Resumo: O presente estudo tem por escopo demonstrar a correta fixação do termo inicial para a incidência dos juros moratórios nos casos de indenização extrapatrimonial. Esta temática é fundamental visto que procura definir qual seria a correta fixação deste termo inicial confrontando a aplicação da Súmula nº 54 do STJ como ocorreu no julgamento do Recurso Especial 903.258/RS sob a relatoria da Ministra Maria Isabel Gallotti. Para tanto, torna-se importante uma maior compreensão acerca de alguns institutos que tangenciam predominantemente o tema, a saber: responsabilidade civil, dano moral, mora e juros moratórios. Ao final, não obstante a aludida inovação jurisprudencial proporcionada pela Ministra, como resultado da pesquisa do posicionamento atual predominante, tanto na doutrina como nos tribunais pátrios, foi de que os juros moratórios correrão a partir do evento danoso em se tratando de responsabilidade extracontratual, seguindo o entendimento Sumulado.
Palavras chaves: Danos Morais. Juros Moratórios. Termo Inicial.
Sumário: 1.Introdução. 2. O dano e a responsabilidade civil. 3. O dano moral. 3.1. A definição de danos morais. 4. A mora e os juros – em especial, os moratórios. 5. O termo inicial dos juros moratórios, o dano moral e o Recurso Especial 903.258/RS. 6. Conclusão
1. Introdução
Quando da ocorrência de algum ilícito é premente a necessidade de responsabilização por parte do ofensor, vez que a reparação é o principal efeito da responsabilidade civil. Reconhecido o merecimento à reparação, quando analisadas as circunstâncias do caso concreto pelo juiz, este irá arbitrar uma quantia suficiente para reparar o ofendido. Isso é cediço. Contudo, há um tema que gera debate e divergências jurisprudenciais e doutrinárias: o marco inicial da fixação dos juros moratórios.
O objeto deste estudo é, com base em definições conceituais fundamentais, analisar a referida divergência, mormente quando se está diante de um dano moral.
Assim, ter-se-á em vista o previsto na Súmula nº 54 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), bem como os dispositivos do Código Civil Brasileiro (CCB). E, como pano de fundo, o julgamento do Recurso Especial (REsp) 903.258/RS sob a relatoria da Ministra Maria Isabel Gallotti, que jogou novas luzes acerca do termo inicial da fluência dos juros moratórios, o que, ao fim e ao cabo, é o objeto do presente estudo.
Para o bom desenvolvimento do trabalho, são perscrutados alguns institutos, originários das Ciências Econômicas (juros) e das Ciências Jurídicas (danos morais e mora frente ao inadimplemento), os quais detêm suma importância para a boa compreensão da temática.
Assim, em um primeiro momento, serão analisadas as matérias atinentes à responsabilidade civil, buscando demonstrar sua evolução histórica, suas espécies bem como os pressupostos para que haja o dever de indenizar. Na sequência será analisado o dano moral no ordenamento jurídico brasileiro para, posteriormente, adentrar com segurança no instituto dos juros e da mora, permitindo uma compreensão da melhor fixação do referido termo inicial do marco moratório.
Pretende-se, portanto, com o presente trabalho, clarear entendimento, fins de analisar qual seria a correta fixação do marco moratório quando da reparação por ilícitos extracontratuais.
2. O dano e a responsabilidade civil:
Reprimir o ilícito é um dos principais objetivos da ordem jurídica e, quando da sua ocorrência, é premente a necessidade de responsabilização por parte do ofensor. Esta premissa está positivada no artigo 927[1] e 186[2] do Diploma Civil, respectivamente. Neste sentido é o magistério de Cavalieri: “A violação de um dever jurídico configura o ilícito, que quase sempre, acarreta dano para outrem, gerando um novo dever jurídico, qual seja, o de reparar o dano. Há, assim, um dever jurídico originário, chamado por alguns de primário, cuja violação gera um dever jurídico sucessivo, também chamado de secundário, que é o de indenizar o prejuízo’.[3]
A responsabilidade civil, pois, traduz a ideia de contraprestação, restabelecendo o equilíbrio social afetado por um ato lesivo.[4] Na lição de Maria Helena Diniz: “O vocábulo responsabilidade tem origem do latim respondere, significando o fato de alguém ter se constituído garantidor de algo. Tal termo contém, portanto, a raiz latina spondeo, fórmula pela qual se vinculava, no direito romano, o devedor nos contratos verbais. [5]
Decerto que para haver a responsabilidade civil, alguns pressupostos devem estar presentes, dentre os quais destaca-se o dano,[6] representando a lesão de um direito ou de um bem jurídico qualquer.
