A inconstitucionalidade do cálculo por dentro do ICMS

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Resumo: O ICMS é um dos mais importantes tributos que nosso ordenamento jurídico comporta.  Isto significa que dentre os tributos existentes, é um dos que mais geram receitas aos cofres públicos. Assim, a sua correta instituição e cobrança são pressupostos dos quais o legislador não pode se afastar. No entanto, fato estranho ao Direito ocorre quando se utiliza a chamada base de cálculo “por dentro”, dado que neste tipo de operação embuti-se, na base de cálculo do tributo, o próprio tributo, desvirtuando-se, assim, por completo, o seu fato gerador. Dessa forma, veremos que a chamada base de cálculo “por dentro” não se sustenta, em hipótese nenhuma, devido à sua clara inconstitucionalidade.

Palavras-chave: ICMS. Base de cálculo. Inconstitucionalidade.

Abstract: The ICMS is one of the most important taxes that our legal system entails. This means that among the existing taxes, is one of those that generate more revenue to state coffers. Thus, the correct institution and collection are assumptions of which the legislator may not move away. However, strange that the Law occurs when you use the called basis of calculation 'from the inside", given that in this type of operation embuti-if, on the basis of calculation of the tax, the own tax, misrepresenting, thus, by complete, your fact generator. In this way, wi’ll see that the called basis calculation “from the inside" is not tenable in hypothesis none, due to its clear unconstitutionality.

Keywords: ICMS. Basis calculation. Unconstitutionality.

Sumário: Introdução. 1. Definição de norma jurídica. 2. Princípios tributários na Constituição Federal. 2.1. Princípio da estrita legalidade. 2.2. Princípio da isonomia tributária. 2.3. Princípio da irretroatividade da lei tributária. 2.4. Princípio da anterioridade. 2.5. Princípio da proibição de tributos com efeito de confisco. 2.6. Princípio da uniformidade geográfica. 2.7. Princípio da não-cumulatividade. 3. A regra-matriz de incidência tributária. 3.1. O critério material. 3.2. O critério espacial. 3.3. O critério temporal. 3.4. O critério pessoal – o sujeito ativo. 3.5. O critério pessoal – o sujeito passivo. 3.6. O critério quantitativo – a base de cálculo. 3.7. O critério quantitativo – a alíquota. 4. O ICMS na Constituição Federal e nos Estados Membros. 5. Os cinco impostos que a sigla ICMS comporta. 6. O ICMS e os princípios da não-cumulatividade e da seletividade. 7. A base de cálculo “por dentro” e sua inconstitucionalidade. Conclusão. Referências.    

Introdução

Todo tributo deve, obrigatoriamente, ter previsão legal para poder ser instituído e cobrado.

Também é a lei que determinará, na maioria das vezes, quais serão os componentes da chamada Regra-Matriz de Incidência Tributária, e tais componentes se dividem em antecedente e consequente normativo.

No antecedente da norma se encontram o critério material, o critério temporal e o critério pessoal. Já no consequente normativo se encontram a base de cálculo e a alíquota.

O foco principal deste trabalho é a base de cálculo.

Base de cálculo de uma determinada exação é o montante onde será aplicada a respectiva alíquota.

Ela tem duas funções, a saber: (i) quantificar a prestação do sujeito passivo e (ii) confirmar a natureza jurídica do tributo, o que, para tanto, devemos aliá-la ao fato gerador.

Assim, sobre um determinado valor X aplica-se uma alíquota Y e tem-se o valor devido a título de tributo.

Portanto, a base de cálculo de um tributo exerce fundamental importância em sua regra matriz. Tanto é assim que, se ocorrerem mudanças na base de cálculo, ocorrerão mudanças evidentes na exação.

Ou seja, a base de cálculo deve ser bem determinada, pois, do contrário, abusos podem ocorrer.

Veremos, no entanto, que no ICMS existe a chamada base de cálculo “por dentro”, fato bastante incontroverso, e que levanta uma série de discussões a respeito de sua legalidade.

