Considerações acerca da Lei Federal nº 12.850/2013: da organização criminosa

Resumo: A Lei nº 12.850/2013, que dispõe sobre a organização criminosa, sua investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal, estabelece que organização criminosa é a associação de quatro ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a quatro anos, ou que sejam de caráter transnacional. Assim, este estudo teve como objetivo a análise dos dispositivos legais disciplinados pela Lei da Organização Criminosa, utilizando-se como metodologia aplicada a pesquisa bibliográfica. Constatando-se, por fim, que a Lei nº 12.850/2013 trouxe inovações consideráveis para as investigações e colheita de provas, consistindo os referidos instrumentos em facilitadores aos agentes estatais no combate às organizações criminosas, considerando que tais agremiações estão em crescente desenvolvimento e aparelhamento.

Palavras-chave: Organização criminosa. Lei nº 12.850/2013. Investigação. Prova.

Abstract: The Law nº 12.850/2013, which provides for the criminal organization, a criminal investigation, the means of obtaining evidence, related criminal offenses and the prosecution establishes that criminal organization is the association of four or more people and ordered structurally characterized by division of labor, even if informally, in order to obtain, directly or indirectly, an advantage of any kind, through the practice of criminal offenses whose maximum to be more than four years, or that have a transnational character. Thus, this study aimed to analyze the legal provisions disciplined by the Law of Criminal Organization, using as methodology applied to literature. Though there is, finally, that Law nº. 12.850/2013 brought significant innovations to the investigation and collection of evidence, consisting these instruments facilitators to State agents in the fight against criminal organizations, considering that such associations are in constant development and rigging.

Keywords: Criminal Organization. Law nº 12.850/2013. Research. Proof..

Sumário: Introdução. 1. Do conceito de organização criminosa. 2. Do crime de organização criminosa. 3. Da investigação e meios de obtenção de prova. 3.1. Da Colaboração premiada. 3.2. Da ação controlada. 3.3. Da infiltração de agentes. 3.4. Do acesso a registros, dados cadastrais, documentos e informações. 3.5. Crimes ocorridos na investigação e na obtenção da prova para processar e julgar organizações criminosas. Conclusão. Referências.

Introdução

Diariamente são veiculados nos meios de comunicação notícias e dados sobre a crescente onda de criminalidade, comumente promovida por agremiações criminosas. Diante disso, o legislador vem buscando prover o aparato estatal de persecução criminal com instrumentados para combate ao crime, tanto materiais quanto legais.

É o caso da Lei de Organização Criminosa, publicada no dia 02 de agosto de 2013, Lei nº 12.850, definindo organização criminosa e dispondo sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal, revogando a Lei no 9.034, de 3 de maio de 1995.

Dispondo, em conceito legal, ser organização criminosa a associação de quatro ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a quatro anos, ou que sejam de caráter transnacional.

Como objetivo deste trabalho, buscou-se analisar os dispositivos legais insertos na Lei nº 12.850/2013, sobre as organizações criminosas, sua investigação criminal e os meios de obtenção de prova, utilizando como metodologia a pesquisa bibliográfica por meio de livros, leis, revistas e artigos.

Assim, este estudo foi dividido, basicamente, em três partes. O primeiro capítulo trata do conceito de organização criminosa e um breve relato histórico do tema. O segundo tópico trata do delito de organização criminosa. Adiante, tem-se uma análise mais detida da investigação e meios de obtenção de prova, destacando a colaboração premiada, a ação controlada, a infiltração de agentes, o acesso a registros, dados cadastrais, documentos e informações e os crimes ocorridos na investigação e na obtenção da prova para processar e julgar organizações criminosas. E, por derradeiro, algumas considerações finais.

1. Do conceito de organização criminosa

Inicialmente, convém trazer um breve escorço histórico sobre o tema. Comumente se associa a ideia de organização criminosa com os sistemas de poder político-econômico da globalização, tomando como exemplos o modelo do crime organizado americano, caracterizado por aspectos etnográficos, principalmente estrangeiros e o modelo italiano, tendo por expoente a máfia siciliana.