Na origem, o vocábulo dano provém do latim damnum e tem como acepção estrago, prejuízo, ruína[7]. Na seara jurídica, o dano é considerado como a lesão no patrimônio de alguém contra a sua vontade, podendo ocorrer tanto na esfera contratual, como na extracontratual.
Há de se observar que o Código Civil Brasileiro (CCB) não conceitua o que seja dano. Cabe, pois, essa tarefa à doutrina. Então, conforme Cavalieri, “dano é a subtração de um bem jurídico, qualquer que seja a natureza, quer se trate de um bem patrimonial, quer se trate de um bem integrante da própria personalidade da vítima, como sua honra, a imagem, a liberdade, etc”.[8]
O dano se afirma como um pressuposto para que se configure a necessidade de uma reparação (responsabilidade civil). Sem a sua presença não existe a possibilidade de ocorrer a responsabilização do ofensor e a posterior reparação do ofendido ou de seu bem (reintegração do status quo antes de sofrer o abalo).[9]
Decerto que nem todo o dano é passível de indenização. Por regra, tem-se por indenizável[10] o dano certo e atual: um dano determinado ou determinável (excluindo-se de qualquer indenização uma hipótese de dano), cuja ocorrência tenha já se dado à época da responsabilização.[11] Nada obstante, danos futuros igualmente podem ser objeto de indenização, flexibilizando-se o a noção de atualidade do dano. Para tanto, há de haver uma probabilidade considerável da ocorrência do dano, ainda que o mesmo não tenha sido plenamente caracterizado quando proposta a ação que pretende a indenização.
3. O dano moral
Primeiramente, é adequado firmar a distinção entre dano patrimonial e dano moral. Nessa linha, destaca-se o que é patrimônio, que pode ser compreendido como “o conjunto das relações jurídicas activas e passivas (direitos e obrigações) avaliáveis em dinheiro de que uma pessoa é titular”.[12]
A partir da conceituação de patrimônio, faz-se clara a compreensão do significado de dano patrimonial. E será patrimonial o dano suscetível de avaliação econômica. Este dano pode ser uma perda ou deterioração, sendo uma lesão passível de quantificação do dano em dinheiro – o que a torna indenizável. O dano patrimonial, então, é aquela ofensa que incide sobre interesses de ordem material, refletindo-se sobre o patrimônio do lesado. Na lição precisa de Venosa, tem-se que “o dano patrimonial, portanto, é aquele suscetível de avaliação pecuniária, podendo ser reparado por reposição em dinheiro, denominador comum da indenização”.[13]
Nesse diapasão, entendem-se como danos patrimoniais (também denominados de danos materiais) aqueles que atingirem os bens integrantes do patrimônio da vítima, ou seja, afetando o conjunto de relações jurídicas suscetíveis de valoração econômica.
Os danos patrimoniais se dividem em duas modalidades: danos emergentes e lucros cessantes os quais estão previstos no artigo 402, do Código Civil[14]. Recorta-se o magistério de Serpa Lopes, “o dano patrimonial é o que afeta a um interesse patrimonial, a um bem considerado como de ordem patrimonial, tradicionalmente estimável em dinheiro. Assim, entende-se por dano toda diminuição do patrimônio do credor, quer consistente na perda sofrida (damnum emergens), quer num lucro, de que haja sido privado (lucrum cessans)”.[15]
O dano emergente, ou positivo, pode ser definido como aquilo que a vítima efetivamente perdeu, sendo o desfalque ocorrido no patrimônio da vítima. Este tipo de dano produz efeitos diretos e imediatos, tratando-se de uma perda mensurável economicamente, sendo perfeitamente possível a apuração do quantum debeatur para que haja a restitutio in integrum. Nesse sentido, Venosa define que “o dano emergente, aquele que mais se realça à primeira vista, o chamado dano positivo, traduz uma diminuição de patrimônio, uma perda por parte da vítima: aquilo que efetivamente perdeu. Geralmente, na prática, é o dano mais facilmente avaliável, porque depende exclusivamente de dados concretos”.[16]
Quanto aos lucros cessantes, podem ser compreendidos como o que a pessoa afetada com o dano deixou de lucrar. No dizer de Almeida Costa, “o lucro cessante refere-se aos benefícios que ele deixou de obter em consequência da lesão, ou seja, ao acréscimo patrimonial frustrado).[17] Nessa hipótese, “quantifica-se o prejuízo, fazendo um cálculo que leva em conta o estado atual do patrimônio e a sua situação se o dano não tivesse ocorrido”.[18]
Este evento danoso produz efeitos mediatos e futuros, acarretando uma redução nos ganhos e dificultando os lucros do ofendido, sendo uma frustração da expectativa do lucro. Nos termos definidos por Venosa, “o lucro cessante traduz-se na dicção legal, o que a vítima razoavelmente deixou de lucrar. Trata-se de uma projeção contábil nem sempre muito fácil de ser avaliada. Nessa hipótese, deve ser considerado o que a vítima teria recebido se não tivesse ocorrido o dano”. [19]
Nos danos patrimoniais, também ditos materiais, o objetivo maior da reparação é, em síntese, a reposição do bem lesionado ao seu estado anterior, de forma a permitir ao prejudicado a satisfação integral daquilo que se danificou ou se perdeu total ou parcialmente, de forma que vítima se sinta efetivamente ressarcida.
