Equilíbrio entre o tributo e a dignidade da pessoa humana

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Resumo: Trata-se de um estudo sobre o equilíbrio entre a instituição de tributos e a dignidade da pessoa humana. O Estado não suportaria os gastos que lhe foram impostos pela manifestação do Poder Constituinte de 1988 se não fosse a existência do tributo. Porém tal cobrança deve ser justa, taxativa e moderada, para que não fira a dignidade humana de ninguém. Procurou-se demonstrar que o tributo é completamente essencial para nosso país, mas, claro, devendo ser cobrado de acordo com os dispositivos da Constituição Federal de 1988 para que possibilite a existência digna do cidadão.


Palavras-chave: Tributo, Sistema Tributário Nacional, Constituição Federal, Dignidade Humana, Mínimo Existencial.


Abstract: The following assignment is a study on the balance between the tribute and the dignity of the human person. The State would not support the expenses if it were not due to the existence of the tribute. However such a collection must be fair, categorical and moderate, so that it does not harm anyone’s dignity.  It tried to demonstrate that the tribute is completely essential for our country, but clearly, it must be collected in accordance with the devices of the Federal Constitution of 1988, so that it makes possible the worthy existence of the citizen.


Keywords: Tribute, Tax National System, Federal Constitution, Human Dignity, Minimum Existential.


Sumário: 1. Considerações Iniciais. 2. O Sistema Tributário Nacional. 3. O equilíbrio entre o tributo e a dignidade da pessoa humana. 3.1 Tributo x bem comum. 3.2 O contribuinte e a capacidade contributiva. 3.3 Conflito entre a regra da tipicidade e o princípio da capacidade contributiva. 3.4 Princípio da vedação de tributos com efeitos confiscatórios. 3.5 Tributo e a dignidade da pessoa humana. 4. Conclusão.


1. Considerações Iniciais


O presente artigo traz breves considerações sobre o equilíbrio entre a instituição de tributos e a dignidade da pessoa humana, com uma sucinta abordagem histórica sobre o tema, confrontando-o com alguns aspectos do Sistema Tributário Nacional. Busca-se a defesa da tributação razoável, demonstrando-se que se houver equilíbrio, responsabilidade fiscal e legalidade, o tributo não será abusivo, mas sim essencial para a sociedade como um todo pois, como se sabe, o Estado não suportaria os gastos que lhe foram impostos pela manifestação do Poder Constituinte de 1988 se não fosse a existência do tributo. Porém, a sua instituição deve ser justa e moderada, para que não fira a dignidade humana dos cidadãos. Faz-se, portanto, a defesa de que o tributo é completamente essencial para todo e qualquer Estado, notadamente a República Federativa do Brasil, balizado pela Constituição Federal de 1988.  


A Constituição Federal de 1988 constitui um marco na história tributária do Brasil, uma vez que foi a primeira a consagrar logo em seu primeiro artigo os fundamentos da República Federativa do Brasil – a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político. Todo o texto político, portanto, busca orientação nesses fundamentos, inclusive o capítulo que trata do Sistema Tributário Nacional.


Desde que a instituição de um tributo respeite a Constituição Federal e, consequentemente, a dignidade da pessoa humana, ele não será abusivo, tampouco inconstitucional, mas sim essencial à coletividade. É de grande valia mencionar que o tributo existe para que se atinja o bem comum, mostrando-se extremamente necessário ao país, na medida em que possibilita que as condições para satisfação dos interesses de toda a comunidade; por tal motivo o tributo, necessário como tal, tem que ser proporcional, não podendo de forma alguma ferir o mínimo existencial do ser humano.


Todo ser humano é dotado de dignidade e respeito. O Estado existe em razão do ser humano, devendo atender as necessidades da população, de modo que o recolhimento tributário não pode de forma alguma afetar o mínimo existencial do contribuinte, quiçá lhe ferir a dignidade. Se houver equilíbrio entre a dignidade humana e o tributo, este terá por finalidade e objetivo primordial o bem comum.


2. O Sistema Tributário Nacional


A Carta Política de 1988 traz, a partir do seu artigo 145, um capítulo específico sobre o Sistema Tributário Nacional, apresentado como um sistema quadripartite, versando sobre (i) o poder de tributar, (ii) a competência tributária, (iii) as limitações ao poder de tributar (princípios + imunidades) e (iv) a repartição das receitas tributárias.


