A regulação internacional na concessão de subsídios ao setor agrícola e a jurisprudência da OMC

Resumo: A análise desenvolvida no presente artigo trata-se da evolução das negociações multilaterais de comércio desde o GATT-47, até a rodada Uruguai que cria a OMC e inclui o setor agrícola nas negociações com a aprovação do Acordo sobre a agricultura. Analisa-se ainda a dificuldade de regulação do setor agrícola, diante das políticas protecionistas, e as normas incluídas no Sistema Multilateral de Comércio, com a regulação de acesso a mercados, subsídios a exportação e medidas de apoio doméstico, por fim é feita uma análise a respeito da relação entre o Acordo de Subsídios e Medidas Compensatórias e o Acordo sobre a Agrícola sobre o caso EUA – Subsídios ao Algodão.

Sumário: 1. Introdução. 2. Histórico das negociações até a rodada Uruguai. 3. Os subsídios no setor agrícola. 3.1 Acordo sobre Agricultura. 3.2 Subsídios à Exportação. 3.3 Medidas de Apoio Doméstico. 3.4. A MAS. 3.5 A Cláusula de Paz. 3.6 A relação entre o AsA e o ASMC. 4. Conclusão

1 INTRODUÇÃO

O comércio internacional, no pós-guerra, através do GATT se desenvolveu a partir da idéia que nem o protecionismo exagerado nem a liberalização radical reconstruiriam a economia internacional devastada pela guerra, mas com a mútua colaboração das nações em torno da redução de tarifas e liberalização do comércio, no entanto o setor agrícola sempre esteve afastado das Rodadas de negociações multilaterais, os Países Desenvolvidos sempre colocaram obstáculos na regulação agrícola.

A redução de barreiras tarifárias e não tarifárias sobre as commodities agrícolas, e o fim da concessão de subsídios ao setor sempre foram os principais pontos de controvérsias.

Na Rodada de negociações Uruguai que criou a Organização Mundial do Comércio (OMC), além da aprovação do Acordo de Subsídios e Medidas Compensatórias (ASMC), inclui na pauta das negociações a agricultura, culminado com a Aprovação do Acordo sobre a Agricultura (Asa), regulando a concessão de subsídios e barreiras tarifárias.

2 HISTÓRICO DAS NEGOCIAÇÕES ATÉ A RODADA URUGUAI

Com o fim da II Guerra Mundial, visto “como o mais profundo e nefasto contato entre Estados, o do tipo bélico motivado pela dissonância de interesses entre os atores internacionais”[1], as nações vencedoras, liderados pela Inglaterra e Estados Unidos e mais 42 nações, em Bretton Woods, nos Estados Unidos, no ano de 1944, se reuniram para negociar e instituir regras para a reconstrução da economia mundial, devastada pela guerra, visando criar maior cooperação na área econômica.[2]

A Conferência Monetária e Financeira das Nações Unidas de Bretton Woods deliberou a criação de três novas instituições internacionais: FMI (Fundo Monetário Internacional), que teria por objetivo manter a estabilidade das taxas de câmbio, e permitir acesso aos fundos especiais para os países com problemas de balança de pagamento[3]; BIRD (Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento), também chamado de Banco Mundial (World Bank), com a função de fornecer os capitais necessários para a reconstrução do pós-guerra, funcionando como uma agência de fomento[4]; e a OIC (Organização Internacional do Comércio) [5], com a função de coordenar e supervisionar a negociação de um novo regime para o comércio mundial baseado nos princípios do multilateralismo e do liberalismo.[6]

Com o fim da guerra, as duas primeiras Instituições FMI e BIRD foram criadas, cada uma para importantes áreas da economia mundial: finanças e financiamento ao desenvolvimento. Mas a OIC, que teria a função de coordenar e fomentar a abertura de novos mercados, não foi estabelecida como planejada em 1944, por conta do Congresso dos Estados Unidos, não a aceitá-la, sob a alegação de que a OIC iria restringir a soberania dos Estados Unidos no comércio internacional.[7]

Após a recusa dos EUA em estabelecer a OIC, começou em 1946, uma série de conferências e negociações, com 23 países, em torno da adoção de uma parte da Carta de Havana, o Capítulo IV que tratava de negociações relativas às tarifas e regras sobre o comércio internacional.