1. Definição de norma jurídica

Definir norma jurídica é, de todo, uma tarefa árdua, dado que não há um consenso entre os mais renomados doutrinadores. Isso porque o estudo da norma jurídica é tema que se controverte entre alguns escritores no que pertine ao seu próprio conceito.

De fato, foram vários os doutrinadores que se aventuraram a discorrer sobre a norma jurídica, e ainda assim não houve um consenso entre a mais ilustre doutrina, mas alguns doutrinadores percorrem o mesmo caminho, como passaremos a ver.

Para Aurora Tomazini de Carvalho (2009, p. 195) a norma jurídica “é um juízo construído pelo intérprete a partir dos enunciados prescritivos, por isso, sempre implícita”.

Já Tácio Lacerda Gama (2009, p.53) compara norma jurídica em sentido amplo com proposição normativa, e diz que “A simples indicação de uma alíquota, a qualificação de um sujeito passivo ou ativo, a prescrição de uma imunidade, de um princípio são, todos, exemplos de proposições ou normas jurídicas em sentido amplo”.

Por fim, nas lições de Paulo de Barros Carvalho (2009, p. 24), o professor define norma jurídica “como significações construídas a partir dos textos positivados e estruturadas consoante a forma lógica dos juízos condicionais, compostos pela associação de duas ou mais proposições prescritivas”.

Portanto, temos a norma jurídica como o resultado de um percurso interpretativo, onde ao final o intérprete se depara com a ideia que fora construída pela meditação sobre o texto.

Em outras palavras, norma jurídica é o resultado da interpretação feita pelo exegeta da leitura de um texto dito jurídico.

Para se obter a norma jurídica, o estudioso terá que passar por diversos terrenos de interpretação para, ao final, extrair dali a norma jurídica.

Assim, como o resultado depende de uma interpretação, pode se dizer que a norma jurídica é criada por cada pessoa, e às vezes pode haver divergência de opiniões, o que é aceitável, dado o caráter subjetivo da interpretação.

2. Princípios tributários na Constituição Federal

Podemos dizer que o princípio é uma norma, explícita ou implícita, que norteia e impõe limites, dotada de forte axioma. O princípio pode ser visto como um valor ou como um limite objetivo.

Como valor significa dizer que se vê, no princípio, algo subjetivo, que depende de uma interpretação levando-se em consideração outros valores. Ou seja, o princípio como valor não é expresso de forma explícita, mas sim interpretativa.

Já como limite objetivo, significa dizer que se vê, no princípio, algo muito mais objetivo, expresso no enunciado da norma, de forma que não depende de uma interpretação mais aprofundada, onde sua violação seja de fácil constatação.

São princípios vistos como valor: capacidade contributiva, não-confisco, segurança jurídica e isonomia. E isso é assim porque tais princípios não são de fácil interpretação, requerendo do interprete uma análise mais completa sobre os valores destes princípios, análise esta que deve levar em conta a aplicação de outros princípios.

Por outro lado, são princípios vistos como limite objetivo: legalidade, anterioridade, irretroatividade das leis tributárias, tipologia tributária e indelegabilidade da competência tributária. E isso é assim porque estes princípios, para serem enxergados, não precisam de uma interpretação mais acirrada, bastando uma análise perfunctória do caso concreto para se saber se estes princípios foram ou não violados.

Exemplo disso é a instituição de um tributo sem lei, que violaria o principio da legalidade, sendo que para se chegar a esta conclusão bastaria procurar no ordenamento jurídico se houve ou não a edição de uma norma que tenha criado a exação.   

Ou seja, são princípios onde se exige pouco trabalho interpretativo para se saber se estão sendo aplicados ou não.

Vejamos, detalhadamente, os princípios tributários mais importantes.