Os autores se dividem quanto aos sistemas da organização criminosa na história universal. Segundo Mingardi (1998), as organizações criminosas originaram, sucintamente, em quatro ocasiões distintas: 1) no sistema prisional, como o Comando Vermelho, o PCC (Primeiro Comando da Capital) e a Camorra; 2) por meio da união de pequenas quadrilhas, como a Yakusa; por meio de laços sanguíneos que unem grupos numa terra dominada por estranhos, como a Máfia de Nova York; e por agremiações interessadas na manutenção do monopólio de uma mercadoria ou serviço, como o Cartel de Cali.

Enquanto que Timoteo (2007), retrocedendo historicamente, identifica traços comuns em organizações criminosas como a Yakuza japonesa, as Máfias italianas e as Tríades chinesas, surgidas ainda século XVII, que combatiam os desmandos cometidos pelas autoridades arbitrárias do Estado, principalmente contra aqueles que moravam nas regiões rurais, carecedores da assistência do poder público. Pontua, ainda, que esses movimentos somente se desenvolveram por haver conivência de autoridades corruptas nos locais onde atuavam.

No entanto, a doutrina majoritária, considerando os aspectos fundamentais e o modus operandi das organizações criminosas atuais, aponta que ser a influência do capitalismo e da globalização os pontos cruciais, portanto, não há necessidade de minuciosa digressão histórica.

No Brasil, segundo Silva (2003), o mais provável é que com a proibição do jogo do bicho, originou um movimento organizado, que resultou na primeira infração organizada do país. Explica-se, o jogo do bicho foi criado pelo Barão de Drumond com o objetivo de salvar os animais do Jardim Zoológico do Rio de Janeiro. Ocorre que a ideia ganhou o gosto popular e logo passou a ser gerenciada por grupos organizados mediante a corrupção de policiais e políticos.

Nas décadas de 1970 e 1980, diante do convívio entre presos comuns e presos políticos (professores, profissionais liberais, artistas etc) que lutavam contra o regime militar, houve a difusão de conhecimento principalmente nos presídios do Rio de Janeiro, tais como táticas de guerrilhas e crimes sistematizados, visando a adesão dos presos comuns à causa política, inclusive, com feitio socialista, surgindo, assim, as primeiras formações de grupos criminosos organizados.

De forma bastante didática, Silva (2003) explica que a violência organizada atualmente disseminada no Brasil tem seu nascedouro nas penitenciárias do Rio de Janeiro nas décadas de 70 e 80: a Falange Vermelha, formada por quadrilhas especializadas nos roubos a bancos, originada no presídio da Ilha Grande; o Comando Vermelho, liderado pelos chefões do narcotráfico, com berço em Bangu 1; o Terceiro Comando, oriundo do Comando Vermelho, surgida no mesmo presídio, em 1988, por membros que não concordavam com a prática sequestros e crimes comuns nas áreas de atuação da organização. Em São Paulo, nos anos 90, no presídio anexo à Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté, surgiu o PCC – Primeiro Comando da Capital, com atuação criminosa diversificada em diversos Estados.

A atuação do crime organizado no Brasil talvez não tenha o alcance que teve a máfia ítalo-americana Cosa Nostra, atuando com eficiência em diversas regiões do país e variados setores, tais como o Executivo, Judiciário e Legislativo, mas se aproxima pela organização, hierarquia e disciplinas rígidas, ações constantes visando o aumento do poder, violência, corrupção de agentes e servidores públicos, atividades clandestinas etc.

Em decorrência dos fatos acima narrados surge a Lei nº 9.034, de 03 de maio de 1995, definindo e regulando os meios de prova e procedimentos investigatórios que versarem sobre crime resultante de ações de quadrilha ou bando. Sendo que a Lei nº 10.217, de 11 de abril de 2001, trouxe nova redação, estabelecendo que a supracitada norma definiria e regularia os meios de prova e procedimentos investigatórios que versem sobre ilícitos decorrentes de ações praticadas por quadrilha ou bando ou organizações ou associações criminosas de qualquer tipo. 

Bastante criticada por ser uma norma lacunosa, era considerada mais um obstáculo às ações repressivas contra o crime organizado do que um instrumento para tal. E, também, não trouxe a definição legal do que seria uma organização criminosa, mantendo um conceito aberto, vago.

No dia 02 de agosto de 2013, foi publicada a Lei nº 12.850, definindo organização criminosa e dispondo sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal, revogando a Lei no 9.034, de 3 de maio de 1995.