Em 1947 foi aprovado o GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) Acordo Geral de Tarifas e Comércio, tendo se “transformado na prática, embora não legalmente, em órgão internacional,(…) passando a fornecer base institucional para diversas rodadas de negociação”.[8]

A aprovação do GATT só foi possível, por uma autorização do Congresso Americano ao Presidente dos EUA, a negociar acordos que reduzissem tarifas e outras restrições no comércio internacional, não podendo se vincular a uma Organização Internacional, o que não ocorrera com o GATT.[9]

Segundo Welber Barral o GATT se constituía em:

“[…]um conjunto de normas direcionadas inicialmente para a redução de tarifas alfandegárias no comércio internacional. Sem que houvesse constituído uma organização internacional, o GATT servia como um amplo foro de negociações, cujos pilares era a cláusula da nação mais favorecida e o princípio do tratamento nacional.

Ou seja, a evolução do GATT – no sentido de redução de barreiras tarifárias – se baseava no mecanismo pelo qual uma concessão feita a um dos Estados-membros, denominados no acordo que se estendia automaticamente sobre os demais Estados-membros. Por outro lado, consagrou-se a regra de que a mercadoria, uma vez interiorizada com o pagamento da tarifa negociada, não poderia sofrer discriminação, em face da mercadoria nacional.”[10]

Após a constituição do GATT, deu-se início a uma série de negociações multilaterais visando à diminuição de tarifas alfandegárias e concessões tarifárias[11], passando a gerenciar diversas matérias do comércio internacional, sendo árbitro da regras por ele imposta, ou negociados pelas partes em conflito, suas regras “visam liberalizar as trocas entre as partes contratantes, através da prática de um comércio aberto a todos”.[12]

Neste sentido explana ADRIANA DANTAS:

“O processo de liberalização multilateral do comércio, iniciado sob o GATT partia do pressuposto de que empresas competiriam no mercado global sob as mesmas condições de concorrência. De acordo com a teoria Liberal, países tendem a se especializar na produção dos bens nos quais detêm maior vantagem comparativa, enquanto tendem a importar, a preços mais baixos, bens que produzem com menor eficiência, caracterizada pelo binômio preço e qualidade. Deste modo, todos podem, em princípio, auferir ganhos com o comércio internacional; e o GATT surgiria como um contrato que viabilizaria o incremento das trocas dos bens que cada Parte Contratante produzisse com maior vantagem comparativa.”[13]

O GATT estabeleceu três princípios básicos dos quais fundamentam suas regras[14]: a) O único instrumento de proteção que podem ser utilizado pelas partes contratantes são os estabelecidos no GATT; b) Quando uma tarifa nova é estabelecida, ou um benefício é concedido, deverá ser de forma não discriminatória; c) Dentro de determinado Estado, produtos importado não podem ser discriminados em relação aos produtos nacionais.

O Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT) foi à base de todas as negociações multilaterais após 1947, oito rodadas de negociações de redução de tarifas, foram realizadas, após o GATT.[15]

A Rodada Uruguai, que se iniciou em 1986 e terminou em 1993, teve uma ambiciosa agenda de negociações, que resultou na aprovação de uma série de acordos que regulam o comércio internacional atual. Dentre a agenda da Rodada Uruguai, que criou a Organização Mundial do Comércio (OMC), o tema agricultura figurou no centro das negociações e ditou a dinâmica e as evoluções dos sete anos de negociações. Nas principais negociações agrícolas desta Rodada, envolveram-se poucos países, principalmente os EUA e União Européia (UE), pois esses atores dificultavam, a aprovações de um acordo sobre a agricultura.[16]

A dinâmica das negociações foi ditada pela disputas de interesses entre os EUA e a UE, pois nos anos 80 esses dois agentes, passaram por diversas crises no setor agrícola, com a adoção de políticas de subsídios, preço mínimo, e apoio doméstico. No entanto, o Grupo Cairns, formado por quatorze países exportadores, incluído o Brasil, que se intitulavam “não subsidiadores, que advogaram, com determinação, a liberalização do comércio agrícola”,[17] atuaram na defesa da diminuição dos subsídios, e sua participação foi decisiva para que se chegasse a um acordo, sem que a negociação fosse dissolvida conforme ocorrerá em negociações anteriores.[18]