Essa estrutura existe para viabilizar o arcabouço do Estado Administrador. Ora, para que o Estado “funcione” é preciso que alguém o “financie”. Se os cidadãos fossem consultados sobre a possibilidade de financiamento do Estado, provavelmente os recursos seriam escassos, daí a necessidade de imposição legal.


Por isso mostra-se necessário dotar o Estado do poder de tributar para que possa exercer sua atividade fim. O Estado, na acepção de gestor dos recursos públicos, representa sua atividade-fim enquanto o Estado-fiscal representa uma de suas atividades-meio. O Estado-fiscal, portanto, capta recursos para que seja possível administrar e prestar serviços públicos essenciais que garantam a concretude dos direitos fundamentais, dentre eles a existência com uma vida digna. Da divisão do poder de tributar, que é do Estado como um todo, surge a competência tributária. Ter competência tributária significa, portanto, ter parcela do poder de tributar.


Quanto às limitações ao poder de tributar, este visa proteger dois institutos, por meio de dois instrumentos, quais sejam: proteção do federalismo e proteção dos direitos fundamentais.


O pacto federativo constitui uma das cláusulas pétreas da vigente Constituição brasileira. Isso equivale dizer que a Federação não pode ser abolida, nem mesmo por meio de Emenda Constitucional, uma vez que o legislador constituinte elevou a forma federativa de Estado à condição de elemento indispensável para a estabilidade da nação.


Dentro da proteção ao federalismo está incluída ainda a repartição das receitas tributárias, na medida em que, estabelecidas as autonomias política, administrativa e financeira dos entes federativos (União, Estados, Municípios e Distrito Federal), devem a eles ser concedidas também fontes para custeio de suas próprias atividades, o que significa ter competência para instituir alguns tributos e atribuição para receber parcelas decorrentes de tributos arrecadados por outros.


Mais interessante, porém, são as limitações ao poder de tributar que visam à proteção dos direitos fundamentais, notadamente da dignidade da pessoa humana, o cerne deste trabalho.


3. O equilíbrio entre o tributo e a dignidade da pessoa humana


O “tributo”, em sentido amplo, existe há muitos e muitos anos. Não se pode negar que ele é extremamente necessário em nosso ordenamento constitucional. Seria ingenuidade esperar que o cidadão comum simplesmente optasse em recolher uma carga tributária se esta fosse meramente facultativa.


Entretanto, a instituição do tributo deve seguir normas expressas em nossa atual Constituição Federal, de sorte que havendo equilíbrio entre o tributo e a dignidade da pessoa humana, esta tributação será eminentemente eficaz e necessária em nossa sociedade.


3.1 Tributo X bem comum


O Brasil é uma República, definido como Estado amplo, onde o poder constituído é exercido pelo através de seus governantes e representantes eleitos. Possui caráter federativo, uma vez que o poder é distribuído entre os entes autônomos que compõem a República, de sorte a existirem diferentes centros emanadores do poder político (Poderes Legislativos próprios de cada ente federado), nos termos da Constituição Federal de 1988.


A República Federativa do Brasil é Estado de Direito (obediência à lei) e democrático (poder exercido pelo povo, considerada a vontade de sua maioria) na medida em que deve preservar e respeitar direitos fundamentais e garantir a participação na ordem jurídica-política-financeira e social dos cidadãos, com implantação dos seus objetivos republicanos descritos no artigo 3º da Constituição Federal de 1988.


No caso do tributo, o Estado Democrático de Direito depende da justiça e da eficiência da carga fiscal, que por sua vez é implementada pelo princípio da capacidade contributiva. O tributo não deve sacrificar o mínimo essencial para uma existência digna da pessoa humana.


É de grande valia repetir que o tributo existe para que se atinja o bem comum, de forma a possibilitar que o Estado se desincumba dos objetivos fundamentais pré-determinados pelo artigo 3º da Constituição de 1988; dessa forma, a tributação é imprescindível, pois sem ela o Estado não suportaria os gastos advindos do cumprimento daqueles objetivos que lhe impôs o Poder Constituinte.


Se o tributo existe para satisfazer o bem comum, ele tem que atender a proporcionalidade e o mínimo existencial de cada ser humano. Se o tributo se torna abusivo e desproporcional, obviamente que ele se torna também inconstitucional.


3.2 O contribuinte e a capacidade contributiva


Definir claramente a figura do contribuinte é uma tarefa complexa, vez que é necessário se atentar para vários requisitos. O contribuinte pode ser identificado como a pessoa que realiza o fato gerador da obrigação tributária. Essa noção não é precisa, porquanto o fato gerador muitas vezes não corresponde a um ato do contribuinte, mas sim a uma situação na qual se encontra ou com a qual se relaciona o contribuinte – caso do responsável tributário previsto no inciso II do parágrafo único do art. 121 do CTN (AMARO, 2001, p. 289).


