Estruturação da base de cálculo: valor aduaneiro e caso PIS/COFINS-importação

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Resumo: O presente artigo trata da estruturação da base de cálculo, utilizando-se como apoio o caso da inconstitucionalidade da inserção dos valores devidos a título de ICMS e das próprias contribuições na base de cálculo do PIS/PASEP e da COFINS incidentes sobre a importação de bens. Para isso, inicia-se com a delimitação constitucional da competência tributária, aspectos da materialidade e base de cálculo. Em seguida, discorre-se sobre a estruturação da base de cálculo na importação de bens, da concepção do conceito de valor aduaneiro no âmbito do GATT e seu conceito constitucional, bem como expondo sobre a inconstitucionalidade. Ato contínuo, analisa-se brevemente o julgamento do RE nº 559.937/RS. Em desfecho, diante dos efeitos da decisão do STF, concluí-se pela relevância do precedente para que os contribuintes importadores restituam os valores imprescritos recolhidos a maior a título de PIS/COFINS-Importação.

Palavras-chaves: PIS/COFINS-Importação. Base de Cálculo. Valor Aduaneiro. Inconstitucionalidade.

Sumário: Introdução. 1. Da competência constitucional para a instituição das contribuições sociais sobre a importação. 2. Da materialidade e base de cálculo na importação de bens. 3. Da estruturação da base de cálculo na importação de bens. 4. Da concepção do conceito de valor aduaneiro. 4.1. O Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio – GATT. 4.2. Conceito constitucional de valor aduaneiro. 5. Da inconstitucionalidade da base de cálculo na importação de bens. 5.1. Alteração de conceito constitucional. 5.2. Breve análise do Recurso Extraordinário nº 559.937/RS. Conclusão.

INTRODUÇÃO

Ante o cenário em que se encontrava a ordem jurídica pátria nos idos do ano de 2003, foi publicada a Emenda à Constituição nº 42, cujo conteúdo, a pretexto de uma reforma fiscal, ampliou a carga tributária nacional. Tal implicação defluiu dos reclamos do Poder Executivo federal e, sobretudo, de sua falta de gerência e contenção dos recursos públicos. Nesse contexto, o poder constituinte reformador outorgou à União a autorização constitucional para a criação de contribuições sociais sobre a importação de bens e serviços, as quais foram instituídas por meio da Lei nº 10.865, de 1º de maio de 2004, fruto da conversão da Medida Provisória nº 164, em 29 de janeiro de 2004.

Desde a criação das contribuições sociais supracitadas, fervorosos debates foram travados acerca de questões controvertidas nelas abarcadas. Dentre tais discussões, em especial, está a atinente ao vício contido no regramento de sua base de cálculo.

Nesse passo, inicialmente o presente artigo se deterá na análise do arcabouço constitucional que atribuiu à União a competência tributária para a criação das contribuições sociais sobre a importação, bem como discorrerá sinteticamente acerca da materialidade e da base de cálculo da forma como previstas na legislação ordinária. Em seguida, engajando-se na problemática, discorrer-se-á acerca da teoria da estruturação da base de cálculo, explorando a compreensão da expressão “valor aduaneiro” no contexto do comércio internacional e da Constituição Federal. Por fim, abordar-se-á o julgamento do Recurso Extraordinário nº 559.937/RS, o qual concluiu por reconhecer a inconstitucionalidade da norma que instituiu a base de cálculo em questão, fato que fora corroborado pelo Poder Legislativo federal por meio da alteração trazida pela Lei nº 12.865/2013, que redefiniu a base de cálculo em pauta.

1. DA COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL PARA A INSTITUIÇÃO DAS CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS SOBRE A IMPORTAÇÃO

A baliza inarredável que encontra o Poder Legislativo na instituição dos tributos é a observância dos limites constitucionais. Sem o devido respeito absoluto a tais normas, torna-se inevitável a inconstitucionalidade da lei tributária.

A Constituição estabelece os contornos para o exercício da competência tributária, seja diretamente, quanto aos princípios tributários nela existentes, seja indiretamente, quando na disciplina de outros direitos, como os institutos de direito privado da propriedade, do livre exercício das atividades profissionais, liberdade de locomoção e dentre outros, conforme doutrinado por Roque Antonio Carrazza (2012, p. 571-572).

Com isso, a competência tributária já nasce limitada pela própria Constituição, a qual restringe a competência legislativa dos entes políticos no seu exercício de criação das exações fiscais.       

No concernente aos gravames em estudo, com o advento da Emenda à Constituição nº 42/2003, criou-se os alicerces constitucionais que outorgaram competência à União Federal de instituir contribuições sociais sobre a importação.

Tal emenda constitucional modificou a redação do artigo 149, § 2º, inciso II, da Constituição Federal, passando a prever uma nova base econômica para a incidência de contribuições sociais, qual seja, a importação de produtos ou serviços estrangeiros. Em vista disso, estes tributos deveriam ter por base de cálculo, no caso de alíquota ad valorem, o valor aduaneiro, conforme o artigo 149, § 2º, inciso III, alínea “a”, introduzido pela EC nº 33/2001, ou a unidade de medida adotada, quando alíquota específica.

Ademais, a citada emenda acrescentou o inciso IV ao artigo 195 da Lei Maior, introduzindo o importador como agente financiador da seguridade social. Assim, completou-se a competência a fim de prever o importador como sujeito passivo das contribuições sociais em tela.

Em vista da introdução supracitada, validou-se a instituição das contribuições sociais incidentes sobre a importação por meio de lei ordinária, posto que prevista a base econômica em norma constitucional. Desse modo, não haveria a necessidade de instituição dessas novas contribuições por meio de lei complementar, haja vista que tal fonte de custeio passou a ter previsão dentre os incisos do caput do artigo 195 da Constituição, afastando-se o § 4º deste dispositivo (PAULSEN, 2007, p. 532-533).

Em síntese, na delimitação da competência legislativa tributária, o constituinte derivado apontou explicitamente, no caso das contribuições sociais incidentes sobre a importação, sua materialidade, qual seja, a importação de produtos estrangeiros ou serviços. Além disso, outorgou o seu aspecto quantitativo, a saber, no caso da alíquota específica, a unidade de medida adotada, e, no caso da ad valorem, a base de cálculo a ser utilizada seria o valor aduaneiro.

