Análise das Especificidades Jurídicas do Emprego das Forças Armadas na Faixa de Fronteira Terrestre

Dehon Padilha Figueiredo – Capitão do Quadro Complementar de Oficiais do Exército. Especialista em Docência do Ensino Superior, Direito Militar e Direito Público. Mestrando em Direito das Relações Internacionais. (E-mail: [email protected])

Resumo: Este estudo tem por objetivo analisar as especificidades jurídicas do emprego das Forças Armadas (FA) na Faixa de Fronteira Terrestre. Desta feita, busca-se compreender o contexto dessa possibilidade no emprego supracitado. Aborda-se o conceito de Estado Democrático de Direito e de normalidade e de não-normalidade Institucional. Averíguam-se os fundamentos e as funções das Forças Armadas na Constituição Federal de 1988 e na legislação infraconstitucional. Destacam-se as possibilidades e as particularidades do emprego das Forças Armadas na Faixa de Fronteira na situação de normalidade institucional. Conclui-se que as Forças Armadas tem todo o respaldo, constitucional e legal, para atuarem na Faixa de Fronteira territorial do Brasil.

Palavras-chave: Forças Armadas. Emprego. Faixa de Fronteira.

 

Abstract: This study aims to analyze the legal specificities of the engagement of the Armed Forces (AF) in the Land Border Strip. Therefore, we seek to understand the context of this possibility in the aforementioned actuation. The concepts of the Democratic Rule of Law and of institutional normality and non-normality is addressed. The foundations and functions of the Armed Forces are pointed out in the Federal Constitution of 1988 and in infra-constitutional legislation. The possibilities and particularities of the use of the Armed Forces in the Border Strip in the situation of institutional normality are highlighted. It is concluded that the Armed Forces have total constitutional and legal support to act in the territorial border strip of Brazil.

Keywords: Armed Forces. Engagement. Border Strip.

 

Sumário: Introdução. 1. Estado Democrático de Direito. 2. Situações de Normalidade e de Não-Normalidade Institucional. 3. Fundamentos das Forças Armadas enquanto Instrumento de Defesa. 4. Funções das Forças Armadas na Constituição Federal de 1988 e na Legislação Infraconstitucional. 5. Possibilidades do emprego das Forças Armadas na Faixa de Fronteira Terrestre na situação de normalidade Institucional. 6. Particularidades do Emprego das Forças Armadas na Faixa de Fronteira e em Operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO). Conclusão. Referências.

 

Introdução

O Brasil, atualmente, encontra-se numa situação de normalidade institucional, em que o Estado Democrático de Direito impõe a observância inconteste de princípios como o da constitucionalidade, da legalidade, da igualdade, da segurança jurídica, da justiça social, dentre outros, que se caracterizam por serem princípios-deveres orientadores de todos os agentes da administração pública.

Dentre esses princípios, um dos que mais se sobressai é o da legalidade, onde o administrador tem a sua atividade sujeita aos ditames da lei, isto é, deve sempre aplicar a lei, de ofício. Assim, o agente público somente poderá fazer o que a lei determina, diferentemente da conduta do particular, que poderá fazer tudo o que a lei não proíbe para atingir seus fins e objetivos.

Nesse sentido, as Forças Armadas (FA), como instituição nacional permanente e regular, também tem sua atuação sujeita aos parâmetros constitucionais, principalmente quando atuar em fatos com poder de grande repercussão nacional, onde o grau de discricionariedade para decisões e procedimentos é bem menor se comparado a uma questão apenas de interesse interno da instituição.

A Constituição Federal de 1988 (CF/88), em seu artigo 142, estabelece que as funções principais das Forças Armadas são: a defesa da Pátria e a garantia dos poderes constitucionais. Secundariamente, tem como incumbência a garantia da lei e da ordem. Diz-se função principal das Forças Armadas, porque defender a Pátria e garantir os poderes constitucionais é atribuição primordial do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, enquanto a garantia da lei e da ordem é atribuição primeira dos órgãos encarregados da segurança pública.

Assim, deduz-se que as Forças Armadas não atuam à revelia da lei, mas segundo ela e para garanti-la, atendendo sempre, portanto, aos dispositivos constitucionais e legais.