2.1. Princípio da estrita legalidade

É o princípio que determina que as pessoas políticas competentes só podem instituir ou aumentar tributos mediante a expedição do veículo normativo lei em seu sentido lato (artigo 150, inciso I, CF/88), inclusive medida provisória desde que respeitada a exigência prevista no artigo 62, § 2º, da CF/88, devendo ainda observar-se os casos em que é exigida lei complementar. Decorre também deste princípio a necessidade de que a lei descreva a RMIT (elementos descritores do fato jurídico e os dados prescritores da relação obrigacional), nascendo desta exigência o denominado princípio da tipicidade fechada ou tipologia tributária.

Para Luciano Amaro (2007, p. 111) este princípio “é informado pelos ideais de justiça e de segurança jurídica, valores que poderiam ser solapados se à administração pública fosse permitido, livremente, decidir quando, como e de quem cobrar tributos”.

Alerte-se por final, que alguns tributos estão dispensados constitucionalmente para sua alteração do uso do veículo introdutor lei para este fim (artigo 153, § 1º, CF/88), podendo ser alterados por mero Decreto do Poder Executivo, este editado dentro de balizas previamente estabelecidas pelo legislador.

2.2.Princípio da isonomia tributária      

É o princípio que determina ao legislador a necessidade de ao construir a norma tributária, conformar a sua aplicação para considerar que os sujeitos passivos destinatários da norma que se encontrem na mesma situação, tenham o mesmo tratamento pela norma impositiva (artigo 150, inciso II, CF/88), ou seja, tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades.

2.3. Princípio da irretroatividade da lei tributária

Este princípio determina que a lei que institua ou aumente tributos, não pode retroagir para atingir fatos passados, em homenagem ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada, possibilitando segurança jurídica no sistema (artigo 150, inciso III, alínea ‘a’, CF/88). Anote-se que no caso de penalidades por descumprimento de norma tributária, que a lei só poderá retroagir (princípio da retroatividade benigna – artigo 106 do CTN) se for para beneficiar o sujeito passivo.

2.4. Princípio da anterioridade

Já este princípio determina que a lei que institua ou que aumente tributos só possa ter vigência no ano seguinte ao de sua publicação, visando, desta forma dar previsibilidade aos possíveis sujeitos passivos atingidos pela norma (artigo 150, inciso III, ‘b’, CF/88).

O professor Roque Antonio Carrazza (2011, p. 202) explica o acima transcrito, ao escrever que “O contribuinte, com isso, pode programar, ano a ano, suas atividades econômicas, já que, durante o exercício financeiro, não será colhido de surpresa com novas incidências fiscais”.

Visando dar maior efetividade ao princípio, o legislador constituinte derivado, através da aprovação da EC nº 42/2.003, agregou-lhe também a necessidade da denominada “noventena” (artigo 150, inciso III, alínea ‘c’, CF/88), ou seja, de que o tributo só possa ser exigido no primeiro dia do ano calendário seguinte, se a lei que o instituiu ou aumentou for publicada com pelo menos 90 (noventa) dias antes do encerramento do referido exercício, sem o qual ficará prorrogada a sua vigência para que tal prazo seja respeitado.

Tal princípio da anterioridade, seja o comum, seja aquele relacionado com a noventena, encontra alguns temperamentos no sistema constitucional tributário quanto a sua aplicabilidade aos tributos nela explicitados, ora prescindindo da aplicação das 02 (duas) regras objetivas (artigo 195, § 6º, da CF/88), ora prescindindo de uma ou de outra (artigo 150, § 1º, da CF/88).

2.5 Princípio da proibição de tributo com efeito de confisco

É o princípio que determina ao Estado a vedação da exigência de tributos que importem em apossamento dos bens do sujeito passivo, comunicando a existência de limites para a carga tributária incidente sobre os fatos econômicos escolhidos pelo legislador constituinte e objeto da competência tributária (artigo 150, inciso IV, da CF/88). Na legislação pátria não há limite matemático para a definição de confisco, cabendo ao Poder Judiciário a verificação do caso concreto.

Tal princípio é de suma importância, pois, como nos ensina Paulo de Barros Carvalho (2008, p. 301), “Considerando que a tributação interfere no patrimônio dos cidadãos, subtraindo parcelas deste, é inadmissível a imposição de ônus insuportáveis (…)”.

