O duplo grau de jurisdição no cotidiano forense


Resumo: O princípio do duplo grau de jurisdição tem a finalidade de garantir a realização de um novo julgamento, por parte dos órgãos superiores, daquelas decisões proferidas em primeira instância, apesar de, no cotidiano forense, ser alvo de argumentos prós e contra acerca de sua verdadeira eficácia no ordenamento jurídico.   


Sumário: 1- Conceito de Duplo Grau de Jurisdição; 2- Argumentos favoráveis ao duplo grau de jurisdição; 3- Argumentos desfavoráveis ao duplo grau de jurisdição; 4- A não garantia do Duplo Grau de Jurisdição pela Constituição de 1988; 5- Considerações finais: “O Duplo Grau de Jurisdição no Pacto de San José da Costa Rica”.  


Inicialmente, podemos dizer que o princípio do Duplo Grau de Jurisdição indica a possibilidade de revisão, por via de recurso, das causas já julgadas pelo juiz de primeiro grau (ou primeira instância), que corresponde à denominada jurisdição inferior, garantindo um novo julgamento por parte dos órgãos da jurisdição superior, ou órgãos de segunda instância. Todavia, podemos considerar que existem argumentos prós e contra a aplicabilidade do Duplo Grau de Jurisdição no ordenamento jurídico brasileiro. Dessa forma, para aqueles que são favoráveis a aplicabilidade do Duplo Grau de Jurisdição, tem-se os seguintes argumentos:


a) A revisão das decisões do magistrado de 1º grau, por parte de um órgão hierarquicamente superior, é fundamental para o controle da atividade do juiz.


b) O duplo grau tem por finalidade não permitir o controle da atividade do juiz, mas propiciar ao vencido a revisão do julgado.


c) Defende-se que os juízes de 2º grau têm maior experiência e, assim, maior possibilidade de fazer surgir soluções adequadas aos diversos casos concretos. Assim, acredita-se que o juiz mais experiente pode ter a última palavra acerca da situação conflitiva. Porém, trata-se de grande equivoco, pois não se pode dizer que o juiz mais antigo, que não teve contato com as partes e com a prova, é necessariamente aquele que está em melhores condições de decidir.


d) A influência psicológica que o duplo grau exerce sobre o juiz de primeira instância que está ciente de que sua decisão será revista por outro órgão do Poder Judiciário de hierarquia superior. Dessa forma, o problema é o de exigir maior responsabilidade do juiz de 1º grau, sendo completamente descabido aceitar que o juiz somente exercerá com zelo e proficiência suas funções quando ciente de que sua decisão será revista. Partindo desse raciocínio, o juiz de 1º grau deve ter maior poder e responsabilidade para que a função jurisdicional possa ser exercida de forma mais racionalizada e efetiva. 


Por outro lado, para aqueles que são contrários ao Duplo Grau de Jurisdição, embasam-se nos seguintes argumentos:


a) Respeito ao Princípio da imediação: refere-se ao principio interligado à oralidade, sendo que defende a atuação do juiz mediante a apreciação das provas, das quais tenha de extrair seu convencimento, ou seja, que haja estabelecido contato direto com as partes, com as testemunhas, com os peritos e com os objetos do processo. Assim, é necessário que o juiz possa apreciar as declarações de tais pessoas e as condições do lugar, e outras, baseado na impressão imediata que delas teve, e não em informações de outros.


b) A Lei dos Juizados Especiais (Lei 9.099/95), em seu art. 2º, obedece ao princípio da imediação ao afirmar que: “o processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade e economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação”.


c) Outra desvantagem do Duplo Grau de Jurisdição: diz respeito a demora da prestação jurisdicional, visto que recomenda a não exigência ao exercício do Duplo Grau de Jurisdição, com exceção naquelas causas de maior complexidade, diante das quais o órgão de 2º grau dificilmente chegaria a uma decisão diversa daquela que foi tomada pelo juiz de 1º grau de jurisdição.


d) Outra desvantagem: o Duplo Grau de Jurisdição tem nítida relação com a idéia de que a jurisdição exercida pelo juiz de 1º grau não merece confiança e, assim, não deve ter poder para decidir sozinho as demandas.


