, Diretora do Foro, determinou a instauração de sindicância (Portaria nº 480, de 30/9/1999) no intuito de apurar possíveis
fraudes que estavam ocorrendo na distribuição de processos.

A fraude ao sistema de processamento de
dados ocorre, na grande maioria das vezes, sem o conhecimento do juiz. Torna-se
difícil, portanto, a sua repressão pelo magistrado a quem o
processo foi distribuído, embora, se este tiver conhecimento da fraude,
tem a obrigação de, além de tomar as medidas correcionais contra os
responsáveis, determinar que se proceda uma nova e livre distribuição do feito.

4. Acolhimento de prevenção
inexistente

Um dos meios mais comuns de se viciar a
distribuição, escolhendo-se o juiz da causa, é indicar, no rosto da inicial,
uma suposta prevenção existente com outro processo que tramita no cartório
(Vara) do magistrado escolhido, dirigindo a petição inicial, sem maiores
delongas, àquele juízo.

Alega-se, em geral, que a prevenção é
justificada por uma suposta conexão entre as causas. Não obstante, ao analisar
os dois processos supostamente conexos, verifica-se que a prevenção é
totalmente inexistente.

Em alguns casos, a alegação é tão absurda
que se sustenta a conexão entre processos em que as
partes são totalmente distintas, as matérias totalmente estranhas entre si e
não há qualquer ponto em comum, por mais distante que seja. São
as chamadas conexões “absurdas/teratológicas/inusitadas/destemperadas”, na
linguagem afiada do Juiz Federal Agapito Machado.

Em outras hipóteses, a alegação é mais
dissimulada. A parte sustenta que a causa de pedir de uma demanda seria
idêntica à de outra pelo simples fato de serem iguais as teses jurídicas defendidas.

Desse modo, a título de
ilustração, se um juiz já tivesse reconhecido, liminarmente, a
inconstitucionalidade de um tributo pago por uma empresa, e o processo
estivesse ainda tramitando, caso outra empresa pretendesse se eximir de pagar o
mesmo tributo, poderia pedir a distribuição por prevenção, sob a alegativa de que existiria “conexão” entre uma causa e
outra, já que ambas teriam a mesma “causa de pedir”. O argumento seduz os mais desavisados, mas
não deve prevalecer.

No exemplo citado, ainda que o tributo seja
o mesmo, ainda que os argumentos utilizados em prol de sua
inconstitucionalidade sejam idênticos, inexiste qualquer identidade entre as
causas de pedir, já que cada relação jurídico-tributária constitui uma relação
autônoma e independente. Os objetos, portanto, são completamente distintos, e,
por conseqüente, distintas também são as causas de pedir. O mesmo argumento se
aplica, por exemplo, aos pedidos de inclusão dos expurgos inflacionários nas
correções de contas do FGTS, onde cada conta é independente entre si; aos casos
de reconhecimento de validade das apólices da dívida pública, onde cada apólice
constitui um título autônomo; ao pedido de transferência de alunos de uma
universidade para outra (cada relação jurídica formada entre aluno/instituição
de ensino é independente); nos contratos regidos pelo Sistema Financeiro da
Habitação, em que, mesmo contendo cláusulas idênticas, há uma nova relação
jurídica para cada contrato; e os exemplos se seguem.

Se existe uma certa
coincidência no que toca à tese jurídica defendida em cada processo, é
certo que essa simples coincidência não tem o condão de determinar a
modificação da competência originária do processo. Se o mérito de uma lide
consiste em uma questão de direito e esta é uma das questões que se apresentam
na outra, isso não basta para alterar em relação a uma delas a competência;
a esse efeito é necessário que as questões comuns se refiram ao mesmo título ou
ao mesmo objeto
(CARNELUTTI, Francesco. Instituições do Processo
Civil
. Trad. Adrián
Sotero De Witt Batista. Vol. I, ed. Servanda, São Paulo, 1999, p. 296).

O critério a ser observado, em resumo, para se acolher a distribuição
por dependência em razão da conexão, é o da prejudicialidade:
se há um choque entre as causas, exigindo decisões uniformes, aí sim se
justificará a reunião de processos pela conexão, e a conseqüente modificação da
competência. Do contrário, não havendo vínculo de prejudicialidade
entre os julgamentos eventualmente divergentes (um não conflita com o outro), a
distribuição por prevenção não passará de uma burla velada à livre distribuição. Em outras palavras: “a reunião somente será
necessária se houver o risco de decisões contraditórias. Senão, não

(MESQUITA, José Ignácio Botelho de. Competência –
distribuição por dependência
. RePro nº 19, 1980, p. 218).

4.1. A Instrução Normativa nº 01/2001 da
Corregedoria Regional da 5a Região

Para minimizar o problema das distribuições irregulares
(“distribuições dirigidas”) que estavam ocorrendo no âmbito da 5a
Região, o Douto Corregedor Regional Francisco de Queiroz Cavalcanti publicou a
Instrução Normativa nº 01/2001, conferindo ao Juiz
Federal Distribuidor a incumbência de decidir,
fundamentadamente, as pretensões de distribuição por dependência, reconhecendo
ou não a hipótese de prevenção (art. 2o). Obviamente, a decisão do
Juiz Distribuidor não impede a reapreciação pelo Juiz para o qual for
distribuído o processo (juiz da causa).

É inquestionável que a referida medida diminuirá, e muito, as falsas
prevenções que vinham ocorrendo de forma banalizada em alguns Estados da 5a
Região. Porém, ainda há uma pequena margem para ocorrência fraudes, pois a
medida não impede que o próprio Juiz Distribuidor acolha prevenções
inexistentes, sobretudo quando for ele também o juiz da causa. Desse modo,
ainda persiste a necessidade de os advogados das partes prejudicadas com as
distribuições dirigidas (em geral, os Advogados Públicos) insurgirem-se,
através de recursos à instância superior e reclamações à Corregedoria, contra
os casos de prevenção manipulada, fiscalizando toda e qualquer distribuição por
prevenção.