Assim, caso um tributo viole este princípio, será taxado de inconstitucional.

2.6. Princípio da uniformidade geográfica

Segundo este princípio, todos os tributos instituídos ou aumentados pela União devem ser uniformes em todo o território nacional (artigo 151, inciso I, da CF/88), confirmando assim o postulado federativo e a autonomia dos Municípios.

2.7. Princípio da não-cumulatividade

Por fim, temos o princípio da não-cumulatividade, que impõe uma técnica de apuração a determinadas exações, segundo a qual o valor do tributo devido em cada operação será compensado com a quantia incidente nas operações anteriores, possibilitando o respeito à capacidade contributiva e o afastamento de tributos regressivos.

Foi adotado inicialmente no texto constitucional para o IPI (artigo 153, § 3º, II, CF/88), e para o ICMS (artigo 155, § 2º, I, CF/88), mas hodiernamente após a EC nº 42/2003 o princípio pôde abarcar outros tributos, como, por exemplo, as contribuições para a seguridade social (artigo 195, § 12, CF/88).          

3. A regra-matriz de incidência tributária

Antes de se estudar a inconstitucionalidade do “cálculo por dentro do ICMS”, importante adentrarmos na estrutura normativa da regra matriz de incidência, dado que, conforme veremos, a inconstitucionalidade do referido emenda está intimamente ligada aos critérios materiais e quantitativo na norma de incidência.

Assim, passaremos a seguir a estudar a estrutura da norma primária, com seus componentes, sujeitos e objeto.

Começaremos falando do antecedente da norma, onde se situa a hipótese de incidência, que é descritiva de evento de possível ocorrência.

3.1. O critério material

Hipótese de incidência tributária – ou critério material – é a suposição que se dá a um determinado acontecimento que, ocorrendo, pode gerar obrigação tributária. A sua função na composição da RMIT é justamente a de prever hipóteses nas quais poderá surgir uma relação jurídica tributária, prevendo qual o fato que gerará o tributo (critério material), onde será gerado (critério espacial) e quando será gerado este tributo (critério temporal).

Alfredo Augusto Becker (2010, p. 281), salienta que “A hipótese de incidência da regra jurídica tributária pode ser qualquer fato (ato, fato ou estado de fato), desde que seja lícito. Caso contrário, se for ilícito, o objeto da prestação não será tributo, mas sanção”.

Muito se discute, também, sobre a necessidade de um critério pessoal compor a hipótese da RMIT.  Mas entendemos que não há esta necessidade, uma vez que dentro do critério material, que é sempre composto por um verbo e por um complemento (por exemplo, circular mercadorias), este referido verbo será sempre um verbo pessoal, importando, portanto, em uma ação humana.

Sobre este aspecto, Paulo de Barros Carvalho (2008, p. 149) ensina que “O critério material é o núcleo do conceito mencionado na hipótese normativa. Nele há referência a um comportamento de pessoas físicas ou jurídicas, condicionado por circunstâncias de espaço e tempo (…)”.

Assim, importa concluir que, indiretamente, dentro da hipótese da RMIT, já há um critério pessoal, mas é geral, pois não especifica diretamente quem são os sujeitos, não havendo necessidade, portanto, de um critério pessoal nesta parte da RMIT.

3.2. O critério espacial

O critério espacial da hipótese tributária, por sua vez, está relacionado com o local onde o fato gerador se dará (por exemplo, em uma alfândega, em uma zona de um município, ou em um Estado).

Importante observar que a vigência territorial da lei está relacionada com o alcance territorial em que a lei incide, ou seja, qual a delimitação do espaço onde a lei vige.

Assim, o critério espacial pode coincidir ou não com a vigência temporal, devendo ser analisado o caso concreto.

Uma lei pode valer para todo território nacional, como, por exemplo, a lei que instituiu o imposto de importação, e, no entanto, ter o seu critério espacial delimitado em uma zona alfandegária.