A sociedade sempre aguarda uma resposta satisfatória quando as Forças Armadas atuam em suas variadas hipóteses de possibilidades. No entanto, somente ocorrerá essa resposta positiva se o seu emprego for oportuno, acertado e coerente com os interesses da administração pública federal, e, por conseguinte, consentâneo com o ordenamento jurídico brasileiro.

É nesse cenário que se situa o presente estudo, que tem por objetivo geral analisar as peculiaridades jurídicas do emprego das Forças Armadas na faixa de fronteira terrestre. E, como objetivos específicos, busca-se dar destaque ao Estado Democrático de Direito; Normalidade Institucional; funções e fundamentos das Forças Armadas enquanto Instrumento de Defesa; e, por fim, as possibilidades e particularidades do emprego das Forças Armadas na faixa de fronteira na situação de normalidade Institucional.

 

1 Estado Democrático de Direito

O princípio Estado Democrático de Direito tem um significado de dimensão bastante amplo que extrapola a restrita dimensão do direito posto para normatizar a vida do Estado, eivando-o de componentes nitidamente axiológicos e assumindo, em função disso, uma conotação para além do Direito Positivo, isto é, do direito posto na norma.

No ordenamento jurídico o princípio pode figurar tanto implícita como explicitamente. Na Constituição da República vigente, diversos princípios foram expressamente estabelecidos, dentre os quais, a referência ao Estado Democrático de Direito, insculpida no artigo 1º desta Carta Magna.

O status de princípio, enquanto norma informadora e conformadora do ordenamento jurídico do Estado é de acentuada visibilidade quando nos deparamos com o tratamento dispensando na Constituição da República ao Estado Democrático de Direito. Após manifestação no preâmbulo da Magna Carta, o legislador constituinte originário apresentou a linha político-ideológica do Estado Brasileiro:

 

“Art. 1º – A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I – a soberania;

  • II – a cidadania;

III – a dignidade da pessoa humana;

IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V- o pluralismo político.”(grifo nosso)

 

No que tange ao seu alcance, face à extensão dos fundamentos da República, percebe-se que os influxos jurídicos do princípio Estado Democrático de Direito, como valores albergados na Lei Maior, espraiam-se sobre todas as ações, assim como, sobre qualquer abordagem e análise de questões que direta ou indiretamente importem ao Estado Brasileiro.

A atuação das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem sofre plena injunção dos efeitos emanados desse princípio, todavia a condição de princípio, que lhe é atribuída, não implica a preponderância[1] sobre nenhum outro, mas o seu especial status decorre de ser o traço que expressa o caráter[2] escolhido, pelo legislador constituinte, para a República Federativa do Brasil e para toda a ordem jurídica por ela normatizada.

Face à extensão e ao alcance do Estado Democrático de Direito, e considerando o disposto no artigo 1º, incisos I a V, da CF/88, deve-se considerar que o mero amparo legal das ações empreendidas pela tropa é insuficiente, posto que a condição do Estado vinculado à democracia e ao direito importa a necessária submissão a fundamentos, cujo teor extrapola a legalidade limitada à interpretação literal da lei, posto que o Estado de Direito é, sobretudo, um Estado pautado em fundamentos.

 

2 Situações de Normalidade e de Não-Normalidade Institucional

Normalidade institucional seria a situação pela qual os indivíduos, grupos sociais e a Nação sentem-se seguros para concretizarem suas aspirações, interesses e objetivos, porque o Estado, em seu sentido mais amplo, mantém a ordem pública e a incolumidade das pessoas e do patrimônio. Ressalta-se que na situação de normalidade, no plano legal, continuam vigentes todas as garantias individuais e não há a utilização das salvaguardas constitucionais.

De maneira contrária, na situação de não-normalidade constitucional há um real comprometimento a ordem pública, vindo a ameaçar a estabilidade institucional, a integridade e a soberania nacionais. Sob o prisma legal, caracteriza-se pela decretação das salvaguardas constitucionais o estado de defesa, o estado de sítio e a intervenção federal.

 

Para Moraes (2001, p.621) essas salvaguardas seriam na verdade e de fato o chamado “sistema constitucional das crises, […] que informadas pelos princípios da necessidade e da temporariedade, têm por objeto as situações de crises e por finalidade a manutenção ou restabelecimento da normalidade constitucional”.