Ressalte-se que, no âmbito da 2a Região, o Provimento nº 1, de 31 de janeiro de 2001, da Corregedoria Geral, traz
norma semelhante (art. 133), conferindo ao Juiz Distribuidor a atribuição de
apreciar os pedidos de distribuição por prevenção. Além disso, na 2a
Região, foi designado um Juiz Distribuidor permanente,
ao invés de um por mês, o que possibilita uma melhor uniformidade de
posicionamento.

5. Litisconsórcio facultativo
ativo posterior

Outra fraude à livre distribuição bastante
utilizada é a admissão de litisconsórcio facultativo ativo em momento posterior
à distribuição.

O pedido de ingresso de litisconsortes
ativos facultativos, em geral, ocorre nos seguintes momentos: a) após a
distribuição; b) após o despacho inicial (geralmente concessivo de medida
liminar ou antecipatória); c) após a citação ou a notificação (em caso de
mandado de segurança).

Em qualquer dessas oportunidades, a aceitação do ingresso
de outros litisconsortes fere a livre distribuição, pois as novas partes
estarão escolhendo o juiz da causa, o que é vedado pelo nosso sistema
processual.

Não se discute a possibilidade de formação
do litisconsórcio ativo facultativo. Aliás, o próprio CPC (art. 46)
o admite. O que se deve impedir é a formação do litisconsórcio após a
distribuição do feito
, a fim de restar preservada a regra da livre
distribuição.

Há inúmeras decisões dos Tribunais nesse
sentido, inclusive do Superior Tribunal de Justiça. Confiram-se alguns
exemplos:

“Não é admissível a
formação do litisconsórcio ativo após o ajuizamento da ação, sob pena de
violação do juiz natural, em face de propiciar ao jurisdicionado a escolha do
juiz” (STJ, RESP 24743/RJ, Corte Especial).

“Tratando-se de
litisconsórcio facultativo ulterior é inadmissível seu acolhimento após a
distribuição e, principalmente, após a concessão de liminar em sede de mandado
de segurança.
Aceitar-se tal procedimento caracterizaria ofensa ao princípio do juiz natural,
pois deve ser assegurada a livre distribuição dos feitos, não sendo dado a
ninguém a oportunidade de escolher o juiz de sua causa. (TRF – 3a
Região, AG 93.03.030047-5/MS, 2a Turma, Data da Decisão: 12/05/1998,
DJ 03/06/1998, p. 356, rel. JUIZA SYLVIA STEINER).

Observe-se que a aceitação do ingresso de
litisconsortes ulteriores, além configurar burla à
distribuição, caracteriza também violação ao art. 19 do CPC, pois os
litisconsortes aderem ao processo sem qualquer pagamento de custas, quando a
regra impõe a cobrança da taxa judiciária.

6. Mandado de Segurança vs.
Ação Ordinária

Outro modo dissimulado de se ludibriar a
distribuição é o ajuizamento concomitante de mandado de segurança e de ação
ordinária, com o mesmo pedido, mesma causa de pedir e mesma parte autora. As
duas ações, absolutamente idênticas, cujos efeitos jurídicos pretendidos são os
mesmos na prática, serão distribuídas para dois juízes diferentes. Caso um dos
juízes defira o pedido liminar, a parte pede a desistência da outra ação,
prosseguindo tão somente o feito no juízo favorável ao autor.

Se as partes fossem exatamente as mesmas, o
sistema de processamento de dados certamente detectaria a litispendência (art.
301,
§§ 1o, 2o e 3o). Contudo, como a parte ré, não
é, formalmente, a mesma (no mandado de segurança, será a autoridade impetrada;
na ação ordinária, será a pessoa jurídica a que está vinculada a autoridade), a possível litispendência passa despercebida
pelo computador.

Veja-se que, se a liminar tiver natureza
“satisfativa”, uma futura alegação de litispendência ou prevenção pela parte
contrária não surtirá qualquer efeito, pois o objeto da ação ter-se-á esgotado.

Sugere-se, a título de solução para o
problema, que, ao cadastrar, no sistema, o mandado de segurança, inclua-se como
ré, ao lado da autoridade impetrada, a pessoa jurídica a que ela está
vinculada. Desse modo, o computador poderá detectar a litispendência.

7. Impetrações múltiplas e
sucessivas

Atuando como Procurador do Estado de Alagoas,
tive o dissabor de travar um luta judicial com um forte grupo econômico (em
geral, grandes investidores: bancos, fundos de pensão, especuladores etc), em que se discutia a validade ou não das
Letras Financeiras do Estado de Alagoas, emitidas fraudulentamente (escândalo
dos precatórios). O processo tramitava na Justiça Federal do Rio de Janeiro,
pois o Banco Central e a União Federal foram incluídos como partes e alguns dos
autores tinham domicílio naquele Estado. Frise-se que, se os investidores forem
ganhadores da ação (até onde sei, a causa ainda não
foi julgada), o Estado de Alagoas terá um prejuízo de cerca de um bilhão de
reais.

O advogado patrocinador da causa em
questão, utilizando-se de uma prática inegavelmente escusa, ajuizou diversas
ações sobre o mesmo assunto, na mesma data, cada qual com uma parte diferente,
e, em seguida, manteve apenas o processo no qual obteve o deferimento da
antecipação de tutela. Logo em seguida, o causídico desistiu de todos os demais
pleitos em que não foi deferido o pedido, solicitando o ingresso dos demais
autores no processo remanescente (formando um litisconsórcio ativo ulterior) ou
aforando, “por prevenção”, todas as ações posteriores àquele juízo que já havia
deferido a medida antecipatória, numa abominável burla ao sistema da livre
distribuição. Importa ressaltar que o fato foi, inclusive, noticiado pela
Revista Veja, de 9 de agosto de 2.000.

Sem adentrar ao mérito da decisão que
antecipou os efeitos da tutela, o certo é que, processualmente, a atitude do magistrado,
ao aceitar a formação do litisconsórcio ativo facultativo ulterior ou
reconhecer a falsa prevenção, por melhor que fossem suas intenções, violou a
livre distribuição, retirando, por conseguinte, da sua decisão toda a
legitimidade. Como já se disse, “juiz que concorda em despachar assunto que
não lhe foi previamente distribuído estará sempre sujeito a parecer suspeito de
parcialidade aos olhos da parte contrária e do público
“.