Nesse passo, com a vinda da Emenda Constitucional nº 42/2003, cuja finalidade era de uma reforma tributária, ao invés de aperfeiçoá-la, criou um arcabouço constitucional para a ampliação da carga tributária, em atendimento aos clamores do Poder Executivo. A mencionada emenda alargou a competência da União em instituir contribuições sociais sobre a importação.

Nesse fundamento, o Poder Executivo Federal editou a Medida Provisória nº 164, em 29 de janeiro de 2004, convertida na Lei nº 10.865/2004. Tal ato inaugurou no sistema jurídico-tributário as contribuições sociais PIS/PASEP e COFINS incidentes sobre a importação de bens e serviços.

A medida adotada pela União Federal foi fruto de uma política governamental, como reportado na exposição de motivos da Medida Provisória nº 164, de equalizar o tratamento entre as operações nacionais e as decorrentes de importações. Assim, submetendo-as ao mesmo ônus tributário, sendo que as internas já sofriam com a incidência das contribuições sociais sobre a receita bruta.

No entanto, cumpre-se estabelecer que as novas contribuições, denominadas PIS/PASEP e COFINS, não se confundem com suas homônimas, que são fundamentadas na Lei nº 9.718/1998.

Apesar de terem recebido a mesma nomenclatura utilizada pelas contribuições sociais sobre o faturamento, bem como possuindo a mesma destinação constitucional de seus recursos, as novas contribuições sociais sobre a importação são consideradas tributos de natureza diversa daquelas em razão da distinção de suas materialidades (TRIONELLI, 2004, p. 61). Isto é, enquanto as contribuições homônimas incidem sobre a receita ou faturamento, as novéis incidem sobre despesas decorrentes da operação de importação.   

2. DA MATERIALIDADE E BASE DE CÁLCULO NA IMPORTAÇÃO DE BENS

O critério material da hipótese de incidência das contribuições PIS/PASEP-Importação e COFINS-Importação se encontra definido nos capítulos I e II da lei, sob a nomenclatura “Da Incidência” e “Do Fato Gerador”, respectivamente. Nos termos do artigo 3º, no caso de importação de bens o fato gerador será “a entrada de bens estrangeiros no território nacional”.

Quanto ao critério temporal, em regra, considera-se a “na data do registro da Declaração de Importação de bens submetidos a despacho para o consumo”, nos termos do que dispõe o inciso I do artigo 4º.

Destarte, tal como ocorrem nos casos do IPI e do Imposto de Importação, o PIS/COFINS-Importação deve ser recolhido no momento do registro da Declaração de Importação no Sistema Integrado do Comércio Exterior (Siscomex), através de débito automático em conta-corrente previamente cadastrada pelo importador (VASCONCELLOS, 2011, p. 364-365). Portanto, o prazo para o recolhimento é a data do registro da declaração da importação, nos termos do inciso I do artigo 13 da Lei nº 10.865/2004.

No que tange à base de cálculo, esta veio fixada no artigo 7º, inciso I, da seguinte forma:

“Art. 7o A base de cálculo será:

I – o valor aduaneiro, assim entendido, para os efeitos desta Lei, o valor que servir ou que serviria de base para o cálculo do imposto de importação, acrescido do valor do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS incidente no desembaraço aduaneiro e do valor das próprias contribuições, na hipótese do inciso I do caput do art. 3o desta Lei;”

De logo, percebe-se que o legislador adotou o artifício “cálculo por dentro”, resultando na inclusão do valor devido na incidência das próprias contribuições. Ademais, optou o legislador ordinário em acrescer à base imponível o valor devido a título de ICMS incidente na importação de bens. A justificativa para tal regramento foi como sendo um mecanismo para alcançar a neutralidade tributária entre as operações nacionais e as provenientes da importação, haja vista que nas nacionais o valor de ICMS seria acrescentado na apuração da base de cálculo do PIS e da COFINS incidentes sobre a receita bruta (VASCONCELLOS, 2011, p. 375).

Por fim, destaca-se que, por meio da recente alteração dada pela Lei nº 12.865, de 09 de outubro de 2013, a base de cálculo na importação de bens passou a ser apenas o valor aduaneiro.

3. DA ESTRUTURAÇÃO DA BASE DE CÁLCULO NA IMPORTAÇÃO DE BENS

O fato jurídico tributário se origina com a subsunção do conceito do fato ao conceito da norma. Com isso, a obrigação tributária tem seu nascimento com a ocorrência do fato gerador, o qual, nos termos do artigo 114 do Código Tributário Nacional, é a situação definida em lei.

Ademais, os incisos III e IV, do artigo 97 do diploma legal supracitado, dispõem que somente a lei pode determinar a definição do fato gerador da obrigação tributária e da sua atinente base de cálculo.

Nesse toar, considera-se que o aspecto material da hipótese de incidência, traduzido pelo fato gerador da obrigação tributária, somente se aperfeiçoa com a indicação legal de sua respectiva base de cálculo, a qual, nos dizeres de Paulo de Barros Carvalho (2012, p. 400), além de medir o quantum debeatur, irá confirmar ou determinar a materialidade tributária, conforme colacionado abaixo:

“Temos para nós que a base de cálculo é a grandeza instituída na consequência da regra-matriz tributária, e que se destina, primordialmente, a dimensionar a intensidade do comportamento inserto no núcleo do fato jurídico, para que, combinando-se à alíquota, seja determinado o valor da prestação pecuniária. Paralelamente, tem a virtude de confirmar, infirmar ou afirmar o critério material expresso na composição do suposto normativo. A versatilidade categorial desse instrumento jurídico se apresenta em três funções distintas: a) medir as proporções reais do fato; b) compor a específica determinação da dívida; e c) confirmar, infirmar ou afirmar o verdadeiro critério material da descrição contida no antecedente da norma.

