Análise de caso concreto envolvendo a lei seca sob as óticas de Weber, Luhmann, Habermas e Beck

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Resumo: Um motorista foi parado numa fiscalização e autuado por desobedecer ao artigo 306 da lei 11705/1997 do Código de Trânsito Brasileiro. O caso foi a julgamento e juiz de direito e o colegiado do Superior Tribunal de Justiça tomaram posicionamentos diferentes com relação ao caso. Diante do exposto, foi feita uma análise do caso a partir das teorias de Weber, Luhmann, Habermas e Beck.

Palavras-chave: Weber. Luhmann. Habermas. Beck. Lei Seca.

Abstract: A driver was stopped in an inspection and fined for disobeying the Article 306 of law 11705/1997 of the Brazilian Traffic Code. The case went to trial and a judge and collegiate Superior Court have taken different positions with respect to the case. The article is an analysis of the case from the theories of Weber, Luhmann, Habermas and Beck.

Keywords: Weber, Luhman, Habermas, Beck, “Lei Seca”.

Sumário: Introdução. 1. Sobre a Lei Seca. 2. Resumo do caso concreto. 3. Análise do caso concreto sob o ponto de vista da teoria de Weber. 4. Análise do caso concreto sob o ponto de vista da teoria de Luhmann. 5. Análise do caso concreto sob o ponto de vista da teoria de Habermas. 6. Análise do caso concreto sob o ponto de vista da teoria de Beck.  Conclusão.

Introdução

O objetivo deste artigo é fazer uma análise sobre a decisão judicial a partir de um caso concreto sob o ponto de vista de quatro autores: Weber, Luhman, Habermas e Beck, tendo por base a modificação do artigo 306 da lei 11705/1997 do CTB (Código de Trânsito Brasileiro) e os motivos que levaram a essa modificação.

Num primeiro momento é feita uma breve exposição histórica a respeito da lei seca, desde sua elaboração, passando por sua evolução, até chegar ao modo em que se encontra atualmente. Em seguida, apresenta-se um resumo do caso concreto utilizado para fazer a análise tanto da questão da evolução da lei, como da questão da decisão judicial.

Depois da exposição sobre a lei 11705/1997 do CTB (Código de Trânsito Brasileiro) e da apresentação o caso concreto, iniciou-se a abordagem sociológica sob o ponto de vista de Weber. A partir de Weber, observou-se o comportamento da lei mediante a ação social. O autor afirma que regras jurídicas são resultantes de um conjunto social que se estabelece por ações sociais e que a evolução do Direito se dá conforme a evolução da ação social.

Após a análise da relação entre ação social e evolução do direito, fez-se a análise do comportamento do juiz perante o caso concreto tendo por base a teoria de Luhmann, que apresenta a sociedade como composta por sistemas e, a partir do caso concreto, foi realizado estudo da relação ente o sistema do direito e o sistema da comunicação, tendo como foco a influência que a mídia pode ter sobre uma decisão judicial.

Em seguida, a Teoria da Ação Comunicativa de Habermas foi usada para verificar como se ocorre a relação entre entendimento da norma e sua aplicação ao caso concreto, tomando por base os princípios que o juiz de direito e o colegiado do STJ (Superior Tribunal de Justiça) usaram na hora de absolver e de condenar o réu, respectivamente.

Por fim, a tese de Beck sobre uma sociedade de riscos foi utilizada para explicar os riscos aos quais uma decisão judicial está exposta e como o juiz se comporta diante desses riscos na hora de tomar sua decisão.

1. Sobre a Lei Seca

De acordo com dados da Polícia Rodoviária Federal, os acidentes de trânsito são responsáveis por cerca de 35 mil mortes por ano no Brasil, sendo a ingestão de bebida alcoólica a principal causa para o acontecimento desse tipo de acidente. O Código de Trânsito Brasileiro já previa como crime conduzir veículo automotor após a ingestão de bebida alcoólica, porém devido à ineficácia causada pela baixa rigidez da norma em questão, o número de acidentes de trânsito se manteve crescente.