Posto isto, pode-se dizer que a figura do contribuinte é geralmente identificável à vista da simples descrição da materialidade do fato gerador. Sendo assim, é contribuinte quem a lei identificar como tal, observados os parâmetros que decorrem da Constituição Federal e do próprio Código Tributário Nacional.


Em regra, o contribuinte é, na situação material descrita como fato gerador, a pessoa que manifesta a capacidade contributiva, como por exemplo a obtenção de renda, a titularidade de patrimônio etc. Assim, quem aufere renda é o contribuinte do imposto respectivo; o titular do imóvel é contribuinte do imposto territorial (AMARO, 2001, p. 290).


Porém isso nem sempre ocorre. Mesmo que os juristas repugnem a noção de impostos indiretos, não se tem como evitá-los, vez que eles estão expressamente previstos em nossa legislação. No caso destes tributos, quem demonstra a capacidade contributiva não é necessariamente a pessoa que a lei escolhe para figurar como contribuinte. Se alguém adquire um bem de consumo, e a lei define essa operação como fato gerador de tributo, elegendo o comerciante como contribuinte, a lei não pode deixar de considerar, por expresso mandamento constitucional, a capacidade econômica do comprador. Dessa forma, no exemplo de uma sociedade empresária que vende produtos de primeira necessidade, a tributação não deve levar em conta a capacidade econômica da sociedade, mas sim a do consumidor, ao definir a eventual tributação desses bens.


Com isso, embora legalmente o vendedor possa ser definido como contribuinte (de direito), a capacidade econômica do consumidor (contribuinte de fato) é que precisa ser ponderada para efeito da definição do eventual ônus fiscal.


Segundo o mandamento constitucional previsto no art. 145, parágrafo único, a capacidade contributiva se manifesta a partir da maior exigência fiscal daqueles contribuintes identificados como mais capazes de contribuir. Entretanto, sabe-se do grande desafio que é a correta identificação desses cidadãos.


3.3 Conflito entre a regra da tipicidade e o princípio da capacidade contributiva


Primeiramente, é de grande valia mencionar que a pretensa qualidade ou eficácia positiva do princípio da capacidade contributiva, limitativo permanente do direito de auto-organização dos cidadãos, não pode servir de justificativa para a atuação desmesurada do poder tributante, pois inexiste respaldo constitucional para essa conduta, já que os direitos e garantias fundamentais – e o princípio da capacidade contributiva insere-se neste contexto – não podem de forma alguma sofrer quaisquer limitações. Ou seja, eles são soberanos e não podem ser prejudicados ou diminuídos.


Entretanto, tem-se de forma clara a divergência de funções entre o conhecido princípio da tipicidade ou da estrita legalidade (tido como regra) e o princípio da capacidade contributiva (acolhido como princípio, somente), tornando impossível a prevalência da teoria da eficácia positiva do princípio da capacidade contributiva como limitadora dos efeitos da tipicidade cerrada (XAVIER, 2002, p. 104).


Esclarece-se: os chamados “princípios”, quando insertos no sistema jurídico, podem apresentar-se na forma de princípios propriamente ditos ou constituírem-se em regras – o que não significa dizer que o princípio se transformou em regra, mas apenas que coexistem o princípio e a regra que dele se originou.


Princípios e regras são espécies do gênero norma, como afirma José Joaquim Gomes Canotilho, ao sugerir o abandono da já ultrapassada distinção entre normas e princípios, substituindo pelas premissas: “as regras e princípios são duas espécies de normas; a distinção entre regras e princípios é uma distinção entre duas espécies de normas” (CANOTILHO, 1999, p. 1144).


A distinção entre o princípio e a regra é tarefa particularmente complexa, pelo grande número de critérios e diversos pontos de referência sugeridos pela doutrina. Ao se buscar a distinção entre princípio e regra, deve se esclarecer duas questões fundamentais: a) saber qual a função dos princípios, ou seja, se são apenas normas de conduta; b) saber se entre princípios e regras há apenas uma diferença de grau na abordagem dos temas, possuindo, o princípio um grau de abstração maior que a regra, ou c) se as diferenças são em função da qualidade, distinção essa somente qualitativa.


