Resumo: Analisam-se as transformações vividas pelo movimento sindical brasileiro a partir do contexto neoliberal, especialmente no que se referem às alternativas legislativas encontradas para dar sobrevida à atuação dos sindicatos na defesa dos interesses dos trabalhadores. O debate entre a liberdade sindical plena e o confronto com o modelo adotado no Brasil ainda não se encerrou: se, de um lado, a liberdade pode representar um eldorado para o movimento sindical, por outro pode representar a derrocada final e o desaparecimento dos sindicatos na configuração contemporânea. O surgimento das centrais sindicais como movimento político e social demonstra a importância da união de esforços em torno de ideais coletivos. O posterior reconhecimento, pela Lei 11.648/2008, trouxe a indicação de um novo ator social para a luta pela garantia dos direitos dos trabalhadores. Indaga-se se a legitimação das centrais sindicais trouxe avanços apenas a elas próprias, que passaram a lhes garantir fonte de receita e posição no cenário político, ou se realmente houve avanço na luta contra a proposta neoliberal de precarização das relações humanas em prol do crescimento econômico.
Palavras-chaves: centrais sindicais. Legitimidade. Representação. Lei 11.648/2008. Direitos fundamentais.
Abstract: The present study has the objective of analyzing the transformations on unionism in Brazil as a result of liberal economic policies, in special in regards to the adoption of legal alternatives to give to unions across the country. The debate between union freedom and its principles of the right to organize and to bargain collectively are in many ways contrary to the practical scenario of negotiation and workers’ protection in Brazil. The emergence of National Trade Unions – or “Centrais Sindicais” as they are called in Brazil – and the recognition of their legal status and role as social actors, which was done by Federal Law 11.648/2008, has done little to change the unionism movement as a whole in the country. Past controversies and historical aspects are considered obstacles to the effective participation of trade unions as key players of social dialogue. The question that arises nowadays is if the Federal Law is capable of changing the perspective about the part played by unions in general or if it only attended the interests of few groups of people and institutions.
Keywords: national trade unions. Legitimacy. Effective representation. Federal law 11.648/2008. Fundamental rights.
Sumário: 1. Introdução. – 2. Representação e representatividade. – 3. A Lei 1.648/2008 e as Centrais Sindicais. – 4. Conclusão.
1. Introdução
Não é novidade que o debate sobre as novas perspectivas para o movimento sindical se originam a partir das significativas mudanças no mundo do trabalho. É verdade que tal discussão ocupa o lugar central no âmbito dos movimentos sociais há algum tempo. No entanto, apesar de sua relevância, a discussão tem assumido contornos tão somente superficiais.
É natural argumentar que a desregulamentação das relações econômicas, os movimentos de reorganização industrial e a flexibilização do mercado de trabalho trouxeram impactos significativos na ação sindical. Aliado a isso, não se pode olvidar que o maior distanciamento do Estado das questões estruturais, postura que se alinha ao seu papel de indutor da economia e promotor do desenvolvimento, também auxilia no movimento de individualização das demandas e de limitação de atuação dos agentes sociais tão somente dentro dos limites das relações privadas. [1]
Enquanto se discutem as diversas transformações provocadas pelo avanço das políticas neoliberais mundo afora, pouca importância se dá ao fato de que, independente do modelo sindical que se adote ou queira se adotar no Brasil, os trabalhadores não encontram legítima representação. O mais grave, contudo, é que não se pode atribuir responsabilidade apenas à agenda de mundialização do capital. A responsabilidade há que ser dividida com o próprio contexto histórico de formação do movimento sindical no Brasil e com o distanciamento de conceitos fundamentais no âmbito do Direito do Trabalho.
A crise do sindicalismo não poderia ser atribuída tão somente aos movimentos da economia – que, sabidamente, são cíclicos e se reinventam a partir das necessidades globais dos mercados. Também devem ser consideradas nessa equação a pífia atuação dos agentes sociais na construção de um cenário mais equilibrado e justo.[2]
A letargia do debate impede que se avance no sentido de uma real reforma sindical que possa elevar os envolvidos à legítima representatividade sindical, distanciando-se de um contexto de mera representação formal, mais conectada com os interesses dos trabalhadores e próxima de efetivo trabalho de garantia.[3]
A oposição de interesses entre capital e trabalho é visceral e faz parte da natureza da relação entre ambos. Esse dualismo, evidentemente, gera consequências no âmbito do trabalho, tanto no plano individual quanto na dimensão coletiva das relações de trabalho.[4]
Apesar de conflitos individuais e coletivos conviverem dentro da mesma realidade das relações de trabalho, não se pode afirmar que a multiplicidade de conflitos individuais leve à caracterização de um conflito coletivo. As naturezas, objetivos e escopos são diferentes. Os conflitos coletivos podem ser considerados muito mais uma síntese do que a soma dos conflitos individuais.[5]
Os conflitos coletivos, por outro lado, exprimem uma luta para a consecução de interesses comuns, não circunstanciais. É exatamente nesse plano de construção de uma ideia coletiva, da busca pela solidariedade coletiva que se encontra o maior obstáculo do movimento sindical atual.