 

Nas situações de normalidade quanto de não-normalidade, caso seja julgado necessário o emprego das FA, estas atuarão em ações operativas, em caráter episódico, toda vez que as ações preventivas não surtam efeito, visando sempre reverter um quadro de grave comprometimento da ordem pública para uma situação de harmonia e paz social.

 

3 Fundamentos das Forças Armadas enquanto Instrumento de Defesa

O Estado é uma sociedade politicamente organizada porque é uma comunidade constituída por uma ordem coercitiva, e esta é o Direito. Dessa forma, constitui-se em um poder situado por trás do direito, isto é, um poder que impõe o Direito. A relação poder versus direito não comporta separação, posto que mesmo o poder que estabelece a norma que a todos vincula, há de ser normativamente previsto e plenamente amparado na lei (KELSEN, 1999).

 

Com a aprovação da Constituição ora vigente, esta veio a dispor no seu Título V acerca da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas. A interpretação do teor dos artigos 136 a 144 que compõem esse Título evidencia a possibilidade de o poder estatal impor, à força, o Direito. O Estado e, por consequência, o Direito por ele posto, não prescindem do atributo da coercitividade.

A imposição do Direito exige a mobilização de um sistema de forças, ou seja, de coerção, o qual é veiculado pela expressão armada do poder estatal, isto é, pelas Forças Armadas e Polícias. Rompida ou ameaçada a estabilidade do Estado, como ultima ratio, o seu sistema coercitivo será mobilizado para tutelar os valores que a soberania popular elencou, no texto constitucional, como referências máximas da República Brasileira.

O uso da força pelo Estado é corolário da sua natureza instrumental, por conseguinte, a função das Forças Armadas ao atuarem nas variadas hipóteses não tem, portanto, um fundamento temerário posto que se substancia expressamente no texto da Constituição da República de 1988.

A lei e a ordem são essenciais à estabilidade do Estado e da própria sociedade. O emprego das FA deverá ser embasado sempre considerando o Estado Democrático de Direito.

 

São convenientes que sejam apresentados entendimentos doutrinários que sirvam de base à compreensão da função pública das Forças Armadas como instrumento de tutela da lei e da ordem, dentre os quais, pela pertinência, destaca-se da lavra de Kelsen (1999, p.37) a seguinte sustentação:

 

“Como ordem coativa, o Direito distingue-se de outras ordens sociais. O momento coação, isto é a circunstância de que o ato estatuído pela ordem como conseqüência de uma situação de fato considerada socialmente prejudicial deve ser executado mesmo contra a vontade da pessoa atingida e – em caso de resistência – mediante emprego da força física, é o critério decisivo.”

 

As Forças Armadas, ao lado de outros instrumentos de preservação da estabilidade pública e da garantia da lei e da ordem, atendendo ao disposto no caput do artigo 142, da CF/88, em face de uma situação de instabilidade institucional, é um dos meios de coação do Estado. O emprego de qualquer sistema de forças pode ensejar, ao menos por vezes, a insatisfação ou a resistência daqueles segmentos sociais, cujas pretensões colidam com a estabilidade do próprio Estado e com os interesses preponderantes na ordem sócio-jurídica.

Cabe destacar que o uso da força, observados os limites da lei, é uma das razões que fundamentam a própria existência das diversas expressões do poder estatal, como as Polícias, Forças Armadas, e as Secretarias de Defesa Social, dentre outros órgãos que possam ser criados pela União e pelos Estados-Membros como instrumentos da imposição do Direito.

Assenta-se expressamente no caput do artigo 142, da CF/88, que constitui natural resposta coativa ou coercitiva a qualquer convulsão social que importe risco concreto à lei e à ordem pública.

Portanto, a atuação das Forças Armadas em operações de manutenção da lei e da ordem, estabelecidas no artigo 142 caput, da Constituição de 1988, sob o prisma da relevância jurídica, tem a mesma legitimidade, validade e importância que qualquer outra norma estabelecida constitucionalmente.

Frisa-se, novamente, que a fundamentação jurídica da atuação das Forças Armadas em operações garantidoras da lei e da ordem pública emana diretamente da Lei Maior, artigo 142, caput, e com suas normas gerais estabelecidas pela Lei Complementar (LC) nº 97/1999, pela LC nº 117/2004 e pela LC nº 136/2010, sem olvidar outros diplomas legais referentes à matéria.

