Do parcelamento compulsório do débito no processo de execução

Resumo: Trata-se de artigo jurídico sobre a intelecção do dispositivo 745-A do CPC, no que pertine a possibilidade de o executado pleitear o parcelamento do débito exequendo.


Ab initio, é imperioso atentar para o fato de que o art. 745-A do Código de Processo Civil foi acrescentado ao mencionado diploma adjetivo pela Lei n° 11.382, de 6 de dezembro de 2006.


Referida lei, dando continuidade à reforma dos procedimentos de execução forçada, iniciada pela Lei n° 11.232, de 22 de dezembro de 2005, aperfeiçoou a sistemática da execução baseada em título extrajudicial.


Uma das inovações, prestigiando, dentre outros, os princípios da celeridade e da economia processual, foi a possibilidade de o executado, caso preencha todos os requisitos constantes no supracitado dispositivo legal, pleitear o parcelamento do débito exeqüendo.


Trata-se, data venia, não de moratória (legal ou judicial), que implica tão-só na prorrogação do prazo para adimplemento, mas de parcelamento compulsório. É dizer: presentes os requisitos legais, após a certificação do magistrado, que realiza um juízo de admissibilidade do pleito, o pagamento em prestações deverá ser deferido, sendo, pois, uma concessão ope legis, e não ope iudicis.


Neste passo, pertinente se faz sistematizar os 4 (quatro) requisitos exigidos pelo art. 745-A do Código Buzaid[1]. Veja-se.


O primeiro diz respeito à tempestividade. O pedido deve ser feito no prazo para apresentação dos embargos, que, por sua vez, é de quinze dias, contados da data da juntada aos autos do mandado de citação. Para manter a linha de pensamento endossada no presente trabalho, defende-se que tal prazo é peremptório.


O segundo refere-se ao reconhecimento expresso do crédito do exeqüente, em seu valor total. Caso o devedor não concorde com o montante em execução, deverá opor embargos, observando o prazo decadencial do art. 738 do CPC, sob pena de rejeição liminar (art. 739, I). Pensar de modo diverso seria um contra-senso, pois, fazendo uso das palavras do respeitado professor Elpídio Donizetti, com o qual concordamos neste ponto, “ninguém em sã consciência pleiteia o parcelamento de uma dívida que julga não possuir” [2].


O terceiro requisito alude ao prévio depósito de 30% (trinta por cento) do valor da execução, mais custas e honorários. Note que, acertadamente, o legislador determinou que os honorários advocatícios e o reembolso das custas ficassem fora do parcelamento, devendo, pela sua própria natureza, ser pagos de imediato e na sua integralidade.


O quarto (e último) requisito diz respeito ao número de parcelas. Isto é, abatido o montante já depositado em juízo, a proposição de pagamento do restante do débito deve ser feita em, no máximo, 6 (seis) prestações mensais[3], através de petição avulsa.


O § 2º do art. 745-A do CPC regula a hipótese de inadimplemento do parcelamento, nos seguintes termos:


“§ 2º O não pagamento de qualquer das prestações implicará, de pleno direito, o vencimento das subseqüentes e o prosseguimento do processo, com o imediato início dos atos executivos, imposta ao executado multa de 10% (dez por cento) sobre o valor das prestações não pagas e vedada a oposição de embargos.”


Alguns juristas entendem que haveria a necessidade da demonstração, por parte do executado, de possuir condições financeiras para arcar com o pagamento das parcelas restantes. Outros defendem que, caso o devedor possua patrimônio suficiente para adimplir o montante exeqüendo à vista, deve o magistrado indeferir o pedido de parcelamento.


Ora, tais teses são, em seu núcleo, contraditórias. Afinal, a boa condição financeira do executado é um aspecto positivo ou negativo para a concessão do parcelamento?


A bem da verdade, a premissa utilizada está equivocada. A (hiper/hipo) suficiência do devedor não é requisito de admissibilidade do parcelamento. A natureza jurídica do instituto criado pelo dispositivo em baila é de direito subjetivo potestativo, devendo para a sua concessão serem observados apenas os requisitos constantes no texto legal. A interferência (discricionariedade) judicial, neste caso, violaria o princípio da legalidade e o princípio da separação dos poderes.


  A despeito da divergência doutrinária e jurisprudencial, entendo, ainda, que a aceitação do exeqüente em receber parceladamente seu crédito não é requisito para a concessão dos benefícios do artigo em comento.


Com efeito, levando-se em conta uma interpretação literal e teleológica do art. 745-A do Estatuo Processual Civil, máxime pelos ideais que nortearam a reforma, marcados pela incessante busca da justa compatibilização entre o princípio da efetividade da execução e o princípio da menor onerosidade ao devedor, acertada é a corrente que defende que o direito ao parcelamento independe da concordância do credor, da situação financeira do devedor e/ou da discricionariedade do magistrado.