Em seu art. 1º, § 1o, estabelece um conceito legal que a organização criminosa compreende a associação de quatro ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a quatro anos, ou que sejam de caráter transnacional.

Complementando, no mesmo art. 1º, § 2o, a Lei nº 12.850/2013 também se aplica às infrações penais previstas em tratado ou convenção internacional quando, iniciada a execução no Brasil, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente (inciso I); e às organizações terroristas internacionais, reconhecidas segundo as normas de direito internacional, por foro do qual o Brasil faça parte, cujos atos de suporte ao terrorismo, bem como os atos preparatórios ou de execução de atos terroristas, ocorram ou possam ocorrer em território nacional (inciso II).

De acordo com Pereira e Silva (2013), as mudanças conceituais e tipológicas inovadas pela Lei 12.850/13 são evidentes e substanciais. Devendo-se enumerá-las: a) o número mínimo de integrantes exigidos no novo diploma passa a ser de quatro pessoas, e não apenas três como na norma anterior; b) a nova definição não traz apenas crimes, pois passou a compreender as infrações penais, crimes e contravenções (art. 1º, Lei de Introdução ao Código Penal), abarcando, ainda, as infrações punidas com pena máxima superior a quatro anos, e não mais as com pena máxima igual ou superior a este número; c) a prática de crimes com pena máxima igual a quatro anos, tais como o furto simples (art. 155, CP) e a receptação (art. 180, CP), restaram afastados do novo conceito de crime organizado. Ressalta-se que o contrabando e o descaminho (art. 318, CP) apesar de terem a pena máxima igual a quatro anos, são essencialmente transnacionais, motivo pelo qual estão incluídos; d)  a nova lei  inovou também ao estender o conceito às infrações penais previstas em tratados internacionais quando caracterizadas pela internacionalidade; e ainda aos grupos terroristas internacionais.

2. Do crime de organização criminosa

A Lei nº 12.850/13 inovou ao tipificar de forma autônoma o delito de organização criminosa, seu art. 2o, caput, dispondo que é crime promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa, pena de reclusão de três a oito anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas. Incorrendo nas mesmas penas quem impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que envolva organização criminosa (§ 1o).

As causas de aumento de pena também estão previstas no art. 2º, parágrafos 2º, 3º e 4º. Assim, as penas são aumentadas até a metade se na atuação da organização criminosa houver emprego de arma de fogo (§ 2o). As sanções serão agravadas para quem exerce o comando, individual ou coletivo, da organização criminosa, ainda que não pratique pessoalmente atos de execução (§ 3o).

O § 4o, art. 2º, prescreve que a pena será aumentada de um sexto a dois terços quando: a) houver participação de criança ou adolescente; b) concurso de funcionário público, valendo-se a organização criminosa dessa condição para a prática de infração penal; c) se o produto ou proveito da infração penal destinar-se, no todo ou em parte, ao exterior; d) se a organização criminosa mantiver conexão com outras organizações criminosas independentes; e) se as circunstâncias do fato evidenciarem a transnacionalidade da organização.

O novo estatuto também estabelece procedimento diferenciado quando houve participação de funcionário público. Havendo indícios suficientes de que este integra organização criminosa, poderá o juiz determinar seu afastamento cautelar do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração, quando a medida se fizer necessária à investigação ou instrução processual (§ 5o). Caso haja indícios de participação nos referidos crimes de servidor público que seja policial, a Corregedoria de Polícia instaurará inquérito policial e comunicará ao Ministério Público, que designará membro para acompanhar o feito até a sua conclusão (§ 7o).

E, por fim, com sentença transitada em julgado este funcionário público perderá o cargo, função, emprego ou mandato eletivo e a interdição para o exercício de função ou cargo público pelo prazo de oito anos subsequentes ao cumprimento da pena (§ 6o).

Considerando a teoria geral do crime e sua classificação, tem-se que o delito de organização criminosa é delito permanente, por se prolongar tempo; formal, o resultado natural não é importante para sua consumação; comum, pode ser praticado por qualquer indivíduo; plurissubjetivo, obrigatoriamente deve haver pluralidade de pessoas, no caso mais de quatro; comissivo, necessidade de conduta e unissubsistente, permite sua prática por um único ato.

