Imposto progressivo sobre a renda: Uma análise à luz das teorias utilitarista e libertária acerca da concepção de justiça

Resumo: A desigualdade social existente no Brasil e em outros países do mundo é uma realidade suportada há anos pelos respectivos governos que tentam através do recolhimento de impostos dos cidadãos, diminuir a desigualdade social existente. Tal desigualdade ocorre, pois, enquanto uma pequena parcela da sociedade acumula muito dinheiro e riqueza, a grande maioria dos demais cidadãos da mesma sociedade, são menos afortunados. Para reequilibrar essa realidade o Brasil, assim como outros Países, instituíram o imposto progressivo sobre a renda, o que significa dizer que, aquele que tem mais dinheiro, pagará mais imposto que aquele que tem pouco dinheiro. A lógica do imposto progressivo tem por finalidade, propiciar ao Estado recurso financeiro para que essa renda seja redistribuída para toda a sociedade, por exemplo, na forma de escolas, hospitais, bem estar e lazer, entre outros. O objetivo deste artigo é comparar as teorias utilitária e libertária referentes às respectivas visões acerca do imposto progressivo sobre a renda, para ao final concluir se é legitima e justa a taxação do rico para ajudar aos pobres, ou se, do contrário, trata-se de alguma violação de direito do sujeito rico, notadamente quanto à sua liberdade para a utilização do seu patrimônio.[1]

Palavras-chave: Imposto de Renda. Progressividade. Justiça. Teorias Utilitarista e Libertária.

Abstract: The existing social inequality in Brazil and in other countries all over the world is a reality for years supported by their governments that attempt by citizens of tax collection, reduce social inequality. This imbalance occurs because, while a small portion of society accumulates a lot of money and wealth, the vast majority of other citizens of the same society, are less fortunate. To rectify this situation the Brazil and many other countries, they have instituted a progressive income tax, which is to say that one who has more money, pay more tax than the one who has little money. The logic of the progressive tax is intended, to provide State financial resources so that income is redistributed to the whole society, for example in the form of schools, hospitals, wellness and leisure, among others. The purpose of this article is to compare the Utility and libertarian theories concerning their views on the progressive income tax, to the end conclude whether it is legitimate and fair to tax the rich to help the poor, or, otherwise, it is in some violation of law rich subject, notably as to their freedom to the use of its assets.

Keywords: Income Tax. Progressivity. Fair. Utilitarian and Libertarian Theory

Sumario: Introdução. – 1. O imposto de renda das pessoas físicas. – 1.1. Aspecto histórico. – 2. Qual a incidência do tributo e quem deve pagar. – 2.1. O pagamento progressivo do importo sobre a renda. – 3. A teoria utilitarista x libertária. – 3.1. Teoria utilitarista. – 3.2. Teoria libertária. – 4. Conclusão. – 5. Referências bibliográficas.

INTRODUÇÃO

Este artigo intitulado Imposto progressivo sobre a renda: taxação dos ricos para ajudar aos pobres visa apresentar uma analise à luz das teorias utilitarista e libertária, acerca da concepção de justiça, confronta a visão das teorias utilitarista e libertária, sobre dos respectivos entendimentos acerca do imposto progressivo sobre a renda, bem como se o fato de taxar o rico para ajudar ao pobre, trata-se de uma forma justa de se redistribuir a renda nacional, ou se, do contrário, refere-se a uma afronta aos direitos de liberdade do indivíduo rico.

Os Utilitaristas defendem uma redistribuição da renda de forma que a decisão a ser tomada deverá, necessariamente, privilegiar a maior parte da sociedade. Trata-se da busca pelo bem comum, os interesses de poucos não deveriam se sobrepor aos interesses de toda a sociedade, o foco é a maximização da felicidade. Os Libertários, por outro lado, defendem o respeito do direito de escolha do indivíduo, quaisquer que sejam eles, pregando a existência de um mercado sem restrições, desde que não estejam violando os direitos de ninguém. “Regular esse mercado é injusto, dizem eles, porque viola a liberdade individual de escolha.” (SANDEO, 2015. p. 138).

