Da desnecessidade de recolhimento de novas custas processuais na conversão da ação de busca e apreensão em depósito

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Como é cediço, o procedimento inerente à Ação de Busca e Apreensão de bens alienados fiduciariamente é regulado pelo Decreto-lei 911/69, atualizado pela Lei nº 10.931/2004, que, dentre outras coisas, dilatou o prazo para o oferecimento da resposta do devedor-fiduciante de 3 (três) para 15 (quinze) dias após a execução da liminar, a supressão do direito do devedor em purgar a mora, devendo, portanto, pagar a integralidade da dívida pendente (parcelas vencidas e vincendas) para que lhe seja restituído o bem alienado livre de quaisquer ônus, etc.

As descritas alterações trouxeram sensíveis avanços ao procedimento em tela, imprimindo maior celeridade e eficácia à proteção dos direitos assistidos tanto ao credor-fiduciário quanto ao devedor-fiduciante. Não obstante as bem sucedidas modificações legislativas, muita polêmica ainda cerca o tema, dentre elas, a natureza jurídica da conversão da ação de busca e apreensão em depósito (art. 4º, Dec. Lei 911/69).

O referido imbróglio traz como conseqüência a seguinte indagação: deferida a conversão da busca e apreensão em depósito são devidas novas custas processuais ?

Para que possamos chegar a uma conclusão unívoca sobre o tema, é necessária a análise conjunta do Decreto-Lei 911/69 e da Lei Estadual nº 11.608/2003 (regulamenta o recolhimento da Taxa Judiciária no Estado de São Paulo), considerando, para tanto, os elementos processuais e tributários que norteiam o assunto.

Conforme descrito no proêmio, a taxa judiciária e às custas processuais exigidas no Estado de São Paulo são reguladas pela Lei nº 11.608/03, cuja natureza jurídica resta evidente ao compulsarmos o teor de seu artigo 1º, in verbis:

 “ Artigo 1º – A taxa judiciária, que tem por fato gerador a prestação de serviços públicos de natureza forense, devida pelas partes ao Estado, nas ações de conhecimento, na execução, nas ações cautelares, nos procedimentos de jurisdição voluntária e nos recursos passa a ser regida por esta lei.” (grifo nosso)

Da leitura do dispositivo supra, pode-se inferir que a taxa judiciária visa custear os serviços forenses prestados pelo Estado, sendo uma contraprestação decorrente do efetivo uso da máquina judiciária, cuja exigência ficará adstrita às hipóteses elencadas no caput deste artigo.

Assim, analisados os contornos da taxa judiciária, objeto do presente estudo, resta evidente a natureza tributária da mesma, sujeitando-a, portanto, aos comandos insertos na Carta Magna, bem como àqueles previstos na Lei nº 5.172/66 (Código Tributário Nacional).

A natureza tributária da taxa judiciária exigida no Estado de São Paulo torna-se ainda mais cristalina ao levarmos a efeito os ensinamentos do ilustre jurista Wesley Denílson de Oliveira e Silva Afonso [1], in verbis:

“No passado, muito se discutiu a respeito da natureza jurídica da taxa judiciária: tributo ou preço público. Hoje, entretanto, é pacífica a jurisprudência de nossa Corte Suprema no sentido de constituir a taxa judiciária um tributo, da espécie taxa.

A taxa judiciária remunera os serviços (públicos) jurisdicionais prestados pelo Estado à população. É um tributo vinculado, cujo vínculo consiste na atividade estatal de efetiva prestação de um serviço específico (prestados a um número determinável de pessoas – aqueles que litigam em juízo -, mediante atividade que congrega meios materiais, pessoal e organização visando à satisfação de uma necessidade pública em regime de Direito Público) e divisível (é possível mensurar quanto cada contribuinte gerou de atividade estatal).” (grifo nosso)

Assim vem decidindo o Supremo Tribunal Federal, in verbis:

“EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – CUSTAS JUDICIAIS E EMOLUMENTOS EXTRAJUDICIAIS – NATUREZA TRIBUTÁRIA (TAXA) – DESTINAÇÃO PARCIAL DOS RECURSOS ORIUNDOS DA ARRECADAÇÃO DESSES VALORES A INSTITUIÇÕES PRIVADAS – INADMISSIBILIDADE – VINCULAÇÃO DESSES MESMOS RECURSOS AO CUSTEIO DE ATIVIDADES DIVERSAS DAQUELAS CUJO EXERCÍCIO JUSTIFICOU A INSTITUIÇÃO DAS ESPÉCIES TRIBUTÁRIAS EM REFERÊNCIA – DESCARACTERIZAÇÃO DA FUNÇÃO CONSTITUCIONAL DA TAXA – RELEVÂNCIA JURÍDICA DO PEDIDO – MEDIDA LIMINAR DEFERIDA.”