De outra banda, os danos extrapatrimoniais (comumente definidos como danos morais) são aqueles causados injustamente à outra pessoa, fazendo-a sofrer psíquica e moralmente, afetadando seu intelecto, ofendendo à sua honra, privacidade, intimidade, imagem, etc. De modo objetivo, Pontes de Miranda apresenta uma conceituação que distingue perfeitamente os dois tipos de danos aqui referidos: “O dano patrimonial é o dano que atinge o patrimônio do ofendido; dano não patrimonial é o que, só atingindo o ofendido como ser humano, não lhe atinge o patrimônio”.[20]
A lesão não pode, portanto, ser expressa em dinheiro, nem em algo comercialmente redutível a dinheiro.[21] Daí a se dizer com correção que o dano moral não é precisamente indenizável, pois, etimologicamente, indenizar provém do latim in dene, cujo significado indica a eliminação do prejuízo, repondo o patrimônio à situação anterior. Ora bem, tal situação não é possível diante de um dano moral, de onde se conclui que a vítima do dano moral faz jus a uma satisfação de ordem compensatória.[22]
3.1. A definição de danos morais
A Constituição Federal de 1988 ancora a dignidade da pessoa humana no patamar dos fundamentos da nossa ordem republicana. Por essa via, densifica-se a normatividade jurídica, colorindo-a com uma dimensão humana que ultrapassa os meros interesses patrimoniais. E, sem embargo, “um dos aspectos mais importantes da responsabilidade civil é constituído pelos danos à pessoa”.[23] Ora bem, a partir dessa perspectiva, a temática do dano moral evidencia a sua relevância.
Maria Celina Bodin de Moraes, considerando a perspectiva constitucional acima referida, percebe o dano moral nas situações em que violação houver à cláusula geral de proteção à pessoa humana reconhecida na própria Constituição Federal. O dano moral, assim, “tratar-se-á sempre de violação da cláusula geral de tutela da pessoa humana, seja causando-lhe um prejuízo material, seja violando direito (extrapatrimonial) seu, seja, enfim, praticando, em relação à sua dignidade, qualquer mal evidente ou perturbação (…)”.[24]
Após a ocorrência do ato lesivo, paira a questão sobre como provar que aquele fato resultou em danos para o ofendido. A prova do dano moral é dispensável vez que o dano ocorre internamente no ofendido, ferindo seu intelecto. Esta característica da prova do dano gera o que chamamos de presunção absoluta (dano in re ipsa), sendo desnecessária a prova do abalo psicológico sofrido pela vítima. Registre-se que a pessoa jurídica também guarda condições de sofrer danos morais, contudo, “(…) impende destacar a necessidade de que a violação ao seu direito personalíssimo esteja estreita e inexoravelmente ligada à sua honra objetiva, haja vista não ser ela dotada de elemento psíquico”.[25]
Sobre o tema, a jurisprudência ressalva que na relação entre pessoa jurídica e dano moral tem-se em causa “(…) resguardar a credibilidade mercadológica ou a reputação negocial da empresa, que poderiam ser paulatinamente fragmentadas por violações a sua imagem, o que, ao fim e ao cabo, conduziria a uma perda pecuniária na atividade empresarial”[26]
O dano moral, portanto, não pode ser confundido com o dano patrimonial, devendo sua tutela jurídica ser tratada de maneira independente. Essencialmente, esse abalo afeta a subjetividade do ofendido, ficando demasiadamente difícil mensurar o sofrimento que é suportado em cada pessoa diante desse caráter interno. Este é o raciocínio de Humberto Theodoro Júnior: “De maneira mais ampla, pode-se afirmar que são danos morais os ocorridos na esfera da subjetividade, ou no plano valorativo da pessoa na sociedade, alcançando os aspectos mais íntimos da personalidade humana (o da intimidade e da consideração pessoal) ou o da própria valoração da pessoa no meio em que vive e atua (o da reputação ou da consideração social).”[27]
Contemporaneamente, não se restringe a definição de danos morais como somente como aqueles abalos psíquicos relacionados à dor e sofrimento, estendendo-se a tutela jurídica aos direitos integrantes da personalidade da vítima, como, por exemplo, a intimidade, a imagem, o bom nome e a privacidade. Quanto a esta nova visão de dano moral, Cavalieri assegura: que “à luz da Constituição vigente, podemos conceituar o dano moral por dois aspectos distintos. Em sentido estrito, dano moral é a violação do direito à dignidade. E foi justamente por considerar a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem corolário do direito à dignidade que a Constituição inseriu em seu artigo 5º, V e X, a plena reparação do dano moral. Este é, pois, o novo enfoque constitucional pelo qual deve ser examinado o dano moral, que já começou a ser assimilado pelo Judiciário […]”.[28]