Nesses termos, o fundamento jurídico da atuação das Forças Armadas como instituição garantidora da lei e da ordem importa na compreensão do seu amparo legal e de sua especial destinação.

 

4 Funções das Forças Armadas na Constituição Federal de 1988 e na Legislação Infraconstitucional

Sob o ponto de vista teórico, pode-se reconhecer, com fundamento no caput do artigo 142 da CF/88, que as Forças Armadas têm uma função constitucional definida, a qual pode ser de natureza principal ou secundária. Sob o prisma da Lei Complementar nº 97/1999 (com as alterações introduzidas pela Leis Complementares nº 117/2004 e nº 136/2010), reconhecem-se funções subsidiárias particulares atribuídas expressamente às Forças Armadas.

 

O artigo supracitado estabelece que:

 

“Art. 142 As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a titularidade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais, e por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

  • Lei complementar estabelecerá as normas gerais a serem adotadas na organização, no preparo e no emprego das Forças Armadas.” (grifo nosso)

 

São funções principais das Forças Armadas: a defesa da Pátria e a garantia dos poderes constitucionais. Secundariamente, têm como incumbência a garantia da lei e da ordem. Diz-se função principal porque defender a Pátria e garantir os poderes constitucionais é atribuição primordial das Forças Armadas, enquanto a garantia da lei e da ordem é atribuição primeira dos órgãos encarregados da segurança pública.

O teor do conceito acima destacado alberga um amplo conteúdo principiológico, no qual sobressaem os princípios da hierarquia e da disciplina e, também, da desconcentração, permanência, regularidade, subordinação e da destinação específica das Forças Armadas.

O princípio da destinação específica das Forças Armadas tem a sua densidade incidente sobre a sua função constitucionalmente posta: a defesa da Pátria e a garantia dos poderes constitucionais, bem como, a tutela da lei e da ordem pública, está condicionada à iniciativa de qualquer dos poderes constituídos.

A partir do texto constitucional, especificamente do caput do artigo 142, da CF/88, depreende-se que as Forças Armadas não podem ser empregadas para fins alheios às suas funções previstas na Lei Maior, ou nas normas gerais que complementam o texto constitucional, conforme a expressão do § 1º, do referido artigo[3].

A atuação das Forças Armadas na manutenção da lei e da ordem pública não é a sua principal função. Por melhor dizer, cabe aos Órgãos de Segurança Pública (OSP), elencados no artigo 144, da CF/88, assegurar ordinariamente a lei e a ordem pública.

A qualificação como secundária da função das Forças Armadas de garantir a lei e a ordem é uma conclusão extraída diretamente do conteúdo do § 2º, do artigo 15, da Lei Complementar nº 97/99, no qual o legislador deixou expresso que a atuação das Forças Armadas é condicionada ao esgotamento dos instrumentos ordinariamente destinados à preservação da ordem pública e incolumidade das pessoas.

No parágrafo acima realçado, o advérbio de tempo após evidencia que a atuação das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem, é condicionada ao esgotamento dos instrumentos comuns incumbidos de provê a segurança pública. Destarte, diferentemente da defesa da pátria e da garantia dos poderes constitucionais, a tutela da lei e da ordem pública é uma função secundária da Força Terrestre.

O teor do artigo 144, da CF/88, reforça o entendimento acima exposto, uma vez que o legislador constituinte originário nele relacionou expressamente os instrumentos encarregados da segurança pública, na qual se insere a garantia da lei e da ordem, uma vez que se quebrantadas, instaura-se a insegurança e a instabilidade social. A saber:

 

“Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I – polícia federal;

II – polícia rodoviária federal;

III – polícia ferroviária federal;

IV – polícias civis;

V – polícias militares e corpos de bombeiros militares.” (grifo nosso)

 

Sob o enfoque da legislação infraconstitucional, em especial à luz dos artigos 16 e 16A, da Lei Complementar nº 97/1999[4], incumbe às Forças Armadas, além de outras ações pertinentes, as respectivas atribuições subsidiárias:

 

“Art. 16. Cabe às Forças Armadas, como atribuição subsidiária geral, cooperar com o desenvolvimento nacional e a defesa civil, na forma determinada pelo Presidente da República.

Parágrafo único. Para os efeitos deste artigo, integra as referidas ações de caráter geral a participação em campanhas institucionais de utilidade pública ou de interesse social.