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou orientação no sentido de que as custas judiciais e os emolumentos concernentes aos serviços notariais e registros possuem natureza tributária, qualificando-se como taxas remuneratórias de serviços públicos, sujeitando-se, em conseqüência, quer no concerne à sua instituição e majoração, quer no que se refere à sua exigibilidade, ao regime jurídico-constitucional pertinente a essa especial modalidade de tributo vinculado, notadamente aos princípios fundamentais que proclamam, dentre outras, as garantias essenciais (a) da reserva de competência impositiva, (b) da legalidade, (c) da isonomia e (d) da anterioridade. Doutrina. (grifo nosso)

(STF – ADIn 1.378-5 – TP – Rel. Min. Celso de Mello, votação unânime, DJU de 30.05.1997)

Uma vez demonstrada sua natureza jurídica, insta consignar os atributos que norteiam tal exação. A estrutura jurídica da Taxa Judiciária pode ser facilmente abstraída ao considerarmos os fundamentos da Regra-Matriz de Incidência Tributária formulada pelo mestre Paulo de Barros Carvalho [2].

De tal sorte, a Taxa Judiciária deve ser decomposta da seguinte forma:

CRITÉRIO MATERIAL: a prestação de serviços públicos de natureza forense (ART. 1º – Lei Estadual nº 11.608/03);

CRITÉRIO TEMPORAL: momento da distribuição, ou, na falta desta, antes do despacho inicial (inciso I, ART. 4º – Lei Estadual nº 11.608/03);

CRITÉRIO ESPACIAL: Limites geográficos do Estado de São Paulo;

CRITÉRIO QUANTITATIVO: O recolhimento da taxa judiciária será 1% sobre o valor da causa (inciso I, ART. 4º – Lei Estadual nº 11.608/03);

CRITÉRIO PESSOAL: Tem como sujeito ativo o Estado e como sujeito passivo o cidadão que se utiliza do serviço descrito no artigo 1º.

Assim, ao decompormos os critérios delineadores do presente tributo, fica evidente a inexistência do fato imponível atribuído a conversão da Ação de Busca e Apreensão em Depósito, eis que ausentes os respectivos critérios materiais e temporais, senão vejamos.

A conversão da Ação de Busca e Apreensão em Depósito tem previsão no artigo 4º do Decreto-lei 911/69, o qual passamos a estudar, in verbis:

Art Se o bem alienado fiduciariamente não for encontrado ou não se achar na posse do devedor, o credor poderá requerer a conversão do pedido de busca e apreensão, nos mesmos autos, em ação de depósito, na forma prevista no Capítulo II, do Título I, do Livro IV, do Código de Processo Civil. (grifo nosso)

Desta feita, o diploma legal em análise faculta ao credor–fiduciário pedir a conversão em Ação de Depósito nos mesmos autos da Ação de Busca e Apreensão (originalmente intentada), sendo, portanto, um incidente processual específico do Decreto-Lei 911/69, que, embora se submeta às formas previstas no artigo 901 e seguintes do diploma processual civil, conserva peculiaridades típicas e intrínsecas ao procedimento de busca e apreensão [3].

Em outras linhas, a Ação de Depósito em análise não constitui uma ação autônoma, mas um instrumento específico que decorre do diploma inerente ao procedimento de busca e apreensão, não havendo, portanto, que se falar em distribuição do feito, já que tal ato se opera nos mesmos autos do processo original.