Duas classificações de danos morais podem ser identificadas: o direto e o indireto. O dano moral direto é aquele que ocorre uma lesão específica de um direito imaterial. Por outro lado, entende-se como dano moral indireto aquele que há um dano extrapatrimonial em consequência de um dano ocorrido na esfera material.
Noutros termos, o dano moral direto constitui-se na lesão a um interesse cujo escopo é a satisfação ou o gozo de um bem jurídico que não é passível de uma avaliação econômica. Por seu turno, o dano moral indireto decorre de uma lesão a um bem patrimonial do ofendido que causa prejuízo a algum interesse não patrimonial.
Não se pode confundir, entretanto, o dano moral indireto com o dano em ricochete, também chamado de reflexo. Neste último, o dano não é causado diretamente na pessoa afetada e, sim, oriundo de um ato lesivo a outra pessoa a ele ligada intimamente (sendo este dano tanto de natureza moral ou material).[29]
4. A mora e os juros – em especial, os moratórios
Prefacialmente, a palavra juro é oriunda de uma adaptação do latim jure (jus juris) que significa direito. Na definição de Scavone, “Aplicado no plural – juros -, exprime os interesses, ganhos ou lucros que o detentor do capital aufere pela inversão, ou seja, pelo uso por alguém que não possui o capital.”[30]
A partir de uma conceituação economicista, os juros[31] advêm da relação entre um credor e um devedor, sendo a remuneração (correção) do capital o qual foi emprestado pelo credor ao devedor, ou seja, o valor cobrado pela utilização do capital de alguém por outrem.
Na visão jurídica, juros[32] são caracterizados como “frutos cíveis”, consistindo em obrigação acessória[33] a uma obrigação principal. Nesse sentido conceitua Judith Martins-Costa, “do ponto de vista do Direito os juros, nas relações de crédito, [refletindo] a contrapartida que alguém paga por temporária utilização de capital alheio”.[34]
Como já referido, a natureza jurídica dos juros é a de bem acessório, especificamente, da modalidade das pertenças e, segundo o artigo 93, do Diploma Civil, são pertenças os bens que, não constituindo partes integrantes, se destinam, de modo duradouro, ao uso, ao serviço ou ao aformoseamento de outro. Caracterizados, portanto, como pertenças, os juros podem facilmente ser identificados e computados distintamente do valor principal devido. Salienta-se que este valor cobrado a título de juros, normalmente é fixado em dinheiro (pecúnia), porém nada obsta que seja fixado qualquer outro bem fungível.[35]
Na caracterização dos juros, importa destacar a definição de juros legais e convencionais. Os juros legais são aqueles que são devidos por força de lei, independentemente de existir convenção entre as partes, decorrendo da mora na restituição do capital ou da compensação pela utilização do capital de outrem, ou seja, é a taxa de juros autorizada pela lei. Esta modalidade juros está regulamentada pelos artigos 406[36] e 407[37] do Código Civil. Nesta linha são os ensinamentos de Jorge Cesa Ferreira da Silva: “Os juros legais são fixados em lei, sendo aplicáveis para as hipóteses em que as partes não dispuserem de modo distinto ou simplesmente nada regularam acerca deles, ou ainda quando a lei ou a sentença determinar a sua incidência, sem dispor sobre a respectiva taxa”.[38]
Os juros convencionais, por seu turno, são aqueles fruto de um ato de autonomia, estabelecidos pelas partes, seja em relação à mora, seja em relação à remuneração do capital emprestado. Porém essa convenção está limitada a uma taxa limite, quando se tratar de juros civis. Releva salientar duas distinções entre estes dois tipos de juros: a origem e o âmbito de aplicação. Quanto à origem, como o próprio nome já designa, os juros legais serão aplicados quando a lei determinar, enquanto os convencionais dependem de as partes pactuarem. Quanto ao âmbito de aplicação, os casos em que se aplicam os juros legais são extremamente restritos. Já os convencionais, dependem da vontade das partes na pactuação.
