Substituição Tributária – 1 – O que é a Substituição Tributária?

O  Imposto sobre Operações Relativas à
Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte
Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação-ICMS, por ser um tributo
incidente em praticamente toda a cadeia circulatória, tem em sua fiscalização
por parte da Administração Tributária uma atividade muitas vezes de grande
complexidade.

Diversos mecanismos de simplificação já foram
tentados, tais como a suspensão e o diferimento de ICMS, mas nem todos
alcançaram os objetivos pretendidos pela Administração Tributária ao
instituí-los: simplificação e maior eficiência nos mecanismos de
controle-fiscalização.

A figura da substituição tributária, também
instituída nesse mesmo contexto, demonstrou-se ser, dentre todos os mecanismos
experimentados, o mais eficaz.

A substituição tributária, em uma suposta cadeia
produtiva/circulatória abrangendo A-produtor, B-distribuidor, C-varejista e
D-consumidor, consistiria em atribuir a A-produtor ou mesmo a B-distribuidor a
responsabilidade, como substituto tributário, pelo pagamento do imposto que
seria devido quando C-varejista, substituído tributário, efetuasse a venda a
D-consumidor.

Contudo, para que se possa recolher antecipadamente
o imposto sobre um fato tributável ainda não ocorrido, é sempre necessário que se
presuma um valor sobre o qual far-se-á a cobrança do imposto.

A substituição, apesar de ter facilitado
enormemente a atividade fiscalizatória, trouxe consigo alguns senões, quais
sejam: o fato gerador presumido nem sempre vem a se realizar, por motivos diversos
tais como a perda da mercadoria pela expiração do seu prazo de validade, em
virtude de furto, ou mesmo a sua destruição por motivos diversos, além do que
nem sempre o valor presumido anteriormente corresponde ao valor da efetiva
operação subseqüente.

Em vista destes problemas, a figura da substituição
tributária despertou diversas controvérsias dentre os juristas e estudiosos,
muitos deles defendendo a sua inconstitucionalidade, inclusive porque não seria
possível a cobrança de imposto antes da ocorrência do fato previsto em lei que
acarretaria a sua exigibilidade, o denominado fato gerador, assim chamado
porque a sua ocorrência gera a obrigação, do sujeito passivo-contribuinte para
com o sujeito ativo-Estado, de recolher tributo.

Todavia, com a promulgação da Emenda Constitucional
n.º 03/93, que alterou o art. 150 da Constituição Federal de 1988,
acrescendo-lhe o § 7º, abaixo transcrito, colocou-se termo às controvérsias
existentes quando à constitucionalidade da substituição tributária.

“Art. 150 – omissis

§ 7º – A lei poderá atribuir a sujeito passivo de
obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou
contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a
imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato
gerador presumido.”

O instituto da substituição, tal como tratado na
Carta Magna, é uma forma de antecipação do pagamento do imposto antes da
ocorrência do respectivo fato gerador.

Conforme leciona Ricardo Lobo Torres, “o recolhimento
antecipado pode ocorrer nos casos de:

a) antecipação direta, em que incumbe ao sujeito
passivo calcular o tributo e efetuar o recolhimento antecipado, como acontece
no imposto de renda das pessoas físicas (carnê leão) e jurídicas, no imposto de
transmissão inter vivos e nas taxas pela prestação de serviços ou pelo
exercício regular do poder de polícia;

b) na substituição tributária, seja pela retenção
do imposto de renda na fonte, seja pela substituição “pra frente” no ICMS (art.
150, §7º, da CF; art. 10 da LC n. 87/96);

c) na estimativa fiscal.”

A antecipação de recolhimento de impostos é um
fenômeno que se opera no plano espacial quanto ao pagamento, não se
configurando em antecipação do momento de ocorrência do fato gerador. Na
substituição tributária ocorre a antecipação do imposto referente a fato ainda
não ocorrido e que presumivelmente deva ocorrer no futuro.

A Carta Magna, no §7º de seu art.150, consagra esse
entendimento quando prescreve que “a lei poderá atribuir a sujeito passivo de
obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou
contribuição cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente.”
(grifo inexistente no texto original)

Verifica-se, claramente, que a própria Constituição
distinguiu temporalmente o pagamento do imposto e a ocorrência do fato gerador
da respectiva obrigação tributária.

A antecipação do imposto caracteriza-se como
depósito-caução, situação por Antônio Berliri denominada de “obrigação
acessória de natureza cautelar”
.

O recolhimento antecipado dado em garantia para o
futuro débito do imposto, deve ser, quando da ocorrência do fato gerador
presumido, objeto de compensação com o crédito tributário deste decorrente.