A natureza jurídica da Ação de Depósito é ratificada pelos inteligentes ensinamentos do mestre Celso Marcelo de Oliveira [4], in verbis:

 “A ação de depósito na alienação fiduciária apresenta algumas peculiaridades, pois será sempre um procedimento subsidiário da ação de busca e apreensão e, jamais, uma providência jurisdicional autônoma. A conversão da ação de busca e apreensão em depósito será deferida nos mesmos autos se o contrato não estiver registrado em cartório, visto que este serve apenas para dar efeito erga omnes. (grifo nosso)”

Da análise do excerto supra abstraímos que, por não se tratar de uma ação autônoma e, por, conseqüência, não haver distribuição, a conversão da Ação de Busca e Apreensão em Ação de Depósito não deflagra a exigência da Taxa Judiciária prevista na Lei Estadual nº 11.608/03, inexistindo, portanto, o critério temporal do tributo.

Tal ilação afigura-se perfeitamente unívoca, já que o artigo 4º da Lei de Custas Judiciárias do Estado de São Paulo prevê como momento de seu recolhimento a distribuição do feito ou momento que antecede o despacho inicial. Só seria possível a exigência da referida taxa se o legislador contemplasse, de modo expresso, a conversão em depósito como um dos momentos para a incidência do tributo, o que de fato não ocorre.

Não bastasse o vazio quanto ao critério temporal, a exigência da taxa judiciária na conversão em depósito, deixa, ainda, de atender ao critério material do tributo, posto que, in casu, não se verifica a subsunção do fato à norma.

Conforme transcrito alhures, a hipótese de incidência da aludida taxa têm previsão no artigo 1º da Lei Estadual nº 11.608/03, sendo que nenhum dos procedimentos, nele descritos, faz menção a conversão da Ação de Busca em Depósito prevista no Decreto-Lei 911/69.

Diante da inexistência de previsão legal que a autorize, a Ação de Depósito prevista no diploma legal supra denota claríssima hipótese de não-incidência, conforme leitura do inciso “X”, artigo 2º da Lei de custas judiciárias, in verbis:

Art 2º – (…)

Parágrafo único – Na taxa judiciária não se incluem:

X – todas as demais despesas que não correspondam aos serviços relacionados no caput deste artigo. (grifo nosso)

Na verdade, data maxima venia, a disposição acima revela-se despicienda, já que a própria sistemática tributária brasileira não admite a exigência de um tributo cujo fato imponível não esteja expressamente previsto na lei que o instituiu, sob pena de aviltar os termos delineados na Carta Magna.

Não se verificando o binômio causa-efeito, a relação jurídica tributária não subsiste, eis que a correlação entre o fato ocorrido no mundo fenomênico e a hipótese normativa descrita em lei constitui pressuposto de validade da referida relação. Dissertando sobre o tema, o saudoso mestre Alfredo Augusto Becker [5] assevera que, in verbis:

“Para que possa existir a relação jurídica tributária é necessário que, antes, tenha ocorrido a incidência da regra jurídica tributária sobre o fator gerador e, em conseqüência, irradiado a relação jurídica tributária”. (grifo nosso)

Por tais razões, a hipótese de incidência da taxa judiciária comporta análise taxativa, não podendo o magistrado interpretá-la de modo subjetivo, isto porque os procedimentos judiciais que a ensejam encontram-se dispostos de forma exaustiva na Lei Estadual nº 11.608/03.

Nesta esteira, segue a orientação jurisprudencial, in verbis:

“A taxa judiciária é um tributo. A lei que a instituiu tem natureza tributária, não comportando interpretação limitativa ou ampliativa.” (grifo nosso)

(2ª TAC/SP – 5a Câm. AI nº 484.783 – j. 23/04/97)

Flagrante, portanto, a ausência de fato imponível no tocante a conversão da ação de busca em depósito, culminando com a absoluta impropriedade da analogia estabelecida entre tal fato e a exigência da taxa judiciária em comento.

Para melhor ilustrar e ratificar a tese em análise, seguem as orientações do extinto 2º Tribunal de Alçada Cível do Estado de São Paulo que, por vezes, entendeu pela inexigibilidade de novas custas processuais na conversão da busca em depósito, in verbis:

1. Agravo de Instrumento. Alienação fiduciária. Ação de Busca e Apreensão. Conversão em Ação de Depósito. Taxa judiciária. Novo Recolhimento. Desnecessidade. Recurso a que se dá provimento.