Abordou-se o senário Brasileiro, para analisar se o imposto progressivo sobre a renda, trata-se de uma forma justa de redistribuição da renda nacional, na medida em que a finalidade do Estado é (ou deveria ser) reverter à toda sociedade, melhores hospitais, moradias, estradas, atividades sociais, ou se, do contrário, há algo de injusto ou restritivo de direito, ao obrigar o rico a pagar mais impostos, com base na tabela progressiva sobre a renda.

1. O IMPOSTO DE RENDA DAS PESSOAS FÍSICAS

O imposto de renda, resumidamente, trata-se de um imposto exigido pela União sobre os ganhos das pessoas, como salários, aluguéis, prêmios de loteria etc. O valor é pago de acordo com a renda, o que significa dizer que, quem tem renda menor paga menos, e quem ganha mais paga mais imposto.

Antes de continuarmos falando sobre o imposto de renda e seu conceito, mister se faz trazer antes uma análise histórica, abordando algumas características legais relevantes.

1.1. ASPECTO HISTÓRICO

A tributação sobre alguma forma de renda já é identificada desde os primórdios da civilização. Há registros já no ano de 10, na China antiga, o imperador Wang Mang da Dinastia Xin, instituiu uma modalidade do tributo com um alíquota de 10% (dez por cento) dos lucros dos profissionais e trabalhadores especializados. Àquela época, todas as taxas eram calculadas por cabeça ou sobre a propriedade.

O rei inglês Eduardo IV, em 1472, instituiu o tributo sobre a renda à alíquota de 10%, a fim de financiar a guerra contra a França. Entretanto, tal tributo causou tamanha indignação e revolta na população (contribuintes), sendo, consequentemente, abolido.

Já no século XV, com a migração da produção da riqueza dos campos (terra) para a indústria e comércio, foi importante para a transformação da economia e um dos pilares para instituição do imposto de renda moderno.

A guerra, por sua vez, sempre motivou a implementação do Imposto sobre a renda, como se vê, na Franca do século XVIII, período napoleônico, em razão da necessidade do Estado Frances financiar seu esforço de guerra, foi instituída uma base moderna de tributação, que fixava como pilar, a incidência sobre o bem que gerava a renda, desconsiderando a pessoa do contribuinte, deixando de analisar quaisquer característica pessoal, além disso, possuía uma base de cálculo estimada.

Caminhando para o século XX encontra-se a instituição do imposto de renda cuja lógica da tributação fora fixado no pagamento corrente ou PAYE (Pay-As-You-Earn), na qual o tributo é devido na media que a renda é auferida, originário dos modelos tributários, germânico, britânico e americano.

No Brasil, a primeira tentativa de instituir o imposto sobre a renda, ocorreu no século XIX que, embora a constituição de 1891 não fixasse de forma expressa a tributação da renda, a instituição do referido tributo era permitida em razão da competência concorrente e cumulativa da União e Estados. Porém, apenas em 31 de dezembro de 1923, através da Lei nº 4783, o imposto federal sobre a renda foi formalmente instituído no ordenamento jurídico Brasileiro, passando a ser exigido a partir do ano de 1924.

A Constituição de 1934, por sua vez, atribuiu à União a competência para instituir imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza, exceto, a renda cedular de imóveis, mantendo-se inclusive tal previsão na Constituição de 1988.

A legislação brasileira no que se refere ao imposto de renda, atualmente, é disciplinada pelo Código Tributário Nacional, em seus artigos 43 à 45 e pelas leis 7.713/88, 8.981/95, 9.250/95, 9.249/95 e 9.430/96 e, ainda, está regulamentado pelo Decreto nº 3.000, de 26 de março de 1999, denominado Regulamento do Imposto de Renda (RIR).

2. QUAL A INCIDÊNCIA DO TRIBUTO E QUEM DEVE PAGAR

O IRPF (imposto de renda pessoa física) é um tributo aderido no Brasil e em diversos países, especialmente pela sua capacidade de possibilitar o financiamento do Estado extraindo de cada indivíduo, na medida da sua capacidade contributiva, uma fração do seu numerário adquirido ao longo de um determinado período, para que o Estado tenha condições de atingir aos seus fins, no que se refere à administração pública, bem como das atividades sociais.