7.1.
O que fazer contra isso?

À primeira vista, pode-se alegar que não há
qualquer norma processual que impeça comportamentos de tal estirpe. Sendo
assim, o magistrado nada poderia fazer para reprimi-lo, já que não existe regra
proibitiva (o que não é vedado é permitido), mesmo que a má-fé e a deslealdade
sejam patentes. Não é bem assim.

O magistrado, responsável pela repressão a
qualquer ato contrário à dignidade da Justiça (art. 125, inc. III, do CPC), não
pode aceitar esse comportamento de advogados que aforam diversas ações para,
logo em seguida, pedir desistência na hipótese de o processo não haver sido
distribuído para o juízo desejado. Justamente por violar a lealdade e boa-fé processuais, o juiz deve buscar, através da analogia
ou dos princípios gerais de direito, meios de se impedir essa fraude, mesmo que
não haja norma legal expressa dispondo sobre a matéria.

Alguns magistrados, preocupados com essa
chicana processual, ao receberem um pedido de desistência com o nítido objetivo
de “driblar” a distribuição, costumam sempre ouvir a parte contrária, mesmo
quando tal medida seja dispensável, como por exemplo, antes de estar formada a
relação processual ou em ação de mandado de segurança, que, segundo
entendimento dominante, não necessita de aquiescência da parte contrária para
homologação da desistência (STJ, 2a Turma, RMS 890-DF, rel. Min. José de Jesus Filho, j. 25.9.1991, DJU 28.10.1991,
p. 15232).

Essa atitude (ouvir a parte contrária antes
de homologar a desistência) tem duas vantagens: (a) faz com que a fraude seja postergada por algum tempo e (b) permite que a
parte contrária tome conhecimento do caso, podendo, posteriormente, alegar a
litigância de má-fé.

No entanto, não é ela ainda suficiente para
evitar a burla, pois, mais dia menos dia, o juiz terá que homologar o pedido de
desistência. É preciso, portanto, encontrar uma outra maneira de resolver o
problema.

Tem-se aplicado freqüentemente, sem maiores
questionamentos, a ultrapassada tese de que não existe conexão de causa finda
com outra recém-proposta como fonte alteradora das regras de competência. Logo, uma vez
homologada, por sentença, a desistência, a nova petição, mesmo sendo idêntica à
primitiva (mesmas partes, mesmo objeto, mesma causa de pedir, mesmo advogado),
seria distribuída livremente, sem que o juízo da causa originária ficasse
prevento para dela conhecer. Modificar esse posicionamento é medida que se
impõe para impedir a deslealdade processual decorrente da distribuição
conduzida
.

O anteprojeto de lei nº
14, em sua versão final, elaborado pelos processualistas Athos
Gusmão Carneiro e Sálvio de Figueiredo Teixeira, propõe-se a solucionar o
problema, conferindo a seguinte redação ao art. 253 do CPC:

“Art.
253.
Distribuir-se-ão por dependência as causas de qualquer natureza:

I – quando relacionadas,
por conexão ou continência, com outra já ajuizada;

II
quando, tendo havido desistência, o pedido for reiterado, mesmo que em
litisconsórcio com outros autores
” – grifos nossos.

Nas notas explicativas do anteprojeto, fica
nítido o intuito da mudança:

“É alterado o ‘caput’ do art. 253, a fim de que a
distribuição seja feita por dependência não apenas nos casos de conexão
ou continência com outro feito já ajuizado, como ainda nos casos de ‘ações
repetidas’, que versem idêntica questão de direito .
Evitar-se-ão, assim, as ofensas ao princípio do juiz natural, atualmente
‘facilitadas’ nos foros das grandes cidades: o advogado, ao invés de propor a
causa sob litisconsórcio ativo, prepara uma serie de ações similares e as
propõe simultaneamente, obtendo distribuição para diversas varas. A seguir, desiste
das ações que tramitam nos juízos onde não obteve liminar, e para os autores
dessas demandas postula litisconsórcio sucessivo, ou assistência
litisconsorcial, no juízo onde a liminar haja sido deferida.

A alteração desse artigo do CPC foi
inclusive sugerida pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por ofício
datado de 19.05.1994, e encaminhado ao Conselho da Justiça Federal ( of. 270/94- PRESI), com esse objetivo: obstar as ‘distribuições
conduzidas’” – grifos no original.

A mudança, sem dúvida, é salutar, pois
deixa expresso que o primeiro juízo a quem a causa foi distribuída ficará
sempre prevento para o seu julgamento, independentemente de haver proferido
sentença homologatória da desistência.

Para que a solução não fique no mundo das
desculpas “de lege ferenda”,
onde o magistrado fica aguardando passivamente o agir do legislador, entendo
que é possível, desde já, sem que tal interpretação viole o devido processo
legal ou qualquer outro princípio processual, reconhecer que, havendo repetição
de causas, onde em uma delas já houver sentença homologatória de desistência, o
juízo a quem foi distribuída a primeira ação ficará
prevento para processar e julgar todas as demais que forem propostas
posteriormente, desde que fique caracterizado o intuito de burla à
distribuição. Essa interpretação é corolário lógico desta fase publicística (constitucional) por que passa o direito
processual, onde o juiz, moralmente comprometido com a missão de realizar o
justo, inquieto diante da complexidade procedimental, criará, ele próprio,
alternativas propiciadoras da manutenção da boa-fé processual, não se
tranqüilizando com auto-escusa calcada nas deficiências do sistema (Uma Nova
Ética para o Juiz
. Coor. José Renato Nalini. RT, p. 7).  Os tempos modernos exigem uma
postura mais ativa do magistrado. O que não pode é deixar as fraudes cometidas
diariamente sob o olhar perplexo da Justiça e com o beneplácito desta sem
qualquer resposta judicial.