Portanto, conforme o ensinamento mencionado, na base de cálculo se pode encontrar um signo seguro a fim de identificar o aspecto material da hipótese de incidência. Assim, o citado critério quantitativo deverá constituir, obrigatoriamente, das características peculiares do fato jurídico tributário, o que confirmará se o padrão de medida utilizado pelo legislador é compatível com critério material ou se, ao contrário, a grandeza eleita e o acontecimento jurídico tributário são incompatíveis. Ou seja, o binômio “hipótese de incidência e base de cálculo” deverá resultar na ratificação da materialidade do tributo, da forma como leciona o eminente autor (CAVALHO, 2008, p. 210):

“Todo o esforço do legislador há de estar orientado no sentido de promover o perfeito ajuste entre o enunciado mensurador da base de cálculo e a formulação enunciativa da hipótese. Dito de outro modo, a perspectiva dimensível há de ser de uma medida efetiva do fato jurídico tributário, recolhido como tal pela hipótese normativa. Não será qualquer proporção, ainda que retirada do mesmo suporte fáctico, que servirá como aspecto mensurador: é fundamental a perfeita conexão entre o fato descrito pela hipótese e o fato construído para ser sua base de cálculo (…).”

Dada a suma importância da base de cálculo na estruturação da regra-matriz de incidência do tributo, deve o legislador construir com cautela o instrumento de medição do evento tributário. Assim, tem de reunir caracteres dotados de rigor e precisão a fim de corresponder ao fato sobre o qual a norma tributária incidirá, sendo que qualquer variação fora da realidade que se pretenda introduzir ensejará na desconfiguração da incidência pretendida.

Em síntese, a base imponível, além de medir a dimensão econômica do fato imponível, deverá exercer seu papel no controle do poder de tributar, na medida em que deve haver a compatibilidade entre o critério material da hipótese de incidência e a grandeza eleita pelo legislador na instituição do tributo, sob pena de ultrapassar a competência tributária ditada pela Constituição.   

Posto isso, concedida a competência constitucional para instituir contribuições sociais sobre a operação de importação de bens ou serviços, sendo este o critério material da regra de incidência, não há como idealizar outra base de cálculo senão o valor da operação. O que, ademais, foi explicitamente outorgada pela própria Constituição sob a denominação “valor aduaneiro”.

O critério material da hipótese de incidência em analise se constitui pelo ato de importar, cujo regime jurídico é regido por normas contratuais. Por sua vez, o tributo advém de uma obrigação ex lege. Posto isso, como já dito, a relação jurídico-tributária se dará da subsunção do conceito do fato ao conceito da norma.

Nesse sentido, tendo em vista que norma tributária recepciona o fato “operação de importação”, cujo surgimento sucede da regra negocial, não poderá aquela desvirtuar o conceito deste. Ou seja, a norma tributária somente irá irradiar seus efeitos sobre o fato econômico, jamais alterar sua realidade (SOUZA; SABBAG, 2004, p. 82).

Outrossim, ao determinar a base de cálculo, a norma de incidência-tributária apenas poderá abranger ou não valores condizentes ao fato jurídico tributário, que, in casu, corresponde à operação de importação.

No entanto, diversamente do prelecionado, na redação original da lei instituidora das contribuições sociais sobre a importação, o legislador federal elegeu uma base imponível calculada por meio de uma ardilosa equação matemática que alargou a sua competência tributária. Além disso, computou valores estranhos à transação negocial de importação de produtos, a saber, os valores devidos de ICMS no desembaraço aduaneiro e os das próprias contribuições.

Nesse contexto, tem-se que a Lei nº 10.865/2004, ao invés de irradiar seus efeitos sobre a realidade econômica, incluiu dados que não compõem o custo do negócio jurídico, deturpando o processo de formação de preço pelo vendedor (estrangeiro) na aquisição pelo comprador (importador).

O ato de importação de bens, cuja operação decorre de regras estipuladas contratualmente, tem seu preço constituído pelo respectivo valor de transação, com eventuais despesas inerentes à operação comercial. Com isso, tem-se legitimo o valor baseado nas modalidades de contratação de importação/exportação, Termos Internacionais de Comércio (Incoterms), conforme Resolução nº 21/2011, da Câmara de Comércio de Exterior (CAMEX). Tais modalidades constam da citada resolução, quais sejam: Ex Works (EXW); Free Carrier (FCA); Free Alongside Ship (FAS); Free On Board (FOB); Cost and Freight (CFR); Cost, Insurance and Freight (CIF); Carriage Paid To (CPT); Carriage and Insurance Paid To (CIP); Delivered At Terminal (DAT); Delivered At Place (DAP); e Delivered Duty Paid (DDP).

Destarte, a formação de preço nos modelos contratuais adrede citados englobam o valor do bem e os custos inerentes à operação, a depender da responsabilidade de cada contratante no negócio jurídico. Portanto, o valor da transação de que tratam pode ser constituído pela somatória do valor do produto e custos com frete e seguro.  Ou seja, a base de cálculo a ser considerada na operação de importação deve se basear no próprio valor da transação, isto é, no preço pago ou a pagar pelo importador ao vendedor estrangeiro, o que é representado pela denominação “valor aduaneiro”.

Posto isso, tendo a consciência que o Direito Tributário atua no campo da superposição do fato à norma, diante do critério material “operação de importação de produtos estrangeiros”, identifica-se vício na estruturação da base de cálculo quando esta compreender valores estranhos ao da transação econômica.

Por fim, como visto, a materialidade, baseada em suporte fático e reveladora de capacidade tributária, formará a construção da regra de incidência do tributo. Com relação às contribuições PIS/COFINS-Importação, sua materialidade foi dimensionada pelo valor aduaneiro, o qual assume a posição da engendrar grandeza econômica ao fato jurídico tributário em voga.

4. DA CONCEPÇÃO DO CONCEITO DE VALOR ADUANEIRO

4.1. O ACORDO GERAL SOBRE TARIFAS E COMÉRCIO – GATT

Conforme já visto, o artigo 149, § 2º, inciso III, alínea “a”, da Constituição, a base de cálculo das contribuições sociais incidentes sobre a importação, em sendo as alíquotas ad valorem, será o valor aduaneiro.

Para definir o conceito constitucional de valor aduaneiro, deve-se, antes, analisar seu sentido utilizado no comércio exterior, nos termos do definido e normatizado pelo GATT e internalizado pelo sistema jurídico pátrio.

A definição de valor aduaneiro vem disposta no artigo VII do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT 1994), resultante da Ata Final que Incorpora aos Resultados da Rodada Uruguai de Negociações Comerciais Multilaterais do GATT, assinada em Marraqueche em 12 de abril de 1994. Tal parte integrante do GATT, criada nessa rodada de negociações, passou ser obrigatório para todos os membros da Organização Mundial de Comércio (OMC), a partir de 1º de janeiro de 1995.