Na tentativa de reverter a ineficácia em 2008, foi criada a Lei Seca pela modificação do artigo 306 da lei 11705/1997 do CTB. Essa alteração visava regulamentar o crime de embriaguez no volante e, consequentemente, diminuir a quantidade de acidentes e vítimas do trânsito, especificando a quantidade de álcool permitida no organismo do motorista e os meios pelos quais essa infração poderia ser constatada.

De acordo com a Associação Brasileira de Medicina de Tráfego, a utilização de bebidas alcoólicas é responsável por 30% dos acidentes de trânsito. E metade das mortes, segundo o Ministério da Saúde, está relacionada ao uso do álcool por motoristas. Diante deste cenário preocupante, a Lei 11.705/2008 surgiu com uma difícil missão de alertar a sociedade para os perigos de associar álcool e direção.

No entanto, a lei Seca apresentou problemas durante sua aplicação. Ao delimitar que o crime de embriaguez no volante só poderia ser comprovado pelo teste do etilômetro ou por exame de sangue, dificultava a produção de provas contra o infrator, já que esse tipo de prova exige uma colaboração da vítima. Caso a pessoa alegasse o direito de não produzir provas contra si mesmo, poderia se recusar a fazer tais exames.

Diante das estatísticas que não conduziam com a expectativa, a Lei Seca precisou ser reformulada por mudança significativa no conteúdo do artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro. A alteração mais significativa foi com relação à presença da expressão "dirigir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada", identificado e comprovado por diversos meios, como os exames de alcoolemia, vídeos, testemunhas.

Se for constatado que o motorista conduziu um veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência do álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência, ele já estará cometendo crime de trânsito.

 Desde sua publicação, em junho de 2008, o governo começou a realizar campanhas de conscientização e a distribuir aparelhos de bafômetro para que a fiscalização fosse intensificada. Como consequência dessa maior vigilância, o número de casos que chegou até o Sistema Judiciário Brasileiro também aumentou.

2. Resumo do caso concreto

Um exemplo desse tipo de caso envolve um motorista denunciado pela suposta prática do crime previsto no artigo 306 da Lei 9503/97 por conduzir veículo automotor em estado de embriaguez em 01/03/2009. Ele foi submetido a dois testes etilométricos, constatando-se concentração de álcool por litro de sangue acima do permitido por lei.

Em audiência no dia 05/04/2011, o juiz de primeira instância julgou a denúncia inepta. Foram usados os argumentos de que não foi narrado qualquer estado de condução anormal do veículo a causar perigo para a incolumidade. É indispensável, segundo doutrina e jurisprudência as quais ele se filia, a existência de comportamento fático da chamada direção anormal. Caso o motorista conduza o veículo de forma normal, mesmo estando em estado de embriaguez jurídica, não há infração penal.

Inconformado, o Ministério Público inseriu um recurso em sentido estrito, sob o fundamento de que com a simples leitura do preceito penal do artigo 306 da Lei 9.503/97, não mais subsiste a ideia do perigo em concreto, ou seja, a exigência de um dano em potencial. O legislador descreve o crime de embriaguez no volante como sendo de perigo abstrato, que não depende de resultado. Trata-se de uma medida preventiva, com a finalidade de evitar delitos de natureza ou resultado grave.

Diante do apelo do ministério público, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) concluiu que a denúncia não era inepta, visto que o artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro não exige a descrição de condução anormal do veículo automotor. Constatada a concentração de álcool no organismo superior à prevista legalmente, não há como alegar ausência de justa causa para a persecução penal. Por esse motivo, o Ministério Público Federal opina pela denegação da ordem.

3. Análise do caso concreto sob o ponto de vista da teoria de Weber

É possível relacionar o caso concreto citado às teorias de alguns sociólogos. Dentre eles, Weber defende que as novas regras jurídicas surgem geralmente “mediante a lei, isto é, mediante regulamento humano dentro de formas consideradas legítimas para esse fim, em virtude da constituição convencional ou imposta de uma associação” (WEBER, 1999, p. 67). Afirma que regras jurídicas são resultantes de um conjunto social que se estabelece por ações sociais e que a evolução do Direito se dá conforme a evolução da ação social.

