A autocomposição de conflitos na justiça do trabalho

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Resumo: O presente artigo traz a atenção sobre a Autocomposição de Conflitos na Justiça do Trabalho. Além de estabelecer o conceito, características e procedimentos jurídicos a respeito do referido instituto, dá-se relevante atenção à comparação entre a Autocomposição e a Heterocomposição de Conflitos na Justiça do Trabalho, demonstrando os benefícios inerentes e os possíveis perigos deste primeiro instituto. Todo o artigo é baseado em princípios legais, texto expresso de lei, citações doutrinárias e referencias jurisprudenciais a respeito dos assuntos que englobam o tema da presente monografia. Por fim, passa-se a um estudo aprofundado de Acordos e Convenções Coletivos de Trabalho.

Palavras-chave: Autocomposição, heterocomposição, acordos coletivos de trabalho, convenções coletivas de trabalho.

Abstract: This monograph brings attention to Autocomposição Conflict in the Labour Court. Besides establishing the concept, characteristics and legal procedures regarding the said institute, there is significant attention to the comparison between the Autocomposição Heterocomposição and Conflict in the Labor Court, demonstrating the inherent benefits and potential dangers of this first institute. All work is based on legal principles, Express law text, citations and references jurisprudential doctrine about the issues that comprise the subject of this monograph. Finally, move on to a detailed study of Agreements and Collective Bargaining Convention.

Keywords: Autocomposição, heterocomposição, Agreements Bargaining Convention, Collective Bargaining Convention.

Sumário: 1. Introdução. 2. Da autocomposição de conflitos na Justiça do Trabalho. 2.1. Conceito. 2.2. Modalidades. 2.2.1. Da convenção coletiva de trabalho. 2.2.2. Do acordo coletivo de trabalho. 2.2.3. Do contrato coletivo de trabalho. 2.3. Princípios da autocomposição de conflitos. 2.3.1. Princípio da boa-fé. 2.3.2. Princípio do dever de informar. 2.3.3. Princípio da inescusabilidade da negociação. 2.3.4. Do princípio da razoabilidade. 2.3.5. Do princípio da participação obrigatória das entidades sindicais. 2.3.6. Do princípio da criatividade jurídica da negociação coletiva. 2.3.7. Do princípio da adequação setorial negociada. 2.4. Autocomposição de conflitos na justiça do trabalho x flexibilização. 2.5. Convenção coletiva de trabalho x acordo coletivo de trabalho. 3. Outras formas de solução de conflitos coletivos. 3.1. Da heterocomposição de conflitos na Justiça do Trabalho. 3.1.1. Da jurisdição dissídio coletivo. 3.1.1.1. Dissídio coletivo de comum acordo. 3.1.2. Arbitragem. 3.1.3. Mediação. 3.1.4. Conciliação. 3.2. Autocomposição x heterocomposição. 3.3. Autotutela. 3.3.1. Lockout. 3.3.2. Greve. 3.4. Autocomposição x autotutela. conclusão. Referências

1. INTRODUÇÃO

O presente artigo discorrerá, detalhadamento, a respeito da Autocomposição na Justiça do Trabalho, apresentando os fundamentos que embasam este instituto de extrema relevância.

Frisa-se que entre os assuntos abordados, será feito um estudo pormenorizado a respeito das Negociações (Acordo e Convenções) Coletivas, eis que são institutos fundamentais na defesa e efetivação dos direitos trabalhistas.

No entanto, uma palavra de cautela a respeito da Autocomposição diz respeito ao fato de a mesma poder fundamentar flexibilizações de direitos trabalhistas, assim, essa temática mostra elevada importância dentro da Justiça do Trabalho.

Outro tema aliado a Autocomposição de Conflitos na Justiça Trabalhista diz respeito à Heterocomposição dos conflitos, identificando, também, os conceitos e benefícios deste último instituto, bem como fazendo uma análise a respeito da Autotutela nas relações coletivas de trabalho.

Enfim, relação entre trabalhadores e empregadores tem se mostrado muito rica em elementos de estudos, análises e pesquisas, sendo a relação que norteia o direito trabalhista, deste modo, o presente trabalho estuda aspectos destas relações, sempre com um olhar jurídico.

Assim, o Direito Coletivo do Trabalho, como disciplina autônoma, é de extrema importância na resolução de conflitos trabalhistas, sendo a Autocomposição um instituo destacado na efetivação da Justiça Social, por isso passa-se a sua análise.

2. DA AUTOCOMPOSIÇÃO DE CONFLITOS NA JUSTIÇA DO TRABALHO.

2.1. CONCEITO.

Ao longo dos séculos a relação entre empregado e empregador tem-se mostrado uma das relações mais ricas, conflituosas e relevantes.

Na maioria dos casos, esta relação entre empregadores e empregados apenas adquiri um equilíbrio satisfatório, tendo em vista a intervenção de terceiros, do qual destaca-se, sobremaneira, o Estado.

Frisa-se que o empregador é o pólo mais forte nesta conflituosa relação, sendo que, por muito tempo, os trabalhadores foram totalmente subordinados às vontades e caprichos da classe patronal.

No entanto, a referida intervenção estatal limitou as vontades dos empregadores a própria lei, dando uma certa proteção e garantia aos trabalhadores.

Na epígrafe, acima, foi citada uma frase atribuída a Lacordaire que resume bem essa questão, qual seja: entre o forte e o fraco, entre o rico e o pobre, é a liberdade que escraviza, e a lei que liberta.

Realmente, as leis trabalhistas, ao limitar a atuação dos empregadores, têm libertado os empregados de situações de extrema pressão e abusividades nas relações de trabalho.

Feita essa breve introdução, frisa-se que a Autocomposição tem-se se mostrado um caminho inverso, em que a negociação entre empregado e empregador não tem a intervenção de terceiros.