3. Da investigação e meios de obtenção de prova

O art. 3o estabelece que, em qualquer fase da persecução penal, serão permitidos os seguintes meios de obtenção da prova: a) colaboração premiada; b) captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos; c) ação controlada; d) acesso a registros de ligações telefônicas e telemáticas, a dados cadastrais constantes de bancos de dados públicos ou privados e a informações eleitorais ou comerciais; e) interceptação de comunicações telefônicas e telemáticas, nos termos da legislação específica; e) afastamento dos sigilos financeiro, bancário e fiscal, nos termos da legislação específica; f) infiltração, por policiais, em atividade de investigação; e g) cooperação entre instituições e órgãos federais, distritais, estaduais e municipais na busca de provas e informações de interesse da investigação ou da instrução criminal.

3.1 Da Colaboração premiada

Na redação anterior, a antiga Lei nº 9.034/95, no seu art. 6º, dispunha que nos crimes praticados em organização criminosa, a pena seria reduzida de um a dois terços, quando a colaboração espontânea do agente levar ao esclarecimento de infrações penais e sua autoria.

Atualmente, nos termos do art. 4º, Lei nº 12.850/13, o magistrado poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzindo em até dois terços a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração contribua com o resultado do processo criminal, nas seguintes formas: a) identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas; b) revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa; c) prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa; d) recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa; localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.

Pontua-se que, nos casos acima, na concessão do benefício será levada em conta a personalidade do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso e a eficácia da colaboração (art. 4º, §1º, Lei nº 12.850/13).

Portanto, a natureza jurídica da colaboração premiada, na nova norma, compreende causas de diminuição e substituição de pena e perdão judicial.

Sobre a legitimidade para o requerimento do benefício, além das próprias partes, como citado acima, também poderá o Ministério Público, a qualquer tempo, e o delegado de polícia, nos autos do inquérito policial, tendo em vista a relevância da colaboração, requerer ou representar ao juiz pela concessão de perdão judicial ao colaborador, ainda que esse benefício não tenha sido previsto na proposta inicial (art. 4º, §2º, Lei nº 12.850/13).

 O prazo para oferecimento de denúncia ou o processo, em relação ao colaborador, poderá ser suspenso por até seis meses, prorrogáveis por igual período, até que sejam cumpridas as medidas de colaboração, suspendendo-se o respectivo prazo prescricional (§ 3o, Lei nº 12.850/13). E, ainda, o Ministério Público poderá deixar de oferecer denúncia se o delator não for o líder da organização criminosa ou for o primeiro a prestar efetiva colaboração (art. 4º, I e II, Lei nº 12.850/13).

Pontua-se, ainda, no art. 4º, § 5º, que caso a colaboração for posterior à sentença, a pena poderá ser reduzida até a metade ou será admitida a progressão de regime ainda que ausentes os requisitos objetivos.

Convém ressaltar as disposições acerca da celebração do acordo da delação premiada, que deverá ser sempre escrito (art. 6º, caput). O juiz não participará das negociações para sua formalização, que ocorrerá entre o delegado de polícia, o investigado e o defensor, com a manifestação do Ministério Público, ou entre o Ministério Público e o investigado ou acusado e seu defensor (art. 4º, § 7º). No entanto, poderá o magistrado recusar homologação da proposta que não atender aos requisitos legais, ou adequá-la ao caso concreto (art. 4º, § 7º).

Apesar de dispor a norma que o delator renunciará, na presença de seu defensor, ao direito ao silêncio e estará sujeito ao compromisso legal de dizer a verdade (art. 4º, § 7º), poderão as partes retratar-se da proposta, caso em que as provas autoincriminatórias produzidas pelo colaborador não poderão ser utilizadas exclusivamente em seu desfavor (art. 4º, § 10).

Dispõe, também, o art. 4º, §§ 15 e 16, que todos os atos de negociação, confirmação e execução da colaboração, o delator deverá estar assistido por defensor e que nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas suas declarações.

Por fim, na delação premiada de organização criminosa também se prevê garantias essenciais ao colaborar, compreendendo seus direitos, art. 5º: usufruir das medidas de proteção previstas na legislação específica; ter seu nome, qualificação, imagem e demais informações pessoais preservadas; ser conduzido, em juízo, separadamente dos demais coautores e partícipes; participar das audiências sem contato visual com os outros acusados; não ter sua identidade revelada pelos meios de comunicação, nem ser fotografado ou filmado, sem sua prévia autorização por escrito; e cumprir pena em estabelecimento penal diverso dos demais corréus ou condenados.