Em sua obra “Economia e Sociedade”, Weber declara que um novo tipo de ação ocasiona a mudança da significação do Direito vigente ou à criação de um novo Direito.

“Qual a origem dessa inovação? Pode-se responder: é a modificação das condições de existência externas que trouxe consigo modificações nos consensos até então empiricamente válidos. A simples modificação das condições de existência externas não é suficiente nem      indispensável, pois o decisivo é sempre um novo tipo de ação que leva à mudança da significação do direito vigente ou à criação de um novo direito” (WEBER, 1999, p. 69).

O aumento excessivo de acidentes de trânsito envolvendo vítimas alcoolizadas foi um dos fatores que levaram à criação da Lei Seca. A ineficácia penal da Antiga Lei Seca levou à sua alteração, para que os objetivos de sua criação fossem realmente alcançados.

 Antes das mudanças serem feitas, os motoristas que bebiam antes de dirigir conseguiam se desviar da punição pelo não cumprimento da norma, alegando não serem obrigadas a realizarem os exames do bafômetro ou de sangue. Após as modificações, outros tipos de provas foram consideradas válidas como meio de comprovar que houve delito. Dessa forma, houve uma mudança das condições externas de aplicação da norma, sendo necessária a sua modificação.

Faz parte também da teoria de Weber a questão do movimento lógico de evolução da ação, partindo do que ele chama de irracionalidade, presente nos casos concretos, locais e singulares, à racionalidade, que ele entende por geral, universal e abstrato.

A presença de diversos casos isolados envolvendo pessoas que se recusaram a realizar o teste do bafômetro ou que apresentavam a mesma concentração de álcool no sangue, mas que tinham comportamentos diferentes, ou ainda pessoas não apresentavam sinais evidentes de embriaguez mesmo após ingerir grande quantidade de álcool, trouxe para o governo a necessidade de tornar a lei mais geral e abrangente, não aceitando qualquer concentração de álcool no sangue.

 Weber também acredita que só vai ser julgado aquilo que chegar ao judiciário. As lacunas presentes na lei antes de serem feitas reformulações asseguravam o direito das pessoas não produzirem provas contra si mesmas, mas ao mesmo tempo impedia que essas provas fossem apresentadas de outras maneiras, dificultando que os infratores chegassem a ser confrontados com a Justiça brasileira.

 Com a reformulação, meios alternativos puderam ser usados. O depoimento de policiais, de testemunhas, vídeos passaram a ser consideradas provas contra o infrator, permitindo que mais casos cheguem ao Judiciário e que mais pessoas sejam responsabilizadas por seus atos.

 O efeito de coação passado à sociedade, produzido pelo exemplo dado pelo aumento do número de sentenças, condenações e pessoas respondendo por dirigirem alcoolizadas resulta exatamente no que Weber acredita ser o papel fundamental da sanção, que é evitar que outras pessoas descumpram a lei. Consequentemente, as pessoas passaram a cumprir a norma espontaneamente, alcançando os índices esperados pelo governo ao adotar a “tolerância zero” e ao realizar campanhas de conscientização.

4. Análise do caso concreto sob o ponto de vista da teoria de Luhmann

Niklas Luhmann, em sua obra “Sociologia do Direito I”, reserva um capítulo para tratar sobre o Direito como estrutura da sociedade. É levantada a hipótese de que o desenvolvimento do Direito é decorrente do aumento das complexidades e contingências da sociedade. O crescente número de possibilidades gera os riscos, as incertezas, sendo necessária a diferenciação das tarefas, a divisão do trabalho.

 A sociedade é, assim, um sistema social, “um ambiente altamente complexo e contingente, é capaz de manter relações constantes entre as ações”. (LUHMANN, 1983, p.168). A solução encontrada para regular essa complexidade é a formação de uma estrutura, ou seja, tenta-se presumir os possíveis problemas que os sistemas possam enfrentar e são elaboradas também as possíveis soluções que podem ser aplicadas em cada caso.

 Ainda na obra “Sociologia do Direito I”, o autor explica que o Direito é necessário como estrutura, visto que a sociedade necessita que as expectativas feitas sobre o comportamento das pessoas sejam generalizadas, para que haja uma orientação sobre quais decisões tomar, qual caminho seguir.