A coesão de um grupo apenas é possível a partir da ideia de solidariedade entre seus membros. Se, nas sociedades primitivas, essa proximidade era mecânica em razão do tamanho diminuto das comunidades e da semelhança entre os indivíduos, nas sociedades contemporâneas a relação entre os indivíduos se dá de forma orgânica, a partir da necessidade que todos possuem de sobreviver e de se relacionar para que cada qual alcance seus objetivos.[6]
Ocorre, todavia, que os atuais mecanismos institucionalizados de equilíbrio social não conseguem estabelecer limites razoáveis com vistas a essa solidariedade social.
As crises econômicas impõem alterações no Direito do Trabalho, acarretando, via de regra, precarização do emprego que, por sua vez, implica o enfraquecimento da solidariedade entre os integrantes da categoria profissional. Afetam, também, a consciência de agrupamento, o sentimento de pertença a uma classe. Em consequência, refletem nas organizações de representação, quais sejam os partidos políticos e os sindicatos. Nota-se, então, a nítida preocupação com a adoção de posturas menos contestadoras e mais defensivas, cada vez mais atreladas a efeitos contingenciais, imediatos.[7]
Numa sociedade em que os princípios de Adam Smith expostos em sua obra Wealth of Nations parecem ser exatamente a ordem a que Bauman se referiu, com a lógica própria da economia e de seus agentes, o papel do Estado parece ter sido reduzido significativamente. A visão puritana de que a economia possui a capacidade de se autoregular, que vendedores irão produzir bens e serviços exatamente o suficiente para atender a demanda de compradores, relação essa que irá gerar os sinais corretos, representados em forma de preços, que, por sua vez irão determinar a alocação de recursos e eliminar os menos eficientes, é reforçada de forma quase inconteste. KUTTNER (1991) indica que enquanto a marcha neoliberal passava, as ideias de Keynes, contraditórias ao ideário dominante, foram relevadas a notas de rodapé.[8]
Busca-se, nessa pesquisa, investigar em que medida a Lei nº 11.648/2008, que reconheceu formalmente a existência das centrais sindicais no Brasil, modificou os mecanismos de representação e representatividade dos trabalhadores?
2. Representação e representatividade dos trabalhadores: faces de uma mesma moeda?
A discussão sobre representação e representatividade passa, necessariamente, pela análise, ainda que breve, da crise do sindicalismo em três perspectivas: local, global e interna, referente à própria estrutura sindical.
Na perspectiva local, a fragilização do sindicalismo tem origem na própria legislação, que, ao mesmo tempo, por sua rigidez conceitual e procedimental, impede a atuação democrática das entidades. Adicionalmente, podem ser mencionados outros elementos, tais como a contribuição sindical obrigatória, a restrição do direito de greve, o descaso em relação a práticas antisindicais e a contaminação política da ação sindical.
No plano global, atentam contra o fortalecimento da representação sindical o discurso de flexibilização, a dispersão da unidade entre trabalhadores em razão da pulverização dos locais de trabalho, a inexistência de um ideário coletivo operário, as novas formas de contratação e organização do trabalho, a liquidez e a mobilidade das atividades produtivas.
Finalmente, na perspectiva interna, os sindicatos carregam consigo uma inércia orgânica, resquício de sua própria formação. A falta de percepção sobre as transformações que se operam a sua volta e a impossibilidade de se repensar dentro de uma estrutura econômica diferenciada.[9]
O papel do sindicato profissional, cada vez mais marginal, aproxima o movimento uma decisão inexorável: assumir um papel secundário de negociação em um cenário de disponibilidade de direitos, sem a sustentação de uma política pública de efetiva garantia de direitos aos trabalhadores ou reconhecer o campo político como seu único âmbito de atuação efetiva, sujeitando-se mais ainda ao Estado e escapando ao conflito com o poder econômico.