Quando da ocorrência do fato gerador presumido,
deve ocorrer um encontro de contas entre este e o valor antecipadamente
recolhido em forma de depósito-caução, e, caso este seja inferior ao apurado
quando do fato gerador, cabe ao Fisco o imposto sobre a diferença, e, em caso
contrário, tem o contribuinte o direito à restituição.

Alfredo Augusto Becker, em sua obra Teoria Geral do
Direito, esclarece que: “O fenômeno da substituição tributária opera-se no
momento político em que o legislador cria a regra jurídica. E a substituição
que ocorre neste momento consiste na escolha pelo legislador de qualquer outro
indivíduo em substituição daquele determinado indivíduo de cuja renda ou
capital a hipótese de incidência é fato-signo presuntivo. Neste ponto,
equivocou-se Antonio Berliri ao julgar ver o fenômeno da substituição, também
quando o legislador substitui a hipótese de incidência. Porém, com um pouco de
reflexão, vê-se que o fenômeno do substituto legal tributário ocorre justamente
porque não há substituição da hipótese de incidência”.

O substituto, ao efetuar a adiantamento do imposto,
o faz por uma base de cálculo que a lei estabeleceu, sem a qual não haveria a
possibilidade de efetuar-se o recolhimento antecipado do imposto ao erário
público. Em relação ao ICMS, o art. 8º, II, abaixo transcrito, define a base
sobre a qual deve ser efetuada a antecipação do imposto.

“Art. 8º. A base de cálculo, para fins de
substituição tributária, será:

I – omissis

II – em relação às operações ou prestações
subseqüentes, obtida pelo somatório das parcelas seguintes:

a) o valor da operação ou prestação própria
realizado pelo substituto tributário ou pelo substituído intermediário;

b) o montante dos valores de seguro, de frete, e de
outros encargos cobrados ou transferíveis aos adquirentes ou tomadores de
serviços;

c) a margem de valor agregado, inclusive lucro,
relativo as operações ou prestações subseqüentes.

§ 4º. A margem a que se refere a alínea “c” do
inciso II, do caput será estabelecida com base em preços usualmente praticados
no mercado considerado, obtidos por levantamento, ainda que por amostragem ou
através de informações ou outros elementos fornecidos por entidades
representativas dos respectivos setores, adotando-se a média ponderada dos
preços coletados, devendo os critérios para a sua fixação ser previstos em
lei.”

Ora, pelo próprio caput do artigo, observa-se que,
a base de cálculo contida no inciso II, do referido artigo, é para quantificar
o adiantamento do recolhimento, isto é, a base de cálculo é para fins de
substituição tributária, que nada mais é, que a cobrança antecipada do imposto,
e não a base específica do fato gerador do ICMS da respectiva obrigação, que
encontra seu fulcro descrito no art. 13, da mesma lei, abaixo transcrito.

“Art.13. A base de cálculo do imposto é:

I – na saída de mercadorias prevista nos incisos I,
III e IV do art. 12, o valor da operação;”

Por seu turno o art. 12, da mesma lei, menciona o
momento da ocorrência do fato gerador do imposto:

“Art. 12. Considera-se ocorrido o fato gerador do
imposto no momento:

I – da saída de mercadoria de estabelecimento de
contribuinte, ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular;”

Percebe-se claramente que há nesta situação uma
única hipótese de incidência e, todavia, o surgimento de duas regras jurídicas,
uma por parte do substituto tributário e outra por parte do substituído
tributário. Para melhor elucidação recorre-se, novamente, a um exemplo dado por
Alfredo Becker.

“Por exemplo: em alguns casos de substituição legal
tributária de imposto de renda (verbi gratia: pagamento de remuneração aos
advogados, médicos, engenheiros, etc.), a lei impõe ao substituído a obrigação
de, em sua declaração de renda, oferecer à tributação aquele rendimento que
percebera já descontado na retenção na fonte efetuado pelo substituto. O
montante do imposto, então, é calculado sobre este rendimento como se não
tivesse havido retenção na fonte. Só depois de verificado o montante total de
imposto de renda devido é que o substituído poderá descontar de seu débito
aquela parcela que, antecipadamente, fora paga pelo substituto.

No exemplo acima indicado a mesma e única hipótese
de incidência serve à estruturação lógica de duas regras jurídicas. A
incidência da primeira regra jurídica irradia a primeira relação jurídica em
cujo pólo negativo figura o substituto legal tributário com o seu próprio e específico
dever jurídico. A segunda regra jurídica, ao incidir, cria outra relação
jurídica em cujo pólo negativo figura o titular da renda, com o seu próprio e
específico dever jurídico”.