No que tange ao primeiro problema, deve-se distinguir entre princípios hermenêuticos e princípios jurídicos. Os princípios hermenêuticos possuem uma função argumentativa, explicitam a ratio legis de uma disposição, que não está expressa por disposição alguma; contudo, essa mera afirmação não é o bastante para descortinar o problema (CANOTILHO, 1999, p. 1144).


No geral, a principal distinção entre a regra e o princípio é de ordem qualitativa. Os princípios são normas de otimização do sistema, compatíveis com diferentes graus de aplicação, de concretização, conforme os casos se apresentem no mundo fenomênico, podendo-se aplicá-las em maior ou menor grau; as regras são normas cogentes, de forma que uma vez preenchidos seus pressupostos sua aplicação mostra-se como necessária, pois contém um imperativo que é cumprido ou não.


A relação entre os princípios nunca é conflitante, pois permitem um balanceamento de valores e interesses, podendo ser aplicados em menor ou maior grau; já as regras são excludentes, de sorte que, se duas regras conflitam, uma deve ser expurgada do sistema, e a outra deve ser cumprida na exata medida de seu mandamento, nem mais nem menos. Como reforça José Joaquim Gomes Canotilho:


“[…]os princípios coexistem, as regras antinômicas excluem-se. […]em caso de ‘conflito entre normas e princípios’, estes podem ser objecto de ponderação e de harmonização, pois eles contêm apenas ‘exigências’ ou ‘standards’ que, em ‘primeira linha’ (‘prima facie’), devem ser realizados; as regras contêm ‘fixações normativas’ definitivas, sendo insustentável a validade simultânea de regras contraditórias” (CANOTILHO, 1999, p. 1145).


Quando em conflito, as regras suscitam problemas de validade, se são aplicáveis integralmente ou não, excluindo-se necessariamente uma delas; os princípios suscitam problemas de validade, como as regras, e, particularmente, de peso, onde se pondera um maior alcance ou importância de um princípio sobre outro, harmonizando-os sem a necessária exclusão de algum.


Em diversas oportunidades o ordenamento pátrio apresenta esta dicotomia, sendo que em muitos casos falta sensibilidade à doutrina e à jurisprudência a qual categoria a norma interpretada pertence: se é norma-princípio ou norma-regra. Como exemplo, cite-se a prevalência (equivocada) do princípio da capacidade contributiva em detrimento do princípio da tipicidade fechada. Ora, o que se tem, na realidade, não é conflito entre princípios, mas sim entre um princípio (o primeiro) e uma regra (o segundo dito “princípio).


O princípio da tipicidade fechada apresenta-se no ordenamento como regra, já que prescreve um imperativo, como expresso está no artigo 150, inciso I, da Constituição de 1988, “é vedado exigir ou aumentar tributos sem lei que o estabeleça”, ou no artigo 97 e incisos do Código Tributário Nacional, somente a lei pode estabelecer a definição de fato gerador da obrigação principal, a fixação de alíquota e a base de cálculo.


As regras são cogentes, caso possuam validade devem ser aplicadas integralmente ou excluídas do sistema. O princípio da capacidade contributiva, ao revés, não se mostra como regra, já que, por força da própria natureza de princípio o ordenamento não lhe impôs um imperativo, mas sim uma “reserva do possível” (XAVIER, 2002, p. 126).


Como está expresso no artigo 145 § 1º da Constituição Federal, sempre que possível os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte.


Diante desta diferença de natureza e de exigibilidade, impossível é o sobrepujamento da regra da tipicidade fechada pelo princípio da capacidade contributiva. Para a regra é tudo ou nada, ou existe ou deve ser excluída, a tipicidade fechada é uma regra, denota um imperativo; os princípios são ajustáveis, inclui-se o fator peso para sua harmonização; o princípio da capacidade contributiva é propriamente um princípio, norteador de uma conduta, gravado pelo “sempre que possível”, ou “na medida do possível”, da Constituição Federal.


Já a regra, categórica e definitiva, nunca pode ser excluída do sistema ao colidir com um princípio. Ambos devem coexistir harmonicamente: o princípio cedendo força para que a regra extravase e exija o cumprimento do seu operador deôntico, verdadeiro imperativo jurídico.


3.4 Princípio de vedação de tributos com efeitos confiscatórios


Para Fábio Brun Goldschmidt, o conceito de confisco é


“O ato de apreender a propriedade em prol do Fisco, sem que seja oferecida ao prejudicado qualquer compensação em troca. Por isso, o confisco apresenta o caráter de penalização, resultante da prática de algum ato contrário à lei” (GOLDSCHMIDT, 2003, p. 46).