O pacto resultante prevê que o valor aduaneiro será determinado pela aplicação sucessiva e sequencial de seis métodos de valoração. O primeiro é baseado no valor da transação, isto é, no preço efetivamente pago ou a pagar na importação, sendo os demais aplicados apenas na impossibilidade de utilização deste.

O Acordo de Implementação do artigo VII, conhecido como “Acordo de Valorização Aduaneira” (AVA-GATT), após aprovação pelo Decreto Legislativo nº 30, foi promulgado pelo Decreto nº 1.355, de 30 de dezembro de 1994. Tal pacto veio com o objetivo primordial de impedir a criação de valores aduaneiros fictícios ou arbitrários, assegurando a previsibilidade, estabilidade e segurança aos agentes econômicos. Com isso, teve o objetivo de promover a redução dos embaraços criados nas relações comerciais entre países, segundo o disposto na Introdução Geral do referido documento, que segue transcrito:

“Os Membros, Tendo em vista as negociações comerciais Multilaterais; Desejando promover a consecução dos objetivos do GATT 1994 e assegurar vantagens adicionais para o comércio internacional dos países em desenvolvimento; Reconhecendo a importância das disposições do Artigo VII do GATT 1994 e desejando elaborar normas para sua aplicação com vistas a assegurar maior uniformidade e precisão na sua implementação; Reconhecendo a necessidade de um sistema eqüitativo, uniforme e neutro para a valoração de mercadorias para fins aduaneiros, que exclua a utilização de valores aduaneiros arbitrários ou fictícios; Reconhecendo que a base de valoração de mercadorias para fins aduaneiros deve ser tanto quanto possível o valor de transação das mercadorias a serem valoradas; Reconhecendo que o valor aduaneiro deve basear-se em critérios simples e eqüitativos condizentes com as práticas comerciais e que os procedimentos de valoração devem ser de aplicação geral, sem distinção entre fontes de suprimento; Reconhecendo que os procedimentos de valoração não devem ser utilizados para combater o dumping.”[1]

Para isso, o artigo 1 do Acordo de Valorização dispõe que o valor aduaneiro será o valor da transação, ou seja, o preço efetivo da venda de exportação ao país importador. Ficou, ademais, especificado no artigo 8 do pacto que, a critério dos países-signatários, poderia incluir no valor da transação os custos de transporte, carga, descarga e seguro, bem como determinado que, na quantificação deste valor, nenhum outro poderia ser adicionado ao preço se não estivesse previsto no referido artigo do GATT.

O acima arrazoado se encontra disposto no do Acordo da seguinte forma:

“2. Ao elaborar sua legislação, cada Membro deverá prever a inclusão ou a exclusão, no valor aduaneiro, no todo ou em parte, dos seguintes elementos:

(a) – o custo de transporte das mercadorias importadas até o porto ou local de importação;

(b) – os gastos relativos ao carregamento descarregamento e manuseio associados ao transporte das mercadorias importadas até o porto ou local de importação; e

(c) – o custo do seguro.

3. Os acréscimos ao preço efetivamente pago ou a pagar, previstos neste Artigo, serão baseados exclusivamente em dados objetivos e quantificáveis.

4. Na determinação do valor aduaneiro, nenhum acréscimo será feito ao preço efetivamente pago ou a pagar se não estiver previsto neste Artigo.”[2]

Em vista das disposições do tratado, a aludida faculdade fora adotada no Brasil, para o qual integram o valor aduaneiro, independentemente do método de valoração utilizado, as despesas referentes a transporte e seguro. Essa adesão foi introduzida no Regulamento Aduaneiro, atualmente o constituído pelo Decreto nº 6.759, de 05 de fevereiro de 2009, o qual, em seu artigo 77, estabelece os custos que integram o valor aduaneiro, quais sejam: a) o custo de transporte da mercadoria importada até o porto ou aeroporto alfandegado de descarga ou o ponto de fronteira alfandegado onde devam ser cumpridas as formalidades de entrada no território aduaneiro; b) os gastos relativos à carga, descarga e manuseio, referentes ao transporte da mercadoria importada, até aos locais citados no item “a”; e c) o custo do seguro da mercadoria durante as mencionadas operações.

Com isso, o que se extrai do afirmado acima é que, na formação do valor aduaneiro, faz-se referência à transação na modalidade de contratação no comércio exterior Cost, Insurance and Freight (CIF), cláusula que obriga o vendedor pela contratação e pagamento do frete e do seguro marítimo por danos durante o transporte até a entrega no porto (PAULSEN; MELO, 2004, p. 31).

Todavia, diversamente do previsto pela convenção internacional supramencionada, o texto original do artigo 7º, inciso I, da Lei nº 10.865/2004 estabeleceu que a base de cálculo do PIS/PASEP-Importação e da COFINS-Importação seria o valor aduaneiro, mas, no caso, entendido como o utilizado pelo Imposto de Importação[3], somado ao valor do ICMS sobre a importação e dos valores das próprias contribuições. Com isso, o legislador desvirtuou o conceito de valor aduaneiro, provocando um conflito que esbarra na questão da hierarquia entre tratado internacional, recepcionado pelo Brasil, e lei ordinária.

Nos termos do artigo 98 do Código Tributário Nacional, as leis anteriores e as que lhes são posteriores devem estrita observância aos tratados internacionais. Esse dispositivo demonstra que, no âmbito do Direito Tributário, as normas internacionais têm primazia, em todos os sentidos, em relação às normas produzidas internamente sob a forma de lei ordinária. Assim, de acordo com este diploma, cuja força de lei complementar foi atribuída pelo Supremo Tribunal Federal, instituiu-se a prevalência dos tratados incorporados sobre as normas ordinárias internas, como observa José Francisco Rezek (2011, p. 130):

“Não há dúvida de que o tratado revoga, em qualquer domínio, a norma interna anterior; nem tampouco de que o legislador, ao produzir direito interno ordinário, deve observar os compromissos externos da república, no mínimo para não induzi-la em ilícito internacional.”

Em última análise, mais do que garantir a segurança jurídica nas relações internacionais, evidencia-se que a regra supracitada vem com o fim de manutenção da confiança das nações estrangeiras na economia nacional.

Ora, como os tratados internacionais incorporados ao ordenamento brasileiro, caso do GATT 1994, são materialmente leis internas e, ademais, como estes têm prevalência sobre a legislação ordinária, segundo o artigo supracitado, não pode a lei instituidora das contribuições em análise modificar a definição de valor aduaneiro.  