Ainda no campo dos juros, surgem os denominados compensatórios. Igualmente chamados de remuneratórios, são aqueles que prestam à retribuição pela privação do bem material ou imaterial. Eles começam sua fluência após a efetivação da utilização do capital alheio. Quantos a esses juros, leciona Scavone: “Os juros compensatórios são devidos em razão da utilização do capital pelo devedor na exata medida em que constituem frutos civis do valor empregado. Espelham a paga pela utilização do capital alheio”.[39] Ainda, na procura da melhor conceituação, para Roberto Senise Lisboa, juros compensatórios “são aqueles que compreendem o prêmio (fruto ou renda) do capital empresado. Os juros compensatórios se prestam à retribuição pela privação do bem material ou imaterial.[40]
Há, entretanto, uma ressalva há ser feita: para que esta modalidade de juros seja devida é necessária a convenção entre as partes ou a obrigatoriedade prevista em lei, sendo então, respectivamente, juros convencionais compensatórios ou juros legais compensatórios.
Após as definições apresentadas, segue-se para a definição de mora e, então, a definição de juros moratórios. Preliminarmente, destaca-se que as obrigações nascem para serem cumpridas, sendo o adimplemento obrigacional o seu destino natural. O descumprimento é patológico e merece ser punido, vez que impõe prejuízos ilegítimos.
A partir do artigo 394[41], o Código Civil brasileiro conceitua mora,[42] cuja ocorrência advém de uma obrigação não cumprida no tempo, no lugar e no modo estabelecidos, quer seja pela lei, quer seja por convenção. Frise-se: os requisitos elencados não são cumulativos, exigindo-se somente a configuração de um deles.
Mora não significa tão somente o atraso, o retardamento, no cumprimento da obrigação, mas, também, o não cumprimento da maneira a qual era esperada. Quanto a esta distinção entre mora e atraso, esclarece Jorge Cesa Ferreira da Silva: “Importa ter claro que a mora, de qualquer modo, não se confunde com mero atraso da prestação ou com o mero atraso da satisfação dos interesses objetivos do credor. […] Importa perceber que o mero atraso, ainda que não caracterize mora, já possui efeitos jurídicos, como é o caso da prescrição, da oponibilidade da exceção do contrato não cumprido (artigo 476) ou da suspensão da exigibilidade (pretensão) por impossibilidade temporária não imputável a nenhuma das partes”.[43]
Sem embargo, a mora é uma das formas de inadimplemento, dando-se pelo não-cumprimento da obrigação conforme pactuado entre as partes ou determinado em lei. Leciona Judith Martins-Costa: “[…] a mora não é nem a simples ausência de cumprimento, nem a mera não-realização da prestação devida: é a não-realização da prestação devida no tempo, lugar e forma convencionados, ou especificados na lei, na medida em que essa não-realização corresponda à violação da norma, legal ou convencional, que era especificamente dirigida ao devedor (cominando o dever de prestar) ou ao credor (cominando o dever de receber)”.[44]
De fato, a mora se caracteriza por ser um inadimplemento relativo, vez que, mesmo com o descumprimento, ainda há a possibilidade de a obrigação ser prestada. Nesse ponto, distingue-se do inadimplemento absoluto: nessa modalidade não é mais possível – ou deixa de ser útil para o credor – o cumprimento da obrigação.
