Os acidentes prosseguem: no mês que se
iniciou com os 17 anos da morte de Claudia Celico no
“chiqueirinho”, as catracas na porta dos ônibus impedindo o ingresso das
pessoas, repetem-se as tragédias e ecoa nosso grito de socorro. O povo se
acumula nas filas na porta dos coletivos e se desespera, clama nas ruas diante
dos incômodos e danos. Mas a liminar que suspendia o veto ilegal do
vice-prefeito ao nosso Projeto de Lei, o que libertava a população dos
“chiqueirinhos”, foi suspensa hoje pelo Tribunal de Justiça. A luta continua:
catraca neles!
Mas isso só faz crescer nossa luta.
Estamos chamando uma assembléia, de toda a Baixada Santista, do nosso COMITÊ
PELA DIGNIDADE DO TRANSPORTE COLETIVO E CONTRA O CHIQUEIRINHO, na região
castigada há décadas pelos sistemas desumanos impostos sobre esta gente.
Usuários, vereadores, militantes, líderes comunitários, advogados e demais
setores sociais estão convidados a participar deste esforço pela recuperaçào da dignidade popular.
O ato jurídico impetrado pela Prefeitura
em defesa da empresa de transportes, que obteve sucesso, foi contra a liminar
obtida por este vereador. Ela suspendia a eficácia do pseudo-veto ao Projeto de Lei de nossa autoria,
baixado no dia 11. Nossa Lei foi aprovado por 18 votos a um nesta Câmara após,
no dia 18, determinando que as catracas se localizem no meio dos ônibus – mas
esse detalhe passou desapercebido: como vetar a Lei
antes de sua existência ?
A liminar obtida contra o pseudo- veto do prefeito também suspendia a eficácia do
Decreto 3.758 – que, contrariamente à Lei aprovada, permite os “chiqueirinhos”.
Inovando com esta forma legislativa, o decreto criando lei, que inexiste
constitucionalmente. No mérito, em breve, não há dúvida sobre a a vitória dos cidadãos, diante deste mar de ilegalidades.
É que dando continuidade à sua campanha
em favor dos interesses da empresa de transporte coletivo, endossando uma
iniciativa ilegal – apesar da majoritária opinião popular, alardeada em todos
os órgãos de imprensa, nas manifestações e abaixo-assinados, maciçamente frequentados com milhares de adesões -, o prefeito, agora o
verdadeiro, impetrou recurso ao Tribunal de Justiça, sendo atendido com a
suspensão da liminar.
Uma das alegações do pseudo-veto ao nosso Projeto de
Lei, feita pelo vice-prefeito, contra o qual havíamos obtido a lininar, agora suspensa, é que ele é “técnicamente
inviável”. Mas, reconheça-se pelos fatos, o personagem não tem autoridade para
falar no assunto. Senão, vejamos seus erros repetidos, sua incompatibilidade
com os dados mais ou menos exatos: o vice errou na data do veto, editado uma
semana antes de ser aprovada a lei; o assinou como “vice-prefeito em
exercício”, confessando que não ocupava a Prefeitura de fato e que não poderia
ter assinado. Errou, sim, mas falou a verdade…
Seguiu errando e afrontando a lei ainda
o vice-prefeito, errando na argumentação, utilizando argumentos com erros de
tipo, enquadrando transporte como se fossem obras e serviços (artigo 58 da Lei
Orgânica). Isso ao invés de utilizar o 151, dos transportes.
Aliás, é dentro deste artigo da LO, o
151, que se se enquadra a questão do transporte
coletivo, ao contrário do que argumenta o pseudo-veto
e o recurso à liminar, quando é determinada a autoridade única do Executivo
ordenar as normas das obras e serviços públicos – de administração direta,
confundida com a enunciada no parágrafo acima, contratada. O pseudo-veto é que é, como se vê, “técnicamente inviável”. As catracas no meio dos ônibus não,
perfeitamente possíveis, pois lá estão há 67 anos.
Ainda mais, o Estatuto do Funcionalismo
proíbe a “advocacia administrativa”, ou seja, a defesa de interesses
particulares por administradores públicos. Com o agravante, neste caso,
da defesa de uma concessionária de serviço público – que tem a manifesta
intenção de restringir os serviços prestados à população, comprometendo a acessibilidade
aos ônibus, conforme busca assegurar o artigo 151, letra “A”, de nossa carta
Magna Municipal, seção IV, “Dos Transportes”. Implica em demissão do
funcionário este favorecimento. Os vereadores também podem, pelo artigo 17, I,
da LO, perder o cargo se patrocinarem causa da concessionária. Como fica tudo
isso diante da Lei e do Direito?
Há sim ilegalidade na assinatura do
vice-prefeito: ao contrário do que diz o recurso, o prefeito não estava
“regularmente licenciado”. Ainda mais, nos atos praticados e impugnados
pela liminar, agora suspensa, está claramente marcada a lesividade
ao interesse e ao patrimônio público. Uma qualidade que tenta negar o
recurso, ainda que o transporte coletivo se trate de elemento presente e
obrigatório no dia a dia da totalidade da população.