No Brasil, o IRPF é pautado no princípio da estrita legalidade, o que significa dizer que para a sua existência, aumento ou diminuição do montante a ser arrecadado pelo contribuinte, somente poderá ocorrer se estiver expressamente previsto em lei. A definição do IRPF está no artigo 43 do Código Tributário Nacional, prevendo que trata-se de um imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza e tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica. Leia-se:

“Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza, tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:

I – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;

II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior”.

Sobre renda, referido artigo trata de defini-la como o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos. Por sua vez, os proventos de qualquer natureza, são os acréscimos patrimoniais, não compreendidos na definição de renda.

Auferir renda é a situação definida pela lei como suficiente para o surgimento da obrigação do indivíduo pagar o IR (imposto de renda). Dessa feita o aspecto material do IR é o acréscimo patrimonial, assim compreendido com o aumento da riqueza com contribuinte, como ensina Gonçalves (2006, p.179)

“Renda haverá, portanto, quando houver sido detectado um acréscimo, um plus; tenha ele sido ou não consumido; seja ele, ou não, representado por instrumentos monetários, direitos, ou por bens, imateriais ou físicos, móveis ou imóveis, agora não importa (…)

Para que haja renda, deve haver um acréscimo patrimonial – aqui entendido como incremento (material ou imaterial, representado por qualquer espécie de direito ou bens, de qualquer natureza – o que importa é o valor em moeda do objeto desses direitos) – ao conjunto líquido de direitos de um dado sujeito.”

Ou inda, segundo Martins (2004. p.258):

“A disponibilidade econômica ocorre com a renda ou o provento efetivamente recebido. É o dinheiro que entra em caixa. Representa regime de caixa. É obtenção de direito de crédito. […] A aquisição é algo que se acrescenta, é o que aumenta o patrimônio anterior”.

Desse modo, não basta o simples recebimento do fruto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos, para a incidência do tributo é imprescindível que tal recebimento configure um real acréscimo patrimonial.

A análise do acréscimo patrimonial leva em conta o aspecto temporal do tributo, o qual avalia tal variação patrimonial considerando determinado período de tempo que, atualmente, no Brasil, é anual e a legislação determina que o fato gerador do tributo se dá, via de regra, no dia 31 de dezembro de cada ano, abrangendo todo o ano-calendário anterior.

Vale ressaltar que alguns fatos geradores do imposto de renda consideram ocorridos no momento da disponibilização econômica ou jurídica do rendimento e incidem exclusivamente naquele acréscimo havido, como por exemplo, o ganho de capital e os rendimentos oriundos de aplicações financeiras. Entretanto, trata-se de um exceção à regra na qual o fato gerador do tributo se dá no dia 31 de dezembro de cada ano.

O ajuste anual deverá ser realizado pelo contribuinte no mês de abril do ano posterior ao ano-base, ocasião na qual o contribuinte entrega à Receita Federal do Brasil sua declaração de imposto de renda, que constitui em um declaração de rendimentos, demonstrando o total das rendas e proventos auferidos durante o ano –base, bem como deduzindo as despesas, desde que previstas em lei.

Analisado o conteúdo da declaração pela Receita Federal do Brasil, haverá duas situações possíveis ao contribuinte: (i) pagar por ocasião da declaração de rendimentos à União Federal, sujeito ativo do imposto de renda ou (ii) restituído de tributos pagos a mais, os quais são recolhidos na fonte, durante todo decorrer do ano-base.

A vista do que foi mencionado acima, o contribuinte, todos os anos, possui um compromisso com a União Federal, compromisso esse que o obriga a dividir com o Estado, respeitado o princípio da sua capacidade contributiva, os ganhos financeiros auferidos durante todo um ano de trabalho. Significa dizer que, quanto mais o individuo trabalha, mais o indivíduo divide com Estado o fruto do seu esforço e do seu sucesso profissional, ressalvando-se o entendimento da doutrina e da jurisprudência no sentido de assegurar que o imposto sobre a renda deverá preservar a dignidade da pessoa humana e ao mínimo existencial.

2.2. O PAGAMENTO PROGRESSIVO DO IMPORTO SOBRE A RENDA

Quanto ao dever do Estado de respeitar o mínimo existencial, a tabela progressiva do imposto de renda, apresenta uma faixa de renda mínima do indivíduo à qual o isenta da incidência do mencionado imposto, mas por outro lado, submete determinados indivíduos à contribuições de proporções significativas.