Assim, prevalece o entendimento jurisprudencial do antigo regime legal de que não é exigível o recolhimento de nova taxa judiciária quando da conversão da ação de busca e apreensão em depósito ante a ausência de novo fato gerador, posto que não houve qualquer alteração com o advento da nova lei de custas, não se cuidando de nova distribuição ou nova prestação jurisdicional.

(TAC-SP, Rel. Juiz Francisco Occhiuto Júnior. J. 16/12/04)

2. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. Conversão da ação de busca e apreensão em depósito, nos termos do artigo 4º do Decreto-lei 911/69. Taxa Judiciária. Inexigibilidade. Lei estadual nº 11.608/2003, que nesse ponto, nada alterou em relação ao regime da Lei nº 4.592/85. Agravo provido para afastar a exigência.

A inexigibilidade da taxa judiciária, na hipótese, é inquestionável, e isso ficou bem demonstrado pelo Juiz Renzo Leonardi, no agravo de instrumento nº659.042-00/9,8a Câmara:

 “A lei de custas do Estado de São Paulo, que regula a taxa judiciária, tem, como fato gerador, a prestação dos serviços públicos de natureza forense e determina o recolhimento de 1% sobre o valor da causa na oportunidade da distribuição (artigos 1º e 4º da Lei Estadual nº 4.592, de 27.12.1985), de sorte que não cabe ao intérprete impor obrigação que a lei não determina.”

O Decreto-lei nº 911 permite ao credor do bem alienado fiduciariamente a mera alteração do pedido de busca e apreensão em depósito quando a coisa não for encontrada ou não se achar na posse do devedor, e nada obstante a ação passe a ter rito diverso, ou seja, de busca e apreensão com liminar, para ação de depósito, regulada pelos artigos 901 e seguintes do Código de Processo Civil, tudo se processa nos mesmos autos, como, aliás, determina o decreto em referência, não se cuidando de nova distribuição, porém, de mera anotação no distribuidor da conversão de ação de busca e apreensão em ação de depósito, inexistindo nova prestação jurisdicional, o que apenas haveria desde que a ação de busca e apreensão houvesse sido julgada extinta.

(TAC-SP, 2a Cível. Rel. Juiz Antonio Carlos Villen, j.06.05.04)

Ante as considerações acima expendidas podemos inferir que, a Ação de Depósito prevista no Decreto-lei 911/69 não enseja o recolhimento de novas custas processuais, eis que inexiste a subsunção entre o ato verificado e as hipóteses previstas na Lei Estadual nº 11.608/03.

Desta forma, o julgador não pode condicionar o deferimento da conversão em depósito ao pagamento da taxa judiciária prevista na legislação estadual em comento. Caso contrário, ao persistir o entendimento do juízo monocrático, poderá o Requerente lançar mão do recurso previsto no artigo 522 e ss do CPC, que, em função da celeridade e urgência que o Decreto-lei 911/69 imprime ao procedimento em estudo, constitui o instrumento processual adequado para afastar a despropositada exigência.

Notas:

[1] AFONSO. Wesley Denílson de Oliveira e Silva. A inconstitucionalidade de se tomar o valor da causa como base de cálculo da taxa judiciária disponível em < http://www.afonso-associados.com.br/artigo1.htm > > (acesso em  30/jul/2007).
[2] CARVALHO. Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 18a Ed.São Paulo:Saraiva. 2007.
[3] Ao nosso sentir, o depósito prescrito no Decreto-Lei nº 911/69 não ostenta as mesmas características (finalidade) do instituto previsto na legislação civil, isto porque a Ação de Depósito decorrente de busca e apreensão visa, tão somente, resguardar os interesses do credor-fiduciário que, na impossibilidade de reaver o bem alienado em garantia, poderá valer-se de seus “efeitos” nos casos de furto ou roubo do bem, transferência para terceiros, etc. Razão pela qual comungamos com parte da doutrina que atribui a este o conceito de “depósito equiparado”.
 [4] OLIVEIRA, Celso Marcelo de. Alienação Fiduciária em Garantia. Ed. LZN: Campinas. 2003, p. 504.
 [5] BECKER. Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 2a Ed. São Paulo: Saraiva. 1972, p. 288.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Richard Paes Lyra Junior

 

Procurador do Município de Limeira-SP especialista em Direito Tributário pela Escola Paulista de Direito – EPD

 


 

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