3 OS SUBSÍDIOS NO SETOR AGRÍCOLA

3.1 Acordo sobre Agricultura

Dentre as práticas desleais de comércio que destorcem a competitividade criando um vantagem comercial artificial perante os demais atores são os subsídios, e na Rodada Uruguai as negociações sobre agricultura, só foram concluídas quando os EUA e a UE, após intensas negociações bilaterais, firmaram um acordo para a aprovação do Acordo sobre Agricultura (AsA), os principais compromissos acordados foram:

“(i) Decisão de adotar metodologia de cálculo agregado do nível de apoio, denominada AMS.  A AMS deveria ser calculada de forma geral, englobando o apoio concedido a todas as commodities, em detrimento da proposta apoiada de Grupo Cairns e EUA de adoção de limites distintos para cada commodity. Este compromisso atendeu demanda européia e teve o efeito de limitar a extensão da redução dos subsídios domésticos.

(ii) Criação da Caixa Azul, que prescreve políticas a serem excluídas dos compromissos de redução. Deste modo, programas específicos, a exemplo dos pagamentos diretos concedidos pelos EUA aos produtores de cereais, que não eram totalmente desvinculados da produção, ficaram à margem de tais compromissos.

(iii) Negociações da Cláusula de Paz que, […] representava acordo de cavalheiros designado a proteger políticas européias de futuros questionamentos.”

A aceitação dos demais Estados, ao acordo bilateral realizado pelos EUA e UE, foi a única forma de inserir o tema agricultura nas negociações multilaterais de comércio e iniciar o processo de liberalização do setor agrícola.[19]

O AsA, tem por escopo a liberalização e regulamentação do comércio agrícola mundial, regulamentando três ares determinantes do comércio agrícola internacional, acesso à mercados, subsídios à exportação e medidas de apoio doméstico, objetivando a redução a longo prazo corrigindo e prevenindo distorções no comércio agrícola. Ainda, os objetivos do Acordo são os de “estabelecer uma base para o início do processo de reforma do comércio de produtos agrícolas, criando um sistema de comércio justo e orientado para o mercado, através de regras e compromisso de apoio e proteção”.[20]

O acordo estabeleceu obrigações aos Estados-membros, de redução dos subsídios à exportação e medidas de apoio doméstico, conversão de barreiras não tarifárias em tarifárias equivalentes, consolidação e redução das tarifas, estabelecimento de quotas mínimas para produtos cujo acesso eram bloqueados por meio de proteção comercial, com a criação de listas de exceção.[21]

As regras estabelecidas ao setor agrícola, possui grande assimetria com as regras para bens industriais e serviços, são regras menos rigorosas que as aplicadas ao comércio de outros produtos.

3.2 Subsídios à Exportação

O AsA, regulamentou o subsídios à exportação do setor agrícola, que possui a natureza mais distorciva das práticas desleais do comércio internacional. Antes da Rodada Uruguai não havia regras claras sobre a concessão dos subsídios à exportação de bens agrícolas, sendo sua regulamentação pelo AsA, um dos sucessos da Rodada Uruguai.[22]

O Acordo sobre Agricultura definiu os subsídios à exportação como sendo:

“Aqueles diretamente relacionados ao desempenho exportador e apresenta lista indicativa de seis tipos de medidas governamentais que se inserem nessa definição. Nos termos do  Artigo 9.1, constituem exemplos dessa medida a venda ou exportação, por um governo ou suas agências, de estoques de produtos agrícolas a preços abaixo da média do mercado, pagamentos à exportação de tais produtos financiados por ação governamental e subsídios destinados a redução dos custos com a venda (markenting) dos produtos.”[23]

O Acordo determinou que esses subsídios fossem reduzidos, e criou uma Lista de Concessões, em que cada membro, por produtos venha a reduzir seus subsídios.[24]

Desta forma, diferente dos subsídios industriais, ou não agrícolas, os subsídios agrícolas à exportação não é proibido de per se como os industriais, mas sim regulado a sua concessão. O AsA, caracteriza um outro conjunto de práticas que não estão sujeitas aos compromisso de reduções que são, créditos à exportação, programas estatais de seguro agrícola.[25]

Desta forma, as medidas de apoio contidas no Artigo 10.2 do AsA, não poderiam ser concedidas, mas no caso EUA – Subsídios ao Algodão, este artigo foi violado, e o Órgão de Apelação da OMC, entendeu que ocorreu a violação, e aplicou as medidas compensatórias cabíveis.