A existência de uma tabela progressiva, assegura dizer que a taxa será mais alta para os ricos e mais baixa para os humildes.

Desse modo podemos definir que, “um imposto é progressivo quando sua taxa é mais alta para os mais ricos (aqueles que possuem mais renda, um capital ou um consumo mais elevado terão um imposto progressivo para a renda ou o consumo) e mais baixa para os humildes”. (PIKETTY 2014. p.483).

O sistema da progressividade da cobrança do imposto, para muitos, parece ser a forma mais justa e coerente de se distribuir os impostos, considerando as diferentes classes sociais existentes e cada sociedade.

Na análise de Piketty (2014, p.485) “a renda global mede a capacidade produtiva de cada um, e a progressividade oferece um limite às desigualdades produzidas pelo capitalismo industrial, mas respeitando a propriedade privada e as forças da concorrência”.

A lógica do imposto de renda progressivo é bem interessante do ponto de vista social, já que tem o condão de munir o Estado de recursos financeiros para que esses mesmos recursos se revertam à gestão pública para a efetivação do seu próprio exercício (administração pública), revertendo ao cidadão, principalmente à população mais pobre, na condição de, por exemplo, melhores hospitais, moradias, estradas, atividades sociais, enfim, o objetivo é atingir um bem comum de forma ampla. Isso explica o motivo do imposto de renda está na competência da união, pois, tem âmbito nacional, o que, em tese, significa dizer que, somente dessa forma é possível falar na redistribuição da renda nacional, visando o bem estar social.

A defesa do atingimento do bem comum ou do bem estar geral é a tese defendida pelos utilitaristas, conforme bem ilustra o exemplo apresentado por Sandel (2015. P.77)

“Se você acha que a justiça é a maximização da felicidade, provavelmente apoiará a redistribuição da riqueza, pelos seguintes motivos: suponhamos que tiremos um milhão de dólares de Bill Gates para dividi-lo entre cem pessoas necessitadas, dando 10 mil dólares a cada uma. Isso resultaria em um amento da felicidade geral. Gates mal sentiria falta do dinheiro, enquanto cada um dos destinatários sentiria uma grande felicidade com os 10 mil dólares inesperados”.

Entretanto é interessante analisar se o fato de taxar diferentemente o cidadão que ganha mais, ou seja compelir o rico a ajudar o pobre, ainda que buscando a maximização da felicidade para a maior parte da população, configurar-se-ia uma violação de direitos do cidadão, vale dizer, uma violação à liberdade do rico de utilizar o seu dinheiro da forma como quiser

À esse propósito, defende Piketty (2014. p.482) que:

“É impossível arrecadar a metade da renda nacional e financiar direitos sociais ambiciosos sem demandar uma contribuição substancial do conjunto da população. Além disso, a lógica dos direitos universais que rege o desenvolvimento do Estado fiscal e social moderno combina muito bem com a ideia de uma arrecadação proporcional ou ligeiramente progressiva”.

 

A análise proposta será elaborada à luz das teorias utilitarista e libertária, conforme passa-se a expor.

3. A TEORIA UTILITARISTA X LIBERTÁRIA

Resumidamente, podemos definir a teoria utilitarista como a defesa daquelas condutas que promovem o bem estar geral, sendo que as pessoas ou a sociedade envolvida devem sempre receber algum benefício ou felicidade por meio da conduta realizada.

Por outro lado, suscintamente, à teoria libertária defende o respeito do direito de escolha do indivíduo, quaisquer que sejam eles, desde que não estejam violando os direitos de ninguém.

Feita essa brevíssima introdução, a seguir, será detalhada a visão da teoria utilitarista no que se refere à arrecadação progressiva para a consequente redistribuição da renda, bem como as perspectivas sobre a preservação dos direitos de liberdade do cidadão e, em seguida, acerca do mesmo tema, abordaremos a visão da teoria libertária.

3.1. TEORIA UTILITARISTA

A lógica utilitarista, cuja finalidade presta-se a defender o bem coletivo, sem se preocupar com os meios a serem executados para atingir a chamada utilidade coletiva, nada mais seria, do que a maximização da felicidade.

