Reflexões acerca do impacto do Estatuto do Idoso de 2003 no Direito Tributário

POR: HUGO RIOS BRETAS

RESUMO: O estudo desenvolvido neste artigo tem como fim precípuo ponderar acerca da eventual afetação legal perpetrada na seara tributária por parte do microssistema Estatuto do Idoso. Afetação essa, que não se perfaz adequadamente.

SUMÁRIO: RESUMO; 1. INTRODUÇÃO; 2. IDOSO E A IGUALDADE; 3. CONCLUSÃO; REFERÊNCIAS

 

1.INTRODUÇÃO

São fontes do Direito Tributário: a Constituição da República Federativa, as Leis complementares, Leis ordinárias, Leis delegadas, Medidas Provisórias, Resoluções, Decretos regulamentares, e as normas complementares, conforme o artigo 100 do Código Tributário Nacional (BRASIL, 2008).

O Direito Tributário, a partir da valoração do Estatuto do Idoso, deve estabelecer tratamentos mais benevolentes em favor do idoso? O certo é que a igualdade deve ser auferida sob a observância da capacidade contributiva ou manifestação de riqueza, diferentemente do critério da idade.

Todavia, pelas características sui generis atribuídas aos idosos, pela “mens legis” da Lei 10.741 de 1º de outubro de 2003, bem como pela característica ampliativa e protetiva do instituto, interpreta-se sobre a possibilidade de um tratamento diferenciado aos idosos, com amparo no princípio da igualdade.            Isto posto, pondera-se: deve haver a isenção de tributos por conta da idade? Para tanto é necessária a (re) interpretação ou ampliação do princípio da igualdade no Direito Tributário. Sobre esta matéria, Hugo de Brito Machado (2007) pondera a dificuldade de se interpretar o princípio da igualdade, segundo o qual:

As dificuldades no pertinente ao princípio da isonomia surgem quando se coloca a questão de saber se o legislador pode estabelecer hipóteses discriminatórias, e qual o critério se discrimine que pode ser validamente utilizado. (…) Seu papel fundamental consiste precisamente na disciplina das desigualdades naturais existentes entre as pessoas.(MACHADO, p.250, 2007)

 

E prossegue: “A este propósito existem formulações doutrinárias interessantes, entre as quais se destaca aquela segundo a qual o critério de discrime deve ter um nexo plausível com a finalidade da norma. ” (MACHADO, p.250, 2007)

 

  1. IGUALDADE E O IDOSO

 

O princípio da igualdade deve ser interpretado de modo sistemático. E, por este motivo, não é errôneo interpretar a legislação tributária, ou até mesmo o princípio da igualdade, em consonância com outras Leis.

A igualdade está prevista no artigo 150, inciso II, da Constituição da República Federativa do Brasil (BRASIL,2006), conforme o qual o legislador constituinte vedou a instituição de tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente.

Neste aspecto, ante a previsão da expressão genérica “situação equivalente”, é possível atingir algumas interpretações: uma das quais, é no sentido de valorar a igualdade à luz também de critérios etários, ante a dimensão da expressão “equivalente”. Desse modo, neste mesmo dispositivo, existe outra vedação expressa: a proibição para a realização de distinções em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida. Em outros termos, não houve um posicionamento explícito e literal sobre critérios de idade.

O ponto similar entre os idosos, genericamente concebidos, é biológico, não econômico. Todavia, parece-nos óbvio que se houver a presença de um idoso vulnerável economicamente, haverá a hipervulnerabilidade, que jamais pode ser ignorada, em virtude dos ideais da justiça social. Sob a égide existencial, o artigo 2º do Estatuto do Idoso preceitua:

O idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhe, por Lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade. (BRASIL, 2006)

 

Chama atenção a expressão “assegurando-se-lhe por Lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação de saúde física e mental. ”(BRASIL, 2006). Nesse tom, há demasiada generalidade, na medida em que não houve restrição a qualquer tipo de ramo do direito. Em outras palavras, as referidas facilidades, em uma visão morfológica, podem se dar nos mais distintos âmbitos. Na contramão desta visão literal, teleologicamente há que se entender que o dispositivo em comento é de cunho especialmente existencialista .  .

Se entendermos que a abrangência da expressão “todas as oportunidades e facilidades” toca também o Direito Tributário, poder-se-ia defender que, uma das formas de atribuição de tratamento mais benevolente consiste em uma política de isenções. Política esta, que está prevista no artigo 176 e seguintes do Código Tributário Nacional, que prevê:“A isenção, ainda quando prevista em contrato, é sempre decorrente de Lei que especifique as condições e requisitos exigidos para sua concessão, os tributos a que se aplica e, sendo o caso, o prazo de sua duração”(BRASIL, 2008). E no parágrafo único, dá-se margem para que a isenção seja adstrita a uma determinada região, em caráter geral ou específico.

Assim, precisamos entender que a vulnerabilidade física não implica necessariamente a vulnerabilidade econômica, isto é, o fato de ser idoso, por si só, não atinge a capacidade contributiva, que é elemento quantitativo nevrálgico das obrigações tributárias. Dessa maneira, o idoso hipervulnerável, ou seja, vulnerável biologicamente e economicamente, não se confunde com o idoso vulnerável tão apenas fisicamente, razão pela qual, em estrita perseguição ao discurso da igualdade, são duas situações jurídicas distintas, que naturalmente podem trazer respostas distintas.