ADRIANA DANTAS, resume a metodologia adotada para disciplinar os subsídios à exportação no AsA:

“(i) A concessão dos subsídios à exportação previstos no Artigo 9.1 é permitida de acordo com os limites indicados nas Listas de cada Membro;

(ii) A concessão de subsídios previstos no Artigo 9.1 a produtos não listados é proibida;

(iii) Subsídios à exportação não identificados no Artigo 9.1 são, em princípio, permitidos, desde que concedidos a produtos listados e dentro dos limites indicados nas respectivas Listas de Concessões; e

(iv) Subsídios à exportação não identificados no Artigo 9.1 são proibidos quando concedidos a produtos não listados.”[26]

Desta forma, são proibidos os subsídios à exportação, previsto no Artigo 9.1 à produtos que estejam incluídos na Lista de Concessões, os subsídios concedidos a produtos não listados e ainda aos produtos listados, mas concedidos além nos limites indicados.

Nos subsídios à exportação, a Lista de Concessões, tem função importante, pois o Artigo 10.3 do AsA, prevê a inversão do ônus da prova, conferindo maior eficácia às regras sobre subsídios à exportação. Quando um Estado-membro inicia uma demanda dentro do Órgão de Solução de Controvérsias, deverá o demandante tão somente demonstrar que o Membro exportou ou exporta quantidade maior de produtos subsidiados do que o previsto em seu compromisso de redução, cabendo a ele tão somente demonstrar os volumes acima do especificado na Lista de Concessões, cabendo ao Estado demandado, provar que o excedente demonstrado não foi subsidiado conforme os benefícios previstos no Artigo 9.1.[27]

Desta forma, diferente do ASMC o AsA, não possui os mesmo mecanismo para o enquadramento dos subsídios mais distorcivos, no entanto, o ASMC e o AsA fazem parte do Sistema Multilateral de Comércio, e portanto o ASMC é aplicado subsidiariamente aos casos do comércio agrícola, “considerando o caráter específico do AsA frente ao do ASMC”.[28]

No entanto após o fim da Cláusula de Paz, o ASMC pode sim ser utilizado para coibir práticas desleais de subsídios agrícola, utilizando a categoria de subsídios acionáveis, para todos os tipo de subsídios previstos no AsA.[29]

3.3 Medidas de Apoio Doméstico

As medidas de apoio domésticos foram introduzidas pelo AsA e congrega subsídios e outras formas de contribuições governamentais concedidas à produtores agrícolas, para entre outros objetivos, assegurar renda mínima, garantir segurança alimentar, não condicionando as vantagens à exportação, são também chamados de subsídios domésticos.[30]

Os subsídios domésticos são os que não interferem diretamente na exportação, pois não possui essa finalidade, mas indiretamente sim, pois distorce os custos de produção e garante benefícios que outros produtores de países diversos não possuem.

Os subsídios domésticos, foram classificados pelo AsA, em três caixas conforme o seu caráter distorcivo, em analogia a metáfora do sinal de trânsito. A caixa verde que agrupa as práticas de subsídios permitidos, sua concessão não tem impedimentos, a caixa azul que agrupa as medidas que podem acarretar distorções no comércio internacional, mas foram excluídas do compromisso de redução e a caixa amarela que engloba as práticas mais distorcivas do comércio agrícola internacional que é estimada pela AMS, e será sujeita as reduções.[31]

 A caixa verde é o grupo de subsídios que o AsA classificou como sendo subsídios com efeitos mínimos ou nulo sobre a produção agrícola mundial, por possuírem uma efeito mínimo, essas medidas não estão sujeitas perante o AsA, aos compromissos de redução,  no entanto, as medidas de caixa verde causam danos e distorcem a concorrência.