Ao serem desafiados à realidade do movimento, instados a manter direitos adquiridos, conquistar novos direitos, compreender aspectos econômicos e políticos que viabilizem suas propostas e aceitar a realidade de integração mundial, se percebe que o caminho que se coloca à frente dos sindicatos é cada vez mais incerto e tormentoso.[10]
Não há dúvida que a dinâmica das relações sociais, sobretudo aquelas relacionadas ao mundo do trabalho, cercadas por número crescente de variáveis, de diversas naturezas, exige regulação como meio de evitar a precarização completa das condições de trabalho. Também se impõe a adoção de postura mais ativa da representação de trabalhadores, de forma a tornar-se veículo essencial de diálogo, contemplando não apenas o equilíbrio entre interesses econômicos e sociais, mas, fundamentalmente, a aproximação de um cenário de plena efetivação dos direitos fundamentais.[11]
A atuação sindical no contexto do liberalismo assume contornos fundamentais na medida em que representa não apenas o cumprimento protocolar da dialética capital-trabalho, mas o elemento que garante a observância de direitos inscritos. Vale dizer, nesse contexto, que aos sindicatos também se aplicam os princípios de democracia e pluralismo político e, em assim sendo, entende-se que a atuação das entidades de representação consolida a expressão de cidadania pretendida pelo Estado Democrático de Direito.[12]
Mesmo diante desse quadro, o sindicalismo brasileiro ainda não consegue se desvencilhar de seus estágios mais básicos de afirmação, na medida em que a própria legislação lhe restringe a atuação com plena liberdade.
O artigo 8º da Constituição Federal de 1988[13] garante a liberdade sindical, a vedação de interferência do Poder Público na fundação de sindicatos, o monopólio sindical dentro da base territorial mínima de um município (unicidade sindical), a prerrogativa de defesa dos interesses dos trabalhadores em juízo, a participação obrigatória nas negociações coletivas, a garantia de trabalho aos dirigentes sindicais e o custeio compulsório do sistema confederativo.
O texto constitucional, no entanto,, possui inconsistências fatais, às quais podem ser atribuídas, em certa medida, o descompasso e a fragilidade do movimento sindical brasileiro.
A liberdade sindical prevista no inciso I do artigo 8º da Lei Maior não é absoluta, devendo ser interpretada à luz dos outros incisos do mesmo dispositivo, sobretudo aquele que estabelece a unicidade sindical (inciso II). Curiosamente, portanto, no Brasil, a liberdade sindical tem um caráter perverso: existe no momento em que cada indivíduo possui o direito constitucional de associar-se a um sindicato, mas, ao mesmo tempo, desaparece em razão da impossibilidade de se constituir livremente uma organização de representação ou de se associar àquela que se entende mais conveniente. O princípio da liberdade jamais alcança seu objetivo constitutivo, primado básico da liberdade sindical e ratificado na Convenção nº. 87 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). O trabalhador possui a liberdade de filiação, ou não, apenas ao sindicato “oficial”, qual seja aquele que se submeteu ao filtro estatal de reconhecimento e investidura.[14]
O procedimento do registro sindical, ao descaracterizar a liberdade e abrir as portas à ingerência estatal, como veremos em seguida, fulmina a verdadeira representatividade que o caput do mesmo artigo 8º pretendeu observar.[15]
Vale lembrar que no âmbito da representação processual o procedimento de registro foi considerado, nesse caso, como elemento fundamental, conforme Orientação Jurisprudencial 15 da Seção de Dissídios Coletivos (SDC) do Tribunal Superior do Trabalho.[16]
Para todos os outros efeitos, encontram-se limitadas às entidades devidamente registradas no Ministério do Trabalho os benefícios dos demais incisos do artigo 8º, em especial a unicidade prevista pelo inciso II, a investidura como substituto processual do inciso III, a contribuição sindical compulsória do inciso IV e a obrigatória participação em negociações coletivas do inciso V.
Como, então, dentro desse contexto, pode-se falar em representatividade?
Prevalece, no Brasil, mecanismo de representação formal, desprovido, salvo casos específicos, de efetiva representatividade.
A representação está ligada ao plano a legalidade e aí se manifesta. Apenas nesse âmbito é que se pode compreender toda a plataforma de registro sindical.[17]
Representação é um conceito que cristaliza o vínculo de determinado trabalhador, individualmente considerado, a um interlocutor que possui a faculdade de atuar em seu nome. É, portanto, uma relação privada que se estabelece entre o trabalhador e a entidade que a lei indica como intérprete de seus interesses.[18]
O conceito atual de representação, então, nos parece contaminado pela confusão que se estabelece a partir da premissa de que o sindicato seja, de fato, uma associação de interesses. Essa concepção purista desconsidera os contextos históricos em que foram criados e dentro do quais os sindicatos pautaram sua atuação. Assim, partindo do princípio de que os sindicatos assumiram, especialmente no Brasil e em outros países da América Latina, papéis mais voltados à atuação política, faz sentido dizer que a representação seja a outorga legal para que atue nessa perspectiva. Desafortunadamente, essa atuação política – impulsionada por favores estatais e concessões movidas por interesses – encontra-se cada vez mais distante dos desejos da classe trabalhadora.[19]
Esse é ponto de distinção entre a representação e a representatividade.