A lógica utilitarista, ao defender, por exemplo, que é justo taxar o rico para custear as despesas do pobre o faz defendendo que o rico deve ser taxado de tal forma que a extração da sua quantia financeira seja sentida na mesma proporção dada ao destinatário quando do seu recebimento.

Vejamos o exemplo apresentado por Sandeo (2015.p 78):

“Suponhamos que tiremos 1 milhão de dólares de Bill Gates para dividi-lo entre cem pessoas necessitadas, dando 10 mil dólares a cada uma. Isso resultaria em um aumento da felicidade geral. Gates mal sentiria falta do dinheiro, enquanto cada um dos destinatários sentiria uma grande felicidade com os 10 mil dólares inesperados. A utilidade coletiva para essas pessoas seria maior do que a redução da utilidade para Gates”.

A vista desses argumentos, uma distribuição radical da riqueza, conforme proposto pela lógica utilitarista, sem dúvidas desestimularia os empresários a ampliarem seus negócios e, consequentemente, auferirem mais lucros e gerarem mais empregos, pois, saberiam que quanto mais ganhassem financeiramente, mais seriam taxados e obrigados a dividirem o fruto da sua riqueza com o Estado.

Nesse sentido, um dos riscos possíveis de serem observados acerca da teoria utilitarista, refere-se ao fato de desestimular a geração da riqueza pelos mais afortunados que, por consequente, acaba prejudicando a sua própria teoria de maximização da felicidade, além de estimular grandes, médios e pequenos empresários a criarem mecanismos para burlarem a legislação, a fim de esquivarem-se dos altos impostos.

Por outro lado, observamos que o imposto progressivo sobre a renda é importante no século XXI no sentido de permitir aos menos beneficiados acessos à globalização comercial, sendo, portanto, fundamental para o Estado Social, na medida em que o Estado livre, em função do poder econômico de poucos sobre muitos, resulta na ausência ou limitação de oportunidades para as classes menos favorecidas da sociedade. Vê-se, assim, uma visão bastante utilitarista, cujo objetivo é garantir a maximização das oportunidades, leia-se:

“O imposto progressivo é uma instituição indispensável para fazer com que cada pessoa se beneficie da globalização, e sua ausência cada vez mais evidente pode levar a globalização econômica a perder apoio. […] Por essas diferentes razões, o imposto progressivo é um elemento essencial para o Estado social: ele desempenha um papel fundamental em seu desenvolvimento e na transformação da estrutura da desigualdade no século XX, constituindo uma instituição central para garantir sai viabilidade no século XXI”. (PIKETTY, 2015, p.484).

A teoria utilitarista, apresenta-se como uma forma de melhorar a comunidade como um todo, o foco não é no indivíduo, mas sim na possibilidade de priorizar a maximização da felicidade coletiva, como seu triunfo maior.

Acerca dessa premissa e sendo o Estado responsável pela promoção social e pela organização da economia, utilizando-se de um arcabouço lega de normas e legislações, visando o bem-estar social/geral, o Estado estaria legitimado a exigir do cidadão o pagamento de impostos, sem que isso caracterize qualquer invasão à sua liberdade individual ou qualquer ofensa à garantia dos seus direitos.

A questão está vinculada a capacidade contributiva de cada um para construir uma sociedade melhor e menos desigual. Desse modo, a soma desses dois fatores, quais sejam, capacidade contributiva e o bem-estar social/geral, torna, na visão utilitarista, plenamente legítima a progressividade da cobrança do imposto de renda, sem qualquer ofensa aos direitos e garantias fundamentais do indivíduo, ainda que uma pessoa mais abastarda, tenha que pagar imposto em uma quantia mais vultuosa.

O cidadão que vive em coletividade e se submete à legislação em vigor está, na visão utilitarista, apenas cumprindo com um dever cívico e legal de respeitar o ordenamento jurídico.

A teoria utilitarista presume, portanto, que, quanto maior o número de pessoas beneficiadas pela progressividade da divisão da renda, mais justa será aquela sociedade, ainda que uma pessoa mais abastarda, tenha que pagar imposto em uma quantia mais vultuosa.