Duas são as condições previstas no AsA para que o subsídios não esteja previsto nos compromissos de redução, e seja classificado como medidas de caixa verde: a primeira condição é que o apoio concedido seja por pagamentos diretos e isenções fiscais, tenha a origem em fundos públicos, não podendo conter transferência de vantagens à consumidores, a segunda condição é a de  não poder ser apoio de preços aos produtores.[32]

O Anexo 2 do AsA estabelece uma lista detalhada mas não exaustiva, sobre quais categorias de subsídios são enquadrados neste tipo de subsídios. As categorias previstas são:

“Serviços gerais que incluem programas de prestação de serviços ou benefícios à agricultura ou à comunidade rural, como regimes de quarentena, atividades de treinamento e formação, serviços de divulgação e inspeção; (b) retenção de estoques públicos com objetivo de assegurar segurança alimentar; (c) ajuda alimentar interna; (d) pagamentos direitos a produtores; (e) apoio desvinculados da renda; (f) programas de seguro de renda; (g) programas de seguro de safra a título de auxilio em caso de desastres naturais; (h) programas que incentivem a aposentadoria de produtores; (i) assistência para o ajuste estrutural concedida por meio de programas que impõem a retirada de recursos, como terra e gado, da produção agrícola comercializável; (j) credito para ajusta estrutural, e (k) pagamentos relativos a programas ambientais”.

Desta forma segundo o AsA os subsídios previstos na caixa vede, não possuem qualquer restrição de alocação de recursos públicos ao subsídios diretos à renda, só não podendo ocorrer de maneira dissociada da produção e do comércio.

A caixa Azul é o grupo de subsídios, que pelo AsA, causam distorções na concorrência internacional,  porém são permitidos. Esta categoria é também chamada de minimis, o AsA, estabelece um limite para o cálculo do AMS em 5% para os PDs e 10% para os PEDs.

Os subsídios de caixa amarela são que possui efeito distorcivo maior, porém não são proibidos, desde que não ultrapasse os limites previstos nas Listas de Concessões, podendo ser acionado perante o Sistema de Solução de Controvérsias da OMC.[33]

3.4 A AMS

O AsA, criou um mecanismo de controle dos subsídios domésticos, denominado Medida Agregada de Apoio (AMS), que quantifica as práticas mais distorcivas e as sujeita aos compromisso de redução que estão previstos na Lista de Concessões de cada Estado-membro.

A AMS, congrega dois tipos de apoio, o específico direcionado a um produto específico, e o não específico que é conferido à toda a população do país.

São três os tipos de subsídios que foram destacados pelo AsA, e foram incluídas na “caixa amarela” por ter maiores efeitos distorcivos no comércio agrícola global, e devem ser calculados pela AMS pois são esses três tipos de subsídios que estão sujeitos aos compromissos de redução estabelecidos na Lista de Concessões.[34]

O primeiro tipo de subsídios é:

“O apoio de preços (market price support) que corresponde ao sistema por meio do qual um diferencial é estabelecido entre o preço recebido pelos produtores domésticos (preço de administração) e aquele praticado pelo mercado internacional […].

Neste caso, o montante de subsídios será calculado com base na diferença entre um preço de referência externo fixo e o preço administrado praticado, multiplicado pela quantidade do produto que recebe o subsidio.”[35]

O apoio de preços é um instrumento amplamente utilizado na Comunidade Européia, ele é a garantia do preço mínimo ao produtor agrícola, sendo criado na Europa para garantir renda aos produtores de açúcar e beterraba.[36]

O segundo grupo de medidas de apoio doméstico são os pagamentos diretos não isentos, que são o segundo plano dos tipos de subsídios que são considerados no cálculo da AMS, está forma de subsídios ocorre quando o governo de determinado Membro define o preço a ser recebido pelo produtor, arcando o governo com as diferenças do preço determinado e o preço de mercado. Sendo esta medida a mais utilizada pelos EUA.[37]

O terceiro grupo de medidas que fazem parte da metodologia de cálculo da AMS são os pagamentos não isentos, que se caracterizam em fatores distintos de preços, fazem parte dessa categoria os subsídios a insumos agrícolas e outra forma de ajuda a comercialização.