A representatividade contempla um poder, uma qualidade[20] outorgada pela categoria representada, que, reconhecendo determinada entidade como um interlocutor de fato e de direito, lhe confere o papel de porta-voz, de sujeito coletivo na defesa de seus interesses. É a representatividade que exprime o pensamento coletivo dos representados e é ela quem define – ou pelo menos deveria definir – a agenda de participação nos debates sociais e as plataformas da atuação na discussão das políticas públicas referentes às relações de trabalho.[21]
Em verdade, a eficácia erga omnes a todos os representados das convenções e acordos coletivos de trabalho é um dos elementos que dificultam a efetividade representatividade dos sindicatos profissionais.
Com efeito, em um cenário normativo que privilegia a representação formal, que garante o financiamento e beneficia o jogo político, os reais interesses da categoria são preteridos em prol dos interesses institucionais do próprio sindicato e de seus dirigentes.
A questão, então, retorna às idiossincrasias da estrutura dos sindicatos e do momento histórico de formação das suas bases.
A estrutura sindical brasileira manteve-se praticamente a mesma desde sua implementação. Embora os diversos períodos históricos demonstrem alteração da conjuntura política, poucos foram os reflexos no modelo sindical.[22]
3. Os percalços históricos do movimento sindical brasileiro e seus reflexos na representatividade sindical
Até o século XIX, a economia nacional estava estruturada em torno de atividades rurais. No Nordeste, o açúcar e o algodão. No Rio Grande do Sul e no vale do São Francisco, o gado. Posteriormente, a cultura de café surge e prospera em São Paulo. A mão-de-obra era nômade, sem qualquer ocupação fixa. Na época, as primeiras organizações de trabalhadores assumiam caráter assistencial e beneficente, na medida em que os indivíduos se reuniam em grupos de auxílio mútuo. Aos poucos, essas aglomerações adquiriam uma natureza mais contestadora, lutando pela melhoria dos salários e redução da jornada de trabalho.[23]
A escravidão anulou completamente o surgimento de classes sociais trabalhadoras. A quantidade de ocupações que se destinavam ao homem livre era mínima, de forma que não haveria vontade política para que se falasse em garantia de direitos trabalhistas.[24]
A abolição da escravatura significou a imediata falta de mão-de-obra nas atividades rurais, o que levou o Brasil a abrir suas portas à imigração europeia[25]. Esses trabalhadores, curiosamente, já traziam alguma consciência de organização sindical e política, frutos do contexto laboral vivenciado nos países europeus.[26]
A primeira lei sindical no Brasil, o Decreto nº. 979, de 1903, atendia às propostas da Igreja Católica e propunha a união entre capital e trabalho no campo, permitindo a sindicalização de profissionais da agricultura e das indústrias rurais. Eram de natureza mista, ou seja, tanto para empregados quanto para empregadores, e possuíam liberdade de escolha de representação. A função principal era assistencial, com a criação de fundos para os sócios, concedendo-lhes créditos e possibilitando a comercialização de seus produtos[27]. Segundo AROUCA, o Decreto representava muito mais “a introdução do cooperativismo, sem muito propósito de promoção da unidade de classe”[28].
O Decreto nº. 1.637, de 1907, estendeu o escopo da norma anterior para contemplar todos os trabalhadores, urbanos e rurais. Estabelecia normas gerais para a criação dos sindicatos, os quais teriam por objetivo o estudo, a defesa e o desenvolvimento dos interesses gerais da profissão e dos interesses profissionais de seus membros[29]. Observe a dicção do artigo 2º de referido Decreto, que dispunha ser livre a constituição dos sindicatos, “sem autorização do Governo”.