3.2. TEORIA LIBERTÁRIA

Em contraposição ao defendido pela teoria utilitarista, vem à tona a teoria libertária, defendendo que é coercitivo a extração de dinheiro do indivíduo, sem a sua autorização, ainda que seja por uma boa causa. Segundo Sandeo (2015 p.78), a lógica libertária:

“Defendem os mercados livres e se opõem à regulamentação do governo, não em nome da eficiência econômica, e sim em nome da liberdade humana. Sua alegação principal é que cada um de nós tem o direito fundamental à liberdade – temos o direito de fazer o que quisermos com aquilo que nos pertence, desde que respeitemos os direitos dos outros de fazer o mesmo”.

Os Libertários defendem que não há nada de errado em uma pessoa afortunada ajudar quem mais necessite, doando quantias em dinheiro ou bens, porém, tal ajuda deve ser dada de forma espontânea e não arbitrária pelo Estado. Isso porque, quando o Estado impõe uma taxação invade a privacidade da pessoa, retirando-lhe arbitrariamente algo que é de sua propriedade, ferindo, portanto sua liberdade e dignidade.

“As pessoas não deveriam ser usadas como meros instrumentos para a obtenção do bem-estar alheio, porque isso viola o direito fundamental da propriedade de si mesmo. Minha vida, meu trabalho e minha pessoa pertencem a mim somete a mim. Não está à disposição da sociedade como um todo”. (SANDEO, 2015 p. 135).

Se um determinado indivíduo teve condições de auferir mais dinheiro do que outro, o fez por questões de trabalho, competência ou até mesmo sorte, (como nos caso de ganhadores da loteria ou determinados atletas, em que pese nesse último caso, trabalho e competência acompanharem a sorte), na visão dos libertários, forçar tal cidadão a pagar uma taxa maior de imposto é compeli-lo indevidamente, pois, ainda que seja do ponto de vista da moral, razoável que se espere um comportamento de ajuda do mais rico ao mais pobre, tal ajuda deve acontecer de forma livre e espontâneo, do contrário, havendo a interferência do Estado, tal prática é arbitrária.

A teoria libertária, foca no individual, na felicidade máxima do indivíduo em si, na sua capacidade de dominar-se a si próprio, sentindo-se livre para escolher como organizar sua vida, afastando, desse modo, a intervenção do Estado que, segundo narra Sandeo (2015 p.80) à esse aspecto:

“De acordo com o ponto de vista libertário, taxas para redistribuição são uma forma de coerção e até mesmo de roubo. O estado não tem mais direito de forçar o contribuinte abastardo a apoiar os programas sociais para o pobre do que um ladrão benevolente de roubar o dinheiro do rico para distribuí-lo ente os desfavorecidos”.

Na hipótese de estrem corretos os pontos levantados até aqui pelos Libertários é razoável reconhecer que apenas a existência de um Estado mínimo seria suficientemente capaz de garantir a dignidade do indivíduo e o respeito irrestrito á sua liberdade.

Estado mínimo é aquele cuja suas atribuições, “apenas faça cumprir contratos, proteja a propriedade privada contra roubos e mantenha a paz” (SANDEO, 2015. p. 79).

Estado mínimo para os libertários, resume-se em excluir do Estado a permissão de elaborar leis paternalistas, aquelas cujo o cidadão é protegido de si mesmo, como por exemplo, usar o cinto de segurança enquanto dirige, ora, o individuo consciente de si e responsável, que suporte as consequências advindas do seu ato. Igualmente, afasta-se as legislações sobre moral, já que em uma sociedade livre, na qual o cidadão consciente é dono de si, não deve ser submetido à uma legislação que proíbe casamento de pessoas do mesmo sexo, por exemplo, se for a vontade do indivíduo unir-se à pessoa do mesmo sexo ele deve ter o direito de fazê-lo. E finalmente, nenhuma distribuição de renda ou riqueza, pois, ninguém dever ser obrigado a ajudar ninguém. A ajuda, bem-vinda, deve ser praticada pelo cidadão de forma livre e espontânea.

Na visão dos libertários, utilizando-se dos exemplos apresentados acima, a mesma liberdade e autonomia que faz com que o cidadão trafegue em seu veículo sem o cinto de segurança, bem como que o permite livremente ser aceito pelo Estado unindo-se à pessoa do mesmo sexo, é a mesma liberdade que lhe fará ajudar o outro, seja com dinheiro, seja da forma como o terceiro necessitar de ajuda. Dito de outra forma, é a liberdade que deve impulsionar as vontades e tomadas de decisões do indivíduo dentro da sociedade e não a letra fria da legislação aplicada pelo Estado.