Por outro lado, uma lei pode valer para um determinado Estado, como, por exemplo, a lei que instituiu o ICMS, e ter o seu critério espacial em todo o Estado, coincidindo, portanto, os dois institutos.

3.3. O critério temporal

Já quanto ao critério temporal, Paulo de Barros Carvalho (200, p. 295) leciona que “Compreendemos o critério temporal da hipótese tributária como o grupo de indicações, contidas no suposto da regra, e que nos oferecem elementos para saber, com exatidão, em que preciso instante acontece o fato descrito, passando a existir o liame jurídico que amarra devedor e credor, em função de um objeto – o pagamento de certa prestação pecuniária”.

Dessa forma, o critério temporal está relacionado com a data em que o fato gerador se deu (ou deva se dar). Já quanto à vigência da lei no tempo, esta se relaciona com o período em que a lei poderá ser aplicada.

Passaremos, agora, a discorrer sobre o consequente da norma, que abrange os seus sujeitos (passivo e ativo), bem como a base de cálculo e respectiva alíquota.

A função do consequente é a de confirmar o antecedente, mensurando o valor do tributo, indicando os sujeitos da obrigação tributária e, principalmente, identificando/confirmando a espécie de exação.

Para o professor Paulo de Barros Carvalho (2009, p. 316), “o consequente normativo desenha a previsão de uma relação jurídica”. Ou seja, se A, então deve ser B.

No consequente estão os sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária.

3.4. O critério pessoal – sujeito ativo

O sujeito ativo é a pessoa, física ou jurídica, que tem o direito de exigir, do sujeito passivo, o cumprimento da obrigação tributária.

Comumente o sujeito ativo se perfaz na pessoa de um ente público (União, Estados ou Municípios), mas nada há que impeça que o sujeito ativo possa ser um particular.

Assim, o sujeito ativo é quem exigirá o cumprimento da obrigação assumida pelo sujeito passivo.

3.5. O critério pessoal – sujeito passivo

Sujeito passivo é a pessoa indicada na RMIT para estar no pólo passivo da relação tributaria. É ele quem deverá arcar com o ônus de pagar o tributo.

O sujeito passivo pode ser o contribuinte, que é quem pratica o fato gerador, como pode ser o responsável que, embora não tenha praticado o fato gerador, a lei lhe atribui a responsabilidade pelo pagamento do tributo, com recursos próprios.

3.6. O critério quantitativo – a base de cálculo

Assim como os sujeitos passivo e ativo a base de cálculo é encontrada no consequente da RMIT, especificamente no critério quantitativo, e pode ser definida como o alicerce que dará suporte à aplicação da alíquota. Ou seja, é no exato momento em que a alíquota é aplicada sobre a base de cálculo que se extrairá da RMIT o quantum debeatur. Daí sua singular importância.

Pelos ensinamentos do professor Paulo de Barros Carvalho são três as suas funções, a saber: (i) função mensuradora, que consiste em medir as proporções reais do fato; (ii) função objetiva, que permite compor a específica determinação da dívida; e (iii) função comparativa, pois permite confirmar, infirmar ou afirmar o verdadeiro critério material da descrição contida no antecedente da norma.

Quanto à primeira das funções, esta consiste em mensurar o conteúdo econômico do dever do sujeito passivo, em relação ao fato ocorrido. Ou seja, esta função permite que o legislador escolha um ou mais critérios para medir o conteúdo econômico do fato que vier a ser um “fato tributário”.

Já a segunda função é a de identificar o valor devido, e para isso se utiliza da alíquota, sabendo-se, assim, o quanto de tributo deverá ser recolhido aos cofres públicos.

Por derradeiro, a terceira função da base de cálculo é a de confirmar o critério material, ou seja, a hipótese de incidência, não permitindo que surjam tributos mascarados como, por exemplo, cobrar uma taxa quando na verdade se está cobrando um imposto. Esta função é de extrema importância, pois permite até declarar a inconstitucionalidade de certos tributos.