Portanto, ao verificar que a parte ajuizou
ações sucessivas com o intuito de iludir a distribuição, o juiz (seja o
distribuidor, seja o da causa), visando reprimir esse ato atentatório à
dignidade da justiça, tem o poder-dever de reconhecer a prevenção em relação àquele
juízo a quem primeiro foi distribuída a ação, mesmo
que já exista sentença homologatória de desistência. Essa interpretação, sem
receio de equívoco, é a que mais se amolda ao espírito de moralidade
institucional que a Constituição de 1988 pretendeu instituir, e que a sociedade
brasileira está a exigir dos detentores do poder, aqui
incluídos os juízes.

Felizmente, os Tribunais pátrios, seja no
exercício de seu poder regulamentar, seja no
julgamento de casos concretos, vêm adotando esse mesmo entendimento.

No âmbito da 1a Região, por
exemplo, o então Corregedor Regional ANTÔNIO AUGUSTO CATÃO  ALVES,
reconhecendo que a distribuição, a juízo  diverso, de
ação idêntica à anterior, extinta por desistência,
fere o princípio do juiz natural, caracterizando  fraude
à lei processual e que toda e qualquer prática dessa natureza
deve   ser  coibida, fez publicar a Instrução Normativa nº 22. DE  21 DE  AGOSTO  DE  2000,
(Diário da Justiça de 23/8/2000, Seção II, pág. 001), que, em seu item II, determina que a distribuição de AÇÃO IDÊNTICA (Código de
Processo Civil, art. 301, § 2º) a outra EXTINTA POR
DESISTÊNCIA seja feita ao juiz que conheceu da primeira,
ainda que, na hipótese de vários interessados, nem
todos tenham figurado na primitiva relação de autores.

As decisões também são abundantes no mesmo
sentido, mesmo quando não há norma interna dispondo sobre a matéria.

Na 2a Região, cita-se o CC
96.02.26371-7/RJ, 4a Turma, rel. Célia Georgakopoulos,
em 20/11/1996, DJ: 22/05/1997, onde está ementado que
“Tendo havido desistência em mandado de segurança, ficou
preventa a respectiva vara para a distribuição de outro “writ”
idêntico. Não se trata de conexão para evitar decisões contrárias, mas
sim de se precaver contra a violação do princípio do juiz natural. Em igual
sentido:  CC 95.02.23703-0/RJ, 3a Turma, rel. Juiz Celso
Passos, em 21/11/1995, DJ 22/10/1996, p. 80054.

Na 3a Região, exemplifica-se o
CC 3123/SP, 1a Seção, rel. Juiz Oliveira Lima, em 06/09/2000, DJU
20/10/2000, p. 265, cuja ementa prescreve que “A distribuição a juízo diverso
de outra medida cautelar, idêntica a anterior que foi extinta por desistência,
fere o princípio do juiz natural. Precedente desta corte. Não obstante a extinção
do primeiro, a prevenção por conexão está a determinar a distribuição do
segundo feito ao mesmo juízo do pedido anterior. Em idêntico sentido: CC
94.03.061144-8/SP, 2a Seção, rel, Juíza
Eva Regina, em 2/06/1998, DJ:12/08/1998, p. 512; CC
03025205-1/SP, 2a Turma, rel. Juiz Oliveira Lima, DOE:15/06/1992,
p.135.

Por fim, na 4a Região, há o
precedente do CC 97.04.24501-7/RS, 1a Seção, rel. Jardim de Camargo,
em 03/09/1997, DJ 05/11/1997, p. 93731, onde se decidiu que “Existindo
identidade de processos, sendo que na primeira ação houve exame da inicial e
indeferimento de liminar, encontrando-se arquivada devido a pedido de
desistência, a segunda ação deve ser distribuída por prevenção”.

Indo mais além do que a simples constatação
da prevenção, tem-se entendido que “a parte que intencionalmente ajuíza
várias cautelares, com o mesmo objetivo, até lograr êxito no provimento
liminar, configurando a litispendência, litiga de má-fé, devendo ser condenada
na multa específica
” (STJ, REsp
n.º 108.973/MG, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo, 4ª Turma, publ.
no DJ, pág. 64.709, em 09-12-97). Em igual sentido, o Superior Tribunal de
Justiça decidiu que “configura-se a litigância de má-fé de quem, agindo de
modo temerário, distribui novo mandado de segurança com pedido de liminar
idêntico ao requerido em outra ação mandamental pendente da apreciação do juiz
de vara diversa
” (RESP 74218/RJ Min. Peçanha Martins, 2a Turma,
DJ 11/03/1996   PG:06608, em 04/10/1995).

A própria Ordem dos Advogados do Brasil,
pelo menos na seccional de São Paulo, através do seu Tribunal de Ética, já
cuidou de repudiar a atitude de advogados que ludibriam a livre distribuição,
conforme se pode observar na ementa abaixo:

“PATROCÍNIO – AJUIZAMENTO SIMULTÂNEO DE
VÁRIAS DEMANDAS DE IGUAL CONTEÚDO VISANDO A DIRIGIR A DISTRIBUIÇÃO – EXISTÊNCIA
DE INFRAÇÃO ÉTICA E DISCIPLINAR. – Advogados que fazem distribuir
simultaneamente a mesma demanda a mais de um juiz, objetivando dirigir a
distribuição a fim de obter posição judicial mais favorável, denigrem sua
reputação pessoal e profissional quanto à defesa da moralidade pública e da
administração da Justiça. Constitui prática desleal e de má-fé (art. 14, II,
CPC), abusando do direito de ação ( art. 5º, XXXV, da
CF), raiando pela emulação injusta, e em face da inutilidade da segunda ação,
que deve ser anulada em razão do próprio ato praticado (art. 34, X, do EAOAB).
Incidência do art. 36, I e II do EAOAB, com remessa dos autos às Turmas
Disciplinares”. (Proc. E-2.081/00
– v.m. em 23/03/00 do parecer e ementa do Rel. Dr. CARLOS AURÉLIO MOTA DE SOUZA
– Rev. Dr. LUIZ CARLOS BRANCO – Presidente Dr. ROBISON BARONI. SESSÃO DE 23 DE
MARÇO DE 2000)

8. Aforar ações sem procuração
ou sem pagamento das custas

Outro ardil bem dissimulado é o seguinte: a
parte ajuíza várias ações, todas sem procuração e/ou sem pagamento das custas;
se uma é distribuída ao juiz de sua ‘preferência’, o advogado não precisaria
nem pleitear a desistência das demais, que serão extintas por falta de
pressuposto processual, qual seja, a regularidade da representação ou terão
suas distribuições cancelada por ausência de pagamento das custas.