As empresas são privadas, sim, mas
prestam um SERVIÇO PÚBLICO sob concessão, submetendo-se às normas legais. A
legitimidade que está sendo questionada, do vice-prefeito para assinar o veto,
explica-se de acordo com o artigo 56 da Lei Orgânica, em seu parágrafo 1º: a
licença está condicionada a, no inciso II, ao gozo de férias – permitindo-se ao
prefeito marcá-las ao seu critério, na época desejada. Do qual se depreende que
o ato de licença está vinculado às férias ou outro motivo, previstos nos
artigos I a III.
Não expressa a Lei Orgânica que o
prefeito poderá sair quando quiser sem pedir licença – permitindo que o vice o
substitua a qualquer hora e tempo, em uma situaçãode
duplicidade impossível de ser resguardada pelo Direito Público. Há, inclusive,
em curso na Prefeitura, impetrado por um cidadão, o processo número
062.251/2001-51 – impedindo o prefeito de receber os dias em que este esteve
ausente. que pede respeito ao artigo 56, parágrafo 2º
da Lei Orgânica – que diz que o prefeito REGULARMENTE LICENCIADO receberá
remuneração integral, ou seja, negando-se o pagamento dos dias não trabalhados.
Em caso de ausência do prefeito, ele
deverá estar sempre licenciado. No ato de decidir sobre essa ausência, a
Câmara, com competência assegurada pelo o artigo 21, inciso V da Lei Orgânica,
deverá decidir quem deverá ser empossado. Diz ainda o decreto-Lei 201, de 1967, que os prefeitos podem ser
cassados por ausência sem licença.
A Câmara, quando venha a decidir sobre
pedido de autorização para ausência do prefeito e/ou do vice do município,
deverá decidir também se esta ausência é sem vencimentos. Ou se ocorrerá dentro
de um período maior que 15 dias de licença autorizada para tratamento de saúde,
gestação, férias ou missão de representação do município. Entretanto, se se tratasse de autorização para ausência sem vencimentos,
caracterizaria interesse particular, o que não está autorizado pela Lei
Orgânica.
Na verdade, a Câmara não concedeu a
licença porque o prefeito não a pediu, conforme documento por nós obtido e
presente na inicial para a qual foi concedida liminar, suspendendo a eficácia
do pseudo-veto e do decreto.
Como ele não pediu licença nem autorização para ausentar-se do município, nem a
devida para gozar férias, conforme prevê o inciso II do parágrafo 1º do artigo
56 – competência delegada pelo artigo 21, inciso VI -, não houve posse do vice
no cargo. E não podem existir dois prefeitos, um viajando e outro na cidade.
Na arguição
aduzida de Carlos Maximiliano, “deve ser o direito interpretado
inteligentemente”, encaminhada pelo recurso, propositalmente se omite o
parágrafo imediatamente anterior – que repete o aconselhamento de Raimond Salvat, em seu livro
“Tratado de derecho Civil Argentino”, de 1917:
”Prefere-se o sentido conducente ao resultado (grifo original) mais
razoável, que melhor corresponda às necessidades da prática e seja mais humano,
benigno, suave (…). Portanto, dentro da letra expressa, procure-se a
interpretação que melhor consequência
(grifo original) para a coletividade”.
O enunciado anterior indica, de maneira
clara, à conclusão de que não é possível utilizar a “inteligência” como forma
de negar a ordem emanada ou de falseá-la para atingir outros objetivos que não
os da verdade. E continua: “Toma-o (o resultado) em alto apreço; orienta-se por
ele; varia-o tendo-o em mira, quando o texto admite mais de um modo de o
entender e aplicar. Quando possível, evita uma consequência
incompatível com o bem geral (grifo nosso); adapta o dispositivo às idéias
vitoriosas entre o povo, em cujo seio vigem as
expressões em Direito sujeitas a exame”.
Custa-nos compreender como o recurso
advoga a existência de um “periculum in mora
inverso”, em consequência da promulgação da Lei
aprovada – e não “vetada”, como diz o texto, errôneamente.
O “chiqueirinho” matou, mata e acidenta pessoas diáriamente.
Alega o documento com a “grave lesão à ordem pública”, que se daria com a
sanção da norma que devolve as catracas para onde estão
há 67 anos, normalmente, desde a implantação dos serviço de ônibus na
cidade em 1944 – quando se denota o Tribunal induzido a erro.
O instrumento utilizado é ainda
impróprio, pois com base na Lei 8.437/92, que é de resposta às ações movidas
pelo Ministério Público ou pessoa jurídica de Direito Público. Neste sentido,
diante da nova decisão judicial, prolongando a tortura dos usuários largamente
manifestada, nos resta ingressar com outra das dezenas de normas legais que
ressaltam a ilegalidade patente do “chiqueirinho” e das atitudes da Prefeitura
para manter, inexplicavelmente este gesto anti-social e anti-popular.
É melancólico assistir a um grande
número de trabalhadores, humilhados e ofendidos, conduzidos por seus patrões
para manifestarem-se contra si mesmos, seus empregos, sua vida, mas entre eles
e nós há uma identidade e sentimento que jamais poderá ser rompida pelos que
privilegiam o lucro ao invés da vida. Mas não pensem os que “torcem” para os
empresários que a queda desta liminar modifica os rumos – ao contrário,
reforça: vamos para uma assembléia regional dos usuários do transporte
coletivo, unir forças para remover as barreiras à promoção da qualidade de vida
com saúde social.
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