Outro aspecto polêmico é saber se o multicitado artigo pode ser aplicado ao cumprimento de sentença. A controvérsia decorre do fato de que, para parte da doutrina, apesar da posição topográfica do dispositivo legal, inserido no bojo das regras que tratam da execução fundada em título executivo extrajudicial, o permissivo trazido pelo art. 475-R do CPC autorizaria a aplicação subsidiária às “execuções” por quantia fundadas em títulos judiciais.


Essa corrente doutrinária funda-se no argumento principal de que não haveria qualquer obstáculo de ordem lógica ou jurídica entre o instituto do parcelamento e o procedimento do cumprimento de sentença, instituído pela Lei n° 11.232/2005.


Um argumento adjacente, mas não menos respeitável, é a análise constitucional feita pela professora Sandra Aparecida, sob o prisma do princípio da isonomia. Veja-se:


“Parece-nos que, em observância ao art. 5º da Constituição Federal, cujo teor consagra o princípio da isonomia, com relação ao parcelamento da dívida, o mesmo tratamento dispensado ao executado de título extrajudicial deverá ser dado ao devedor de título judicial, que poderá utilizar aquele procedimento, preenchidos todos os requisitos do art. 745-A, desde que não ofereça a impugnação prevista no art. 475-L, ambos do CPC.”[4] (grifos no original)


Por sua vez, o celebrado processualista Elpídio Donizete leciona que, mesmo que não houvesse a regra do art. 475-R do CPC, “a aferição da proporcionalidade entre a garantia à execução do crédito tal como consubstanciado no título e o melhor proveito para o exeqüente, autorizaria o parcelamento” [5].


Inobstante aos argumentos acima expostos, filiamo-nos a corrente que sustenta que o art. 745-A do CPC não pode ser aplicado em fase de cumprimento de sentença.


A “execução” calcada em título judicial possui peculiaridades próprias, a ponto de em diversos aspectos ser incompatível com o procedimento adotado na execução de título extrajudicial.


Não se pode olvidar, também, que a subsidiariedade ventilada no art. 475-R do CPC é excepcional e esporádica.


É sabido que, na prática forense, utilizamos o termo cumprimento de sentença como sinônimo de execução. Entretanto, a rigor, trata-se de mera fase do processo sincrético, fundada em título judicial (art. 475-N do CPC), em que a defesa do executado será a impugnação, prevista nos arts. 475-L e 475-M do CPC.


Quando as partes chegam à referida fase, amplo contraditório já foi exercido (ou pelo menos facultado). Tem-se, na verdade, tão-só um desfecho das fases de conhecimento e de liquidação de sentença.


No entanto, na execução propriamente dita, convencionalmente chamada de processo autônomo de execução, em vista da sua natureza de demanda (e não de “fase”), o título executivo não provém de intervenção jurisdicional, mas da “vontade das partes envolvidas na relação jurídica de direito material” [6]. Daí porque chamado de título extrajudicial (art. 585 do CPC).


O parcelamento compulsório se justifica na execução de título extrajudicial, já que o executado, para fazer uso da benesse legal, praticamente abdica do seu direito ao contraditório. É dizer: mesmo discordando do montante exeqüendo, não irá opor embargos (art. 736 e ss. do CPC), que, frise-se, é a mais importante defesa do processo executivo.


Essa conjuntura jurídica não se faz presente no cumprimento de sentença. Na fase executiva, o credor (titular de um inconteste título certo, liquido e exigível) não pode, após a desgastante espera decorrente de todo o trâmite processual, ser compelido a parcelar o crédito exeqüendo. Aqui, o parcelamento compulsório não se mostra razoável, não podendo, pois, ser subsidiariamente aplicado, sob pena de se violar gravemente o equilíbrio de interesses entre exeqüente e executado.


Cabe esclarecer, ainda, que, apesar de possuírem o mesmo conteúdo e os mesmos objetivos, a impugnação não se confunde com os embargos à execução, pois, segundo a melhor doutrina, possuem natureza jurídica diversa. Isto é, a impugnação tem natureza de incidente processual de defesa; enquanto que os embargos são tidos como uma ação de conhecimento incidental ao processo de execução.


Nesse sentido, leciona Daniel Amorim:


“A doutrina majoritária afirma que a natureza jurídica da impugnação é de incidente processual de defesa do executado. Realmente parece ser esse o melhor entendimento, até porque, mesmo quando o executado pretende obter um bem da vida por meio da impugnação, deve-se prestigiar o sincretismo processual. Não teria sentido o legislador acabar com o processo autônomo de execução de sentença e manter a defesa do executado como ação incidental.”[7] (grifo original)


Com efeito, como a fase executiva tende a ser bem mais célere (ou, no mínino, bem menos morosa) e simples do que um processo de execução fundado em título extrajudicial, o parcelamento compulsório, se aplicado no cumprimento de sentença, configurará um verdadeiro instrumento de retardamento da satisfação do crédito.


