O imbróglio das filantrópicas

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Nunca se viu
tamanha confusão em torno da certificação das entidades beneficentes de
assistência social, conhecidas como entidades filantrópicas, que se constitui
em um dos requisitos para a isenção da contribuição social, nos termos do art.
55, II da Lei nº 8.212/91. Na verdade, a desoneração tributária prevista no §
7º do art. 195 da CF configura hipótese de imunidade tributária, caso em que
apenas os requisitos do art. 14 do CTN são exigíveis.

Motivado pelo
emperramento do Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS – do Ministério
da Previdência Social, para julgar os milhares de recursos interpostos pelas
partes contra decisões monocráticas indeferindo a renovação do Certificado de
Entidade Beneficente de Assistência Social – CEBAS – o governo resolveu editar
a MP nº 446, de 7-11-2008.

Se considerarmos os
milhares de recursos pendentes de julgamento, enquanto o fisco continuava
autuando as entidades por ausência de renovação do CEBAS eu diria que a MP nº
446/08 preenche os requisitos do art. 62 da Constituição Federal (relevância e
urgência). Só que faltou a mão do jurista na elaboração da medida provisória.

Depois de
redistribuir a tarefa de expedição do CEBAS entre três diferentes Ministérios
para desafogar o CNAS, o legislador palaciano decretou a renovação automática
do CEBAS (arts. 37, 38 e 39) atropelando o princípio constitucional do devido
processo legal e afrontando o princípio da isonomia tributária,  à medida que não beneficiou as entidades que
ainda não tiverem seus pedidos indeferidos na instância originária. De quebra, prorrogaram-se
por doze meses os CEBAS, que se vencerem no prazo de um ano,  a contar da data de edição da medida
provisória (art. 41).

Logo, a citada medida
provisória foi acoimada de imoral pelos parlamentares por implicar uma espécie
de anistia, e o Presidente do Congresso Nacional, em um gesto político,
promoveu sua devolução ao Palácio da Alvorada de forma imotivada, figura essa
não contemplada no ordenamento jurídico.

Poderia o Executivo
decretar, por via de medida provisória, a anistia tributária das entidades com
pedidos de renovação pendentes de julgamento definitivo, mas que foram autuadas
exclusivamente por falta do CEBAS. Neste caso, não caberia falar em imoralidade
ou outro vício de natureza legislativa. Imoralidade reside exatamente no fato
de o fisco continuar lavrando auto de infração, enquanto o órgão público
competente se omite na expedição do certificado alegando acúmulo de serviços.
Como se sabe, na prática, o legislador ordinário vem se utilizando da anistia
com o sentido de remissão, isto é, perdão do crédito tributário. Na realidade,
a anistia extingue apenas a dívida penal tributária, não abrangendo o crédito
tributário decorrente de obrigação principal, como se depreende do art. 180 do
CTN. Trata-se de opção política legítima do governo. Cabendo a iniciativa da
lei ao Chefe do Executivo (art. 61, § 1º, II, b da CF) faculta-se ao Presidente da República, caracterizada a
urgência e relevância, editar medida provisória concedendo a anistia, já que
esta matéria não está incluída no elenco de vedação previsto no § 1º, do art.
62 da CF.

Contudo, a medida
provisória aventada foi elaborada de forma atécnica,  resultando em uma anistia camuflada e com
atropelo de princípios constitucionais como já vimos. Poderia ter concedido a
anistia de forma expressa e com clara exposição de motivos, e com isso evitar a
pecha de imoralidade apontada pelos parlamentares.

O Parlamento
Nacional, por sua vez, apresentou o Projeto de Lei nº 462, de 1-12-2008, ora em
discussão, para substituir a MP 446/08 considerada imoral. Só que esse projeto
valida a renovação automática dos CEBAS promovida pela MP 446/08 até o dia
31/12/2009, ou até a data do julgamento dos pedidos de renovação.

Houve, assim, a
redução da imoralidade, ou melhor, reduziu-se o prazo de tolerância da situação
imoral, mas ela continuou sendo prestigiada pela propositura legislativa.

Até um dia antes da
rejeição da MP 446/08 o CNAS vinha baixando Resoluções publicando nomes de
entidades que tiveram o CEBAS renovado automaticamente, dispondo que a
publicação substitui, para todos os efeitos, o CEBAS expedido em papel. Na
vigência da medida provisória sob comento foram publicadas as Resoluções ns.
3/2009, 7/2009, 8/2009 e 12/2009, esta última publicada no dia 9-2-2009, um dia
antes da rejeição da medida provisória. Ao todo beneficiaram 7.107 entidades
assistenciais.

Com a rejeição da MP
446/08,  a sorte dessas 7.107 entidades
repousa em mãos dos parlamentares a quem cabe a decisão de manter os efeitos
concretos gerados pela medida provisória no prazo de sua validade, ou invalidar
esses efeitos dentro daquela linha já antecipada, ou seja, da imoralidade da
medida palaciana. Para complicar as coisas,  nada menos que 45 ações civis públicas foram
ajuizadas pelo Ministério Público Federal contra a União e entidades
beneficiadas pelo art. 37 da MP nº 446/08. Durma-se com um barulho deste!

O PL nº 462/2008 a
ser votado em março vindouro sofreu substitutivo expurgando referência à renovação
automática do CEBAS, mesmo porque já foi rejeitada a MP nº 446/2008. A
propositura legislativa sob discussão legisla apenas para o futuro, agilizando
os processos de expedição do CEBAS que ficarão a cargo do Ministério da Saúde
(entidades da área da saúde), do Ministério da Educação (entidades
educacionais) e do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
(entidades de assistência social).

Toda essa insegurança
jurídica, fruto de contradições legislativas e de inobservância do princípio da
hierarquia vertical das leis poderia ser eliminada se o Supremo Tribunal
Federal decidisse definitivamente nos autos das Adins ns. 1802 e 2028 quanto à
natureza da lei referida no § 7º do art. 195 da CF: se lei ordinária, ou lei
complementar nos termos do art. 146, II da CF. Mas, ao que tudo indica a Corte
Suprema tem outras prioridades! Enquanto isso os processos administrativos e
judiciais vão crescendo em uma progressão geométrica por conta do imbróglio das
filantrópicas.


Informações Sobre o Autor

Kiyoshi Harada

Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.


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