 

Art. 16A Cabe às Forças Armadas, além de outras ações pertinentes, também como atribuições subsidiárias, preservadas as competências exclusivas das polícias judiciárias, atuar, por meio de ações preventivas e repressivas, na faixa de fronteira terrestre, no mar e nas águas interiores, independentemente da pose, da propriedade, da finalidade ou de qualquer gravame que sobre ela recaia, contra delitos transfronteiriços e ambientais, isoladamente ou em coordenação com outros órgãos do Poder Executivo, executando, dentre outras, as ações de:

I – patrulhamento;

II – revista de pessoas, de veículos terrestres, de embarcações e de aeronaves; e

III – prisões em flagrante delito.

Parágrafo único. As Forças Armadas, ao zelar pela segurança pessoal das autoridades nacionais e estrangeiras em missões oficiais, isoladamente ou em coordenação com outros órgãos do Poder Executivo, poderão exercer as ações previstas nos incisos II e III deste artigo.” (grifo nosso)

 

Observa-se, pois, que as funções das Forças Armadas não se exaurem na defesa da Pátria, na garantia dos poderes constitucionais e, mediante iniciativa de qualquer desses poderes, da lei e da ordem. Não se limitam ao que está fixado na Constituição como função principal ou atribuição subsidiária.

Além dessas funções, decorrem da legislação infraconstitucional outras atribuições. Todavia, em quaisquer de suas atividades, as Forças Armadas atuarão sempre sob o amparo da lei, sem olvidar a observação aos princípios constitucionais, principalmente ao do Estado Democrático de Direito.

 

5 Possibilidades do emprego das Forças Armadas na Faixa de Fronteira Terrestre na situação de normalidade Institucional

A lei concede poderes para que as Forças Armadas, em situação de normalidade institucional, atuem permanentemente na faixa de fronteira terrestre, desenvolvendo ações preventivas e repressivas no combate a delitos transfronteiriços e ambientais, sem a necessidade de determinação presidencial.

A faixa de fronteira terrestre é a faixa de até cento e cinquenta quilômetros de largura ao longo das fronteiras terrestres, considerada como fundamental para a defesa do território nacional, conforme o § 2º do artigo 20 da Constituição Federal de 1988.

A Lei nº 6.634, de 1979, que dispõe sobre a faixa de fronteira, destaca em seu artigo 1º que “É considerada área indispensável à Segurança Nacional a faixa interna de 150 Km (cento e cinquenta quilômetros) de largura, paralela à linha divisória terrestre do território nacional, que será designada como Faixa de Fronteira”.

Outrossim, de acordo com Silva (2018, p. 49) “A missão das Forças Armadas, na faixa de fronteira, se dá de duas formas: de maneira principal, na defesa do território nacional, e de maneira subsidiária, na forma do art.16-A da Lei Complementar Nr 97/99”.

Essa atuação na faixa de fronteira é considerada atribuição subsidiária, não devendo ser confundida com as missões decorrentes de garantia da lei e da ordem.

Observa-se que a função de Polícia de Fronteira não foi repassada às Forças Armadas. Tal atribuição é missão constitucional da Polícia Federal (PF) e continua sendo dela este encargo, apenas com a peculiaridade de que esse órgão policial, a partir da edição da LC nº 117/2004, e, posteriormente, da LC nº 136/2010, passou a contar com o auxílio das instituições que se fazem presentes de modo permanente na região.

Para Silva (2018, p. 49) “a atuação na faixa de fronteira, contra delitos transfronteiriços e ambientais, sendo subsidiária, ocorre de maneira excepcional, quando outros órgãos federais não conseguem realizar aquela que é sua principal missão que é conferida subsidiariamente às Forças Armadas”. O referido autor ainda destaca que:

 

A atuação do Exército contra os delitos transfronteiriços é focada em:

– entrada ou tentativa de saída ilegal de armas, munições, explosivos e demais produtos controlados (Lei n° 10.826, de 22 Dez 03; Decreto Nr 5.123, de 1º Jul 04);

– tráfico de entorpecentes (Lei Nr 11.343, de 23 Ago 06; Decreto Nr 5.912, de 27 Set 06);

– contrabando e descaminho (Código Penal, arts.334 e 334-A);

– tráfico de plantas e de animais (Lei Nr 9.605, de 12 Fev 98; Lei Nr 12.651, de 25 de maio de 2012; Lei Nr 5.197, de 03 Jan 67);

– entrada ou tentativa de saída de território nacional em desacordo com as normas de vigilância sanitária (Lei Nr 6.437, de 20 Ago 77 e Medida Provisória Nr 2.190-34, de 23 Ago 01).