Dessa forma, para que o Estado possa efetivamente desincubir-se de seu dever de prestar a tutela jurisdicional, garantindo ao cidadão o direito a uma tutela jurisdicional tempestiva e adequada, é imprescindível que, em certas hipóteses (causas mais simples), em nome da celeridade e da oralidade, seja eliminado o Duplo Grau de Jurisdição. Nas demais hipóteses, ou seja, naquelas em que o Duplo Grau de Jurisdição deva prevalecer, deve ser instruída a execução imediata da sentença como regra, a fim de que privilegie-se o direito a adequada e tempestiva tutela jurisdicional do juiz de 1º grau, recuperando-se, assim, sua função dentro da comunidade e do Estado.


Um outro aspecto importante refere-se ao fato de que não há uma garantia do Duplo Grau de Jurisdição pela Constituição de 1988, muito embora tenha se verificado que o art. 158 da antiga Constituição de 1824 dispunha expressamente sobre a garantia absoluta do Duplo Grau de Jurisdição, permitindo que a causa fosse apreciada pelo então Tribunal da Relação (depois de Apelação e hoje de Justiça). Posteriormente, com o advento das novas constituições, implicitamente havia previsão para a existência ao Duplo Grau de Jurisdição, mas não mais a garantia absoluta.


Apesar disso, o Duplo Grau de Jurisdição não é considerado como um princípio constitucional garantido constitucionalmente de modo expresso, apesar de a Constituição de 1988 poder atribuir a competência recursal a vários órgãos da jurisdição, no caso dos tribunais, segundo prevê o art. 102, II, da CF/88 e o art. 105, II, CF/88 e o art. 108, II, CF/88. Atualmente, com a CF/88, não há mais garantia absoluta (expressamente) ao Duplo Grau de Jurisdição, sendo que o legislador infraconstitucional pode limitar o direito de acesso aos recursos, principalmente no que tange as denominadas causas de “menor complexidade”, as quais sofrem os efeitos benéficos da oralidade, ou em outras, assim não definidas, mas que também possam justificar, racionalmente, uma única decisão, não há inconstitucionalidade na dispensa do Duplo Grau de Jurisdição (as causas podem ser revistas pela própria instância originária, sem necessidade de recorrer ao duplo juízo). 


É correto dizer também que o legislador infraconstitucional da CF/88 não está obrigado a estabelecer, para toda e qualquer causa, uma dupla revisão em relação ao mérito, até porque a CF/88, em seu art. 5º, LXXVIII, garante a todos o direito à tutela jurisdicional tempestiva, direito este que não pode deixar de ser levado em consideração quando se pensa em garantir a segurança da parte através da instituição do Duplo Grau de Jurisdição.


Por fim, o Duplo Grau de Jurisdição em matéria processual penal encontra sua garantia absoluta estampada na referida legislação penal (como exemplo o art. 8º., n. 2, letra h, da Convenção Interamericana de Direitos Humanos- Pacto de San José da Costa Rica), diferentemente na legislação processual civil e trabalhista, conforme se observa a seguir:


“Art. 8º, nº. 2: “Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas”:


h) direito de recorrer da sentença a juiz ou tribunal superior. (art. 8º., n. 2, letra h, da Convenção Interamericana de Direitos Humanos- Pacto de San José da Costa Rica).”



Informações Sobre o Autor

Ariolino Neres Sousa Junior

Licenciado Pleno em Pedagogia pela Universidade do Estado do Pará- UEPA; Especialista em Metodologia da Educação Superior pela UEPA; Bacharel em Direito pela Universidade da Amazônia- UNAMA; Advogado; Mestrando em Direito das Relações Sociais pela UNAMA; Professor de Direito Processual Civil da Faculdade Pan-Amazônica- FAPAN


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