Deste período até 1930, o Brasil se mantém eminentemente agrícola, com indústria incipiente. O movimento sindical havia obtido, até então, resultados modestos em razão das disputas ideológicas internas entre anarquistas, trotskistas e comunistas.[30]
A chegada de Getúlio Vargas ao poder representou a possibilidade de a Aliança Liberal concretizar sua plataforma. Para administrar as questões sociais, foi criado o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, à cargo de Lindolfo Collor. Nesse momento, tinha início o esboço de “parceria” entre Estado e organização sindical que perduraria até os dias atuais. Em troca do reconhecimento formal de algumas conquistas no campo social, as quais haviam sido obtidas através de inúmeros movimentos grevistas, o movimento de maior controle dos sindicatos justificou-se pela necessidade de conter a agitação social e a perda de preciosas horas de produção em um momento de desenvolvimento inicial da indústria nacional.[31]
O Decreto nº. 19.770, de 19 de março de 1931, tinha uma agenda bastante clara: atrelar os sindicatos ao controle do Estado, assumindo natureza de órgão auxiliar, de colaboração com os anseios estatais. Em troca, o compromisso de proteção social através da legislação, nos termos do artigo 1º de referido Decreto. A submissão e o controle dos sindicatos estavam expressos, por sua vez, no artigo 2º do mesmo diploma, que condicionavam a legalidade da atuação sindical à autorização do Ministério do Trabalho, responsável, inclusive, pela aprovação dos estatutos da entidade. O artigo 6º é ainda mais emblemático ao reconhecer os sindicatos como “órgãos de colaboração com o Poder Público”, o que, de forma indelével, revela as características que o movimento sindical adotaria a partir de então.[32]
Entre 1931 e a Constituição de 1934, surgiram outros diplomas que possuem relevância para a formação do cenário sindical: o Decreto nº. 21.761, de 23 de agosto de 1932, que institui a Convenção Coletiva de Trabalho; o Decreto nº. 22.132, de 25 de novembro de 1932, que institui juntas de conciliação e julgamento para processos de empregados sindicalizados e o Decreto nº. 23.768, de 23 de agosto de 1934, que regulamentava a concessão de férias aos empregados sindicalizados nas indústrias.
Entre 1934 e 1937, o Brasil viveu duas situações até então inéditas e o reconhecimento da atuação sindical ganhou assento constitucional.
A Constituição Federal de 1934, em seu artigo 120, estabelecia que “Os sindicatos e as associações profissionais serão reconhecidos de conformidade com a lei.”[33]. Antecipando essa diretriz constitucional, foi publicado o Decreto 24.694, de 12 de julho de 1934, segundo o qual a pluralidade sindical ficava reconhecida pela possibilidade de instituição de “[…]sindicatos como tipos específicos de organização das profissões que, no território nacional, tiverem por objeto a atividade lícita, com fins econômicos, de qualquer função ou mistér.”[34]. A tutela ministerial permanecia, nos termos do artigo 8º, § 2º, segundo o qual “Os estatutos só entrarão em vigor depois de aprovados pelo Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio”.
Por sua vez, a Constituição de 1937 estabelecia uma liberdade contraditória em seu artigo 138. Ao mesmo tempo em que afirmava ser livre a associação profissional ou sindical, vinculava o direito de representação legal do sindicato, a possibilidade de assinatura de contratos coletivos de trabalho, a imposição de contribuições e, notem, a legitimidade para o exercício de função delegada do Estado, apenas àqueles regularmente reconhecido pelo Estado.[35]
A experiência pluralista, todavia, não surtiu os efeitos desejados em razão do detalhamento do texto do Decreto e das inúmeras restrições à verdadeira liberdade sindical. Adicionalmente ao texto altamente interferente, há que se reconhecer que a própria classe trabalhadora não estava preparada para um modelo de sindicalismo totalmente liberto do Estado.[36]
O Decreto-lei nº. 1.402, de 05 de julho de 1939, estabeleceu as bases da associação em sindicatos, fixando que seriam assim consideradas as a associações constituídas para fins de estudo, defesa e coordenação dos interesses profissionais daqueles que exercessem a mesma profissão, profissões similares ou conexas. Na mesma esteira de normas anteriores, somente as associações profissionais registradas de acordo com a lei – que, obviamente, submetia as associações ao crivo do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio – poderiam ser reconhecidas como sindicatos e investidas nas prerrogativas ali definidas.[37]
Ainda no momento anterior à CLT, importante mencionar o Decreto-lei nº. 2.377, de 8 de julho de 1940, que criou o imposto sindical[38] – e cuja estrutura de cobrança permanece idêntica à de hoje, mais de 70 anos depois – e o Decreto-lei nº. 2.381, de 9 de julho de 1940, que aprova o quadro das atividades e profissões para o enquadramento sindical – que, por seu turno, serviu de base ao quadro do artigo 577 da CLT, que surgiria logo em seguida.