Nesse sentido, Carlos Henrique Bezerra Leite (2011, pág. 2) assevera com propriedade:

“A autocomposição consiste na técnica de solução dos conflitos coletivos pelos próprios interlocutores, sem emprego da violência, mediante ajustes de vontades. A autocomposição, que pode ser unilateral ou bilateral, não se confunde com autodefesa (greve e lockout). São exemplos da autocomposição a convenção coletiva (CLT, art. 611), o acordo coletivo (idem, § 1º), o acordo intra-empresarial, o protocolo de intenções, o contrato coletivo etc.”

Conforme palavras do nobre doutrinador, a Autocomposição “consiste na técnica de solução dos conflitos coletivos pelos próprios interlocutores, sem emprego de violência, mediante ajustes de vontades”, assim, são os próprios atores das relações trabalhistas, quem promoverão a solução dos conflitos.

Falando a respeito da Negociação Coletiva de Trabalho (que engloba Acordos e Convenções Coletivas) o Ministro do Tribunal Superior do Trabalho Maurício Godinho Delgado (2004, pág 1.368) assevera que “negociação coletiva é um dos importantes métodos de solução de conflitos existentes na sociedade contemporânea. Sem dúvida, é o mais destacado no tocante a conflitos trabalhistas de natureza coletiva.”

Do mesmo modo, Enoque Ribeiro dos Santos (2004, pág. 90) leciona:

“Processo dialético por meio do qual os trabalhadores e as empresas, ou seus representantes, debatem uma agenda de direitos e obrigações, de forma democrática e transparente, envolvendo matérias pertinentes à relação trabalho-capital, na busca de um acordo que possibilite o alcance de uma convivência pacífica, em que impere o equilíbrio, a boa-fé e a solidariedade humana”.

Nota-se, deste modo, que a Autocomposição é um instituto que diverge da regra, regra esta que determina a clara e constante intervenção estatal na solução de conflitos.

Ainda conceituando o referido instituto o artigo 2º da Convenção número 154 da Organização Internacional do Trabalho, recepcionada pela legislação, preceitua:

“Artigo 2 – Para efeito da presente Convenção, a expressão "negociação coletiva" compreende todas as negociações que tenham lugar entre, de uma parte, um empregador, um grupo de empregadores ou uma organização ou várias organizações de empregadores, e, de outra parte, uma ou várias organizações de trabalhadores, com o fim de:

fixar as condições de trabalho e emprego; ou

regular as relações entre empregadores e trabalhadores; ou

regular as relações entre os empregadores ou suas organizações e uma ou várias organizações de trabalhadores, ou alcançar todos estes objetivos de uma só vez.”

Ao conceituar o instituto da Autocomposição o nobre jurista Maurício Godinho Delgado (2012, pág. 1.316) não foge do conceito estabelecido na Convenção número 154 da OIT, senão vejamos:

“A autocomposição ocorre quando as partes coletivas contrapostas ajustam suas divergências de modo autônomo, diretamente, por força e atuação próprias, celebrando documento pacificatório, que é o diploma coletivo negociado. Trata-se, pois, da negociação coletiva trabalhista. […] se celebra autonomamente pelas partes, ainda que sob certa pressão social verificada ao longo da dinâmica negocial”.

Dessarte, a vista dos conceitos legais e doutrinários expostos acima, chega-se a clara conclusão que a Autocomposição trata-se, resumidamente, da resolução de conflitos por intermédio dos próprios sujeitos da relação de trabalho e seus representantes legais (sindicatos), sem a intervenção de terceiros estranhos a lide e a relação existente.

Assim, por se mostrar um meio adequado de solução de conflitos, a Autocomposição tem sido prestigiada pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1998 – CRFB/88.

Os incisos XIII e XIV do artigo 7º da Carta Magna determinam:

“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: […]

XIII – duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;

XIV – jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva;”

Observa-se, que o constituinte pátrio ao contemplar a possibilidade de flexibilização das relações de trabalho, condicionou este último instituto às negociações coletivas, modalidade da Autocomposição de conflitos.

Deste modo, o instituto, alvo do presente estudo, mostra-se de extrema importância tendo em vista que a própria Constituição Federal reconhece campos para sua aplicação.

Assim sendo, devido a sua significativa importância, existem uma série de procedimentos e modalidades da Autocomposição de conflitos, que validam o referido instituto e garantem os direitos trabalhistas.

Porém, a presente monografia, antes de falar a respeito dos procedimentos da Autocomposição, tecerá alguns comentários e estudos relevantes a respeitos das modalidades da Autocomposição de conflitos na Justiça do Trabalho.

2.2. MODALIDADES.

As modalidades da Autocomposição de conflitos são, em outras palavras, os exemplos de institutos que são englobados por aquele.

São exemplos ou modalidades clássicas da Autocomposição de conflitos: 1) Convenção Coletiva de Trabalho; 2) Acordo Coletivo de Trabalho; 3) Acordo intra-empresarial; 4) protocolo de intenções e; 5) Contrato Coletivo.

Antes do estudo de algumas das referidas modalidades, porém, faz-se necessário entender melhor a etimologia da autocomposição e sua real aplicação nas relações coletivas, tendo em vista, que todas as modalidades, de uma forma ou de outra, envolvem negociação entre os sujeitos coletivos.

Discorrendo sobre a terminologia da autocomposição, Maurício Godinho Delgado, afirma com clareza:

“Ela verifica-se de três maneiras, às vezes significativamente distintas entre si. De um lado, o despojamento unilateral em favor de outrem da vantagem por este almejada (renúncia). De outro lado, a aceitação ou resignação de uma das partes ao interesse da outra (aceitação, resignação ou, ainda, submissão). Por fim, a autocomposição também ocorre através da concessão recíproca efetuada pelas partes (transação).