Para evitar a fraude, podem-se utilizar os
mesmos mecanismos já citados, isto é: a) o juízo a quem primeiramente foi
distribuída a ação ficará prevento para conhecer as
sucessivas, ainda que exista sentença extinguindo o processo sem julgamento do
mérito ou tenha ocorrido o cancelamento da distribuição; b) a parte deverá ser
condenada por litigância de má-fé.

9. Erro propositado na grafia
do nome da parte

Também se costuma violar a distribuição,
ingressando com várias ações idênticas ao mesmo tempo, cada qual contendo uma
grafia um pouco diferente no nome da parte autora ou ré. Desse modo, o
computador não detectará a litispendência, proporcionando a escolha o juízo.

A fim de solucionar o problema, sugere-se
que se modifique o sistema de informática para detectar litispendência também
quando há grafias semelhantes ou então se exija, juntamente com a inicial, o
número do CPF da parte, cadastrando-o no sistema. Algumas Seções Judiciárias já
fazem essa exigência há algum tempo.

Quanto à legalidade da exigência do CPF,
como requisito da inicial, o posicionamento mais recente do Superior Tribunal
de Justiça é pela sua validade, conforme se pode observar na ementa abaixo:

“MANDADO DE SEGURANÇA. PORTARIA NR. 253/92, EDITADA PELO JUIZ FEDERAL DIRETOR DO FORO DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO RIO DE JANEIRO.I – Ao dar pela validade da Portaria NR. 253, de 14.02.92, que determina que as petições iniciais só serão aceitas para Distribuição se acompanhadas da xerocópia autenticada  do CIC (CPF/CGC) das partes, pessoas físicas ou jurídicas, o acórdão recorrido não violou os arts. 2 e 282, II, do Código de Processo Civil. II – Recurso ordinário desprovido” (ROMS 3621/RJ, 2a Turma D 30/10/1995, p. 36743, rel. Min. ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO, em 23/08/1995)

De minha parte, considero a exigência
possível, desde que, em cada caso concreto, possa haver uma relativização da norma,
para que não haja um obstáculo demasiadamente rígido para o acesso à Justiça.

Observe-se, contudo, que a melhor solução
mesmo é possibilitar ao sistema detectar a litispendência quando há grafias
assemelhadas, pois até o número do CPF também pode ser alterado. Confira-se,
nesse sentido, interessante caso citado pela Juíza Federal do Rio de Janeiro,
Dra. Liliane Roriz, enviado
para mim através de correio eletrônico:

“Outra experiência interessante que tive
foi o caso de um advogado que distribuiu dez petições iniciais idênticas,
alterando, em cada uma, uma das letras do nome da autora (Olga Alday, Olga Auday,
Olga Aldai, Olga Audai,
Olga Alda, Olga Alba, etc). Além disso, ele
‘tomou emprestado’ CPF de terceiros, usando um diferente para cada processo (não
sei se você sabe, mas o nosso Sistema somente indica se o CPF é inexistente,
não casando o nº com o nome do titular). Assim, o
Sistema não identificou a prevenção e distribuiu cada processo para uma Vara
diferente. O azar dele é que dois caíram, por livre distribuição, na minha Vara
e, com isso, pudemos detectar a fraude. Suspendi o andamento dos feitos e
oficiei a OAB, ao MPF, aos demais Juízes, a Corregedoria e ao Diretor do Foro.
Mas a fraude somente foi descoberta por mero acaso”.

10. Burla à
competência territorial

Uma outra maneira de se violar o princípio
do juiz natural, através da escolha aleatória do órgão julgador, ocorre por
meio da impetração de ações em diversos Estados da Federação, mesmo naqueles em
que a parte autora não possui domicílio. Aqui não há propriamente uma burla à
competência funcional, mas à competência territorial.

Quando o réu é a União, o art. 109, §2o,
da CF/88, determina que “as causas intentadas contra a União poderão ser
aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde
houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a
coisa, ou ainda, no Distrito Federal
”.

Pela leitura do dispositivo, vê-se
facilmente que a competência para processar e julgar as demandas em que a União
seja ré há de ser, irremediavelmente, um dos seguintes juízos constitucionais: a)
o do domicílio do autor; b) naquele onde houver ocorrido o ato ou o fato
que deu origem à demanda; c) naquele onde esteja situada a coisa ou d)
no do Distrito Federal. O único foro suplementar é o do Distrito Federal e
nenhum outro mais.

Nesse sentido, o Superior Tribunal de
Justiça já decidiu:

“TRIBUTÁRIO. FORO COMPETENTE. FILIAIS. UNIÃO NO PÓLO PASSIVO. 1. As filiais de empresas possuem personalidade jurídica própria, para fins tributários, razão porque devem intentar, nos respectivos Estados de domicílio, as demandas de seus interesses, mesmo que haja identidade de pretensão jurídica. 2. O fato da União figurar no pólo passivo, permite tão-somente deslocar a competência do domicílio da empresa para o Distrito Federal (CF, art. 109, §2º). 3. Agravo regimental improvido”. (AGRMC 3293/SP DJ: 26/03/2001, PG:00368, rel. Min. JOSÉ DELGADO, Primeira Turma).Em igual sentido, assim decidiu o Tribunal Regional Federal da 4a Região:“COMPETÊNCIA – AÇÃO CONTRA A UNIÃO – ALTERNATIVAS – DECLARAÇÃO DE OFÍCIO. As ações contra a União podem ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa ou, ainda, no Distrito Federal (CF, art. 109, § 2º). – mas sempre numa dessas quatro alternativas, nunca em outro juízo. Trata-se de “competência territorial absoluta” (Arruda Alvim, Manual, I/191; Calmon de Passos; Comentários, III/288). que não admite opção diversa, além daquelas previstas na Constituição FEDERAL e que, por isso, pode ser declinada de ofício. (TRF – 4a Região, AGVAG 59446 Processo: 2000.04.01.043220-6 UF: RS, Primeira Turma, Data da Decisão: 27/06/2000, DJU 09/08/2000, PÁGINA: 243, rel. JUIZ AMIR SARTI).