3.7. O critério quantitativo – a alíquota

Por fim, temos a alíquota, que será aplicada sobre a base de cálculo, podendo ser fixa ou variável.

Será fixa quando o montante de tributo a ser pago for determinado, ou seja, quando o valor cobrado for fixo, independentemente do montante expressado na base de cálculo. E será variável sempre que for aplicada em percentual sobre a base de cálculo.

4. O ICMS na Constituição Federal e nos Estados membros

O Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e prestação de Serviços está disposto no inciso II do artigo 155 da Constituição Federal, onde diz que este imposto é de competência dos Estados e do Distrito Federal.

Porém, ali apenas está disposta a competência tributária destes entes para criar a exação. Ou seja, é na Constituição Federal que os Estados e o Distrito Federal buscarão fundamentação para a criação do ICMS.

Assim, por ser imposto de competência dos Estados e do Distrito Federal, o ICMS estará legalmente previsto nas respectivas legislações estaduais e distrital.

Porém, não podemos nos esquecer que, em que pese cada Estado possuir sua competência para a instituição do ICMS, existe em nosso ordenamento jurídico a Lei Complementar de nº. 87/96, denominada Lei Kandir, onde regula, de uma forma geral, como os Estados e o Distrito Federal devem legislar sobre o ICMS. E isso não viola e nem ofende a competência destes entes, dado que a LC 87/96 apenas estabelece normas gerais a serem adotadas no que pertine ao ICMS.

Por fim, importante registrar que, em que pese a competência para a instituição do ICMS seja dos Estados e do Distrito Federal, há ainda a chamada competência da União Federal para instituir impostos extraordinários, como prevê o inciso II do art. 154 da CF e, assim, dado alguma situação específica (eminência ou caso de guerra externa), a União Federal poderá, também, instituir o ICMS, ainda que provisoriamente.

5. Os cinco impostos que a sigla ICMS comporta

O Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS – é imposto de competência dos Estados, de acordo com o que dispõe o artigo 155, II, da CF.

Aplica-se ao ICMS o disposto na LC 87/96, tendo esta Lei Complementar um importante campo de atuação.

Cabe, porém, a cada Estado, estabelecer sua legislação específica para o ICMS.

Porém, fato é que o ICMS comporta vários fatos-geradores e, assim, podemos falar em diversas Regras-Matrizes para esta exação.

Segundo o professor Paulo de Barros Carvalho, no ICMS existem três regras-matrizes. Por outro lado, para Roque Antonio Carraza, são cinco as regras-matrizes do ICMS.

Assim ensina o professor Roque Antonio Carrazza (2009, p. 36 e 37), sustentando que “A sigla ICMS alberga pelos menos cinco impostos diferentes, a saber: a) imposto sobre operações mercantis (operações relativas à circulação de mercadorias), que, de algum modo, compreende o que nasce da entrada de mercadorias importadas do exterior; b) o imposto sobre serviços de transporte interestadual e intermunicipal; c) o imposto sobre serviços de comunicação; d) o imposto sobre produção, importação, circulação, distribuição ou consumo de lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos e de energia elétrica; e e) o imposto sobre a extração, circulação, extração ou consumo de minerais”. (grifo do autor). 

Eis, portanto, os cinco impostos que a sigla ICMS comporta.

6. O ICMS e os princípios da não-cumulatividade e da seletividade

O ICMS, a princípio, se sujeita a todos os princípios constitucionais tributários.

A exceção está no inciso IV do § 4º do artigo 155, onde reza que as alíquotas serão definidas por deliberação dos Estados e do DF. Assim, neste caso temos uma exceção ao princípio da legalidade, bem como ao princípio da anterioridade do exercício financeiro.

Dentre os princípios informadores, porém, dois se destacam: o princípio da seletividade e o princípio da não-cumulatividade.

Pelo princípio da seletividade, o imposto terá alíquotas variáveis de acordo com a essencialidade do produto. Ou seja, respeita o mesmo parâmetro utilizado em relação ao IPI.  Assim, quanto mais essencial for o produto, menor será sua alíquota.