A negociação coletiva enquadra-se, como citado, no grupo das fórmulas autocompositivas. Contudo, é fórmula autocompositiva essencialmente democrática, gerindo interesses profissionais e econômicos de significatica relevância social. Por isso não se confunde com a renúncia e muito menos com a submissão, devendo cingir-se, essencialmente, à transação (por isso fala-se em transação coletiva negociada).”

Verifica-se, assim, que as modalidades de Autocomposição, tratam-se de verdadeiras transações realizadas entre os sujeitos coletivos, ou seja, transações coletivas negociadas

Tendo em mente o exposto acima, qual seja, que a Autocomposição envolvem real transação entre os sujeitos coletivos da relação de trabalho, segue abaixo estudo sobre as principais modalidades de Autocomposição:

2.2.1. DA CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO.

O ordenamento jurídico pátrio, especifico do direito trabalhista, traz à atenção o instituto da Convenção Coletiva de Trabalho.

Sobre o tema, o artigo 611 da Consolidação das Leis do Trabalho dispõe:

“Artigo 611 – Convenção Coletiva de Trabalho é o acordo de caráter normativo, pelo qual dois ou mais Sindicatos representativos de categorias econômicas e profissionais estipulam condições de trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas representações, às relações individuais de trabalho”.

Da leitura do referido artigo, destacam-se 3 (três) características inerentes e essenciais a Convenção Coletiva do Trabalho, quais sejam: 1) serem feitas pelos sindicatos; 2) caráter normativo; e 3) estipularem condições de trabalho.

Quanto à primeira característica, frisa-se que os sujeitos da Convenção Coletiva de Trabalho são os sindicatos, tanto o sindicatos de empregados, como sindicatos patronais.

Essa regra, excetua-se, apenas na hipótese prevista no §2º do referido artigo 611 da CLT, que estabelece que as Federações e as Confederações podem substituir os sindicatos no âmbito de suas representações.

No entanto, em todos os casos a participação dos sindicatos na Convenção Coletiva de Trabalho condiciona-se ao cumprimento do exposto no artigo 612 da CLT, in verbis:

“Art. 612 – Os Sindicatos só poderão celebrar Convenções ou Acordos Coletivos de Trabalho, por deliberação de Assembléia Geral especialmente convocada para esse fim, consoante o disposto nos respectivos Estatutos, dependendo a validade da mesma do comparecimento e votação, em primeira convocação, de 2/3 (dois terços) dos associados da entidade, se se tratar de Convenção, e dos interessados, no caso de Acordo, e, em segunda, de 1/3 (um terço) dos mesmos.”

Nota-se, assim, a necessidade de convocação regular de Assembléia Geral para deliberarem acerca da Convenção Coletiva de Trabalho.

O egrégio Tribunal Superior do Trabalho tem, reiteradamente, considerado nula a Convenção Coletiva que não satisfaz o requisito acima. Nesse sentido:

“RECURSO ORDINÁRIO. AÇÃO ANULATÓRIA. CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO. NULIDADE. SINDICATO REPRESENTANTE DA CATEGORIA ECONÔMICA. CONVOCAÇÃO INEXISTENTE. EDITAL PUBLICADO EM JORNAL DE CIRCULAÇÃO RESTRITA. Convenção coletiva de trabalho celebrada para aplicação aos empregados de instituições beneficentes, religiosas e filantrópicas dos seguintes municípios: São José dos Campos, Campos de Jordão, Natividade da Serra, Aparecida, Caraguatatuba, Paraibuna, Areias, Cruzeiro, Queluz, Bananal, Lavrinhas, Roseira, Caçapava, Lorena, Santa Branca, Cachoeira Paulista, Monteiro Lobato, Santo Antônio do Pinhal, São Bento do Sapucaí, São Sebastião, Tremenbé, São José do Barreiro, Silveiras, Ubatuba, São Luis do Paraitinga, Taubaté, Jacareí e Pindamonhagaba. Edital de convocação para deliberação da pauta de reivindicações apresentada pelo sindicato da categoria profissional publicado em jornal de circulação no Município de São Paulo. Ausência de demonstração da publicação do referido edital nos municípios abrangidos na convenção coletiva de trabalho. Inobservância do disposto no art. 612 da Consolidação das Leis do Trabalho e no art. 22, parágrafo único, do Estatuto Social do Sindicato das Instituições Beneficentes, Religiosas e Filantrópicas do Estado de São Paulo. Recurso ordinário a que se nega provimento.” (BRASIL. TST. ROAA – 1973/1999-000-15-40, SDC, Rel. Ministro Gelson de Azevedo, DJ – 01/10/2004.)

“CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO. NULIDADE – IRREGULARIDADES NA CONVOCAÇÃO DA ASSEMBLÉIA-GERAL. A jurisprudência desta Seção firmou-se no sentido de que o edital deve ser publicado em jornal que circule em todos os municípios que compõem a base territorial do sindicato (Orientação Jurisprudencial nº 28/SDC).Recursos Ordinários a que se nega provimento.” (BRASIL. TST. ROAA – 747914-65.2001.5.15.5555 Data de Julgamento: 13/06/2002, Relator Ministro: Rider de Brito, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, Data de Publicação: DJ 02/08/2002).

Quanto a segunda característica da Convenção Coletiva, diz respeito ao caráter normativo. Isso quer dizer que, em simples palavras, a Convenção Coletiva de Trabalho faz lei entre seus signatários (categorias de empregados e empregadores).