Nem mesmo se pode admitir a formação de
litisconsórcio ativo facultativo quando os autores possuem domicílios diversos,
sob pena de se violar tangencialmente a Constituição.

Nesse sentido, os Tribunais Regionais
Federais pátrios já se manifestaram:

“Para que várias pessoas possam cumular
numa só ação processual diversas demandas de direito
material, é preciso que o Juiz seja competente para todas as demandas
individuais. Assim, inviável o litisconsórcio facultativo por afinidade de
questões quando os diversos demandantes não tiverem o mesmo domicílio, em face
da regra inserta no par-2 do art-109 da Constituição
Federal (CF-88)”. (TRF4, AG 1998.04.01.025553-1/PR, Segunda Turma, 20/08/1998,
DJ: 21/10/1998, pg.710, Relatora JUÍZA TÂNIA TEREZINHA CARDOSO ESCOBAR Decisão
UNÂNIME)

“A existência de litisconsórcio ativo
facultativo permite a propositura da ação contra a União no domicílio de
qualquer um dos autores, desde que não comprometa o feito, quer quanto à
unidade de defesa, quer em se tratando da solução da lide. Sabe-se também que a
competência de foro é de natureza relativa e, portanto, prorrogável. Todavia,
tendo a União ingressado com exceção de incompetência em
razão do foro, não é possível prorrogação, sob pena de ir contra norma
cogente do Código de Processo Civil. Agravo improvido.
(TRF4, AG 1998.04.01.019911-4/PR, 3a Turma, Data da Decisão:
25/06/1998, DJ: 15/07/1998, pg 255, Relatora JUÍZA
MARGA INGE BARTH TESSLER Decisão UNÂNIME)

Trata-se, no caso, de incompetência absoluta, sendo, portanto, inalterável, mesmo pela vontade das partes (STJ, 2ª Seção, CC 6547/PR, DJU 21.03.94, p.5430, e Resp 141196/AL, 6ª Turma, DJU 16.02.98, p.148).

A burla também ocorre quando o réu não é a
União, mas outros entes públicos de caráter nacional (INSS, INCRA, DNOCS, CEF etc). Embora nesses casos a incompetência não seja
absoluta, entendo que, configurada a burla ao juiz natural, o magistrado tem o
dever de reconhecer a incompetência, sob pena de estar compactuando com a
fraude.

Para amenizar o problema, o já citado
Provimento nº 001, de 31 de janeiro de 2001, da
Corregedoria Regional da 2a Região, avançando extraordinariamente,
veda expressamente, em seu artigo 126, que o Juiz Distribuidor processe a
distribuição de petição inicial de ação cujas partes não sejam domiciliadas na
Seção Judiciária em que protocolarem a causa.
Confira-se:

“art.
126. Os Juízes Distribuidores não processarão a distribuição da petição
inicial de ação, ou de intervenção litisconsorcial, cujas partes não estejam
jurisdicionadas às Seções Judiciárias dos Estados do Rio de Janeiro e do
Espírito Santo”
grifamos.

Em bem fundamentada decisão, proferida no Proc. 2001.5101017878-0, a Juíza Federal Distribuidora da
Seção Judiciária do Rio de Janeiro, Dra. LILIANE DO ESPÍRITO SANTO RORIZ DE
ALMEIDA, teve a oportunidade negar a distribuição de causa em que as partes não teriam domicílio no Rio de Janeiro,
arrematando que “a função do Juiz Distribuidor não é a de mero rubricador de atas de distribuição. Tem ele uma jurisdição
mitigada, ou seja, o poder de dizer quais lides podem ser distribuídas em sua
Seção Judiciária, o que não se confunde com a questão da competência
processual, esta sim exclusiva do juiz sorteado
”.

A decisão, no meu entender, não merece
reparos. Verificando a tentativa de fraude à distribuição, o Juiz Distribuidor,
mesmo sem estar investido em suas funções jurisdicionais, mesmo se se tratar de incompetência relativa, tem
a obrigação (poder-dever) de impedi-la, sob pena de se tornar um mero
carimbador de toga.

11. Conclusões

Foram analisados, ao longo desse estudo,
alguns casos (não todos) de violação à regra da livre distribuição.

Por força do art. 125 do CPC, compete ao juiz prevenir ou reprimir qualquer ato contrário
à dignidade da Justiça.

As partes, por sua vez, devem “proceder
com lealdade e boa-fé
” (art. 14, inc. II, do CPC), agindo dentro do
princípio da probidade processual. O advogado deve defender os interesses de
seu cliente “dentro da ética e da moral, não utilizando mecanismos de
chicana e fraude processual
“, sendo vedada “a utilização de
expedientes de chicana processual, procrastinatórios, desleais, desonestos,
com o objetivo de ganhar a demanda a qualquer custo
” (NERY JÚNIOR,
Nelson. Código de Processo Civil Comentado. 3a ed. RT, São
Paulo, 1997, p. 284 – grifos nossos).

Caso se convença de que a parte, através de
seu patrono, está tentando burlar a livre distribuição, frustrando a técnica
que garante sejam respeitados na repartição de competência interna “aspectos
abstratos, gerais e objetivos, a fim de evitar-se uma designação ad hoc
“, com o intuito
de ganhar a causa a qualquer custo,  o magistrado
deve considerá-la (a parte) litigante de má-fé, condenando-a e ao seu advogado
(solidariamente, nos termos do art. 32, parágrafo único, da Lei 8.906/94) por
litigância de má-fé, em virtude de sua ação maliciosa.