O que diferencia do IPI é que para o ICMS a seletividade é facultativa, e não obrigatória, o que faz com que, na prática, este seletividade não seja aplicada.

Porém, esta não é a visão do professor Roque Antonio Carrazza (2009, p. 458), que, com razão, afirma que o princípio da seletividade deve ser seguido, obrigatoriamente, também no caso do ICMS.

Vejamos mais uma vez suas preciosas lições, onde diz que “Antes de avançarmos em nosso raciocínio, vamos logo consignando que este singelo poderá equivale juridicamente a um peremptório deverá. Não se está, aqui, diante de mera faculdade do legislador, mas de norma cogente – de observância, pois, obrigatória.

Além disso, quando a Constituição confere a uma pessoa política um poder, ela, ipso facto, está lhe impondo um dever. É por isso que se costuma falar que as pessoas políticas têm poderes-deveres (ou, como mais apropriadamente proclama Celso Antônio Bandeira de Mello, deveres-poderes).

No mesmo sentido, Rui Barbosa Pontifica: ‘Claro está que em todo o poder se encerra um dever: o dever de não exercitar o poder, senão dadas as condições, que legitimem o seu uso, mas não deixar de o exercer, nas condições que o exijam’.

Portanto, a seletividade no ICMS, tanto quanto no IPI, é obrigatória. Melhor elucidando, o ICMS deverá ser seletivo em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços”. (destaques do autor).

Portanto, vê-se que o princípio da seletividade deve, sim, obrigatoriamente, ser aplicado ao ICMS.

Por fim, o princípio da não-cumulatividade visa deixar a tributação tão intensa. Este princípio dita que o ICMS calculado e aplicado a uma determinada operação será descontado da operação antecedente.

7. A base de cálculo “por dentro” e a sua inconstitucionalidade

Podemos medir a potencialidade de um tributo levando-se em consideração a sua base de cálculo, conjugada com a sua respectiva alíquota.

Assim, quanto mais intensa for essa combinação, mais intenso serão os efeitos que o tributo implicará, onerando o contribuinte de forma mais ou menos severa, conforme o caso.

Também é por meio da base de cálculo, em confronto com a hipótese de incidência, que podemos saber qual a espécie de tributo estamos tratando.

A base de cálculo é encontrada no consequente da RMIT, especificamente no critério quantitativo, e pode ser definida como o alicerce que dará suporte à aplicação da alíquota. Ou seja, é no exato momento em que a alíquota é aplicada sobre a base de cálculo que se extrairá da RMIT o quantum debeatur. Daí sua singular importância.

Pelos ensinamentos do professor Paulo de Barros Carvalho são três as suas funções, a saber: (i) função mensuradora, que consiste em medir as proporções reais do fato; (ii) função objetiva, que permite compor a específica determinação da dívida; e (iii) função comparativa, pois permite confirmar, infirmar ou afirmar o verdadeiro critério material da descrição contida no antecedente da norma.

Quanto à primeira das funções, esta consiste em mensurar o conteúdo econômico do dever do sujeito passivo, em relação ao fato ocorrido. Ou seja, esta função permite que o legislador escolha um ou mais critérios para medir o conteúdo econômico do fato que vier a ser um “fato tributário”.

Já a segunda função é a de identificar o valor devido, e para isso se utiliza da alíquota, sabendo-se, assim, o quanto de tributo deverá ser recolhido aos cofres públicos.

Por derradeiro, a terceira função da base de cálculo é a de confirmar o critério material, ou seja, a hipótese de incidência, não permitindo que surjam tributos mascarados como, por exemplo, cobrar uma taxa quando na verdade se está cobrando um imposto. Esta função é de extrema importância, pois permite até declarar a inconstitucionalidade de certos tributos.

Portanto, a base de cálculo de um determinado tributo é algo que exige uma atenção bastante especial, pois qualquer desvirtuamento de suas funções implicará em nítido confronto com diversos princípios, em especial o da estrita legalidade tributária.