Foi esse o contexto do surgimento da CLT e dos capítulos que se ocuparam das questões sindicais. Naquele momento, diante de uma explosão legislativa, o debate sobre alteração na estrutura recém-formada seria impensável e descabido. A estrutura do sindicalismo no Brasil estava estruturada em três eixos muito bem determinados: sindicatos “oficiais”, reconhecidos pelo Estado como entes dotados de personalidade para representar a categoria e servir como braço da política nacional; unicidade sindical, que garante a uniformidade do discurso e a concentração das ações políticas, e o imposto sindical, em troca do qual as entidades ofereceriam pouca resistência e auxiliariam na pacificação de focos de desordem social.
Entre 1943 e 1967, todos os assuntos ligados aos movimentos de trabalhadores e à organização sindical sujeitaram-se a interesses muito mais políticos do que sociais. Os comunistas, que passaram a ser tratados como alados e pretendiam fazer uma aliança com o Governo Vargas, buscavam aumentar sua participação e a interferência na organização sindical. Como não podiam controlar os sindicatos oficiais, criaram o Movimento Unificador dos Trabalhadores – MUT, veículo principal de disseminação do ideário comunista entre dirigentes sindicais. Os comunistas lançaram campanhas de sindicalização em massa e pressionaram o governo para que fossem alterados alicerces do sindicalismo oficial, especialmente no que se referia à interferência do Ministério do Trabalho na criação de novos sindicatos. Curiosamente, nada se falava em relação ao imposto sindical.[39]
Nos governos militares, marcados pelo nacionalismo, não houve participação do movimento operário, e observa-se um cerceamento completo da atuação dos sindicatos, com repressão violenta, cassação de mandatos e autorizações sindicais e perseguição de dirigentes[40]. A adoção de uma política econômica mais desenvolvimentista, preocupada com o crescimento a qualquer preço, com controle absoluto do Estado em todos os aspectos trabalhistas, significou, aos assalariados, verdadeiro período de arrocho e redução de direitos e garantias. As negociações coletivas, nesse cenário, resumiam-se à discussão de poucos benefícios, como férias, transportes, condições de trabalho e produtividade. Os reajustes salariais eram automáticos, de modo a evitar as discussões e a participação dos sindicatos. O declínio do governo militar acaba coincidindo com um período de forte desaceleração, o que acabou por transformar as fábricas em agrupamentos de resistência. Os anseios da classe trabalhadora, todavia, não eram atendidos pelos sindicatos cartoriais estruturados em torno dos interesses do governo. É justamente a partir dessa colisão de interesses que se forma a base para o movimento sindical das décadas seguintes.
Na década de 80, o sindicalismo brasileiro adotou uma postura de conflito com o patronato, fruto de um profundo processo de restruturação do trabalho observado pelas indústrias estabelecidas no Brasil, especialmente em São Paulo. Passam a ocupar a centralidade das discussões a manutenção do emprego e o estabelecimento de acordos que possibilitassem maior participação dos trabalhadores em processos de melhoria contínua na gestão das empresas.[41]
De toda sorte, a história normativa confirma que a discussão jurídica sobre o sindicalismo no Brasil nunca se ocupou da discussão sobre a efetiva representatividade.[42] Fixou-se, no país, talvez de forma voluntária e bem articulada, o continuísmo na gestão dos assuntos sindicais. Mantém-se a mesma estrutura até que ela se consolide e seja tarde demais para alterá-la.
Até mesmo nos momentos em que se constrói um cenário de modificação, a estrutura é mantida, como se observa através da Lei nº 11,648/2008 que reconheceu formalmente a existência das centrais sindicais.
4. A Lei 11.648/2008 e as centrais sindicais
Como se já não bastassem os problemas orgânicos da estrutura sindical brasileira, com reduzida representatividade efetiva, a Lei nº. 11.648/2008 agravou o que já era crítico: concedeu reconhecimento às Centrais Sindicais, dando-lhes as prerrogativas, nos termos do artigo 1º da Lei, de coordenar a representação dos trabalhadores por meio das organizações sindicais a ela filiadas e participar de negociações em espaços de diálogo social que possuam composição tripartite, nos quais estejam em discussão assuntos de interesse geral dos trabalhadores[43]. Embora a Lei estabeleça critérios quantitativos mínimos para a caracterização como Central Sindical, manteve o ranço do intervencionismo estatal ao prever, no artigo 4º, que “A aferição dos requisitos de representatividade de que trata o art. 2º desta Lei será realizada pelo Ministério do Trabalho e Emprego”. Contemplou, ainda, as Centrais Sindicais com uma fatia da participação do imposto sindical, concedendo-lhes 10% da contribuição arrecadada dos trabalhadores.
A análise do cabimento dos requisitos mínimos de representação para fins de caracterização como Central Sindical depende, inicialmente, da verificação da pertinência das atuais normas autorizadoras da formação dos próprios Sindicatos.