Outrossim, o pagamento em comento não é definitivo,
pois no momento do recolhimento efetuado pelo substituto, o fato gerador não
ocorreu, e óbvio, como conseqüência, que a quantificação da efetiva exação não
é conhecida, deve por isso ser presumida. Assim sendo, o imposto ainda não é
devido, devido sim é o adiantamento, previsto na Constituição Federal e na Lei
Complementar, de um valor, a ser recolhido pelo substituto, quantificável na
forma do art. 8º da Lei Complementar.

É translúcido que, se ainda não aconteceu o fato
gerador (fato imponível) do imposto, a quantia desembolsada pelo substituto
configura-se simples adiantamento. O imposto devido somente surge com a
ocorrência do fato gerador respectivo, onde todos estão presentes todos os
elementos necessários para a visualização ou quantificação da exação.

Por tudo até aqui exposto, claro esta que o ICMS
que é recolhido pelo denominado contribuinte substituto somente se tornará
devido sob a forma de imposto com a ocorrência da operação subseqüente, que a
lei define como seu fato gerador. Tanto é assim, que o dispositivo da
Constituição, contida na segunda parte do § 7º, do art. 150 da Constituição
Federal de 1988, prescreve: cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente,
assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se
realize o fato gerador presumido.

Por conseguinte, impossível defender-se que houve a
ocorrência do fato gerador do imposto no momento do recolhimento do imposto ao
erário, efetuado pelo substituto pela base de cálculo estabelecida de acordo
com o art. 8º, inciso II, e seu § 4º, da Lei Complementar nº 87/96, e que este
recolhimento deste seria definitivo, visto que isto implicaria em tratar como
similares situações absolutamente distintas, confundir-se a descrição de um
fato gerador da respectiva obrigação com a prescrição de uma regra jurídica,
isto é, um dever jurídico imposto ao substituto tributário.

Geraldo Ataliba, em sua obra, Hipótese de
Incidência Tributária, pág 62, esclarece que: “O vínculo obrigacional que
corresponde ao conceito de tributo nasce, por força de lei, da ocorrência do
fato imponível. A configuração do fato (aspecto material), sua conexão com
alguém (aspecto pessoal), sua localização (aspecto espacial) e sua consumação
num momento fático determinado (aspecto temporal), reunidos unitariamente
determinam inexoravelmente o efeito jurídico desejado pela lei: criação de uma
obrigação jurídica concreta, a cargo de pessoa determinada, num momento
preciso”.

Não há no art. 8º a descrição do fato gerador do
ICMS, e sim um dever jurídico de fazer um adiantamento consubstanciado no
referido artigo, pois, a descrição de todos os elementos necessários para a
caracterização do nascimento da obrigação tributária (ocorrência do fato
gerador descrito na norma) se encontra nos artigos 12 e 13, da mesma lei.

O aspecto temporal ocorre no momento da saída da
mercadoria do estabelecimento, (por exemplo: a venda por ocasião da venda da
gasolina), conforme descrito no inciso I do art. 12, abaixo transcrito. O
aspecto espacial caracteriza-se no estabelecimento do contribuinte (posto de gasolina),
conforme disposto no mesmo inciso, e por fim o aspecto material, a denominada
base de cálculo é a descrita no art. 13, inc. I, abaixo transcrito, qual seja,
o valor da operação.

“Art. 12. Considera-se ocorrido o fato gerador do
imposto no momento:

I – da saída de mercadoria de estabelecimento de
contribuinte, ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular;”

“Art. 13. A base de cálculo do imposto é:

I – na saída de mercadoria prevista nos incisos I,
III e IV do art. 12, o valor da operação;”

Pois, se assim não fosse, estaríamos diante de
outra espécie tributária, e não do ICMS, quando bem coloca Alfredo Becker,
quando descrevemos em linhas atrás, que, não há duas hipóteses de incidência
tributária, e, sim, duas regras jurídicas, no fenômeno da substituição legal
tributária.

O equívoco, porém, é evidente. Se o pagamento, pelo
substituto, fosse devido em função do nascimento da obrigação tributária, isto
é, pela ocorrência do fato gerador do ICMS, não se estaria diante de
antecipação e, sim do pagamento definitivo da exação tributária.

 

Bibliografia:

TORRES, Ricardo Lobo,
Comentários ao Código Tributário Nacional, São Paulo, Ed. Saraiva, 1998, vol.
2, 1ª ed, pág. 337.

BERLINI, Antônio, Principios de Derecho Tributario, Madrid, Ed. de
Derecho Financiero, 1971, v.2, pág. 478.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Dênerson Dias Rosa

 

Consultor Tributário, ex-Auditor Fiscal da Secretaria da Fazenda do Estado de Goiás e sócio da Dênerson Rosa & Associados Consultoria Tributária.

 


 

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