Portanto, a mora é o meio pelo qual a obrigação (prestação debitória) deixa de ser cumprida no tempo (retardamento do cumprimento), ou lugar e forma que a lei ou o contrato estabelecem, mas de modo que ainda é possível o seu cumprimento, seja pela possibilidade da prestação, seja por esta ainda ser útil ao credor. Pelo visto e ponderado, percebe-se que o não-cumprimento pode ocorrer tanto por parte do devedor (mora solvendi), pelo credor (mora accipiendi) ou, ainda, por ambas as partes.
Após a conceituação de mora, ainda que às rápidas, resta facilitada a compreensão da modalidade de juros que decorre do retardamento no cumprimento das obrigações, ou seja, da própria mora. Em conformidade com a doutrina de Maria Helena Diniz, “Os juros moratórios consistem na indenização pelo retardamento da execução do débito. Constituem pena imposta ao devedor pelo atraso no cumprimento da obrigação, atuando como se fosse uma indenização pelo retardamento no adimplemento da obrigação”.[45] Jorge Cesa Ferreira da Silva define que “Os juros moratórios são devidos a partir da constituição em mora e, em razão desta, independem de disposição negocial, de comprovação de efetivo prejuízo (artigo 407) ou de pedido judicial (…)”.[46]
Isso posto, conceitualmente, juros moratórios são aqueles pagos pelo devedor como forma de indenizar o credor pelo atraso no cumprimento da obrigação. Eles têm natureza de sanção, visto que mesmo que não haja prejuízo eles serão devidos. De fato, os juros moratórios afirmam-se como uma punição àquele que está em mora, tanto quanto visam compensar o credor pelo atraso do devedor.
A taxa cobrada nos juros moratórios, quanto à sua origem, é dividida em dois tipos: convencional ou legal. Serão considerados juros moratórios convencionais, conforme explicado anteriormente, aqueles estipulados pelas partes na elaboração do contrato, porém, sempre respeitando o Decreto 22.626/33, o qual proíbe a cobrança de juros convencionais abusivos (usura), sendo fixada a taxa limite no patamar de 1%.[47] De outra banda, serão legais quando as partes não estipularem, o que não isenta a cobrança da parte devedora, segundo os artigos 389, 395, 404, 406 e 407 do Código Civil. Conclui-se que esta modalidade de juros tem a finalidade de desestimular o inadimplemento da obrigação assumida.
5. O termo inicial dos juros moratórios, o dano moral e o Recurso Especial 903.258/RS
A correta fixação do termo inicial dos juros moratórios, cujo cômputo deve se dar a partir da caracterização da mora, é tema tormentoso. De fato, não há, por parte do direito positivo, uma definição uniforme – o que contribui para um campo de incertezas doutrinárias e jurisprudenciais.
Essa dificuldade em uniformizar o termo inicial da fluência dos juros moratórios conduz a um estudo casuístico, considerando a singularidade de cada obrigação prevista no ordenamento civil. Em outras palavras, devem ser discriminadas as várias situações existentes e possíveis diante de cada obrigação para a adequada definição do marco inicial dos juros moratórios.
O artigo 405 do CCB[48] estabelece como marco inicial dos juros moratórios a citação inicial. Contudo, esse dispositivo apresentaria uma divergência[49] em relação ao entendimento sumulado do Superior Tribunal de Justiça, que, com a súmula 54, estabelecera: “os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual”.
Importa compreender, contudo, o contexto histórico da respectiva súmula. Forte no artigo 962 do Código Civil de 1916,[50] a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, no ano de 1992, sumulou o entendimento jurisprudencial, segundo o qual, então, a fluência dos juros moratórios, nas hipóteses de responsabilidade extracontratual, dar-se-ia a partir do evento danoso.
O artigo do Código Civil vigente à época da súmula, empregava a palavra “delito”. Tal vocábulo gerou incerteza sobre o seu alcance e sua natureza: a norma legal referia-se a delitos de natureza patrimonial ou extrapatrimonial? A partir de uma interpretação extensiva, a utilização do artigo deu-se para ambos os casos, sem qualquer diferenciação. Contudo, questiona-se esse entendimento. Veja-se, a título de exemplo, o ponderado no Tribunal de Justiça do Paraná: “A Súmula 54 do STJ foi idealizada para os danos materiais, não os morais. Não se justifica, em se tratando de danos morais, retroagir à data do evento, pois não se pode dizer que há mora a partir deste marco”.[51]
De outra parte, retornando-se ao artigo 405 do CCB, questiona-se se a sua aplicabilidade alcançaria todos os casos de responsabilidade civil. E a resposta há de ser negativa. Afinal, há outras linhas temporais presentes no próprio CCB. Cita-se, por exemplo, o artigo 398, segundo o qual, “nas obrigações provenientes de ato ilícito, considera-se o devedor em mora desde que o praticou”.
