Crimes tributários e a excessiva alteração legislativa trazendo a insegurança jurídica

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A legislação sobre a extinção dos crimes tributários, bem como sobre a suspensão da pretensão punitiva vem sofrendo constantes variações legislativas ao sabor dos interesses da arrecadação.


Compreende-se que os preceitos de direito penal tributário têm por escopo a proteção do Erário, forçando os contribuintes a pagar o tributo devido mediante ameaça de sanção penal. Não visam segregar indivíduos que representam perigo para a sociedade, como acontece nos crimes comuns.


Contudo, essa variação constante, ora extinguindo o crime tributário pelo pagamento do tributo antes da denúncia, ora extinguindo a punibilidade a qualquer tempo, por meio de diferentes diplomas legislativos, em sua maioria, de natureza temporária, acaba por criar um caos legislativo com reflexo negativo na jurisprudência de nossos tribunais que, às vezes, se perdem em meio a cipoal de normas legais.


Esse dinamismo caótico, além de trazer insegurança jurídica aos contribuintes em débito acaba ofendendo o princípio da isonomia, pois, a mesmíssima situação fática, conforme a época de seu acontecimento no mundo fenomênico tem um tratamento jurídico diferenciado. Não se trata de simples evolução legislativa que é compreensível e é bem-vinda. Trata-se, isto sim, de evolução seguida de involução; avanços e retrocessos são as características marcantes dessas modificações legislativas. Senão vejamos.


O art. 14, da Lei n 8.137/90 dispôs sobre extinção da punibilidade na hipótese de pagamento do tributo antes do recebimento da denúncia criminal.


A Lei n 8.383/91 revogou aquele art. 14, da Lei n 8.137/90 para ser, posteriormente, reintroduzido pelo art. 34, da Lei n 9.249/95. Houve, portanto um período de vacância legislativa.


A Lei n 9.964/00 (Lei do Refis) pelo seu art. 15 criou a figura da suspensão da pretensão punitiva com a inclusão dos débitos no regime de parcelamento antes da denúncia criminal, seguida de extinção da punibilidade com o pagamento integral do débito parcelado.


A Lei n 10.684/03 (Lei do Refis II) pelo seu art. 9 suspendeu novamente a punibilidade dos crimes tributários com o ingresso do contribuinte-devedor no regime de parcelamento, independentemente de ter ou não havido denúncia criminal. O § 2º desse art. 9º dispõe sobre a extinção da punibilidade pelo pagamento de tributo devido a qualquer tempo. Não se refere ao pagamento de tributo parcelado. Por isso, conforme sustentamos, essa norma tem caráter autônomo e natureza permanente[1]. De fato, no sentido da despenalização do crime tributário pelo pagamento evoluiu a jurisprudência do STF[2].


A Lei n 11.941/09 (Lei do Refis da crise) reintroduziu a figura da suspensão da pretensão punitiva com a inclusão do débito tributário no regime de parcelamento antes da denúncia criminal, seguida de extinção da pretensão punitiva ao cabo do encerramento do regime de parcelamento com a quitação total do débito (arts. 68 a 69). No nosso modo de entender essa última lei não revogou o § 2 º, do art. 9, da Lei nº 10.684/03 que, apesar de inserido na lei de parcelamento, tem a natureza de norma autônoma e permanente como já visto.


Agora, vem à luz o mais esquisito dos dispositivos legais, o art. 6º da Lei nº 12.383/11 que cuida do novo Salário Mínimo. Inseriu-se em seu bojo essa norma sobre suspensão e extinção da punibilidade de crime tributário que nada tem a ver com o Salário Mínimo, contrariando a boa técnica legislativa e tornando a legislação específica cada vez mais confusa.


Essa lei, mediante acréscimos de parágrafos ao art. 83, da Lei nº 9.430/95 dispôs sobre:


(a) suspensão da pretensão punitiva dos crimes tributários durante o período em que o contribuinte estiver sob o regime de parcelamento, desde que o pedido de parcelamento tenha sido formalizado antes do recebimento da denúncia criminal (§ 2º);


(b) representação penal ao Ministério Público na hipótese de exclusão do contribuinte do regime de parcelamento (§ 1º);


(c) suspensão da prescrição penal durante a suspensão da pretensão punitiva (§ 3º);


(d) extinção da punibilidade da pretensão punitiva com o pagamento final do débito parcelado (§ 4º);


 (e) finalmente[3], o § 6º prescreveu a aplicação do art. 34, da Lei nº 9.249/95 (extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo antes da denúncia criminal) se o juiz não receber a denúncia.


Essa legislação foi editada no contexto de uma situação conjuntural caracterizada pelo grande número de exclusões do regime de parcelamento (Refis da crise), notadamente, de pequenas empresas e microempresas que estão a merecer um regime de parcelamento específico.


Muito ao contrário das manifestações de inúmeros tributaristas expostas no Valor Econômico, essa Lei do Salário Mínimo não revogou o § 2º, do art. 9º da Lei nº 10.864/03, que assegura a extinção da punibilidade do crime tributário pelo pagamento de qualquer débito tributário, a qualquer tempo. Essa última lei, a exemplo das demais cuidou tão somente de suspensão e extinção da punibilidade de crimes tributários nas hipóteses de adesão do contribuinte ao regime de parcelamento.


Como dissemos no início, esse dinamismo caótico da legislação traz dúvidas e insegurança jurídica. Exige grande esforço dos exegetas que precisam analisar as normas no contexto da teoria geral do direito, separando normas concretas de natureza temporária, das normas permanentes de natureza abstrata. Outrossim, o aplicador da lei deverá ficar atento aos princípios da retroatividade da lei benigna, da ultratividade da lei penal e da irretroatividade das normas em geral.


 


Notas:

[1] Direito financeiro de tributário. 20. ed. São Paulo: Atlas, 2011, p. 620-621.

[2] HC n 812.929/RJ, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ de 27-2-2004,; HC n 83.414/RS, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ de 23-4-2004.

[3] O § 5º que cuida da inaplicação dos parágrafos anteriores nas hipóteses de vedação legal de parcelamento é ocioso.


Informações Sobre o Autor

Kiyoshi Harada

Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.


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