 Porém, as características da estrutura do Direito e a forma como é institucionalizada dependem do grau de evolução da sociedade, “ela se modifica, portanto, com a evolução da complexidade social” (LUHMANN, 1983, p.170). Quando há uma superprodução de possibilidades dentro do sistema, esse sistema dá origem a outro, que também pertence à mesma estrutura. Então, quanto mais sistemas tiver uma sociedade, mais complexa ela é. Nesse contexto, a teoria do Direito é vista como uma teoria da evolução social.

Ao falar sobre o surgimento da norma abstrata, o autor explica que ela tem origem nos vários problemas concretos, e sua abstração acaba criando várias possibilidades de aplicação. É criado o fator de estabilização, a chamada jurisprudência, que é responsável por transmitir o significado da norma pela linguagem.

 Dessa forma, os variados sistemas pertencentes a uma grande estrutura devem seguir um mesmo parâmetro de raciocínio, apesar de tratarem sobre assuntos diferentes e atuarem em áreas distintas. No caso do Sistema Judiciário Brasileiro, por exemplo, as instâncias de julgamento deveriam tomar decisões coerentes, já que pertencem a uma só estrutura.

Uma decisão monocrática (tomada por apenas um magistrado) acontece, em regra, em primeira instância. Em segunda instância, geralmente as decisões tomadas partem de um colegiado de magistrados. Mas pode ocorrer também uma decisão monocrática em segunda ou terceira instâncias, quando os pedidos ou recursos são manifestamente intempestivos, incabíveis ou improcedentes, ou ainda que contrariem a jurisprudência predominante no Tribunal, ou ainda em que for evidente sua incompetência.

 A primeira instância seria a primeira fase do sistema de julgamento brasileiro, tendo como característica a tomada de decisão por só um juíz. As instâncias superiores fazem parte de outro mecanismo, sendo portadoras de características diferentes. No STJ, por exemplo, existem turmas de desembargadores que vão julgar os casos, cada um expondo o seu voto até que a maioria decide qual decisão tomar.

 Esses sistemas são reconhecidos como instâncias e compõem uma só estrutura, que é o Sistema Judiciário Brasileiro. Dessa forma, a comunicação entre esses setores que exercem funções diferentes é essencial para que possa haver uma continuidade, uma coerência entre eles e para que a estrutura como um todo possa funcionar eficientemente.

 No entanto, o caso do motorista que foi pego dirigindo alcoolizado mostra uma situação contrária. O juiz de direito entendeu que o acusado não deveria ser penalizado por não ter ofendido o patrimônio público em concreto, nem ter posto a vida de uma pessoa em risco. Já o colegiado de juízes do STJ (Superior Tribunal de Justiça), teve um entendimento oposto. Entendeu que por a norma tratar como sendo crime dirigir embriago, ele deveria ser considerado culpado, mesmo sem ter dirigido de forma anormal ou colocado em risco o patrimônio público.

A partir dos posicionamentos tomados pelos juízes de primeira e segunda instâncias, uma questão fica evidente: a interferência de um sistema em outro. Ao decidir por absolver o réu, o juiz de direito segue o principio do sistema penal de penalizar o mínimo possível, enquanto que ao decidir pela condenação, o colegiado do STJ o fez por uma pressão externa vinda de outro sistema, o sistema de comunicação.

O sistema de comunicação exerce forte influência em todos os outros sistemas, já que forma a opinião da grande massa da população. Com isso, esse sistema tem o poder de influenciar decisões judiciais importantes para o andamento da sociedade, principalmente ao exibir várias reportagens com números resultantes de pesquisas e apresentar aquilo que acreditam ser a melhor solução para determinado problema social.

5. Análise do caso concreto sob o ponto de vista da teoria de Habermas

Habermas trabalha com a questão da evolução do Direito. Para ele, o Direito evolui numa permanente tensão entre faticidade (que ele entende por normas) e validade (que ele entende por valores de interpretação) e funciona como categoria de mediação social entre ambas.