Em síntese, não se pode estabelecer de um modo geral como critério balizador a regra do artigo 405 do Código Civil, a qual estabelece que a fluência dos juros de mora se dá desde a citação inicial. Afinal, há distintos marcos temporais presentes no direito civil brasileiro.[52]
Tem-se, pois, que a fluência dos juros moratórios nas obrigações provenientes de ilícitos extracontratuais segue o disposto no artigo 398 do Código Civil e a Súmula nº 54 do STJ. Por essa via, os juros de mora provenientes de ato ilícito fluem desde a ocorrência do evento danoso. É o entendimento de Rui Stoco: “Significa que na responsabilidade extracontratual os juros de mora são contados desde a data em que tenha ocorrido o dano.[53] Em igual sentido, o entendimento de Venosa: “Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual. Essa posição é finalmente adotado pelo vigente Código, que no artigo equivalente refere-se a “ato ilícito”.[54]
Nada obstante, questiona-se qual o termo inicial adequado para a incidência dos juros moratórios diante de danos morais. Para tanto, traz-se a lume o Recurso Especial (REsp) 903.258/RS,[55] que, com a existência da Súmula nº 54 do STJ, apresenta novo entendimento da Corte sobre esta temática.
O aludido REsp, cuja relatoria ficou sob a responsabilidade da Ministra Maria Isabel Gallotti, julgado pela 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, versa sobre uma indenização ajuizada por um paciente contra o Hospital Moinhos de Vento de Porto Alegre, no Estado do Rio Grande do Sul. O autor narra que, internado no referido hospital, nos primeiros dias após o seu nascimento, contraiu uma infecção hospitalar que lhe deixou graves e irreversíveis sequelas motoras e estéticas.
Em sede de sentença, a ação fora julgada parcialmente procedente, condenando o réu pagar a título de danos morais a quantia de R$150.000,00 (cento e cinquenta mil reais) com juros de mora na base legal (0,5% ao mês até a entrada em vigor do Código Civil de 2002 e, a partir de então, 1% ao mês, na forma do artigo 406 do novo Código Civil, a partir da citação), além de arcar com todas as despesas médico-hospitalares e tratamentos que se fizessem necessários para a correção ou diminuição dos problemas físicos e estéticos que vierem a ser comprovados em liquidação de sentença.
Inconformados, autor e réu interpuseram recurso de apelação com o escopo de reforma da sentença do juízo a quo. Quando do julgamento da apelação cível no Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul ficou mantida a sentença na íntegra. As partes recorrem. A ação é remetida à superior instância para nova apreciação do colegiado, o Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Concluso os autos no STJ, a Magistrada relatora votou no sentido manter a condenação dos danos morais no patamar arbitrado em sentença sob o fundamento de que seriam moderados e proporcionais à situação vivenciada pelo ofendido. De outra parte, condenou o réu ao pagamento de pensão vitalícia de um salário mínimo.
Porém, a questão decidida mais importante e que se coaduna com este artigo, foi a fixação do termo inicial dos juros de mora no tocante à indenização por dano moral. E definiu-se a data da fixação da verba reparatória em sentença. Nas palavras da Ministra Relatora: “(…) o presente caso presta-se como uma luva para o reexame da questão, sem que a mudança de jurisprudência seja prejudicial aos interessados, pois há recurso especial de ambas as partes.”[56]
A Ministra Gallotti sustentou que a incidência de juros moratórios na indenização por dano moral só passa a ter expressão em dinheiro a partir da decisão judicial que a arbitrou.[57] Logo, não há como incidirem, antes deste momento processual, juros de mora. Afinal, sobre uma quantia que ainda não fora estabelecida em juízo, como incidir juros moratórios? Ora, sendo a obrigação ilíquida, não há como se precisar o valor da dívida – tampouco seria razoável imputar ônus de mora ao ofensor. Nesse sentido, também se manifestou a Ministra Relatora: “Dessa forma, no caso de pagamento de indenização em dinheiro por dano moral puro, entendo que não há como considerar em mora o devedor, se ele não tinha como satisfazer obrigação pecuniária não fixada por sentença judicial, arbitramento, ou acordo entre as partes”.[58]
Ademais, o julgador utiliza critérios de equidade no arbitramento da indenização, tendo em vista a data do evento danoso e o tempo transcorrido até o julgamento, sendo este um argumento também forte para a justificativa da mudança do marco moratório.