O autor Hugo de Brito Machado, esclarece sobre a isenção nos moldes que se seguem:

Isenção é a exclusão, por Lei, de parcela da hipótese de incidência, ou suporte fático da norma de tributação, sendo objeto da isenção a parcela que a Lei retira dos fatos que realizam a hipótese de incidência da regra de tributação.(…) A regra jurídica de isenção não configura uma dispensa legal de tributo devido, mas uma exceção à regra jurídica de tributo. E é exatamente por constituir uma exceção é que ela deve ser interpretada literalmente(MACHADO, p.251, 2007)

 

O fato de se sugerir uma disseminação da política de isenções em favor dos idosos, não obstaculiza ou elimina, por óbvio, a possibilidade de implementação constitucional de imunidades em favor deste mesmo grupo, porém, este discurso precisa ser dotado de razoabilidade e consonância aos parâmetros das obrigações tributárias.

Defender isenções em favor dos idosos, apenas valorando o existencialismo, sem qualquer reflexão de ordem econômica, parece-nos um convite para “a navegação sobre mares revoltos”, diversos da essência do Direito Tributário. Apesar disso, somos defensores fervorosos da solidariedade, reconhecimento de vulnerabilidades e da justiça social.

Com a vigência do Estatuto do Idoso, as discussões sobre o tratamento jurídico concernente ao idoso se intensificaram. E o fato de se discutir, no presente trabalho, tal tratamento especificamente no Direito Tributário, é reflexo do impacto ocasionado pela antológica redação do Estatuto do Idoso.

Nos horizontes legislativos brasileiros, nota-se que o deputado Jaime Campos, já propôs, no ano de 2007, mediante uma emenda do projeto de Lei originariamente proposto por parte do senador Efraim Moraes (DEM/PB), a instituição de uma isenção tributária concernente aos idosos, com idade igual ou superior a 70 (setenta) anos. (ASSESSORIA, 2007)

Na espécie tributária “imposto”, identifica-se que até o ano de 1998 havia a presunção de não incidência do imposto de renda ao idoso, considerados aqueles cidadãos com 65 (sessenta e cinco) anos em diante de idade. Esta era a redação que esteve vigente até a edição da Emenda Constitucional número 20 de 1998, responsável por ab-rogar este artigo:

Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre(…)II – não incidirá, nos termos e limites fixados em Lei, sobre rendimentos provenientes de aposentadoria e pensão, pagos pela previdência social da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, a pessoa com idade superior a sessenta e cinco anos, cuja renda total seja constituída, exclusivamente, de rendimentos do trabalho.(BRASIL, 2006)

 

  1. CONCLUSÃO

Isso posto, estamos diante de um delicado e sensível debate, uma tensão entre o existencialismo e o patrimonialismo. Porém, toda a discussão precisa ser harmonizada à luz da essência do Direito Tributário e dos parâmetros de razoabilidade, isto é, a hipervulnerabilidade do idoso, em virtude da cumulatividade da vulnerabilidade econômica e biológica, merece atenção especial e diferenciada por parte do Estado, no âmbito das políticas públicas e tributárias.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Assessoria. Jaime quer redutor para planos de saúde dos idosos. Estadão Matogrossense, Matogrosso, 08 de outubro de 2007. Disponível em <www.oestadaomatogrossense.com.br/noticia> Acesso em 21 de março de 2008..

BRASIL; OLIVEIRA, Juarez de. Constituição da Republica Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 21. ed. atual e ampl. São Paulo: Saraiva, 2005.

BRASIL, lei 7.210/1984.. Atualizado e acompanhado de legislação complementar, súmulas e índices, 19ª edição, São Paulo: Saraiva, 2004

BRASIL, lei 10.741/2003. Organização dos textos, notas remissivas, índices e Adendo Especial do Código Civil de 1916 por Lívia Céspedes, 57a edição, São Paulo: Saraiva, 2006

BRASIL. Código tributário nacional e constituição federal. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

IBGE. Perfil dos Idosos Responsáveis pelo domicílio, 2002. Rio de Janeiro: IBGE, 2002. Disponível em:<http://www.ibge.com.br> Acesso em: 02 de abril 2008.

MACHADOHugo de Brito. Curso de direito tributário. 28. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2007.

MARTINEZ, Wladimir Novaes. Comentários ao Estatuto do idoso. 2. ed. São Paulo: LTr, 2005.

VERAS, Renato P.; UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Universidade Aberta da Terceira Idade. Terceira idade: alternativas para uma sociedade em transição. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, UnATI, 1999.

 


Informações Sobre o Autor

Hugo Rios Bretas

Professor de Direito Empresarial, Direito do Trabalho e Filosofia do Direito da Puc-Minas. Coordenador e professor de Direito Civil, Penal e do Consumidor no preparatório Projeto OAB na mesma Instituição. Professor do Cursinho preparatório da Serjus Coordenador em Minas Gerais do grupo de pesquisas do IRIB. Mestrando em Direito Privado, Pós-graduado em Direito Civil e graduado em Direito pela PUC-Minas. Advogado

 


 

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