Atualmente, se colocam em questionamento a adoção dos artigos 570 e 577 da CLT como parâmetros para o enquadramento sindical, especialmente à luz do artigo 8º da Constituição Federal. Não há como defender, hoje, com a velocidade com a qual as atividades econômicas de transformam, o perfeito encaixe de todas elas com aquelas discriminadas nos termos dos artigos 570 e 577. Aceitar esse argumento seria admitir que o legislador teria sido capaz de antever todos os desdobramentos da atividade econômica e elaborar uma listagem que contempla absolutamente todas as categorias econômicas e profissionais.
O critério que nos parece válido e aceitável é justamente o do artigo 511 da CLT, segundo o qual os indivíduos possam se associar para a defesa de interesses comuns a partir do exercício da mesma atividade ou profissão ou nos casos em que haja similaridade entre elas.
A dicção dos parágrafos 1º e 2º, aliás, que estabelecem os fundamentos dessa proximidade na existência de vínculo de solidariedade, uma proximidade social e uma semelhança nas condições de vida dos indivíduos que exercem as mesmas atividades, aproxima-se muito da noção de real representatividade que anteriormente expusemos.
A determinação do artigo 8º, inciso I, da Constituição Federal tem como destinatários os próprios sindicatos e não as categorias econômicas ou profissionais. As categorias, por sua vez, se formam espontaneamente, e não lhes são impostas restrições à reunião em associações. A tendência, portanto, é a criação de inúmeras categorias e, por consequência, inúmeros sindicatos.
O controle que se faz, portanto, no Brasil, é reverso. Partindo da premissa que não há como limitar a criação de categorias econômicas e/ou profissionais, o filtro sobre a legítima representação é feito a posteriori, isto é, o sindicatos são criados, com o discurso da “liberdade” sindical, e, posteriormente é feito o crivo acerca da legalidade de constituição. O critério de definição não deve representar nenhuma surpresa: aquele que primeiro efetuou o registro nos órgãos competentes do Ministério do Trabalho.[44]
Com essa orientação, o cenário é bastante nebuloso: existem cada vez mais sindicatos representando menos trabalhadores. Os números não deixam sombra de dúvida. Entre 1931 e 2001, o número de sindicatos existentes no Brasil passou de 44 para 15.961.[45]
As taxas de representação, ou seja, o número de trabalhadores associados a sindicatos tem se mantido estável na última década. Se considerarmos a população de mais de 10 anos associadas a sindicatos, a variação foi mínima. Em 2001, 16,73% da população estava associada a algum tipo de sindicato ao passo em 2009 esse percentual era de 17,75%.[46]
Se considerarmos apenas os empregados urbanos com mais de 18 anos, o mesmo cenário de estabilidade se mantém. Em 2001, 58,01% dos trabalhadores estavam associados a algum sindicato. Ao final da década, em 2009, 59,73% dos trabalhadores estavam nessa condição.[47]
É fácil observar, portanto, que enquanto as taxas de associação permanecem as mesmas, o número de sindicatos se multiplicou. A imensa maioria dessas entidades, sabidamente, não representa interesse ou categoria alguma.
Atualmente, segundo dados do Ministério do Trabalho e Emprego, existem, em atividade, 9.359 sindicatos de trabalhadores e 4.262 sindicatos de empregadores. Do total de entidades que representam os trabalhadores, 6.907 (73,81%) são de empregados, 1.253 (13,39%) de servidores públicos, 433 (4,63%) de categorias diferencias e o restante divide-se entre autônomos, avulsos e profissionais liberais.[48]
Com relação a filiação à Central Sindical, os dados indicam que do total de entidades que representam trabalhadores, 66,03% (6.180 sindicatos) estão filiados a alguma Central e 33,97% (3.179 sindicatos) não estão filiados a nenhuma Central.[49]
Mesmo diante desse quadro de exclusão de aproximadamente 30% dos sindicatos, o Ministro do Trabalho e Emprego, mediante despacho[50], reconheceu o devido “Certificado de Legitimidade” a 6 Centrais Sindicais, a saber:
a) Central Única dos Trabalhadores, com índice de representatividade de 38,23%;
b) Força Sindical, com índice de representatividade de 13,71%;
c) CTB – Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil, com índice de representatividade de 7,55%;
d) UGT – União Geral dos Trabalhadores, com índice de representatividade de 7,19%;
e) NCST – Nova Central Sindical de Trabalhadores, com índice de representatividade de 6,69%;
e) CGTB – Central Geral dos Trabalhadores do Brasil, com índice de representatividade de 5,04%;
Os percentuais acima indicados são calculados com fundamento nos critérios estabelecidos pela Portaria MTE 194, de 17 de abril de 2008, que aprova instruções para a aferição dos requisitos de representatividade das centrais sindicais. Infelizmente, os critérios de aferição da representatividade foram restrito a indicadores de natureza meramente quantitativa[51], contribuindo ainda mais para a caótica organização do modelo sindical atual e concentrando, de forma ainda maior, os poderes no âmbito do Ministério do Trabalho e Emprego, o que, em nossa opinião, significa um grande retrocesso a todo o movimento de busca pela efetiva representatividade.