Com o objetivo de reduzir custos a sua “base de cálculo será a diferença entre o preço do produto ou serviço subsidiado e um preço representativo de mercado para um produto ou serviço semelhante multiplicado pela quantidade desse produto ou serviço”.[38] O escopo da AMS é estimar o total do equivalente monetário dos recursos transferidos ao setor agrícola.

3.5 A Cláusula de Paz

O Artigo 13 do AsA, dispões sobre a Cláusula de Paz, ou “Devida moderação”, conforme disposto no texto do acordo. A Cláusula de Paz é um limitador da aplicação de regras sobre subsídios no setor agrícola, que tem por objetivo impedir e dificultar o questionamento sobre os subsídios agrícolas, sob a ótica do ASMC, retirando qualquer aplicabilidade deste acordo aos bens agrícolas. A Cláusula de Paz, foi uma disposição temporária do Sistema Multilateral do Comércio, pois prescreveu condições transitórias e específicas para o início de ações questionando os subsídios agrícolas, estando em vigor no período de 1995 à 1º de janeiro de 2004.[39]

O título “devida moderação” reflete a idéia de que os Membros da OMC, deveriam exercer o direito de questionamento de subsídios agrícolas por meio apenas do AsA, pois os Membros deveriam ter cautela antes de iniciar qualquer questionamento.

“Reitera-se que o AsA introduziu sistema regulatório peculiar e legitima medidas doutro modo proibidas e acionáveis sob o ASMC. Por exemplo, medidas da caixa verde, da caixa azul e aquelas beneficiadas pela exceção de minimis são excluídas dos compromissos de redução firmados no AsA. No entanto, configuram práticas acionáveis sob o ASMC, fator que preocupava os grandes Membros subsidiadores. Nesse contexto, fez-se necessária a criação de mecanismos que protegesse suas políticas agrícolas de eventuais questionamentos, razão da criação da Cláusula de Paz com o objetivo de impedir o recurso contra medidas compatíveis com o AsA, mas incompatíveis com outras disposições dos Acordos de OMC.”[40]

Três são as regras prescritas pela Cláusula de Paz, a) para que houvesse a imposição de direitos compensatórios, deveriam ser determinados o dano ou a ameaça de danos pelo subsídio, conforme as regras da Parte 5 do ASMC, devendo os membros exercer devida moderação quanto ao início dos questionamentos; b) seriam imunes as ações multilaterais, com fundamento no Artigo 5 e 6 do ASMC, sobre subsídios acionáveis, quando a vantagem não fosse em apoio a uma commodity específica, além do volume de subsídios autorizados para o ano de 1992; c) caso a commodity específica ultrapassasse os níveis de subsídios autorizados para o ano 1992 , em seu questionamento seria aplicado as regras do ASMC.[41]

A Cláusula de Paz limitou o direito de ação do Estado prejudicado pelas medidas desleais, realizados por outros Estados. Durante sua vigência duas foram às condições para o início do questionamento perante a OMC, demonstrar que o subsidio não pertencia à categoria caixa verde, que é isenta de questionamentos, e provar que o volume de subsidio que estiver em questão é dirigido a uma commodity específica, não seja superior aos níveis autorizados em 1992.

A revalidação da Cláusula de Paz é constantemente cogitada na Rodada Doha, pois um grupo de Membros acredita que o seu fim causará um aumento das disputas junto ao Mecanismo de Solução de Controvérsias da OMC.[42]

O quadro abaixo ilustra os efeitos da Cláusula de Paz, comparando os subsídios agrícolas aos demais subsídios.

3.6 A relação entre o AsA e o ASMC

Os principais diplomas legais da OMC, que tratam sobre a concessão de subsídios é o ASMC e o AsA, tanto os de apoio doméstico quanto aos de exportação, sendo que os dois diplomas disciplinam a concessão de subsídios no setor agrícola. Com o fim da Cláusula de Paz, prevista no Artigo 13 do AsA, que criava barreiras ao acionamento dos subsídios perante o ASMC, colocou fim a discussão da não aplicabilidade do ASMC sobre subsídios agrícolas.

O Sistema Multilateral de Comércio é o emaranhado de normas jurídicas da OMC que regulamentam o comércio internacional, são normas procedimentos de licença de importação, medidas sanitárias e fitossanitárias, setor têxtil e confecções, Agricultura e Subsídios. Todos esses temas integram o mesmo sistema, possuindo uma interpretação e aplicação cumulativa, de todas as normas jurídicas..