O artigo 150, IV, da Constituição Federal de 1988 estabelece a vedação à utilização do tributo com efeito confiscatório. Sobre o dispositivo, o mestre José Afonso da Silva nos explica que há regra que veda utilizar tributo com efeitos de confisco. Isso, na verdade, significa que o tributo não deve subtrair mais do que uma parte razoável do patrimônio ou da renda do contribuinte (SILVA, 2000, p. 695). Indo um pouco mais além deste autor, e utilizando-se de interpretação em sentido contrário, o referido princípio visa a garantir que remanesça ao contribuinte/cidadão patrimônio ou renda suficiente para obtenção do mínimo essencial para uma vida digna.


Luciano Amaro assinala, de modo importante, que:


“É óbvio que os tributos (de modo mais ostensivo, os impostos) traduzem transferências compulsórias (não voluntárias) de recursos do indivíduo para o Estado. Desde que a tributação se faça nos limites autorizados pela Constituição, a transferência de riqueza do contribuinte para o Estado é legítima e não confiscatória. Portanto, não se quer, com a vedação do confisco, outorgar à propriedade uma proteção absoluta contra a incidência do tributo, o que anularia totalmente o poder de tributar. O que se objetiva é evitar que, por meio do tributo, o Estado anule a riqueza privada” (AMARO, 2001, p. 143).


Dessa forma, pode-se inferir que o princípio da vedação ao confisco consiste em uma imunidade, na salvaguarda do mínimo vital necessário ao desenvolvimento da personalidade humana, bem como principalmente assegurar a sua dignidade.


Importante ressaltar que o confisco, no direito brasileiro, é permitido apenas em uma hipótese, a saber: a do artigo 243 da Constituição Federal de 1988, que determina:


As glebas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas serão imediatamente expropriadas e especificamente destinadas ao assentamento de colonos, para o cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.


Parágrafo único Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins será confiscado e reverterá em benefício de instituições e pessoal especializados no tratamento e recuperação de viciados e no aparelhamento e custeio de atividades de fiscalização, controle, prevenção e repressão do crime de tráfico dessas substâncias.”


Observe-se que essa forma confiscatória não se assemelha ao confisco tributário aqui tratado, onde este significa a instituição de imposição pecuniária irrazoável sobre a fonte tributável do contribuinte. Mas mesmo que por hipótese se considerem assemelhados, faz-se a ressalva de que o artigo 243 da Carta Política deve ser interpretado de modo restritivo, limitando-se o confisco à hipótese penalmente aventada, não cabendo aqui qualquer discussão acerca de eventual confisco amparado em normas de direito tributário.


3.5 Tributo e a Dignidade da Pessoa Humana


Todo ser humano, pelo simples fato de existir, merece ser tratado dignamente. Disto se conclui que a dignidade é atributo de todo ser humano, e não mera característica dele.


Como já visto, a dignidade da pessoa humana é verdadeiro fundamento da República Federativa do Brasil, conforme dispõe o primeiro artigo da Constituição de 1988, do que também se conclui que o Estado existe em razão do ser humano, e não o inverso. Por isso as ações governamentais devem ter a intenção precípua de preservar a sua dignidade. Apesar de constar no Texto, essa dignidade não é conferida por ele, mas sim a todo ser humano, pelo simples fato de existir, é reconhecido o direito de ter uma vida digna.


Para Luís Roberto Barroso (2001) o núcleo material elementar do princípio da dignidade humana “é composto do mínimo existencial, que identifica o conjunto de bens e utilidades básicas para a subsistência física e indispensável ao desfrute da própria liberdade”.


Na seara tributária, a mensuração do “mínimo existencial” depende da justiça da repartição da carga fiscal, que por sua vez é implementada pelo princípio da capacidade contributiva. Segundo Manoel Lourenço dos Santos (1970, p. 93) “o imposto não deve sacrificar o necessário físico ou mínimo de existência da pessoa, nem o seu nível de vida compatível com a dignidade humana”.


Dessa forma, o princípio da capacidade contributiva deve servir como balizador da imposição fiscal, tendo como uma das finalidades a garantia do mínimo existencial, em prol da dignidade humana.