Ademais, o Acordo de Valorização Aduaneira, com força contratual, é obrigatório a todos os países-signatários. Diante disso, é inalterável unilateralmente pelo Estado brasileiro, muito menos através de lei ordinária, o que, a propósito, corrobora Hugo de Brito Machado (2008, p. 43):

“Não nos parece razoável a tese segundo a qual as leis internas de um país podem validamente dispor contrariando o estabelecido pelos tratados internacionais dos quais participe. O comportamento de qualquer pessoa que contraria um contrato por ela firmado configura ato ilícito. Do mesmo modo, a feitura de uma norma interna pelo Estado, contrariando um tratado internacional por ele firmado, é um ato ilícito. Não apenas um ato contrário à ética, mas contrário também ao próprio Direito positivo. E como tal não pode prevalecer no mundo jurídico.”

Com isso, ante a natureza contratual do tratado em foco, bem como diante do dever de respeito à avença entre os contratantes, suas cláusulas devem ser observadas pela legislação interna que lhe sobrevenha.

Portanto, partindo do acima prelecionado, pode-se alcançar o teor da definição de valor aduaneiro conforme introduzido no texto constitucional, o que se demonstrará adiante.

4.2. CONCEITO CONSTITUCIONAL DE VALOR ADUANEIRO

A ciência jurídica vem ao longo do tempo sedimentando conceitos, cujos sentidos semânticos são carregados de efeitos jurídicos. Tais conceitos são empregados na construção de definições constitucionais, legais, doutrinárias e jurisprudenciais.

Nesse sentido, a Constituição brasileira traz em seu bojo inúmeros conceitos já anteriormente assentados pela legislação, tratados internacionais, demais ciências e, ainda, pela linguagem comum. Ou seja, diversos conceitos nela contidos já estavam consolidados pela legislação infraconstitucional, como as noções de faturamento, renda e salário. Em vista disso, destaca Eros Roberto Grau (2009, p. 233), em sua obra acerca da interpretação e aplicação do Direito, que algumas expressões resumem em seu conceito um conjunto de normas preestabelecidas no sistema jurídico a ele aplicável, conforme segue:

“As regulae juris consubstanciam expressões que sintetizam o conteúdo de um conjunto de normas jurídicas, sem que lhes correspondam um significado próprio. Limitam-se a exprimir, condensadamente, um sistema normativo, a modo – diz Fábio Konder Comparato [1983:269] – de autêntica estenografia legal. Tome-se como exemplo dessa espécie de conceito o de propriedade, que apenas assume alguma significação na medida em que tenhamos sob consideração a função, por ele cumprida no discurso do direito, de resumir toda a disciplina normativa atinente ao modo de aquisição e aos poderes, faculdades e deveres decorrentes da aquisição de uma posição jurídica subjetiva em relação a um bem [Meroni 1989:285].”

Com efeito, tais palavras, carregadas de seus estáveis sentidos semânticos, foram simplesmente absorvidas pela Lei Maior, transmudando um conceito, que antes tinha força conforme a legislação, em um conceito de maior abrangência, de âmbito constitucional. Desse modo, por não se tratar mais apenas de um conceito legal, este passa a ter sua interpretação vinculada à hermenêutica constitucional, com suas típicas técnicas de interpretação e aplicação. Aliás, tais conceitos conferirão legitimidade às normas jurídicas inferiores, as quais somente serão válidas se conformarem com as contidas na Constituição Federal, isto em respeito ao princípio da supremacia constitucional (SILVA, 2010, p. 45-46).

Em vista da construção jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, este busca, constantemente, interpretar os conceitos jurídicos constitucionais mantendo seus sentidos conforme sua formação histórica. Isto é, nos termos do voto do Ministro Marco Aurélio, relator do RE nº 166.772/RS, a corte busca manter a essência das expressões contidas na Constituição segundo o consolidado através do tempo e do já interpretado pelos tribunais, destacando o Eminente Magistrado o que segue:

“De início, lanço a crença na premissa de que o conteúdo político de uma Constituição não pode levar quer ao desprezo do sentido venacular das palavras utilizadas pelo legislador constituinte, que ao técnico, considerados institutos consagrados pelo Direito. Toda ciência pressupõe a adoção de escorreita linguagem, possuindo os institutos, as expressões e os vocábulos que revelem conceito estabelecido com a passagem do tempo, por força dos estudos acadêmicos e pela atuação dos pretórios. Já se disse que ‘as questões de nome são de grande importância, porque, elegendo um nome ao invés de outro, torna-se rigorosa e não suscetível de mal-entendido uma determinada linguagem. A purificação de linguagem é uma parte essencial da pesquisa científica, sem a qual nenhuma pesquisa poderá dizer-se científica’ (Studi Sulla Teoria Generali Del Diritto, Torino – G. Giappichelli, edição 1955, página 37). Realmente, a flexibilidade de conceitos, a câmbio do sentido destes, conforme os interesses em jogo, implicam insegurança incompatível com o objetivo da própria Carta que, realmente, é um corpo político, mas o é ante os parâmetros que encerra e estes não são imunes ao real sentido dos vocábulos, especialmente os de contornos jurídicos. Logo, não merece agasalho o ato de dizer-se da colocação, em plano secundário, de conceitos consagrados, buscando-se homenagear, sem limites técnicos, o sentido político das normas constitucionais.”

Ante as considerações no tópico anterior, concluiu-se que o valor aduaneiro se compõe do valor do produto somado apenas aos custos e despesas com frete e seguro, tendo em vista a incorporação dos termos do Acordo de Valoração Aduaneira. Além disso, viu-se que a definição foi delineada a partir do direito privado e utilizada, expressamente, pela Constituição para o fim de definir e limitar a competência tributária da União.

Diante disso, quando do advento do advento da Emenda à Constituição nº 33/2001, que inseriu o valor aduaneiro no texto constitucional, já estavam implementadas no Brasil, por meio do processo de internalização, as regras do GATT 1994. Ou seja, a extensão semântica desse conceito já vinha amplamente definida pela legislação interna, nos termos do referido tratado.