Segundo Milton Friedman (1961 apud SANDEO, 2015 p.80), economista americano, argumentou que:

“Muitas atividades estatais amplamente aceitas são infrações ilegítimas da liberdade individual. A previdência social, ou qualquer outro programa governamental obrigatório, é um dos seus principais exemplos: se um homem consciente decide viver o dia de hoje, usar seus recursos para usufruir o presente, escolhendo viver livremente uma velhice mais penosa, com que direito nós o impedimos disso”?

Por outro lado John Locke (1632-1704 apud SANDEO, 2015, p. 136), grande defensor dos direitos de propriedade e da limitação dos poderes do governo, não está de acordo com a noção de propriedade ilimitada de nós mesmos pois, “ ele repudia a ideia de que podemos dispor da nossa vida, da nossa liberdade como quisermos”.

Diferentemente da teoria utilitarista, que foca na maximização da felicidade do maior número de pessoas possível, a teoria libertária, busca a maximização da felicidade do indivíduo com a legitimação da sua liberdade individual, que lhe garante o direito de permanecer com o seu dinheiro, fruto do seu esforço ou herança. A maximização da felicidade para os libertários, portanto, é a garantia da interferência mínima do Estado, de modo que o indivíduo seja realmente livre para manifestar suas próprias e verdadeiras escolhas.

4. CONCLUSÃO

O imposto sobre a renda quando taxado progressivamente, como ocorre no Brasil, compeli quem tem um maior capital, pagar mais imposto em detrimento de quem tem um menor capital.

A lógica justifica-se numa tentativa de reequilibrar a renda, fazendo sua redistribuição da forma como o Estado entendeu ser a mais justa para as pessoas que vivem em sociedade. A redistribuição da renda, por vias do imposto progressivo sobre a renda, é uma necessidade do Estado, já que eventual igualdade na taxação, cumulada ao fato da riqueza estar nas mãos de uma pequena parcela da sociedade Brasileira, limitaria o acesso de determinados Brasileiros (os mais pobres) aos direitos e garantias fundamentais do Estado, preconizados pela constituição, ficando abandonados à própria sorte.

A teoria libertária, por sua vez, ao defender os interesses individuais em detrimento aos interesses coletivos, o faz considerando a necessidade de se respeitar a liberdade do cidadão. Entretanto, Kant (1785 apud Sandeo, 2015, p. 138), ainda que um grande defensor da teoria libertária, apresenta uma interessante ressalva acerca da real concepção de liberdade.

“Contudo, a concepção de liberdade que ele defende vai muito além da liberdade de escolha que praticamos quando compramos ou vendemos mercadorias no mercado. O que consideramos liberdade de mercado ou escolha do consumidor não é a verdadeira liberdade, Segundo Kant, porque envolve simplesmente a satisfação de desejos que não escolhemos”.

Ressalvados os princípios da capacidade contributiva e do mínimo existencial, conforme expressamente fixados no Brasil, não há que se considerar injusto a taxação progressiva sobre a renda. Isso porque, o indivíduo rico possui, basicamente, duas formas de gastar sua fortuna, uma delas é o pagamento de impostos e a outra é consumindo. Desse modo, afirmar que é injusto o fato do rico pagar mais imposto, ao argumento de que ele tem que ser livre para utilizar o seu dinheiro da forma como pretender, na verdade, está cada vez mais, aprisionando-o ao mercado de consumo, tornando-o prisioneiro de seus apetites e desejos individuais.

“Dessa forma se explicam as expressivas dimensões da proteção do consumidor que despontaram no Brasil com a Lei 8.078/90, diante do avanço da supracitada sociedade de consumi, caracterizados pela explosão da oferta de produtos e serviços disponibilizados no mercado, através de incontáveis meios de comunicação atuando na persuasão do consumidor, que se encontrava completa e absolutamente desprotegido, vulnerável entre os abusos dos fornecedores, estes detentores do poder econômico e, consequentemente, do controle da situação, expressado inclusive pelas dificuldades impostas para o consumidor ter acesso à justiça”. (GRINOVER et al., 1999, p.6).