Nesse sentido diz Guillermo Ahumada que:


“el concepto de capacidad contributiva, que es un producto de elaboración jurídicopolítico- económica, admite y defiende la exención de las rentas inferiores indispensables para la vida”9 e complementa que “el mínimo varía de país a país, en función de índices económicos, valorados políticamente, que tienen por finalidade assegurar el bienestar y la dignidad de la vida humana” (AHUMADA, 1956 apud TAKOI, 2007)


E mais: os cálculos utilitaristas dos custos econômicos de políticas sociais, que são geralmente levados em conta pelo legislador na aplicação de regimes tributários, não podem, em hipótese alguma, suplantar o mínimo existencial e vital, que é identificado como o cerne da dignidade humana.


Sendo assim, como já foi dito, a tributação, mesmo sendo tão imprescindível como antes sustentado, não pode ferir de forma alguma as necessidades de cada ser humano, e muito menos ferir a dignidade da pessoa humana, jamais podendo retirar do contribuinte valores monetários tamanhos que impossibilite a manutenção de uma vida digna.


CONCLUSÃO


Diante de tudo que foi exposto, pode-se dizer que o poder de tributar, na Constituição Federal de 1988, é regulado segundo rígidos princípios que se baseiam nas próprias origens históricas e políticas do regime democrático por ela adotado.


Embora a tributação seja obrigatória e vinculada pelos entes políticos através de leis, estas, como qualquer forma de manifestação de Poder do Estado, estão sujeitas à contestação quando em desacordo com a Constituição Federal de 1988 e seus fundamentos.


O tributo também é contestado quando fere a dignidade humana e quando fere o mínimo existencial do cidadão, caracterizado contribuinte na seara fiscal. Pode ocorrer o caso em que embora a lei tributária seja formalmente constitucional, subsista uma inconstitucionalidade material decorrente do desrespeito à principiologia contida na Carta Magna.


O dispositivo seco da lei comum pode estar em contradição com os resplandecentes e reluzentes fundamentos do nosso Estado Democrático de Direito que protegem todas as pessoas, pessoas estas que possuem o atributo da dignidade pelo simples fato de existirem.


O Poder Público, ao tributar, deve respeitar os princípios específicos contidos nos artigos 145 a 162 da Constituição Federal (que cuida do Sistema Tributário Nacional), e os fundamentos da República Federativa do Brasil (artigo 1º, I, II, III e IV da Constituição Federal de 1988). Em havendo tal respeito, pode-se dizer que existe equilíbrio entre o tributo e a dignidade da pessoa humana, e da mesma forma pode-se dizer que a tributação existe e é imprescindível para dar ao Estado condições para o alcance do bem comum para toda a sociedade.


Num cenário como este, pode-se acreditar que se estará caminhando ao encontro dos tão almejados objetivos de nosso Estado: ao respeito da dignidade humana, a construção de uma sociedade mais livre, mais justa e mais solidária, garantindo o desenvolvimento nacional, erradicando a marginalização e as desigualdades sociais, promovendo o bem de todas os cidadãos (artigo 3º, I, II, III e IV da Constituição Federal de 1988) e claro, lutando contra a corrupção e o abuso de poder dos que o detêm.


 


Referências bibliográficas

AMARO, Luciano. (2001), Direito tributário brasileiro. 7ª edição, São Paulo, Saraiva.

BARROSO. Luís Roberto. (2001), “Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro (pós-modernidade, teoria critica e pós-positivismo)” Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ – Centro de atualização jurídica, v. 1, n° 6, setembro de 2001. Disponível em: <http://www.direitopublico.com.br>. Acesso em: 05 jan. 2008.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. (1999), Direito constitucional e teoria da constituição. 5ª edição, Coimbra, Livraria Almedina.

GOLDSCHMIDT, Fabio Brun. (2003), O princípio do não-confisco no direito tributário. São Paulo, RT.

SANTOS, Manoel Lourenço dos. (1970), Direito tributário. 3ª edição, Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro.

SILVA, José Afonso da. (2000), Curso de Direito Constitucional Positivo. 18ª edição, São Paulo, Malheiros.

TAKOI, Sérgio Massaru. Fundamentos da República Federativa do Brasil e Tributação. Disponível em: <http://www.sisnet.aduaneiras.com.br/lex/doutrinas/arquivos.pdf>. Acesso em: 15 jan. 2008.        

XAVIER, Alberto. (2002). Tipicidade da tributação e norma antielisiva. 1ª edição, São Paulo, Dialética.


Informações Sobre o Autor

Julio Cezar Pessoa Picanço Junior

Especialista em Processo Civil pela UNISUL. Pós-graduando em Direito Tributário pela Universidade Anhanguera – UNIDERP. Procurador da Fazenda Nacional em Franca/SP


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