Na obra “Direito e democracia” o autor acredita que “a modernidade inventou o conceito de razão prática como faculdade subjetiva” (HABERMAS, 1929. p. 17). Para a filosofia prática da modernidade, os indivíduos pertencem à sociedade como membros de uma coletividade, e as sociedades modernas se tornaram tão complexas que resultou a fusão de duas figuras: a sociedade centrada no Estado e a sociedade composta por indivíduos.

Estado e indivíduo passam a ser um só. O sujeito atuando no Estado como próprio sujeito e como Estado e este ocupando lugar singular, funcionando como sistema macro, funcionando como ambiente para outros sistemas.

A razão prática perde poder explicativo por causa da autopoiesis dos sistemas dirigidos auto-referencialmente. Habermas sugere uma nova teoria que substitui a razão prática por uma razão comunicativa que vai além da prática social, e defende que há um mínimo de idealização com relação à convenção linguística. A Teoria da Ação Comunicativa é uma tentativa de assimilar a tensão entre faticidade e validade.

Ainda na obra “Direito e democracia”, Habermas conclui que quanto mais complexa a sociedade, mais se desenvolve a pluralização das formas de vida, acompanhada por uma individualização das histórias de vida. Isso provoca zonas de convergência entre as convicções de fundo do Mundo da Vida. O direito aparece para reduzir essas convergências e tornar possível a racionalização da criação do sistema.

As normas jurídicas são leis coercitivas e leis de liberdades e que os dois componentes da validade jurídica (a coerção e a liberdade) deixam à escolha do destinatário a perspectiva do ator. “A validade social de normas do direito é determinada pelo grau em que consegue se impor, ou seja, pela sua possível aceitação fática no círculo dos membros do direito” (HABERMAS, 1929. p. 50).

A conexão interna entra a faticidade da imposição coercitiva do Direito e validade fundada da legitimidade típica do procedimento legislativo impõem ao sistema jurídico ao dever de se encarregar da tarefa da integração social. O risco constituído na ação comunicativa é cercado por certezas intuitivas que são aceitas impensadamente porque são comunicativamente acessíveis e livremente mobilizadas.

A ação comunicativa não suporta os fardos da decisão, não pode suportar nem se desobrigar da tarefa de integração social sobre a qual é responsável. No caso em questão, o juiz de direito entende o texto da lei de uma forma, enquanto a promotoria e o colegiado do STJ o entende de outra.

Enquanto que o juiz de direito entende o texto da lei como voltado para as pessoas que de alguma forma representem risco à sociedade e, portanto, deve ser aplicada com rigor a esses casos, a promotoria e o colegiado entendem que o texto da lei deve valer para todos, independentemente do risco evidente que representem e, logo, ao menor descumprimento do que for estabelecido no CTB (Código de Transito Brasileiro) deve ser aplicado todo o rigor da norma.

6. Análise do caso concreto sob o ponto de vista da teoria de Beck

Ulrich Beck, na obra “Modernização reflexiva: política, tradição e estética na ordem social moderna”, trabalha com as ideias de modernização reflexiva e sociedade de risco e tenta responder ao questionamento sobre como o direito atua na produção de certezas numa sociedade de riscos.

Beck entende modernização reflexiva como desincorporação e reincorporação das formas sociais industriais por outra modernidade. “Supõe-se que modernização reflexiva signifique que uma mudança na sociedade industrial implica na radicalização da modernidade que vai invadir as premissas e os contornos da sociedade industrial e abrir caminhos para outra modernidade.” (BECK, 1944. p.13).

O autor também trabalha com a ideia de sociedade de risco como uma fase do desenvolvimento da sociedade moderna em que os riscos econômicos, sociais, políticos e individuais tendem a escapar cada vez mais do controle das instituições para o controle da sociedade industrial, a partir disso essa sociedade de risco se divide em dois estágios.

“Primeiro um estágio em que os efeitos e as auto-ameaças são sistematicamente produzidos, mas não se tornam questões públicas ou o centro dos conflitos políticos. Aqui, o autoconceito da sociedade industrial ainda predomina, tanto multiplicando como “legitimando” as ameaças produzidas por tomadas de decisão, como ‘riscos residuais’ (a sociedade de risco residual)

Segundo, uma situação completamente diferente surge quando os perigos da sociedade industrial começam a dominar os debates e conflitos públicos, tanto políticos como privados. Nesse caso, as instituições da sociedade industrial tornam-se os produtores e legitimadores das ameaças que não conseguem controlar” (BECK, 1944. p.15)

Diante disso, a atuação do direito na sociedade de risco traz como risco pré-existente o risco do erro humano na produção da decisão, agregado ao risco do erro técnico de especialistas, aplicação de uma norma que não se adéqua ao caso em questão.