O Artigo 21 do AsA, inseriu uma ressalva a regra de que os tratados da OMC deveriam ter interpretação cumulativa, no entanto não é essa a posição do Órgão de Apelação da OMC, que no caso EUA – Subsídios ao Algodão, entendeu:

“Lembramos que Acordo sobre a Agricultura e o Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias são ambos acordos multilaterais sobre o comércio de bens contidos no Anexo 1ª do Acordo de Marraqueche que estabelece a Organização Mundial do Comércio ( o “Acordo da OMC”) e, como tais, são ambos partes integrais do mesmo tratado, o Acordo da OMC, que constitui obrigação sobre todos os Membros. Ademais, como o Órgão de Apelação tem esclarecido, “o interprete de um tratado deve ler todos os dispositivos aplicáveis de forma a dotá-los todos de sentido, harmoniosamente”.[43]  

Desta forma o Órgão de Apelação da OMC, entendeu que o ASMC é aplicado, aos casos de subsídios agrícolas, caso haja distorção. Com o fim da Cláusula de Paz, a barreira criada pelo AsA, que obstruía a integração entre os dois regimes jurídicos, não mais vigora, e desta forma os dois acordos “compõe um pacote integrado de direitos e obrigações, razão pela qual suas disposições devem ser consideradas em conjunto”.[44]

O caso EUA – Subsídios ao Algodão, consolidou o entendimento a respeito da aplicação do ASMC, sobre subsídios agrícolas de forma integrada com o AsA, pois foi o primeiro contencioso da OMC, em que subsídios concedidos ao setor agrícola fora acionado pelas regras do ASMC, sendo declarado o Step 2 como sendo um programa de substituição da exportação vedadas pelas regras do Artigo 2 do ASMC.[45]

A importância da aplicabilidade do ASMC, diz respeito a não previsão do AsA, sobre procedimentos contra recursos aos subsídios agrícolas, pois o AsA, é em termos gerais um compromisso de redução geral das medidas de apoio doméstico e as regras para darem efeitos as reduções, não contendo em seu texto quais os procedimentos para viabilizar o controle dos subsídios.

Desta forma as regra do ASMC, aplicadas à disciplina do AsA, conferem maior eficácia no controle internacional multilateral dos subsídios agrícolas e industriais, em contraponto a regulamentação apenas pelo AsA, que gera assimetria no controle multilateral dos subsídios.

Em termos de procedimento, os subsídios agrícolas de apoio domésticos e o de exportação, são processados perante o ASMC, na categoria de subsídios acionáveis.

“Em Geral, medidas de apoio doméstico ao setor agrícola são consideradas subsídios acionáveis sob o ASMC, desde que atendam a definição de subsídios e o critério da especificidade. A categoria acionável corresponde, contudo, à zona cinzenta do Acordo, em que a dicotomia básica da regulação dos subsídios sobressai. Trata-se do confronto entre a importância dessas medidas públicas de fomento e o seu caráter distorcivo. Nesse contexto, a concessão dos subsídios domésticos será disciplinada apenas quando acarretar determinados efeitos, com vistas a re-estabelecer o equilíbrio entre direitos e obrigações abalados pelos subsídios.”[46]

Desta forma, para acionar os subsídios agrícolas perante o ASMC, deve-se ser reportado às regras dos subsídios acionáveis ou “amarelos”, que são o dano a indústria nacional de um membro, anulação ou prejuízo das vantagens resultantes para outros membros e prejuízo ou grave ameaça aos interesses de outros membros. Sendo que, nesse caso, se os efeitos adversos causarem dano material aos produtores de um estado, poderá ocorrer as medidas compensatórias.