3.2 Da ação controlada

A ação controlada consiste na não atuação policial ou administrativa relativa à conduta praticada por organização criminosa ou a ela vinculada, desde que mantida sob observação e acompanhamento para que a medida legal se concretize no momento mais eficaz à formação de provas e obtenção de informações (art. 8º, caput).

Pontua-se que a ação controlada é uma exceção ao flagrante obrigatório previsto em lei para os agentes policiais, compreendendo o flagrante diferido ou postergado, circunstância em que o policial, desde que autorizado judicialmente, poderá esperar a melhor oportunidade sua atuação, e, assim, realizar o flagrante obtendo maior número de pessoas e de provas.

Portanto, a ação controlada deverá ser previamente comunicada ao juiz e sendo o caso, estabelecerá os seus limites e comunicará ao Ministério Público, de modo que a medida seja sigilosa, não contendo informações que possam indicar a operação a ser efetuada. O acesso aos autos será restrito ao juiz, ao Ministério Público e ao delegado de polícia, até o encerramento das diligências (art. 8, §§ 1º a 4º), após será lavrado auto circunstanciado.

Caso o instrumento em questão envolver transposição de fronteiras, somente poderá ocorrer com a cooperação das autoridades dos países que figurem como provável itinerário ou destino do investigado, de modo a reduzir os riscos de fuga e extravio do produto, objeto, instrumento ou proveito do crime (art. 9o).

3.3 Da infiltração de agentes

Dispõe o art. 10, que a infiltração de agentes de polícia em tarefas de investigação, representada pela autoridade policial ou requerida pelo Ministério Público, após manifestação técnica do delegado de polícia quando solicitada no curso de inquérito policial, será precedida de motivada e sigilosa autorização judicial, estabelecendo seus limites.

Segundo Souza Filho (2006), a figura do agente infiltrado inserido na legislação pátria tem sua origem no undercover norte-americano.  O Brasil seguiu uma tendência internacional no combate ao crime organizado. Nos EUA as principais técnicas de investigação com relação ao combate às organizações criminosas são: a operação undercover, o uso de informantes e a vigilância eletrônica. Portanto, o undercover deve ser entendido como o agente estatal que de forma dissimulada ingressa na organização criminosa para colher informações que visem o seu desmantelamento, identificando de seus integrantes e coletando elementos probatórios que venham a subsidiar a instrução criminal. É utilizada nos mais diversos países, tais como o México, Argentina, Espanha, Chile, Alemanha e França.

Adverte-se que somente se admitirá a infiltração se houver indícios de infração de praticada por organização criminosa e se a prova não puder ser produzida por outros meios disponíveis, sendo que a medida será autorizada pelo prazo de até seis meses, sem prejuízo de eventuais renovações, desde que comprovada sua necessidade (art. 10, §§ 2º e 3º).

Aqui, quando se trata do prazo da infiltração, deve-se apontar que a referida medida deve ser aplicada como ultima ratio. Desse modo, havendo a necessidade e após análise criteriosa e ponderada do magistrado, caso a caso, este pode renovar sua autorização. Ocorre que a norma em comento não determinou prazos limites para tal, ficando as renovações condicionadas à comprovada necessidade.

De acordo com Moreira (2013), há uma lacuna na lei ao não estabelecer exatamente quantas renovações serão possíveis, restando ao bom senso do magistrado que não deverá, ad infinitum, autorizar a infiltração, mesmo porque não se pode admitir uma investigação preliminar com prazo indefinido ou excessivo. Entretanto, de forma evidente, quanto maior for a complexidade da organização mais tempo deverá perdurar a infiltração.

Também haverá sigilo no pedido de infiltração, de forma a não conter informações que possam indicar a operação a ser efetivada ou identificar o agente que será infiltrado, sendo que as informações quanto à necessidade da operação de infiltração serão dirigidas diretamente ao juiz competente, decidindo este no prazo de vinte e quatro horas, após manifestação do Ministério Público na hipótese de representação da autoridade policial, devendo-se adotar as medidas necessárias para o êxito das investigações e a segurança do agente infiltrado (art. 11, §§ 1º e 2º).