No que se refere ao restabelecimento da
regra da livre distribuição, o juiz, percebendo a fraude, tem o dever de
corrigir, de ofício ou a requerimento do interessado, a falta de distribuição, nos
termos do art. 255, do CPC.

Quaisquer comportamentos desleais,
objetivando tungar a livre distribuição, devem ser combatidos, mesmo que não
sejam vedados expressamente pelo Código de Processo Civil.

Desse modo, em síntese ao que foi exposto,
conclui-se:

a) a distribuição por prevenção quando
totalmente inexistente a conexão entre a causa originária e a nova causa não
pode ser tolerada. O critério a ser observado para se acolher a distribuição
por dependência em razão da conexão, é o da prejudicialidade:
se há um choque entre as causas, exigindo decisões uniformes, aí sim se
justificará a reunião de processos pela conexão, e a conseqüente modificação da
competência. Do contrário, não havendo vínculo de prejudicialidade
entre os julgamentos eventualmente divergentes (um não conflita com o outro), a
distribuição por prevenção não passará de uma burla velada à livre
distribuição;

b) também não pode ser tolerada a admissão
de ingresso de litisconsórcio facultativo ativo posterior à distribuição do
feito, sob pena de se permitir a escolha aleatória do juiz da causa;

c) o ajuizamento concomitante de mandado de
segurança e de ação ordinária, com o mesmo pedido, mesma causa de pedir e mesma
parte autora, também pode configurar desrespeito à
livre distribuição. Logo, devem ser criados mecanismos que possibilitem ao
programa de informática detectar a litispendência nesses casos;

d) a
distribuição de ação idêntica a outra ação, mesmo
já extinta por desistência ou por outra causa extintiva (p.
ex. ausência de procuração ou cancelamento da distribuição por não
pagamento das custas), deve ser feita ao juiz a quem foi distribuída a
primeira, ainda que, na hipótese de vários
interessados, nem todos tenham figurado na primitiva relação de autores;

e) os Juízes Distribuidores não deverão
processar a distribuição da petição inicial de ação, ou de intervenção
litisconsorcial, cujas partes não estejam jurisdicionadas às
Seções Judiciárias dos Estados respectivos, se ficar configurado o
intuito de burla ao juiz natural. Em tais casos, uma vez distribuída a ação, o juiz da causa deve decretar a sua incompetência de
ofício.

f) ficando evidenciando o intuito de burla deliberada à livre distribuição, deve o juiz condenar a parte e o seu advogado, solidariamente, por litigância de má-fé.


Notas 

1. Respectivamente: “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade
competente” e “não haverá juízo ou
tribunal de exceção”.

2. Respectivamente: “todos os processos estão sujeitos a registro, devendo ser
distribuídos onde houver mais de um juiz ou mais de um escrivão” e “será
alternada a distribuição entre juízes e escrivães,
obedecendo a rigorosa igualdade”.

3. Nesse sentido, assim já decidiu
o Juiz Federal Agapito Machado: “A existência de conexão pressupõe a
identidade, mesmo parcial, do objeto ou da causa de pedir das
demandas (CPC, ART. 103). Objeto é o bem que se busca através da
demanda. Causa de pedir ‘é o fato jurídico que o autor coloca como
fundamento de sua demanda’
(Liebman – v. Curso de
Direito Processual Civil, Vol. I, Humberto Theodoro
Júnior, 13ª Edição, pág. 179, nota de rodapé nº 25).
Verifica-se não haver a identidade de causas pretendida, eis que a relação
jurídica existente entre cada autor  e o réu  é que fundamenta a
causa de pedir. E estas  relações são distintas. Exemplo disto é que, se
um vier a se demitido, o outro necessariamente não será. Distinta a relação
jurídica,  distinta portanto a causa de pedir. Por outro lado, o objeto da
demanda de cada autor, no caso, é aquela parcela salarial buscada na ação. A
parcela vencimental de um autor não é a mesma buscada
pelo outro. Cada um busca a sua parcela. Não é comum, portanto, o objeto das
demandas em tela.
Distintos o objeto e a causa petendi,
i
nexiste  a alegada conexão. O que ocorre é que as ações discutem a
mesma matéria, o que não implica em conexão. Do contrário, a prevalecer a  tese
dos autores, todas as ações, por exemplo, que versassem sobre importação de
bens usados, ou sobre o pagamento das parcelas decorrentes da
auto-aplicabilidade dos §§ 5º e 6º do art. 201 da CF/88, em relação aos
benefícios previdenciários, ou sobre a possibilidade de compensação tributária
entre o FINSOCIAL  e a COFINS, seriam julgadas por um único juiz, aquele
para o qual fosse distribuída a primeira de qualquer das ações mencionadas. E
isso não ocorre” (Proc. 96.12470-1).

4. Os ilustres juristas Nelson
Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery, ao comentarem o art. 46, caput, do CPC,
assim concluem: “Formação do litisconsórcio ativo facultativo. Deve
ocorrer no momento do ajuizamento da ação. Proposta a ação, não é mais possível
a formação do litisconsórcio ativo facultativo. Não se
admite o litisconsórcio facultativo ulterior que ofenderia o princípio do juiz
natural. A determinação pelo juiz da reunião de ações conexas, bem como o
ajuizamento de ações secundárias (denunciação da lide, chamamento ao processo e
oposição), são formas atípicas e impróprias de litisconsórcio ulterior”. (In
Código de Processo Civil Comentado  e  legislação
processual  civil  extravagante  em  vigor, 3ª ed., São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997, p. 324.)

5. Art.
46 – Duas ou mais pessoas podem litigar, no mesmo processo, em conjunto,
ativa ou passivamente, quando: I – entre elas houver comunhão de
direitos ou de obrigações relativamente à lide; II – os direitos ou as
obrigações derivarem do mesmo fundamento de fato ou de direito; III
entre as causas houver conexão pelo objeto ou pela causa de pedir; IV
ocorrer afinidade de questões por um ponto comum de fato ou de direito.