4 CONCLUSÃO

Diante o exposto, conclui-se, que ss Subsídios concedidos ao setor agrícola, além de serem distorcivos e desleais, possuem a falta de eficácia, , principalmente com o Artigo 13 do Acordo sobre Agricultura, a Cláusula de Paz, que produziu efeito nocivo ao comércio de bens agrícolas, pois impediu o acionamento de subsídios agrícolas domésticos e à exportação perante o Acordo de Subsídios e Medidas Compensatórias, que possui maior eficiência e celeridade na tomada de decisões punindo os Estados subsidiadores, o que não acorre com o AsA, que possui caráter programático em relação aos subsídios agrícolas, pois prevê metas de redução, diferente do ASMC, que possui mecanismo de punição para as concessões acima dos limites e regras, entretanto, com o caso EUA – Subsídio ao Algodão, novo paradigma sobre a matéria de subsídios agrícolas foi criada, pois foi elucidado e resolvido os conflitos a respeito, de qual acordo ser aplicado sobre os subsídios agrícolas, sendo o primeiro questionamento de  subsídios agrícolas acionado pelo ASMC, criando um novo paradigma nas defesas comerciais contra esta prática que distorcem o comércio internacional, causando prejuízos principalmente aos Países em Desenvolvimento.

 

Referências
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THORSTENSEN, Vera. OMC – Organização Mundial do Comércio: as regras do comércio internacional e a nova rodada de negociações multilaterais.2 ed.São Paulo: Aduaneiras, 2001.
 
Notas:
 
[1] JUNIOR,  Calos Nogueira da Costa. Agenda Doha: o que esteve em jogo na Genebra de 2008. Meridiano 47 n. 97, ago. 2008 [p. 39 a 47].

[2] MAGALHÃES, Luiz Roberto Paranhos. Subsídios na disciplina da Organização Mundial do Comércio – OMC. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p.72.

[3] THORSTENSEN, Vera. OMC – Organização Mundial do Comércio: as regras do comércio        internacional e a nova rodada de negociações multilaterais.2 ed.São Paulo: Aduaneiras, 2000. p.29.

[4] MAGALHÃES, 2007, p.72.

[5] REIS, Felipe Nagel. Subsídios na OMC: as limitações impostas aos governos na sua política industrial pelas regras do ASMC e pela jurisprudência da OMC. Curitiba: Juruá, 2008. p.39.

[6] THORSTENSEN, 2000, p.29.

[7] REIS, 2008, p.40.

[8] THORSTENSEN, 2000, p.30.

[9] REIS, 2008, p.41.

[10] Barral, Welber (Org). O Brasil e a OMC. 2 ed. Curitiba:Juruá,2002, p.13.

[11] THORSTENSEN, 2000, p.30.

[12] THORSTENSEN, 2000, p.32.

[13] DANTAS, Adriana. Subsídios Agrícolas: regulação internacional. São Paulo: Saraiva, 2009. p.38.

[14] THORSTENSEN, 2000, p.32.

[15] REIS, 2008, p.42.

[16] DANTAS, 2009, p.64.

[17] DANTAS, 2009, p.66.

[18] DANTAS, 2009, p.66.

[19] DANTAS, 2009, p.71.

[20] THORSTENSEN, 2000, p.439.

[21] DANTAS, 2009, p.72.

[22] DANTAS, 2009, p.74.

[23] DANTAS, 2009, p.74.

[24] DANTAS, 2009, p.74.

[25] DANTAS, 2009, p.75.

[26] DANTAS, 2009, p.75.

[27] DANTAS, 2009, p.76.

[28] DANTAS, 2009, p.77.

[29] DANTAS, 2009, p.205.

[30] DANTAS, 2009, p.78.

[31] DANTAS, 2009, p.81.

[32] DANTAS, 2009, p.91.

[33] DANTAS, 2009, p.81.

[34] DANTAS, 2009, p.84.

[35] DANTAS, 2009, p.84.

[36] DANTAS, 2009, p.85.

[37] DANTAS, 2009, p.86.

[38] DANTAS, 2009, p.86.

[39] DANTAS, 2009, p.96.

[40] DANTAS, 2009, p.97.

[41] DANTAS, 2009, p.112.

[42] DANTAS, 2009, p.99.

[43] EUA – Subsídios ao Algodão, WT/DS267/R, apud DANTAS, 2009, p.204.

[44] DANTAS, 2009, p.205.

[45] DANTAS, 2009, p.214.

[46] DANTAS, 2009, p.215.


Informações Sobre o Autor

Igor Unica Grego

Advogado, Especializando em Direito Internacional e Econômico pela Universidade Estadual de Londrina


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