O juiz toma uma decisão com certo grau de certeza, mas está sujeito à dúvida e à parcialidade, mesmo assim, ele deve encarar o risco como algo normal e, principalmente, deve saber lidar com ele para que tome a decisão adequadamente.

No caso em questão, o juiz de direito estava ciente de que sua decisão estava sob os riscos apresentados e, mesmo assim se posicionou usando as jurisprudências e as decisões anteriores de acordo com o que achava mais adequado ao caso concreto que lhe foi apresentado.

Frente à decisão do juiz de direito, a promotoria julgou-a inadequada e recorreu à instância superior numa tentativa de fazer valer o direito que julgava ser mais adequado ao caso do motorista que dirigia sob efeito de álcool. Diante do recurso da promotoria o STJ decidiu seguir exatamente o que a lei determinava e condenou o réu.

As decisões do juiz de direito e do STJ vinham acompanhadas de risco, estavam sujeitas a erro, é exatamente por causa dessa possibilidade que existe o mecanismo do recurso, que permite uma revisão do caso e da decisão tomada e que sejam feitas as retificações necessárias.

Conclusão

Sob a ótica de Weber, é possível salientar que o surgimento de um novo Direito. O aparecimento ou modificação de normas, como ocorreu com a Lei Seca, é decorrente da mudança das ações sociais. O Direito só muda quando as ações praticadas na sociedade também mudam, pois ele precisa se adequar às novas necessidades dos indivíduos enquanto membros de um meio social.

A partir de Luhmann, entende-se o Direito como estrutura, ou seja, um conjunto de sistemas interligados, que juntos conseguem solucionar os diversos casos ofertados pela comunidade. A comunicação entre esses sistemas é essencial para a manutenção da coerência da estrutura do Direito. Porém, é perceptível a influência de agentes externos durante suas atividades, o que pode resultar em divergências, como ocorreu no caso exposto no início deste trabalho. Instâncias tiveram opiniões diferentes, devido, principalmente, à pressão exercida pela população para a condenação de todos que dirijam embriagados.

  Sob a ótica da Teoria da Ação Comunicativa de Habermas, pode-se concluir que a comunicação e o Mundo da Vida são fundamentais no andamento do direito. A leitura, análise e aplicação dos textos das leis aos casos concretos são processos que puderam ser analisados a partir do caso concreto exposto.

Beck, no entanto, considera que esses riscos são pré-existentes. A forma como o Sistema Judiciário Brasileiro é organizado, desde a instância inferior até a superior, é uma forma de lidar com os possíveis erros e julgamentos. Juízes de instâncias superiores podem corrigir falhas ocorridas em instâncias inferiores.

 

Referências
DEPARTAMENTO DE POLÍCIA RODOVIÁRIA FEDERAL. Lei Seca. Disponível em: < http://www.dprf.gov.br/PortalInternet/leiSeca.faces>
WEBER, M. Economia e Sociedade: fundamentos da sociologia compreesiva. Brasília, 2009.
LUHMANN, N. Sociologia do Direito I. Rio de Janeiro, 1983.
BECK, U. A reinvenção da política: rumo a uma teoria da modernização reflexiva. In: Beck, U. ; Giddens,A. e Scott, L. Modernização reflexiva: política, tradição e estética na ordem social moderna. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1997.
HABERMAS, J. 1929 – Direito e democracia: entre faticidade e validade, volume I 2.ed./ Jürgen Habermas; tradução: Flávio Beno Siebeneichler – Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003.

Informações Sobre os Autores

Ana Karoline Linhares Ribeiro

Acadêmica de Direito da Universidade Federal do Piauí

Maria Isabel Boavista Gomes Castelo Branco

Acadêmica de Direito da Universidade Federal do Piauí


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