Ensinando a respeito do tema, Amauri Mascaro do Nascimento assevera que a negociação coletiva da qual resultam convenções coletivas de diferentes tipos, graus de obrigatoriedade e âmbitos de aceitações, é uma fonte de produção normativa típica do Direito do Trabalho” (1998, pág 123).

Lecionando sobre as fontes do Direito do Trabalho, Maurício Godinho Delgado (2012, pág. 158), relaciona a Convenção Coletiva como fonte autônoma do direito trabalhista, verbis:

“As convenções coletivas, embora de origem privada (normas autônomas), criam regras jurídicas, isto é, preceitos gerais, abstratos, impessoais, dirigidos a normatizar situações ad futurum. Correspondem, consequentemente, à noção de lei em sentido material, traduzindo ato-regra ou comando abstrato. São, desse modo, do ponto de vista substantivo (seu conteúdo), diplomas desveladores de normas jurídicas típicas, tal como a sentença normativa. Do ponto de vista formal, porém, despontam as convenções coletivas de trabalho como acordos de vontade, contratos – na linha dos atos jurídicos (negócios jurídicos) privados bilaterais ou plurilaterais.”

Do mesmo modo, o Ministro do TST, Ives Gandra da Silva Martins Filho (2010, pág. 77), relaciona os acordos e convenções coletivas como fontes autônomas do direito do trabalho.

Ainda sobre a função normativa da CCT o doutrinador Arion Sayão Romita (1998, pág. 8) assevera:

“Como contrato normativo, regula antecipadamente, de maneira abstrata, relações jurídicas existentes ou que as partes se obrigam a constituir. É próprio do contrato, em acepção ampla (como negócio jurídico bilateral), regular relações jurídicas, subordinando-as a regras preestabelecidas. Tais disposições negociais, agora fixadas para produzirem efeito adiante, destinam-se a reger as relações concretas das partes que se submeteram ou venham a se submeter às condições estipuladas.”

Vê-se, que as partes passam a submeter-se às disposições negociais, vale dizer, que as relações concretas de trabalho passarão a sofrer estrita obediência a norma negocial.

No mesmo sentido, o doutrinador Valentin Carrion (1996) esclarece:

“A distinção fundamental entre o contrato individual de trabalho e a convenção coletiva lato sensu, é que, enquanto o primeiro cria a obrigação de trabalhar e a de remunerar, a convenção coletiva prevê direitos e obrigações para os contratos individuais em vigor ou que venham a celebrar-se; como se diz, é mais uma lei do que um contrato. Tem a vantagem de descer a minúcias e, melhor que a lei, adaptar-se às circunstâncias específicas das partes, do momento e do lugar.”

Sábias as palavras do saudoso doutrinador logo acima citado!

Isso porque, não há como negar que a CCT cria direitos e obrigações à determinada classe de trabalhadores, direitos e obrigações estas que necessariamente influenciarão e, até mesmo, embasarão os contratos individuais de trabalho.

Por fim, da exegese do artigo 611 da CLT nota-se que a CCT deverá estipular ou dispor sobre condições de trabalho aplicáveis aos contratos individuais.

Lembra-se que logo acima, foram citados três doutrinadores que deixam claro que a CCT tem a capacidade inerente de regular os contratos individuais de trabalho.

No entanto, essa característica das Convenções Coletivas de Trabalho vai um pouco mais além, sendo que, verdadeiramente, elas tem o poder de criar e modificar condições de trabalho.

Para exemplificar essa questão, basta lembrar que os incisos XIII e XIV do artigo 7º da CRFB/88 permitem a flexibilização de direitos trabalhistas, ante à negociação coletiva (CCT e ACT).

Entretanto, essa flexibilização é limitada aos próprios princípios do direito do trabalho, não podendo ser flexibilizadas matérias de ordem pública e outras que não tem expressa determinação legal[1].

Por fim, finalizando o conceito a respeito das negociações coletivas de trabalho (Convenções e Acordos Coletivos) Carlos Henrique Bezerra Leite (2011, pág. 5), leciona:

“Para nós, a negociação coletiva de trabalho constitui procedimento prévio, fruto do princípio da autonomia privada coletiva, que tem por objeto a criação de uma fonte formal — autônoma ou heterônoma — que solucionará o conflito coletivo de trabalho.

Caracteriza-se, pois, como procedimento genérico e preliminar da autocomposição ou da heterocomposição. É a “mesa-redonda”, a “rodada de entendimentos”, o “protocolo de intenções” ou qualquer outro meio que irá culminar, no nosso sistema, em um acordo coletivo, uma convenção coletiva, uma sentença arbitral ou uma sentença normativa.

Reconhecemos que o nosso conceito é aplicável especialmente no nosso

ordenamento jurídico, pois a negociação coletiva é procedimento prévio obrigatório tanto para a celebração de convenção ou acordo coletivo quanto para o ajuizamento de dissídio coletivo.”

Portanto, a Convenção Coletiva de Trabalho trata-se, em resumo, da negociação entre sindicatos de empregados e empregadores, objetivando a criação de normas que, dentro dos limites legais, regulamentarão as relações de trabalho aplicadas a determinada classe.

Destaca-se, ainda, que a convenção coletiva de trabalho é um instrumento formal, realizado de forma solene.

Outro fator importante, diz respeito ao fato de que a CCT não poderá ser estipulada por prazo superior a 2 (dois) anos, nesse sentido, Valentin Carrion (2010, pág. 530) ensina que o prazo de eficácia das negociações coletivas (convenção e acordo) é aquele previsto no respectivo instrumento, não podendo ser superior ao prazo legal de 2 (dois) anos.