6. art. 301. (…) §1o.
Verifica-se a litispendência ou a coisa julgada, quando se reproduz ação
anteriormente ajuizada. §2o. Uma ação é idêntica à outra quando tem
as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido. §3o Há
litispendência, quando se repete ação, que está em curso; há coisa julgada,
quando se repete a ação que já foi decidida por sentença, de que não caiba
recurso.

7. O anteprojeto que tratará da
nova Lei Orgânica da Justiça Federal, de autoria da AJUFE – Associação dos
Juízes Federais, também contém dispositivo semelhante.

8. Quanto a uma possível alegação
de inconstitucionalidade dessa norma, por violação ao princípio da legalidade,
veja-se o que já decidiu o Superior Tribunal de Justiça: “Para a caracterização
da prevenção, cujo escopo maior é evitar decisões contraditórias, reclama-se,
em linha de princípio, que as ações sejam conexas e que estejam em curso. Pode
o órgão jurisprudencial ficar prevendo também por força de norma de organização
judiciária local ou de natureza regimental, que, como cediço,
não ensejam controle na via extraordinária do recurso especial
”.
(RESP 9490/SP DJ 09/09/1991, PG:12209, Min. SÁLVIO DE
FIGUEIREDO TEIXEIRA)

9. Em sentido contrário, citam-se,
entre outros os seguintes acórdãos do TRF da 1a Região, proferidos
antes da promulgação da já referida Instrução Normativa nº
22/2000: CC  98.02.24600-0/RJ, 2a
Turma, Rel. Juiz Espírito Santo, em 09/12/1998, DJ 09/09/1999; AMS 01306417/MG,
4a Turma, rel. Juiz Eustáquio Silveira, em
26/10/1994, DJ: 07/11/1994 PAGINA: 63214; AC  01309769/MG, 3a
Turma, rel. Juiz Tourinho Neto, em 08/11/1993, DJ: 25/11/1993 PAGINA: 50897.

10. No mesmo sentido: “PATROCÍNIO –
AJUIZAMENTO SIMULTÂNEO DE VÁRIAS DEMANDAS DE IGUAL CONTEÚDO VISANDO DIRIGIR A
DISTRIBUIÇÃO – EXISTÊNCIA DE INFRAÇÃO ÉTICA – CONSULTA DA SECCIONAL DE SERGIPE
– A distribuição simultânea de várias demandas de igual conteúdo, entre as
mesmas partes, visando dirigir a distribuição, deslustra a reputação pessoal e
profissional. Atitude sorrateira, ardilosa, condenável e incompatível com a
indispensabilidade do advogado na administração da justiça. Macula, ainda, a
obrigação de atuar com destemor, independência, honestidade, decoro,
veracidade, lealdade, dignidade, moralidade pública e boa-fé. Interpretação do
art. 2º, §§ 1º e 2º, do EAOAB e art. 2º, parágrafo único, incisos II e III, do
CED” (Proc. E-1.932/99 – V.M. em 16/09/99 do parecer
e voto do Rev. Dr. JOSÉ GARCIA PINTO contra o voto do Rel. Dr. LUIZ CARLOS
BRANCO – Presidente Dr. ROBISON BARONI SESSÃO DE 16 DE SETEMBRO DE 1999).

11. “A Justiça Federal do Rio de
Janeiro, até para evitar inúmeras fraudes que já foram detectadas e para
superar problemas repetidos de burla à distribuição, passou a exigir dos
autores cópia da carteira de identidade e do CPF, como medidas de controle.
Nada impede que as seções judiciárias adotem medidas gerais que considerem
necessárias à superação de fraudes e de burla à distribuição. Não se trata de
exigência sem sentido, aleatória, arbitrária ou ilegal, sendo, muito pelo
contrário, medida saneadora, com vistas sobretudo à
moralidade da Justiça. A lei não proíbe este tipo de procedimento. A alegação
de ônus à parte é graciosa, pois o valor de duas cópias é ínfimo” (TRF 2a
Região, AC 208985/RJ, 2a Turma, rel. Juiz Castro Aguiar, em
29/3/2000, DJ 17/10/1994, p. 27860).

12. Em sentido contrário: ROMS
3568/RJ, DJ 17/10/1994, p. 27860, rel. Min. HUMBERTO
GOMES DE BARROS14/09/1994, 1a Turma.

13. Nesse sentido, LIMA, Niliane Meira. Da absolutividade
da competência territorial fixada pelo art.109, §§1º e 2º, da Constituição
Federal
. Publicada na Revista da Fesac/OAB-Ce:
“Desta forma, conclusão outra não teríamos, ao acreditar ser a norma
constitucional constante do art.109, § § 1º e 2º, da
Carta vigente hierarquicamente superior às normas infraconstitucionais, estar
sendo ela violada quando submetida à classificação disposta pelo Código de
Processo Civil como regra de competência absoluta ou relativa e, em
conseqüência, declinável de ofício ou não pelo juiz. É ela, sim, regra de
competência territorial pelo simples motivo de adotar tal critério na fixação
de competência jurisdicional. Porém, entendemos, é declinável de ofício pelo juiz,
sendo improrrogável à vontade das partes, pelas simples e suprema razão de ser
regra de texto constitucional, sendo, pois, entendemos,
indisponível tanto por parte do órgão jurisdicional quando por ato das
partes envolvidas no caso concreto
, a despeito de as normas de competência
relativa fixadas pela legislação infraconstitucinal
encontrar a explicação na doutrina pátria de serem normatizadas
tendo em vista o exclusivo interesse das partes”.

14. Art. 32. O advogado é
responsável pelos atos que, no exercício profissional, praticar com dolo ou
culpa. Parágrafo único. Em caso de lide temerária, o advogado será
solidariamente responsável com seu cliente, desde que coligado com este para
lesar a parte contrária, o que será apurado em ação própria.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

George Marmelstein Lima

 

Juiz Federal Substituto.

 


 

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