Entretanto, Cabete e Nahur (2014) advertem que somente uma situação justificaria a revelação da identidade do agente, que seria aquela em que este seja suspeito de extrapolar suas funções policiais e envolver-se em corrupção ou práticas criminosas além das permitidas no art. 13 e seu parágrafo único. Aponta-se, ainda, que o agente encontra-se em uma situação bastante melindrosa, sujeito a um grau enorme de subjetividade, que o lança em uma viagem tenebrosa na qual tudo deverá temer, porque não haverá ninguém para protegê-lo.

A Lei de Organização Criminosa, art. 14, também preocupou-se com o agente infiltrado.  Prescrevendo seus direitos no art. 14, quais sejam: a) recusar ou fazer cessar a atuação infiltrada; b) ter sua identidade alterada, bem como usufruir das medidas de proteção a testemunhas; c) ter seu nome, qualificação, imagem, voz e demais informações pessoais preservadas durante a investigação e o processo criminal, salvo se houver decisão judicial em contrário; e d) não ter sua identidade revelada, nem ser fotografado ou filmado pelos meios de comunicação, sem sua prévia autorização por escrito.

Havendo indícios seguros de que o agente infiltrado sofre risco iminente, a operação será sustada mediante requisição do Ministério Público ou pelo delegado de polícia, como imediata ciência ao Ministério Público e à autoridade judicial (art. 12, § 3o).

Por fim, o art. 13 considera não punível, no âmbito da infiltração, a prática de crime pelo agente infiltrado no curso da investigação, quando inexigível conduta diversa, que excluirá a culpabilidade de sua conduta, portanto, fulminando a existência de qualquer delito. No entanto, deverá o agente, guardar a devida proporcionalidade com a finalidade da investigação, caso contrário responderá pelos excessos praticados.

3.4 Do acesso a registros, dados cadastrais, documentos e informações

A autoridade policial e o Ministério Público terão acesso, independentemente de autorização judicial, aos dados cadastrais do investigado que informem exclusivamente a qualificação pessoal, a filiação e o endereço mantidos pela Justiça Eleitoral, empresas telefônicas, instituições financeiras, provedores de internet e administradoras de cartão de crédito (art. 15).

O dispositivo acima foi visto pela doutrina como instrumento prático facilitador das investigações criminais, apesar de ser apontado como afronta ao direito de intimidade previsto no art. 5º, X, da Constituição Federal, fragilizando a noção de privacidade do indivíduo.

De acordo com Martins e Braga (2013), a forma como a norma foi redigida abre uma série de precedentes perigosos para que se cometam arbitrariedades. Ao prever, por exemplo, a atualização de dados e itinerários dos passageiros de companhias de transporte, pelos últimos cinco anos, sendo que tais dados estarão à disposição da Polícia, do Ministério Público e do Judiciário independentemente de autorização judicial. Não há especificação das circunstâncias nas quais esses órgãos podem acessar esses dados, aumentando as possibilidades de superexposição, afrontando direito à intimidade.

Doutro modo, Nucci (2013) defende que a previsão do artigo em comento não merece censura, considerando que os dados cadastrados referentes à qualificação pessoal (nome, RG, CPF, profissão, estado civil), à filiação (nome dos pais) e ao endereço (domicílio ou residência) não constituem meios de prova contra o investigado, tão-somente sua identificação. O direito de não produzir prova contra si mesmo não abrange a ocultação ou silêncio em relação aos referidos dados, que possuem natureza pública e não constituem cenário da intimidade.

Portanto, considerando o acima exposto, convém mencionar que o acesso aos dados permitidos na supracitada norma não compreende o teor das conversas realizadas, que continua sob o sigilo da lei própria que disciplina a interceptação das comunicações telefônicas, portanto, preservado por cláusula jurisdicional.

Determina, também, que as empresas de transporte possibilitarão, pelo prazo de cinco anos, acesso direto e permanente do juiz, do Ministério Público ou do delegado de polícia aos bancos de dados de reservas e registro de viagens (art. 16). Pelo mesmo prazo as concessionárias de telefonia fixa ou móvel manterão à disposição das referidas autoridades, registros de identificação dos números dos terminais de origem e de destino das ligações telefônicas internacionais, interurbanas e locais (art. 17).

3.5 Crimes ocorridos na investigação e na obtenção da prova para processar e julgar organizações criminosas

Ao todo são quatro artigos versando sobre os crimes praticados na investigação e obtenção da prova. O art. 18 descreve a conduta de revelar a identidade, fotografar ou filmar o colaborador, sem sua prévia autorização por escrito, tendo por pena a reclusão, de um a três anos, e multa.