Portanto, não ventilado pela emenda qualquer alteração em sua definição, a referência constitucional à expressão “valor aduaneiro” foi inserida com base em seu sentido pressuposto. Isto é, a Constituição Federal incorporou o conceito de valor aduaneiro de acordo com o já praticado no discurso jurídico-positivo preexistente à edição da EC nº 33/2001, a saber, o veiculado pelas normas internas que implementaram o Acordo de Valoração Aduaneira (SANTI; PEIXOTO, 2005, p. 43-44). Com efeito, conforme destacado, seria um dever constitucional do legislador se atentar ao conceito preexistente de valor aduaneiro, da forma como concebido pelo direito interno, bem como, em especial, por tratado internacional incorporado pelo Brasil.

Nesse passo, a Lei nº 10.865/2004, ao definir a base de cálculo das contribuições PIS/PASEP-Importação e COFINS-Importação, utilizou a nomenclatura “valor aduaneiro”. Entretanto, em seu texto anterior à alteração pela Lei n 12.865/2013, para a aplicação aos tributos em tela considerou o valor da transação somado aos montantes devido de ICMS na importação e das próprias contribuições, diversamente do conceito constitucional. Ou seja, construiu uma nova extensão ao conceito por meio de lei ordinária, extrapolando os limites outorgados pela Constituição. 

Não obstante, a expressão “valor aduaneiro”, contida no artigo 149, § 2º, inciso III, alínea “a”, da Constituição Federal, utilizada para limitar a competência tributária da União, advém de um conceito consolidado de direito privado, cujo conteúdo foi dado pela incorporação de acordo internacional que regula o comércio internacional.

Em razão disso, a base de cálculo na importação de bens, nos termos do definido no artigo 7º, inciso I, da Lei nº 10.865/2004, antes de sua alteração pela Lei nº 12.865/2013, esbarrou-se no disposto no artigo 110 do Código Tributário Nacional. Tal dispositivo veda a modificação de conceito do direito privado, previsto na Constituição, que define ou limita a competência tributária dos entes políticos.

Tal controvérsia, outrossim, ocorreu com a base de cálculo aplicada às contribuições homônimas, PIS e COFINS, pela Lei 9.718/1998, na qual o legislador ordinário ampliou o conceito de receita, previsto no artigo 195, inciso I, alínea “b”, da Constituição Federal. Diante disso, citando a norma extraída do artigo 110, supracitada, o Supremo Tribunal Federal, em julgamento do RE nº 390.840/MG, declarou inconstitucional tal ampliação do conceito constitucional, conforme parte da ementa que segue:

“CONTRIBUIÇÃO SOCIAL – PIS – RECEITA BRUTA – NOÇÃO – INCONSTITUCIONALIDADE DO § 1º DO ARTIGO 3º DA LEI Nº 9.718/98. A jurisprudência do Supremo, ante a redação do artigo 195 da Carta Federal anterior à Emenda Constitucional nº 20/98, consolidou-se no sentido de tomar as expressões receita bruta e faturamento como sinônimas, jungindo-as à venda de mercadorias, de serviços ou de mercadorias e serviços. É inconstitucional o § 1º do artigo 3º da Lei nº 9.718/98, no que ampliou o conceito de receita bruta para envolver a totalidade das receitas auferidas por pessoas jurídicas, independentemente da atividade por elas desenvolvida e da classificação contábil adotada.”[4]

Ademais, destaca-se como precedente o julgamento do RE nº 116.121/SP, cuja decisão reconheceu a inconstitucionalidade do item 79 da lista de serviços do ISS, anexa ao Decreto-lei nº 406, na redação dada pela Lei Complementar nº 56/1987, no qual previa a locação de bens móveis, de forma a destoar da definição de serviço regida pelo Código Civil e utilizada pela Constituição Federal. No citado julgamento, a Suprema Corte exarou o seguinte entendimento: “os institutos, as expressões e os vocábulos têm sentido próprio, descabendo confundir a locação de serviços com a de móveis, práticas diversas regidas pelo Código Civil, cujas definições são de observância inafastável – artigo 110 do Código Tributário Nacional.”[5]

Posto isso, delimitando a competência tributária da União para a instituição das contribuições sociais sobre a importação de produtos, a Constituição se utilizou de conceito preestabelecido pelo direito privado (valor aduaneiro), cujo conteúdo, amplamente acolhido pela legislação infraconstitucional, foi implementado através de tratado internacional. Assim, ao determinar que, para os efeitos da lei, o valor aduaneiro incluiria os valores devidos a título de ICMS e das próprias contribuições, chocou-se com o artigo 110 do Código Tributário Nacional, haja vista a deturpação do conceito constitucional.

Portanto, o artigo 7º, inciso I, da Lei nº 10.865/2004, até o advento de sua nova redação, além de inconstitucional, como se verá adiante, padeceu de ilegalidade.

5. DA INCONSTITUCIONALIDADE DA BASE DE CÁLCULO NA IMPORTAÇÃO DE BENS

5.1. ALTERAÇÃO DE CONCEITO CONSTITUCIONAL

Em vista do acima prelecionado, a instituição das contribuições sociais sobre a importação, advinda por meio da Lei nº 10.865/2004, teve por fundamento de validade o artigo 149, § 2º, inciso II, da Constituição Federal. Viu-se, outrossim, que diante do inciso III, alínea “a”, deste dispositivo, definido a respectiva base de cálculo a ser aplicada, a saber, o valor aduaneiro, nos casos de alíquotas ad valorem.

Nesse passo, além de prever a materialidade da hipótese tributária, observa-se que a Constituição reduziu o campo de discricionariedade do legislador na eleição da base de cálculo dessas contribuições. Ou seja, a própria Lex Major outorgou os aspectos da regra-matriz de incidência ao determinar o critério material, a base imponível, bem como o sujeito passivo das exações em questão, nos termos de seu artigo 195, inciso IV.

Assim, a grandeza econômica a ser tributada é o valor aduaneiro, cujo conceito, trazido pelo Acordo de Valorização Aduaneira do GATT 1994 e consolidado por diversas normas internas, foi absorvido pela Constituição Federal, conforme já amplamente considerado no presente artigo.

Aliás, induz repisar que, não havendo definição do conteúdo semântico da expressão “valor aduaneiro” pelo texto constitucional, introduzida pela EC nº 33/2001, a Carta Maior empregou o seu conceito pressuposto, isto é, o já utilizado pelo discurso jurídico-positivo preexistente à edição daquela emenda a fim de delimitar a competência tributária da União. 