Assim, se não houver congruência entre base de cálculo e hipótese de incidência o tributo não poderá ser exigido, pois, conforme Roque Antonio Carrazza (2009, p. 309), “descaracterizada a base de cálculo, descaracterizado também estará o tributo”.

No caso do ICMS a base de cálculo deve sempre corresponder a uma operação mercantil ou prestação de serviço.

Como novamente nos ensina Roque Antonio Carrazza (2009, p. 309 e 310), “a base de cálculo do ICMS deve necessariamente ser uma medida ou da operação mercantil, ou da prestação do serviço de transporte transmunicipal, ou, ainda, da prestação de serviço de comunicação”.

Porém, fato que nos chama a atenção, em relação ao ICMS, é a chamada base de cálculo “por dentro”, por fugir aos padrões de bases de cálculos de outras exações.

E isso porque, de acordo com esta sistemática, o cálculo “por dentro” engloba, também, a sua própria receita. Ou seja, utiliza-se o próprio tributo para compor a sua base de cálculo.

Mais uma vez, atentemo-nos às lições do professor Roque Antonio Carrazza (2009, p. 325), para quem este tipo de cálculo é, de todo, inconstitucional, dado que, segundo o citado professor, “Com efeito, a inclusão do ICMS em sua própria base de cálculo desvirtua o modelo constitucional deste tributo, que deixa de ser sobre “operações mercantis” para transformar-se num “imposto sobre o imposto”, figura híbrida e teratológica, que, inclusive, viola o princípio da reserva das competências tributárias”. (destaques do autor).

Ora, o montante do ICMS não pode compor sua própria base de cálculo, pois isso seria o mesmo que cobrar imposto sobre imposto.

Vejamos o que diz a LC 87/96, em seu artigo 13, § 1º, I:

“§ 1º. Integra a base de cálculo do imposto: I – o montante do próprio imposto, constituindo o respectivo destaque mera indicação para fins de controle;”

Fato é, porém, que a Lei Complementar tem natureza declaratória e, portanto, não pode inovar, devendo sempre respeitar os parâmetros impostos pela Constituição Federal.

Fácil notar, portanto, a inconstitucionalidade do supracitado dispositivo, dado que inovou ao dizer que comporá a base de cálculo do ICMS o montante do próprio imposto.

E isso inclusive fere direito subjetivo do contribuinte, uma vez que se vê diante da cobrança de nova exação, não prevista pela CF.

Portanto, concluímos com o citado professor que o cálculo “por dentro” do ICMS é figura inconstitucional, e deve ser repelida de nosso ordenamento jurídico.

Conclusão

Determinar o valor a ser pago em um determinado tributo é tarefa minuciosa, e que, portanto, exige muita atenção.

A Constituição Federal, no intuito de evitar que abusos ocorram, determina normas gerais e que devem sempre ser seguidas pelos entes tributantes.

Determina também que Lei Complementar deve impor normas a fim de regulamentar a tributação.

Porém, não é o que se vê na LC 87/96, em seu artigo 13, § 1º, I, pois, ao determinar a inclusão do próprio imposto em sua base de cálculo, viola, explicitamente, direitos subjetivos dos contribuintes.

Ainda, afronta a própria Constituição Federal, uma vez que Lei Complementar não pode inovar em legislação tributária, mas tão apenas declarar, ou seja, esclarecer os parâmetros definidos na CF.

Assim, uma vez que referido dispositivo impõe a inclusão, em sua base de cálculo, do próprio montante do imposto, tem-se nítida inconstitucionalidade, com a qual nosso ordenamento jurídico não pode, em hipótese nenhuma, convalidar.

Referências
AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 5. ed. São Paulo: Noeses, 2010.
CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de Teoria Geral do Direito: o Constructivismo Lógico-Semântico. São Paulo: Noeses, 2009.
CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 27ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011.
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Informações Sobre o Autor

Ricardo de Assis Souza Cordeiro

Advogado. Graduado pela Faculdade de Direito de Mogi Mirim. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET


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