No entanto, o Tribunal Superior do Trabalho vem, reiteradamente, reconhecendo a possibilidade de prorrogação tácita da Convenção Coletiva, tendo em vista a inexistência de nova CCT, vejamos:

“RECURSO DE REVISTA DO RECLAMANTE. HORAS EXTRAS. TURNO ININTERRUPTO DE REVEZAMENTO. PREVISÃO EM NORMA COLETIVA. PRORROGAÇÃO TÁCITA. POSSIBILIDADE. A nova redação da Súmula nº 277 do TST estabelece que "As cláusulas normativas dos acordos coletivos ou convenções coletivas integram os contratos individuais de trabalho e somente poderão ser modificadas ou suprimidas mediante negociação coletiva de trabalho". Logo, o autor não tem direito ao pagamento da 7ª e 8ª horas como extras, tendo em vista que há previsão em norma coletiva (que não foi alterada por nova negociação), do turno ininterrupto de revezamento. Recurso de revista do autor de que não se conhece. […] “ (ARR – 282-16.2010.5.03.0087 , Relator Ministro: Pedro Paulo Manus, Data de Julgamento: 17/10/2012, 7ª Turma, Data de Publicação: 09/11/2012.)

O acima exposto trata-se de entendimento recente e inovador, sendo pacificado através da nova redação dada a Súmula 277 do TST, que diz:

“Súmula 277 do TST – CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO OU ACORDO COLETIVO DE TRABALHO. EFICÁCIA. ULTRATIVIDADE (redação alterada na sessão do Tribunal Pleno realizada em 14.09.2012) – Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012. 

As cláusulas normativas dos acordos coletivos ou convenções coletivas integram os contratos individuais de trabalho e somente poderão ser modificados ou suprimidas mediante negociação coletiva de trabalho. “

Respeitando-se entendimentos em contrário, a prorrogação tácita da Convenção Coletiva de Trabalho é entendimento que preenche de forma mais ampla os ansiosos dos trabalhadores, uma vez que a CCT integra os contratos individuais, devendo ser modificada apenas mediante nova negociação e não com o simples lapso temporal.

2.2.2. DO ACORDO COLETIVO DE TRABALHO.

As disposições relatadas acima acerca das Convenções Coletivas de Trabalho, em sua maioria, também aplicam-se ao Acordo Coletivo de Trabalho, sendo que este último tem algumas características peculiares que serão abaixo expostas.

O §1º do artigo 611 da CLT dispõe:

“É facultado aos sindicatos representativos de categorias profissionais celebrar acordos coletivos com uma ou mais empresas da correspondente categoria econômica, que estipulem condições de trabalho, aplicáveis no âmbito da empresa ou das empresas acordantes às respectivas relações de trabalho.”

Observa-se, assim, que o Acordo Coletivo de Trabalho diferencia-se da Convenção Coletiva de Trabalho no sentido de que o primeiro poderá ser celebrado entre sindicato e a própria empresa ou empresas acordantes, sem a interferência do sindicato patronal.

Carlos Henrique Bezerra Leite (2011, pág. 15), esclarece:

“Na verdade, a distinção básica entre ACT e CCT reside nos seus sujeitos.

É que os sujeitos do Acordo Coletivo de Trabalho são: de um lado, sindicato dos trabalhadores, e de outro lado, uma ou mais empresas, atuando diretamente, sem representação.

No ACT, portanto, não participa a representação sindical dos empregadores.”

Do mesmo modo, Maurício Godinho Delgado (2012, pág. 1.396), ensina:

“Conforme já exposto, as duas figuras jurídicas examinadas distinguem-se em face dos sujeitos pactuantes e do âmbito de abrangência de suas regras jurídicas. […]

Em consequência dessa primeira distinção, surge a diferença no que tange ao âmbito de abrangência dos dois diplomas coletivos negociados. A convenção coletiva incide em universo mais amplo, caracterizado pela base profissional e econômica representada pelos respectivos sindicatos. Respeitadas as fronteiras máximas da base territorial dessas representações, as convenções abrangem todas as empresas e respectivos empregados englobados nas respectivas categorias econômicas e profissionais.

Já o acordo coletivo de trabalho tem abrangência muito mais restrita. Atinge apenas os empregados vinculados à empresa pó conjunto de empresas que tenham subscrito os referidos diplomas. Não obriga empresas não convenentes, nem atinge os empregados destas, ainda que se trate da mesma categoria econômica e profissional.”  

Por óbvio, as disposições da ACT serão aplicáveis apenas com relação a empresa ou as empresas que celebraram o acordo, não sendo aplicável a toda categoria profissional econômica do sindicato.

Entretanto, no que diz respeito ao Acordo Coletivo de Trabalho existe uma previsão específica na CLT que excepciona a participação dos próprios empregados, sem a intervenção do sindicato profissional.

O artigo 617 do referido diploma legal dispõe:

“Art. 617 – Os empregados de uma ou mais empresas que decidirem celebrar Acordo Coletivo de Trabalho com as respectivas empresas darão ciência de sua resolução, por escrito, ao Sindicato representativo da categoria profissional, que terá o prazo de 8 (oito) dias para assumir a direção dos entendimentos entre os interessados, devendo igual procedimento ser observado pelas empresas interessadas com relação ao Sindicato da respectiva categoria econômica.

§ 1º Expirado o prazo de 8 (oito) dias sem que o Sindicato tenha se desincumbido do encargo recebido, poderão os interessados dar conhecimento do fato à Federarão a que estiver vinculado o Sindicato e, em falta dessa, à correspondente Confederação, para que, no mesmo prazo, assuma a direção dos entendimentos. Esgotado esse prazo, poderão os interessados prosseguir diretamente na negociação coletiva até final.

§ 2º Para o fim de deliberar sobre o Acordo, a entidade sindical convocará assembléia geral dos diretamente interessados, sindicalizados ou não, nos termos do art. 612.”