Dito isso, apesar do comando constitucional supracitado, a Lei que instituiu as contribuições sociais incidentes sobre a importação modificou o conceito de valor aduaneiro, ao passo que constava em sua redação original a citação “para os efeitos desta Lei”, de modo a abarcar valores não considerados pela imposição constitucional, quais sejam, o montante devido a título de ICMS-Importação e das próprias contribuições.

Ademais, os valores acima mencionados não guardam relação com qualquer atividade econômica realizada pelo contribuinte, mas, sim, são decorrentes da incidência de tributos sobre a mesma realidade tributada, caracterizada pela importação. Assim, o importador, além de se submeter a diversos tributos incidentes na importação de bens, será tributado sobre o montante dos mesmos. Assim, tal fenômeno repercute em violação ao princípio da capacidade contributiva[6].

Com efeito, a capacidade contributiva é um dos parâmetros a fim de aferir a constitucionalidade de uma norma, sendo que tal diretriz dita o critério que deverá ser seguido pelo legislador na edição da imposição tributária (PIMENTA, 2002, p. 68-70). Ou seja, na construção dos aspectos de incidência do tributo, deve-se eleger pressupostos que revelem a aptidão para contribuir, isto é, fatos que denotam riqueza do contribuinte. Portanto, quando se incluiu na base imponível valores relativos a tributos, este fato resulta em violação ao princípio em comento e, consequentemente, na inconstitucionalidade da norma.

Resta claro, destarte, que o disposto no inciso I do artigo 7º, até o advento da Lei nº 12.865/2013, burlou a norma constitucional na medida em que dizia “o valor aduaneiro, assim entendido, para os efeitos desta Lei, o valor que servir ou que serviria de base para o cálculo do imposto de importação, acrescido (…)”, sendo que, por meio de um “jogo” de palavras, objetivou acrescer ao conceito “valor aduaneiro” custos estranhos a este.

O uso de tal método evidenciou um artifício para ampliar a base de cálculo das contribuições, aumentando a arrecadação da União e afetando o comércio exterior do país. Além do mais, caso o legislador estivesse livre para criar o conceito livremente, tornar-se-ia letra morta a norma constitucional.

Em razão do exposto, restou patente a inconstitucionalidade da base de cálculo outorgadas às contribuições PIS/COFINS-Importação sobre a importação de produtos (artigo 7º, inciso I, da Lei nº 10.865/2004, antes da alteração pela Lei nº 12.865/2013), tendo em vista que esta deve abranger apenas o valor aduaneiro, expressão constitucional, conforme estabelecido pelo artigo 149, § 2ª, inciso III, alínea “a”, da Constituição Federal.

Posto isso, a Lei nº 10.865/2004 instituiu uma base de cálculo que extrapolou os limites impostos pela Constituição, bem como feriu normas dispostas no Código Tributário Nacional e no Tratado Internacional do GATT. Criou-se, como visto, um conceito de valor aduaneiro específico paras as contribuições sociais sobre a importação de bens, diverso daquele fixado pelo Acordo de Valoração Aduaneira (AVA-GATT). Ou seja, havia um valor aduaneiro para o Imposto de Importação e outro para as contribuições em voga.

5.2. BREVE ANÁLISE DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 559.937/RS

Por derradeiro, a questão ora em debate chegou à análise do Supremo Tribunal Federal através do Recurso Extraordinário nº 559.937/RS. Em julgamento, concluiu-se que a lei criadora do PIS/COFINS-Importação não teria alterado o conceito de valor aduaneiro, mas desconsiderado as disposições constitucionais de que as contribuições sobre a importação, no caso de alíquota ad valorem, fossem calculadas somente com base no valor aduaneiro. Isto é, segundo a Suprema Corte, a lei questionada teria efetivamente determinado que os tributos em tela fossem calculados sobre o valor aduaneiro somado ao valor do ICMS-Importação e dos valores das próprias contribuições. Em vista disso, houve expressa extrapolação de norma que condiciona o exercício da competência tributária prevista na Constituição Federal. 

Ao final, em questão de ordem suscitada pela Fazenda Nacional, alegando-se que prejuízo de 34 bilhões de reais poderá atingir os cofres da seguridade social, houve requerimento para a modulação dos efeitos da decisão. Assim, requisitou-se que fosse estabelecida como marco dos efeitos da decisão a data do julgamento, gerando direito à restituição do indébito apenas às ações propostas até aquele momento, analogamente ao decidido no RE nº 560.62/RS[7]. No entanto, restou asseverado pela Corte que o tema seria analisado em eventuais embargos de declaração.

Em suma, reiterou-se a postura da Suprema Corte no sentido de preservar o conceito já empregado no Direito positivo preexistente à outorga constitucional, conforme o precedente RE nº 166.722/RS, fazendo-se oportuno colacionar abaixo um fragmento de sua ementa:

“INTERPRETAÇÃO – CARGA CONSTRUTIVA – EXTENSAO. Se é certo que toda interpretação traz em si carga construtiva, não menos correta exsurge a vinculação à ordem jurídico-constitucional. O fenômeno ocorre a partir das normas em vigor, variando de acordo com a formação profissional e humanística do intérprete. No exercício gratificante da arte de interpretar, descabe "inserir na regra de direito o próprio juízo – por mais sensato que seja – sobre a finalidade que "conviria" fosse por ela perseguida" – Celso Antonio Bandeira de Mello – em parecer inédito. Sendo o Direito uma ciência, o meio justifica o fim, mas não este àquele. CONSTITUIÇÃO – ALCANCE POLÍTICO – SENTIDO DOS VOCÁBULOS – INTERPRETAÇÃO. O conteúdo político de uma Constituição não é conducente ao desprezo do sentido vernacular das palavras, muito menos ao do técnico, considerados institutos consagrados pelo Direito. Toda ciência pressupõe a adoção de escorreita linguagem, possuindo os institutos, as expressões e os vocábulos que a revelam conceito estabelecido com a passagem do tempo, quer por força de estudos acadêmicos quer, no caso do Direito, pela atuação dos Pretórios.”[8]

No citado julgamento, reconheceu-se a inconstitucionalidade do artigo 3º, inciso I, da Lei nº 7.787/1989, o qual teria alterado o conceito da expressão “folha de salários”, contido na Constituição (artigo 195, inciso I, alínea “a”) a fim de fazer incidir a respectiva contribuição social sobre valores pagos a trabalhadores autônomos e administradores.