Associada à Portaria MTE 194/2008, a Portaria 186, de 10 de abril de 2008, que disciplina os pedidos de registro sindical no âmbito do Ministério do Trabalho e Emprego. Ela cristaliza toda a desestruturação do modelo sindical brasileiro, auxiliando ainda mais para a conformação do que VIANA denomina de “manicômio sindical”.[52]
A missão a Portaria 186/2008 é bastante clara: atuar como protetora máxima da unicidade sindical, tantos são os dispositivos e argumentos criados para o arquivamento de pedidos de criação de novos sindicatos. Já que não se consegue conter a multiplicação dos sindicatos, que se criem obstáculos à alterações significativas, ainda que elas representem avanços para a maior representatividade dos trabalhadores. Perdeu-se, sem dúvida, a oportunidade de se elaborar critérios arejados, justos e que rumassem no sentido da redução dos prejuízos que o modelo sindical brasileiro apresentou até o momento.
4. Conclusão
Se o enfraquecimento das entidades sindicais já era observado há algum tempo em razão das conjunturas externas, o cenário se agrava na medida em que não se encontram respostas compatíveis à crescente falta de representatividade, o que coloca em risco o efetivo diálogo social e melhoria das condições de trabalho.
O desenvolvimento é importante e desejado na medida em que ocorra em benefício da sociedade. O papel de interlocução dos sindicatos na direção desse objetivo é fundamental, pois, caso contrário, em um cenário de aprofundamento das desigualdades e redução da condição social, não há razão alguma para manter um sistema absolutamente obsoleto e inoperante.
Algumas sugestões podem ser colocadas como alternativas à multiplicação de sindicatos sem representatividade. Critérios que privilegiem (a) o número de filiados – de forma a avaliar a efetiva penetração da entidade sindical na organização social, nos temos da alínea “a” do artigo 519 da CLT; (b) a qualidade dos serviços prestados, conforme a alínea “b” do mesmo dispositivo; (c) o valor do patrimônio da entidade, de acordo com a alínea “c” do artigo 519 da CLT, comprovando que a entidade consegue se manter sem depender exclusivamente do imposto sindical; (d) inversão do ônus da prova para a entidade que pretende se desmembrar, comprovando que possui condições de representar a categoria de forma regular e efetiva; (e) a comprovação de capacidade financeira de financiar suas atividades de representação; (f) comprovação da escolha democrática, pela assembleia de interessados, que a formação de uma nova entidade represente, de fato, a vontade coletiva; e (g) comprometimento da nova entidade com princípios de democracia sindical interna, com alternância do corpo diretivo.[53]
A proposta de organização sindical não deve resultar no abandono da ação política e dos princípios de resistência, mas deve se aproximar da verdadeira vontade de representação e do alinhamento com os interesses das classes representadas.
Advogado. Possui graduação em Direito pelas Faculdades Integradas Curitiba (2002) e Especialização em Direito do Trabalho pela mesma instituição, MBA Executivo in Mangement pela FAE Business School e Master of Business Adminstration (MBA) pela Baldwin-Wallace College (Berea, Ohio, Estados Unidos). Mestrando no Programa de Mestrado em Direito Empresarial e Cidadania do Centro Universitário Curitiba – UNICURITIBA.
Juiz Titular da 9ª Vara do Trabalho de Curitiba. Doutor pela UFPR/2002. Professor do Programa de Mestrado do UNICURITIBA
Acidentes de trânsito podem resultar em diversos tipos de prejuízos, desde danos materiais até traumas…
Bloqueios de óbitos em veículos são uma medida administrativa aplicada quando o proprietário de um…
Acidentes de trânsito são situações que podem gerar consequências graves para os envolvidos, tanto no…
O Registro Nacional de Veículos Automotores Judicial (RENAJUD) é um sistema eletrônico que conecta o…
Manter o veículo em conformidade com as exigências legais é essencial para garantir a sua…
Os bloqueios veiculares são medidas administrativas ou judiciais aplicadas a veículos para restringir ou impedir…