Observa-se, que os interessados, ou seja, os empregados, na ausência ou omissão dos sindicatos, podem, através de representantes escolhidos, tomar a liderança e realizar Acordos Coletivos de Trabalho, desde que sigam o procedimento estabelecido no referido artigo 617 da CLT.

Sobre o tema, Carlos Henrique Bezerra Leite (2011, pág. 15) leciona:

“Já vimos que o princípio da participação obrigatória dos sindicatos na negociação coletiva não é invalidado pela excepcional possibilidade da celebração de ACT diretamente entre empregados e empregador, tal como prescreve o art. 617 da CLT, o qual, a nosso ver, foi recepcionado pela novel Carta Magna, porquanto esta reconhece os acordos coletivos (ao lado das convenções coletivas) como direito fundamental dos trabalhadores. Logo, não pode o sindicato, por mero capricho de seus dirigentes ou por interesses espúrios ou secundários, impedir a operacionalização de um direito fundamental.”

Consigna-se que o Tribunal Superior do Trabalho vem, reiteradamente, aceitando a aplicação do artigo 617 da CLT, senão vejamos:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. ACORDO COLETIVO CELEBRADO DIRETAMENTE ENTRE EMPREGADOS E EMPREGADOR – POSSIBILIDADE – RECEPÇÃO DO ARTIGO 617 DA CLT PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 – ARTIGO 8º, INCISO VI, DA CF. RECUSA DO SINDICATO.  Nega-se provimento a agravo de instrumento que visa liberar recurso despido dos pressupostos de cabimento. Agravo desprovido.” (BRASIL. TST. AIRR – 29940-87.2004.5.05.0007 Data de Julgamento: 05/05/2010, Relator Ministro: Renato de Lacerda Paiva, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 28/05/2010.)

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. NEGOCIAÇÃO COLETIVA. RECUSA DA ENTIDADE SINDICAL. COMPATIBILIDADE DO ARTIGO 617 E §§ DA CLT COM O ARTIGO 8º, VI, DA CF. O artigo 8º, VI, da CF/88, ao preceituar a obrigatoriedade da participação dos Sindicatos nas negociações coletivas de trabalho, não derrogou as disposições do artigo 617, §§ 1º e 2º, da CLT. Agravo de Instrumento conhecido e não provido”. (BRASIL. TST. ED-AIRR – 30140-94.2004.5.05.0007 Data de Julgamento: 29/11/2006, Relator Juiz Convocado: Luiz Antonio Lazarim, 6ª Turma, Data de Publicação: DJ 02/02/2007.)

Vale lembrar, que estas disposições do artigo 617 da CLT não são aplicáveis às Convenções Coletivas de Trabalho.

Portanto, assevera-se que a distinção entre o ACT e a CCT diz respeito aos sujeitos ou atores que tomam a dianteira na negociação, posto que, enquanto nesta última apenas sindicatos patronais e de categoria econômica podem atuar, na primeira haverá a atuação da empresa ou empresas e, em casos excepcionais, poderá haver a atuação de representantes dos empregados, sem a participação dos sindicatos.

Por fim, as mesmas considerações no que dizem respeitos aos prazos de duração da CCT e de sua prorrogação tácita, também aplicam-se aos Acordos Coletivos de Trabalho.

2.2.3. DO CONTRATO COLETIVO DE TRABALHO.

Sobre o conceito de Contrato Coletivo de Trabalho, Carlos Henrique Bezerra Leite (2011, pág. 17), parafraseando Francisco Siqueira Neto, assevera com propriedade:

“Hoje em dia, porém, ressurge a expressão “contrato coletivo”, segundo José

Francisco Siqueira Neto, com significado de negociação de âmbito nacional e supracategorial que visa estabelecer regras básicas para os demais instrumentos coletivos. Assim, seria criada uma forma de rompimento com o sistema corporativo atual para adotar um novo regime sindical, prestigiando a autonomia privada coletiva, erigida esta a patamar constitucional. O contrato coletivo, portanto, iria substituir a lei, que prevaleceria apenas nas questões de ordem pública ou de natureza constitucional. Teria, então, caráter normativo, de modo a regulamentar, criar ou estipular condições de trabalho.

O contrato coletivo de trabalho seria, então, negociado, no Brasil, pelas centrais sindicais.”

Nesse aspecto, frisa-se que o Contrato Coletivo de Trabalho consiste na criação de normas em âmbito nacional, com o objetivo de regular as relações de trabalho.

Sabe-se que as normas genéricas no que dizem respeito as relações trabalhistas são feitas pelo próprio Estado, através de seu legislativo.

Deste modo, em casos específicos, tanto os empregadores (por intermédio de seus sindicatos patronais) como os empregados (por intermédio de centrais sindicais) substituiriam o Estado na confecção de normas trabalhistas, respeitados limites de natureza de ordem pública e constitucionais.

Sem sombra de dúvidas, este instituto consagra, sobremaneira, a Autocomposição de Conflitos na Justiça do Trabalho, posto que relaciona as vontades dos sujeitos imediatos da relação de emprego (empregadores e empregados) acima do próprio legislador pátrio.

Infelizmente, as disposições acerca do Contrato Coletivo de Trabalho ainda não são institucionalizadas no direito brasileiro, nesse sentido, Maurício Godinho Delgado (2012, pág. 1.405), assevera:

“O contrato coletivo de trabalho é, no Brasil, ainda hoje, figura não institucionalizada na negociação coletiva trabalhista, em contraponto às duas figuras tradicionais existentes, que foram, objeto de estudo nos itens III[2] e IV[3], anteriores. A lei não a tipificou e regulou, nem os seres coletivos trabalhistas tiveram interesse ou força organizativa para implementar, costumeiramente, sua presença no âmbito social. Não tem tido, por isso, aplicação prática na dinâmica justrabalhista do país.”