Ante o exposto, declarou-se a inconstitucionalidade parcial do texto do artigo 7º, inciso I, da Lei nº 10.865/2004, que dizia “acrescido do valor do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS incidente no desembaraço aduaneiro e do valor das próprias contribuições”, tendo em vista a violação do artigo 149, parágrafo 2º, inciso III, letra “a”, da Constituição Federal.  

Diante do prelecionado, bem como tendo em vista a declaração de inconstitucionalidade da base de cálculo das contribuições sociais sobre a importação de bens em sede de controle difuso no RE nº 559.937/RS, os contribuintes precisarão se recorrer ao Poder Judiciário a fim de fazer valer o novel entendimento da Suprema Corte. Para isso, é imprescindível que a decisão do julgamento em foco tenha eficácia retroativa (ex tunc), ou aguardar eventual modulação de seus efeitos, para que se faça valer o direito à restituição dos valores pagos a maior, respeitado o lapso quinquenal da prescrição do direito do contribuinte.

Em desfecho, vale ressaltar que, com o advento do artigo 26 da Lei nº 12.865/2013, o artigo 7º, inciso I, da lei instituidora das contribuições PIS/COFINS-Importação, passou a considerar apenas o valor aduaneiro da operação de importação de bens para fins de apuração da base de cálculo. Tem-se que tal alteração é resultado do reconhecimento da inconstitucionalidade pelo Poder Legislativo em consonância com o julgamento supracitado.

CONCLUSÃO

Com o fim de cobrir o rombo da má gerência das receitas públicas, restou claro que a ânsia da União Federal em criar tributos resultou na instituição de exações com vício na estruturação da base de cálculo, fato que dilatou sobremaneira a carga tributária na importação de bens estrangeiros.

Ademais, apesar do alegado propósito sob o qual foram instituídas as contribuições PIS/COFINS-Importação, a de equalizar a custo tributário entre os produtos nacionais e importados, evidenciou-se, em verdade, um instrumento desproporcional, na medida em que extrapolou preceitos constitucionais, bem como previsão contida em tratado internacional incorporado pelo Brasil.

Com efeito, na forma como previa a redação original do artigo 7º, inciso I, da Lei nº 10.865/2004, a estruturação da base de cálculo referente à hipótese “importação de bens” apresentou-se inválida, seja violando o conceito constitucional de valor aduaneiro ou desconsiderando a previsão constitucional ao ponto que abarcou na base de cálculo outros valores além do valor aduaneiro.

Ora, essa última interpretação foi a que levou o Supremo Tribunal Federal a concluir pela invalidade da norma em foco. Não aceitando, portanto, o argumento de que o inciso I do artigo 7º, em sua totalidade, teria dado outro conceito à expressão “valor aduaneiro".

Em vista disso, qualquer que seja a interpretação adotada, ambas redundam na inconstitucionalidade e, consequentemente, na invalidade da estruturação da base de cálculo ao passo que restou violada a regra-matriz constitucional.

 

Referências
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PIMENTA, Paulo Roberto Lyrio. Efeitos da decisão de inconstitucionalidade em direito tributário. São Paulo: Editora Dialética, 2002.
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Notas:
[1] Introdução Geral do Acordo sobre a Implementação do Artigo VII do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio 1994, http://www.mdic.gov.br/arquivo/secex/omc/acordos/portugues/18valoracaoaduaneira.pdf, acessado em 23 abril de 2014.

[2] Artigo 8, parágrafos 2, 3 e 4, do Acordo sobre a Implementação do Artigo VII do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio 1994, http://www.mdic.gov.br/arquivo/secex/omc/acordos/portugues/18valoracaoaduaneira.pdf, acessado em 23 abril de 2014.

[3] O artigo 75 do Regulamento Aduaneiro (Decreto nº 6.759/2009) dispõe o seguinte: Art. 75.  A base de cálculo do imposto é (Decreto-Lei nº 37, de 1966, art. 2º, com a redação dada pelo Decreto-Lei nº 2.472, de 1988, art. 1º, e Acordo sobre a Implementação do Artigo VII do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio – GATT 1994 – Acordo de Valoração Aduaneira, Artigo 1, aprovado pelo Decreto Legislativo no 30, de 15 de dezembro de 1994, e promulgado pelo Decreto no 1.355, de 30 de dezembro de 1994): I – quando a alíquota for ad valorem, o valor aduaneiro apurado segundo as normas do Artigo VII do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio – GATT 1994; e II – quando a alíquota for específica, a quantidade de mercadoria expressa na unidade de medida estabelecida. 

[4] STF, RE 390.840/MG, Relator Ministro Marco Aurélio, Tribunal Pleno, julgado em 09/11/2005, DJ 15/08/2006, p. 25.

[5] STF, RE 116.121/SP, Relator Ministro Octávio Gallotti, Tribunal Pleno, julgado em 11/10/2000, DJ 25/05/2001, p. 17.

[6] Em referência à base de cálculo instituída pela Lei 10.865/2004: “Diante dessa norma, pode-se afirmar que, agora, até pagar tributo é fato gerador de obrigação tributária principal, o que é teratológico. Sim, pois se o pagamento de tributo puder ser considerado realidade tributável por revelar capacidade contributiva, criar-se-á uma cadeia infindável de fatos tributáveis, o que levará certamente ao esmagamento do poder econômico do contribuinte, que sempre pagará tributo, porque já pagou outro tributo.” (MACHADO SEGUNDO; MACHADO, 2004, p. 89).

[7] Neste julgamento, o Supremo Tribunal Federal modulou os efeitos da seguinte forma: “MODULAÇÃO DOS EFEITOS DA DECISÃO. SEGURANÇA JURÍDICA. São legítimos os recolhimentos efetuados nos prazos previstos nos arts. 45 e 46 da Lei 8.212/91 e não impugnados antes da data de conclusão deste julgamento.” STF, RE 560.626/RS, Relator Ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 12/06/2008, DJe 05/12/2008, p. 323.

[8] STF, RE 166.772/RS, Relator Ministro Marco Aurélio, Tribunal Pleno, julgado em 12/05/1994, DJ 16/12/1994, p. 34896. 


Informações Sobre o Autor

Daniel Oliveira Fonseca

Advogado. Especializando em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas


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