A atuação contra delitos ambientais tem por escopo impedir:

– a prática de atos ilícitos ao meio ambiente (Lei Nr 9.605, de 12 Fev 98; Lei Nr 12.651, de 25 de maio de 2012; Lei Nr 5.197, de 03 Jan 67);

– a exploração predatória ou ilegal de recursos naturais (Lei Nr 9.605, de 12 Fev 98);

– a pratica de atos lesivos à diversidade e a integridade do patrimônio genético do país (Medida Provisória Nr 2.190-34, de 23 Ago 01). (SILVA, 2018, p. 49) (grifo nosso)

 

O artigo 16A, da LC nº 97/1999, alterada pela LC nº 136/2010, estabelece que o emprego das Forças Armadas pode ocorrer de forma isolada ou em coordenação com outros órgãos do Poder Executivo, podendo abranger ações de “patrulhamento, revista de pessoas, de veículos e aeronaves, bem como a prisão em flagrante delito, sempre que os crimes se caracterizarem como transfronteiriços ou ambientais”.

 

Ressalta-se que as ações a serem empreendidas não se resumem às acima citadas, mas a todas aquelas que as FA entendam necessárias para bem cumprir o encargo. Entretanto, a revista de pessoas, veículos e aeronaves deve limitar-se aos casos em que existam fundadas suspeitas da ocorrência de ilícitos, pois a lei não autoriza medidas amplas, a ponto de justificar ações desnecessárias.

Ainda, nessas operações, há desdobramentos naturais, como é o caso da apreensão de pessoas e de material ilícito, em que a tropa empregada não pode descurar de medidas indispensáveis à legalidade das operações, tais como a lavratura de termo de apreensão e a entrega de seu objeto aos órgãos de segurança pública, pois descabe às Forças Armadas a guarda do que foi apreendido, tendo em vista tratar-se de encargo próprio dos órgãos de polícia judiciária competentes para dar início ao respectivo auto de prisão em flagrante delito ou do respectivo inquérito policial, por serem infrações afetas à competência da justiça comum.

Em situações excepcionais, caso a situação justifique, o material e pessoal apreendidos deverão ficar na posse dos militares, mas tão-somente o tempo indispensável para que os OSP cheguem ao local e assumam a guarda e o controle dos mesmos.

 

6 Particularidades do Emprego das Forças Armadas na Faixa de Fronteira e em Operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO)

Inicialmente, pode-se destacar que há várias diferenças entre as ações que se realizam em uma operação na faixa de fronteira e em uma operação de garantia da lei e da ordem (GLO).

Observa-se que o artigo 16-A da LC 97/1999, de forma diferente da decretação da garantia da lei e da ordem, não exige que a atuação das Forças Armadas na faixa de fronteira seja precedida de ordem presidencial e tampouco haja previamente o esgotamento dos Órgãos de Segurança Pública.

Há, contudo, um cabedal de requisitos, peculiaridades e legislações diferenciado o emprego das Forças Armadas em faixa de fronteira e em situação de garantia da lei e da ordem (SILVA, 2018), a saber:

 

Quadro comparativo da atuação das Forças Armadas na faixa de fronteira e em operação de garantia da lei e da ordem

Requisito/Situação FAIXA DE FRONTEIRA GLO
Fundamento legal Missão Subsidiária (art. 16-A da LC 97/99). Missão Constitucional (art. 142, caput, da CF/88 e art. 15 da LC 97/99).
Autoridade/órgão que determina o emprego Pode ser determinada pelo Comando da Força. Presidente da República.
Necessidade de esgotamento dos OSP Não é pressuposto para determinação de emprego da tropa. É pressuposto para emprego da tropa.
Competência para julgar delitos imputados a militares Justiça Militar da União.[5] Justiça Militar da União.
Atuação de maneira episódica, em área previamente estabelecida e por tempo limitado. Restrita à faixa de fronteira terrestre, mar e nas águas interiores. Conforme Ato do Presidente da República.
Objetivo da Operação Combater delitos transfronteiriços e ambientais. Preservar a ordem pública e a incolumidade das pessoas e do patrimônio.
Transferência, mediante ato formal, do controle operacional dos OSP. Não há. Pode ser desencadeada sem necessidade de esgotamento da capacidade dos OSP. É pressuposto para o emprego da tropa.
Defesa judicial de militares Pode ser promovida pela AGU. Pode ser promovida pela AGU.
Poder de Polícia Sim. Sim.