Em que pese, a não institucionalização do referido instituto no direito brasileiro, o mesmo trata-se de um claro exemplo de autocomposição na resolução de conflitos trabalhistas.

Portanto, assevera-se que, em caso de futura institucionalização do referido instituto, o mesmo tornar-se-á outra forma clara e eficaz de resolução de conflitos na Justiça do Trabalho, tendo por base a solução através dos próprios atores da relação trabalhista, ou seja, sem a intervenção de terceiros.

2.3. PRINCÍPIOS DA AUTOCOMPOSIÇÃO DE CONFLITOS.

Antes de quaisquer comentários, frisa-se que os princípios são fundamentais dentro do direito, norteando e, até mesmo, regulamentando situações.

Para Paulo Bonavides (2003, pág. 286), destacado doutrinador constitucionalista, princípios são as normas-chaves de todo o sistema jurídico, compreendendo-se, por óbvio, o direito coletivo do trabalho, o referido autor assevera apropriadamente: “em verdade, os princípios são o oxigênio das Constituições na época do pós-positivismo. É graças aos princípios que os sistemas constitucionais granjeiam a unidade de sentido e auferem a valoração de sua ordem normativa.

Dando a mesma importância aos princípios, o juiz federal e doutrinador Dirley da Cunha Júnior (2011, pág. 34-35) assevera:

“O princípio jurídico se destaca como a pedra angular desse sistema de normas. Ou, poder-se-á afirmar, aqui apressadamente, que os princípios de Direito consagram valores (democracia, liberdade, igualdade, segurança jurídica, dignidade, estado de direito, etc.) fundamentadores do sistema jurídico, orientadores de sua exata compreensão, interpretação e aplicação e, finalmente, supletivos das demais fontes do direito (tridimensionalidade funcional dos princípios)”.

A Autocomposição de Conflitos na Justiça do Trabalho, sendo uma espécie do Direito Coletivo Trabalhista tem uma séria de princípios que informam este instituto, além de regulamentar, de certo modo, a aplicação do mesmo.

Maurício Godinho Delgado (2012, pág. 1.303) relaciona o Direito Coletivo do Trabalho como disciplina autônoma, tendo, por isso, princípios e fontes próprias, in verbis:

“Registre-se que, independentemente da referida controvérsia, há institutos e particularidades do Direito Coletivo do Trabalho que reclamam exame circunstanciado. Trata-se, por exemplo, da negociação coletiva e seus instrumentos, dos sujeitos coletivos trabalhistas, especialmente dos sindicatos, da greve, da mediação e da arbitragem coletivas, do dissídio coletivo. […]”

Seguindo esta esteira de entendimento, o autor Carlos Henrique Bezerra Leite relaciona 5 (cinco) princípios como essenciais à Autocomposição de Conflitos, são eles: princípio da Boa-fé; princípio do dever de informar; princípio da inescusabilidade de informação; princípio da razoabilidade e; princípio da participação obrigatória das entidades sindicais.

Além dos princípios citados a cima, Maurício Godinho Delgado, relaciona outros 2 (dois) princípios inerentes à negociações coletivas de trabalho, são eles: princípio da criatividade jurídica da Negociação Coletiva e princípio da adequação setorial negociada.

Segue, abaixo, explicação a respeito de cada um dos referidos princípios, bem como a relação dos mesmos com a Autocomposição de Conflitos na Justiça do Trabalho:

2.3.1. PRINCÍPIO DA BOA-FÉ.

É inegável que quaisquer negociações coletivas de trabalho sempre tem de estar fundamentadas e calcadas na boa-fé entre as partes.

Aliás, o Princípio da Boa-fé tem-se constituído a regra no ordenamento jurídico brasileiro. Por exemplo, no direito contratual brasileiro, as partes sempre devem basear suas negociações na boa-fé, sendo esta última presumida na confecção de contratos.

Assim, é imprescindível que a Boa-fé norteie as ações dos autores das negociações coletivas.

2.3.2. PRINCÍPIO DO DEVER DE INFORMAR.

Este princípio diz respeito a empresa informar a real situação para a entidade sindical por ocasião da negociação de conflitos.

Além disso, os trabalhadores devem informar suas reais necessidades e anseios, com o objetivo de dinamizar, ainda mais, a negociação com os empregadores.

Comentando o assunto, Maurício Godinho Delgado[4] (2012, pág. 1.339) assevera:

“É evidente que a responsabilidade social de se produzirem normas (não meras cláusulas) conduz à necessidade de clareza quanto à condições subjetivas e objetivas envolvidas na negociação. Não se trata aqui de singela pactuação de negócio jurídico entre indivíduos, onde a privacidade prepondera; trata-se de negócio jurídico coletivo, no exercício da chamada autonomia privada coletiva, dirigida a produzir universos normativos regentes de importantes comunidades humanas. A transparência aqui reclamada é, sem dúvida, maior do que a que cerca negócios jurídicos estritamente individuais. Por isso aqui é mais largo o acesso a informações adequadas à formulação de normas compatíveis ao segmentos social envolvido.”

Ora, seria plenamente inviável a criação de uma norma que não possa ser cumprida pelas partes, assim a transparência, dever de informar, deve preponderar as negociações coletivas.

Nesse ponto, frisa-se que as informações obtidas na negociação coletiva são sigilosas e somente podem ser utilizadas no âmbito das negociações, é o que assevera Carlos Henrique Bezerra Leite (2011, pág. 7):

“Vale ressaltar que a informação adquirida para efeitos de negociação coletiva deve ser preservada, não dando o direito à parte que obteve a informação em divulgá-la limitadamente, aplicando-as a fins estranhos à negociação, afinal de contas, todo o direito deve ser exercido dentro de seus limites e da finalidade para qual se destina, sob pena de abusos e ilegalidades.”