Igualar a situação de um credor em fase de cumprimento de sentença com a de um credor de título extrajudicial é, pois, vilipendiar toda a sistemática executiva trazida pela reforma. Como se sabe, isonomia é tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades.


Nesse intere, veja-se a propósito as pertinentes colocações do emérito processualista Humberto Theodoro Júnior:


“Aliás, não teria sentido beneficiar o devedor condenado por sentença judicial com novo prazo de espera, quando já se valeu de todas as possibilidades de discussão, recursos e delongas do processo de conhecimento. Seria um novo e pesado ônus para o credor, que teve de percorrer a longa e penosa via crucis do processo condenatório, ter ainda de suportar mais seis meses para tomar as medidas judiciais executivas contra o devedor renitente.”[8]


Destarte, o instituto do parcelamento compulsório não pode ser empregado no cumprimento de sentença, sob pena, repise-se, de desequilibrar a relação jurídica entre credor e devedor.


Ademais, não cabe ao Judiciário obrigar o credor de título executivo judicial a aceitar proposta de parcelamento de dívida, pois, além de não haver previsão legal para tanto, tal decisão se insere no âmbito dos direitos disponíveis do exeqüente.


É de clareza meridiana a constatação de que o parcelamento em cumprimento de sentença não foi a vontade do legislador, que se assim o quisesse teria previsto expressa e especificamente. Admitir interpretação diversa é ampliar demais o poder criativo do juiz, bem como inovar o ordenamento, malferindo a segurança jurídica, a legalidade e a tipicidade da execução.


O multicitado instituto, entretanto, é, desde 2007 [9], objeto de inúmeras discussões e controvérsias doutrinárias, que se refletem na jurisprudência dos Tribunais pátrios, com destoantes manifestações a respeito do tema. Almeja-se que o posicionamento defendido no presente trabalho concernente às diversas peculiaridades do parcelamento previsto no art. 745-A do CPC seja abraçado pelos Tribunais Superiores, por todas as razões expendidas.


 


Referências

Leis

BRASIL. Código de Processo Civil. São Paulo: Rideel, 2010.

______. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 40. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

Livros:

DIDIER JÚNIOR, Fredie; SARNO, Paula; OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito processual civil. 2 ed. Salvador: Juspodivm, 2008. v. 2.

DONIZETTI, Elpídio. Curso Didático de Direito Processual Civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.

GRINOVER, A. P.; CINTRA, A. C. de A.; DINAMARCO, C. R. Teoria geral do processo. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2009. v. 2.

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2009.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: processo de execução e cumprimento da sentença, processo cautelar e tutela de urgência. 41 ed. São Paulo: Forense, 2007. v. 2.

Periódicos:

SANTOS, Sandra Aparecida Sá. Nova execução de título extrajudicial: possibilidade de parcelamento da dívida e a extensão do benefício ao devedor de título judicial. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 96, n. 862, p. 66-69, ago. 2007.

 

Notas:

[1] Para a concessão do parcelamento, faz-se necessária a observância obrigatória e concomitante dos 4 (quatro) requisitos insculpidos no citado dispositivo legal. Caso ausente qualquer deles, será indeferida a proposta do executado e, de imediato, terão início os atos executivos, conforme exegese do § 1º, do art. 745-A do CPC.

[2] DONIZETTI, Elpídio. Curso Didático de Direito Processual Civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 718.

[3] Com base em uma intelecção lógica do texto legal, salienta-se que, independentemente do número de parcelas proposto, que pode variar de 1 (um) a 6 (seis), as prestações mensais deverão ser consecutivas.

[4] SANTOS, Sandra Aparecida Sá. Nova execução de título extrajudicial: possibilidade de parcelamento da dívida e a extensão do benefício ao devedor de título judicial. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 96, n. 862, p. 66-69, ago. 2007, p. 67.

[5] DONIZETTI, Elpídio. Curso Didático de Direito Processual Civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 717.

[6] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2009. p. 779.

[7] Idem, ibidem, p. 997.

[8] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: processo de execução e cumprimento da sentença, processo cautelar e tutela de urgência. 41 ed. São Paulo: Forense, 2007. v. 2.p. 465.

[9] A Lei n° 11.382/06, que inseriu o art. 745-A no CPC, entrou em vigor na data de 21 de janeiro de 2007.


Informações Sobre o Autor

Windsor Malaquias Cordeiro

Advogado. Pós-graduado em Direito Processual Civil com formação para o magistério superior na área do Direito. Pós-graduando em Advocacia Trabalhista


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