Sabe-se que no mercado de consumo atual, as empresas não produzem mais sob demandas individuais e de forma a saciar os interesses de um ou poucos determinados indivíduos, mas sim, de forma a produzirem em série, cada vez em maior escala, para sanarem os interesses e necessidades das próprias empresas, que precisam cada dia atingir a maior coletividade possível de consumidores, visando vender mais e mais, para se sustentarem no mercado de consumo.

Logo, seja pagando mais impostos, seja consumindo, o individuo não está agindo realmente de forma livre, está agindo conforme uma obrigação legal (legislação do Imposto de renda), ou em razão de fortes campanhas publicitárias.

 Por outro lado, deixar a cargo do rico a forma e o momento que escolher para ajudar ao pobre, apresenta-se de forma extremamente subjetiva que, conforme explanação de Piketti (2015, p.489), não mostra-se eficaz e nem mesmo razoável.

“De maneira geral, é surpreendente constatar como os que se opunham à progressividade, nítida maioria entre as elites econômicas e financeiras na França da Belle Époque, utilizavam sempre, não sem uma dose de má-fé, o argumento de que a França é naturalmente igualitária e que não teria, assim, qualquer necessidade de imposto progressivo”.

Daí a necessidade da intervenção do Estado, legitimando a questão dos impostos, sobretudo da implementação da tabela progressiva do imposto sobre a renda.

O imposto sobre a renda, pode ser entendido como a contribuição do individuo à sociedade na qual viver e a progressividade do imposto, suportada pelo mais rico, possui papel central na redução da desigualdade social, sendo que, a partir da redução desta desigualdade, permite-se aos cidadãos, em coletividade, de forma soberana e democrática, beneficiarem-se de projetos comuns, tais como: moradia, educação, saúde, aposentadoria, emprego, desenvolvimento sustentável, preservação do meio ambiente, livre iniciativa, entre outros.

Fato é que sem os impostos o Brasil ou qualquer outro País não teriam condições de desenvolver a sociedade, bem como conferir dignidade aos seus cidadãos, conforme já explicitados alhures.

Portanto, se por um lado, não é possível afirmar que a adoção de determinada medida garantirá a maximização da felicidade pois, “as pessoas tem visões diferentes da finalidade empírica da felicidade e em que ela consiste” (KANT, 1785 apud SANDEO, 2015, p. 171), por outro lado, a teoria utilitarista aproxima os melhores argumentos quanto ao imposto progressivo sobre a renda, para a sua caracterização como uma forma justa de redistribuição da renda.

Isso porque, a busca pelo bem-estar social, devem estar acima dos interesses exclusivamente pessoais e individuais traçados pela teoria Libertária e, seguindo nessa linha, o imposto progressivo sobre a renda, em nada se confunde com restrição de direitos à liberdade do indivíduo, na medida em que o objetivo é harmonizar a liberdade de cada indivíduo (rico) com a liberdade de todos os demais indivíduos (pobres) da sociedade.

 

Referências
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GRINOVER, Ada Pelegrini et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. 8ª ed. Rio de Janeiro. Ed. Forense Universitária.1999.
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito tributário. 24ª ed. Rio de Janeiro. Ed. Forense. 2004.
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MARTINS, Sérgio Pinto. Manual do Imposto Sobre Serviços – 9ª ed. São Paulo. Ed. Saraiva. 2013.
PIKETTY, Thomas. O capital no século XXI. Rio de Janeiro. Ed. Intrínseca. 2015.
SANDEO, Michel J. Justiça o que é fazer a coisa certa. 17ª ed. Rio de Janeiro. Ed. Civilização Brasileira. 2015.
________ Código Tributário Nacional e Constituição Federal. 40ª ed. São Paulo. Ed. Saraiva.
 
Notas:
[1] Trabalho apresentado à matéria de Filosofia do Direito do curso de Mestrado em Direito Empresarial na Faculdade Milton Campos, como requisite parcial para aprovação.


Informações Sobre o Autor

Fábio Augusto Barcelos Moreira Correa

Graduado em Direito pela Faculdade Izabela Hendrix. Especialista em processo Civil e Direito civil pela Faculdade Nilton Paiva. Mestrando em Direito Empresarial na Faculdade de Direito Milton Campos. Advogado


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