Explica Capez (2014) que esse tipo penal tutela a integridade pessoal do agente colaborador, que precisa manter-se em sigilo tanto para atingir sua meta de fiscalização e denúncias quanto para preservar sua integridade física. Trata-se de crime comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa.

O art. 19 determina que quem imputar falsamente, sob pretexto de colaboração com a Justiça, a prática de infração penal a pessoa que sabe ser inocente, ou revelar informações sobre a estrutura de organização criminosa que sabe ser falsas, pena de reclusão, de um a quatro anos, e multa. Conduta assemelhada à denunciação caluniosa prevista no Código Penal, art. 339.

Enquanto que o art. 20 tutela o sigilo das investigações que envolvam a ação controlada e a infiltração de agentes, penalizando seu descumprimento com reclusão, de um a quatro anos, e multa.

Consoante Capez (2014), refere-se a preocupação específica do legislador com a integridade física e a vida dos agentes que integram tais mecanismos de investigação, posto ser alto o risco para o policial infiltrado, e o prejuízo para o Estado será extremamente significativo no caso de violação da ação controlada, frustrando a prisão dos agentes delitivos.

E, por fim, o art. 21, delito de menor potencial ofensivo, compreende a conduta do agente que recusa ou omite dados cadastrais, registros, documentos e informações requisitadas pelo juiz, Ministério Público ou delegado de polícia, no curso de investigação ou do processo, pena de reclusão, de seis meses a dois anos, e multa. Incorrendo, na mesma pena, quem, de forma indevida, se apossa, propala, divulga ou faz uso dos dados cadastrais de que trata esta Lei.

Conclusão

Diante do exposto, tem-se que nova Lei nº 12.850/2013 trouxe uma definição clara acerca da organização criminosa, pontuando seus requisitos de forma bastante segura: 1) mínimo de quatro integrantes; 2) dotação de uma estrutura organizada de distribuição de tarefas; 3) relação subjetiva entre seus componentes, visando a prática de infrações penais para obtenção de vantagem; 4) penas máximas superiores a quatro anos ou caráter transnacional.

Portanto, as alterações promovidas pela nova norma são evidentes e substanciais. Superando a legislação anterior, houve a tipificação autônoma do delito de organização criminosa, dispondo ser crime promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa. Incorrendo nas mesmas penas quem impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que envolva organização criminosa.

Também disciplinou de forma satisfatória os meios de investigação e de obtenção de prova, destacando-se a colaboração premiada, na qual o juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzindo em até dois terços a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração contribua com o resultado do processo criminal.

Estabelecendo, ainda, garantias essenciais ao colaborador, tais como medidas de proteção; ter seus dados e qualificação preservados; não ter sua identidade revelada pelos meios de comunicação etc.

A ação controlada como método de atuação policial ou administrativa relativa à conduta praticada por organização criminosa ou a ela vinculada, desde que mantida sob observação e acompanhamento para que a medida legal se concretize no momento mais eficaz à formação de provas e obtenção de informações

A infiltração de agentes de polícia em tarefas de investigação quando houver indícios de infração praticada por organização criminosa e se a prova não puder ser produzida por outros meios disponíveis.

Convém mencionar, ainda, o acesso a registros, dados cadastrais, documentos e informações pela autoridade policial e o Ministério Público, independentemente de autorização judicial, aos dados cadastrais do investigado que informem exclusivamente a qualificação pessoal, a filiação e o endereço mantidos pela Justiça Eleitoral, empresas telefônicas, instituições financeiras, provedores de internet e administradoras de cartão de crédito.

Por fim, constata-se a que Lei nº 12.850/2013 trouxe inovações consideráveis para as investigações e colheita de provas, consistindo os referidos instrumentos em facilitadores aos agentes estatais no combate às organizações criminosas, considerando que tais agremiações estão em crescente desenvolvimento e aparelhamento.

 

Referências
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Informações Sobre o Autor

Richards Bruno Rodrigues

Analista Jurídico na Defensoria Pública do Estado do Tocantins. Especialista em Direito Público na Universidade Anhanguera-Uniderp, Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes


Equipe Âmbito Jurídico

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