Note-se que há jurisprudências em Tribunais Estaduais que se alinham com o entendimento apresentado pela Ministra Gallotti, aplicando os juros moratórios desde a data do arbitramento do valor reparatório pelo Magistrado. Assim, o que restou verificado nas 13ª e 17ª Câmaras Cíveis do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:“No tocante aos juros moratórios, devem incidir a partir da sentença que fixou o valor da dívida, nos termos do disposto no art. 407 do Código Civil e conforme novo entendimento do E. STJ por meio do REsp n. 903258. O referido julgado inaugurou novo entendimento sobre o tema, sendo adotado por esta Câmara. Por fim, vai mantido o termo inicial da correção monetária na data do arbitramento do quantum indenizatório, ou seja, na data da sentença condenatória, atendendo-se à Súmula nº 362 do STJ”.[59] Com a mesma linha argumentativa, há decisões recentes no Tribunal de Justiça do Paraná[60], São Paulo[61] e Distrito Federal[62].
Sem espaço para dúvidas, a partir da ilustração jurisprudencial apresentada, evidencia-se que o entendimento sumulado deve ter, de fato, aplicação direta nos casos provenientes de danos materiais, os quais a recuperação pecuniária é direta (pois é fácil a apuração do quantum debeatur, tendo em vista a lesão patrimonial). Mas, diante de um dano moral puro, sua indenização só passará a ter expressão em dinheiro a partir da decisão judicial que a arbitrar. Diante disso, não haveria como os juros moratórios incidirem antes desta data. Afinal, seria correta a incidência de juros de mora sobre a quantia que ainda não fora estabelecida em juízo? Seria correto, por exemplo, o ofensor dever juros de mora sem nem ter sido condenado a pagar tal indenização? Releva destacar, ainda, que o referido “não pagamento” desde a data do ilícito não pode ser considerado omissão imputável ao devedor, para efeito de tê-lo em mora. Demais disso, como destacado pela Ministra Gallotti, mesmo que o quisesse, o devedor não teria como satisfazer obrigação decorrente de dano moral não traduzida em dinheiro nem por sentença judicial, nem por arbitramento e nem por acordo.
Nesse sentido, entende-se que os juros de mora devem ser contados da data de sua fixação definitiva,[63] considerando que o julgador vale-se de critérios de equidade no arbitramento da indenização, conforme a data do evento danoso e o tempo transcorrido até o julgamento.
6. Conclusão
O presente estudo, a partir de conceituações referentes ao dano, juros e mora, analisou qual seria a correta fixação do termo inicial para a fluência dos juros moratórios quando da reparação por ilícitos extracontratuais. Então, chega-se ao núcleo do problema aqui discutido: a fixação do termo inicial para fluência de juros moratórios, em se tratando de condenação em dano moral.
Expôs-se o entendimento segundo o qual, diante de danos morais, não há de se falar em juros moratórios a partir do evento danoso, conforme a súmula nº 54 do STJ. Isto porque não há como incidirem, antes do arbitramento pelo magistrado, juros de mora sobre a quantia que ainda não fora estabelecida em juízo, ficando, por exemplo, o ofensor devedor de juros de mora sem nem ter sido condenado a pagar tal indenização.
A partir dessa fixação é que, não cumprindo o devedor a determinação judicial, naturalmente ser-lhe-ão cobrados juros moratórios, a incidirem a partir da decisão que fixou, em definitivo, o quantum indenizatório. Nesse sentido, destacou-se o voto da Ministra Relatora Maria Isabel Gallotti no julgamento do Recurso Especial 903.258/RS, que trouxe alteração jurisprudencial acerca deste termo inicial da fluência dos juros moratórios no caso concreto.
Advogado. Graduado no curso de Direito na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul PUCRS no ano de 2014. Integrante do Grupo de Estudos e Pesquisa em Criminologia GEPCrim – PUCRS liderado pelo Prof. Dr. Álvaro Filipe Oxley da Rocha
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