 

 

Conclusão

Buscou-se compreender, ao longo do presente estudo, as peculiaridades jurídicas do emprego das Forças Armadas na faixa de fronteira deste grandioso País. Nesse contexto, há de se destacar algumas conotações importantes, a exemplo do atual cenário nacional em que se constata o pleno exercício do “Estado Democrático de Direito”, ou seja, a Nação paira em plena normalidade Institucional.

As Forças Armadas têm inúmeras funções, missões, possibilidades e hipóteses de emprego. No entanto, como função subsidiária, tem a nobre missão de proteger a gigantesca faixa de fronteira terrestre, por meio de ações preventivas e repressivas, contra delitos transfronteiriços e ambientais.

Nesse cenário, com pleno respaldo constitucional e legal, as Forças Armadas vêm contribuindo para o fortalecimento do Estado. Por ser um “País Continental”, o Brasil tem uma imensa área de fronteiras e, em algumas regiões, ainda inexploradas. Com isso, destaca-se quão nobre é essa missão de proteção fronteiriça.

Destarte, diante de todo o exposto, resta indiscutível a importância do papel exercido pelas Forças Armadas na proteção permanente da faixa de fronteira terrestre desta Nação expoente.

 

Referências

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 10.ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2000.

 

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988.

 

BRASIL. Lei Complementar n. 97, de 9 de junho de 1999. Dispõe sobre as normas gerais para a organização, o preparo e o emprego das Forças Armadas. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LCP/Lcp97.htm>. Acesso em: 23 jun. 2020.

 

BRASIL. Lei Complementar n. 117, de 2 de setembro de 2004. Altera a Lei Complementar no 97, de 9 de junho de 1999, que dispõe sobre as normas gerais para a organização, o preparo e o emprego das Forças Armadas, para estabelecer novas atribuições subsidiárias. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LCP/Lcp117.htm>. Acesso em: 23 jun. 2020.

 

BRASIL. Lei Complementar n. 136, de 25 de agosto de 2010. Altera a Lei Complementar no 97, de 9 de junho de 1999, que dispõe sobre as normas gerais para a organização, o preparo e o emprego das Forças Armadas, para criar o Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas e disciplinar as atribuições do Ministro de Estado da Defesa. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LCP/Lcp136.htm>. Acesso em: 23 jun. 2020.

 

BRASIL. Lei n. 6.634, de 2 de maio de 1979. Dispõe sobre a Faixa de Fronteira, altera o Decreto-lei nº 1.135, de 3 de dezembro de 1970, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L6634.htm>. Acesso em: 23 jun. 2020.

 

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

 

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 9.ed. São Paulo: Atlas, 2001.

 

SILVA, Claudio Alves da. Direito Aplicado às Operações de Garantia da Lei e da Ordem. Brasília: Exército Brasileiro, 2018.

 

[1] Segundo o Professor PAULO BONAVIDES, (BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 10 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2000), não existe hierarquia entre princípios. Neste sentido a hierarquia e a disciplina, princípios gravados no caput do artigo 142, da CF/88, são princípios iguais ao Estado Democrático de Direito.

[2] Observar que no sentido aqui adotado caráter traduz a idéia de traço, ponto marcante.

[3] O artigo 142, § 1º, da Constituição da República, dispõe que Lei Complementar estabelecerá as normas gerais a serem adotadas na organização, no preparo e no emprego das Forças Armadas.

[4] Essas funções subsidiárias infraconstitucionais foram inseridas pela Lei Complementar 117, de 2 de setembro de 2004 e pela Lei Complementar nº 136, de 25 de agosto de 2010.

[5] Desde que o crime esteja previsto no Código Penal Militar e seja praticado nas circunstâncias do art. 9º do referido diploma legal.

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