Destarte, é inegável os benefícios que a aplicação do referido princípio traz.

2.3.3. PRINCÍPIO DA INESCUSABILIDADE DA NEGOCIAÇÃO.

O artigo 616 da CLT dispõe claramente:

“Sindicatos representativos de categorias econômicas ou profissionais e as empresas, inclusive as que não tenham representação sindical, quando provocados, não podem recusar-se à negociação coletiva.”

Assim sendo, não restam dúvidas acerca importância do referido princípio, eis que os sujeitos da Autocomposição de Conflitos, caso provados, devem se propor a negociar.

A aplicação deste princípio adquire ainda maior relevância, tendo em vista que a obrigatoriedade da negociação coletiva é pré-requisito para a deflagração de greve e para o ajuizamento de dissídio coletivo.

Nesse sentido, o artigo 3º da Lei 7.783/89 dispõe:

“Art. 3º Frustrada a negociação ou verificada a impossibilidade de recursos via arbitral, é facultada a cessação coletiva do trabalho.”

No caso do artigo acima relatado, a greve (cessação coletiva do trabalho) somente poderá ser deflagrada na hipótese de restar frustrada a negociação coletiva de trabalho.

Sobre o tema, o TST já se manifestou:

“GREVE – ABUSIVIDADE – AUSÊNCIA DE NEGOCIAÇÃO PRÉVIA E ILEGITIMIDADE DO SUSCITADO. Embora garantido constitucionalmente, o direito de greve não é absoluto, irrestrito e ilimitado. Ao contrário, deve observar os limites, pressupostos e requisitos legais para ser regularmente exercido. Constitui abuso desse direito a deflagração do movimento sem a observância das disposições contidas na Lei n° 7.783/89, como a comprovação do exaurimento de negociação prévia e autônoma para resolução do conflito e da deliberação da categoria sobre a greve. Recurso ordinário provido para declarar a abusividade da greve, desobrigando a empresa do pagamento dos dias de paralisação.” (BRASIL. TST. RODC – 970000-69.2002.5.02.0900 Data de Julgamento: 08/08/2002, Relator Ministro: Rider de Brito, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, Data de Publicação: DJ 27/09/2002.)

Nesse mesmo sentido, o artigo 114, §2º da CRFB/88, determina:

“Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: […]

§ 2º Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente.”

Portanto, vê-se, claramente, tanto a importância do princípio da inescusabilidade da negociação, como a aplicação prática do mesmo na âmbito da Justiça do Trabalho.

2.3.4. DO PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE.

Carlos Henrique Bezerra Leite (2011, pág. 8) assevera com propriedade:

“Este princípio impõe que as partes atuem com bom senso na negociação, de forma que não cabe aos empregados, por exemplo, exigir condições impossíveis de serem concedidas pela empresa, da mesma forma que as empresas não devem conceder condições muito abaixo de suas reais possibilidades.”

Este princípio tem clara relação com o Princípio da Boa-fé, tendo em vista que ambos garantem a lealdade dos atores das negociações coletivas de trabalho.

2.3.5. DO PRINCÍPIO DA PARTICIPAÇÃO OBRIGATÓRIA DAS ENTIDADES SINDICAIS.

Nos subcapítulos pertinentes a análise das Convenções e Acordos Coletivos de Trabalho, destacou-se a necessidade de intervenção sindical, como sujeito necessário das negociações coletivos.

Por exemplo, na CCT a intervenção sindical, tanto patronal como dos trabalhadores, é indispensável para a configuração do respectivo instituto.

Já no caso do ACT os sindicatos patronais são substituídos pelas empresas, ao passo que, em casos extremamente excepcionais e seguindo a hipótese do artigo 617 da CLT, o sindicato de empregados também pode ser substituído por representantes dos mesmos.

No entanto, a regra é a participação dos sindicatos, sendo que o êxito nas negociações e a garantia da efetivação dos direitos trabalhistas dependem da efetiva atuação sindical.

A própria Carta Magna consagra a participação sindical em seu artigo 8º, inciso VI, in verbis:

“Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte: […]

VI – é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho;”

Nota-se, assim, a necessidade da participação sindical nas negociações coletivas de trabalho.

Vale frisar que em sua obra[5], o ilustre ministro Maurício Godinho Delgado, cita os princípios da interveniência sindical nas normatização coletiva e da equivalência dos contratantes coletivos.

É evidente que os referidos princípios tratam-se de um desdobramento do princípio da obrigatoriedade da intervenção sindical nas negociações coletivas.

Consigna-se que a intervenção sindical tem, justamente, o objetivo de tornar as partes negociantes econômica e juridicamente iguais, evitando que uma parte, supostamente mais forte, consiga usar desse fator para impor suas vontades.

Maurício Godinho Delgado (2012, pág. 1.336), ensina com propriedade:

“Em primeiro lugar, de fato, os sujeitos do Direito Coletivo do Trabalho têm a mesma natureza, são todos seres coletivos. Há, como visto, o empregador que, isoladamente, já é um ser coletivo, por seu próprio caráter, independentemente de se agrupar em alguma associação sindical. É claro que pode também atuar através de sua entidade representativa; contudo, mesmo atuando de forma isolada, terá natureza e agirá como ser coletivo. […]

O segundo aspecto essencial a fundamentar o presente princípio é a circunstancia de contarem os dois seres contrapostos (até mesmo o ser coletivo obreiro) com instrumentos eficazes de atuação e pressão (e, portanto, negociação).”

Com base no exposto nesse tópico, é coerente chegar a conclusão que a disposição do parágrafo 1º do artigo 617[6] da CLT trata-se de caso excepcionalíssimo, não podendo, sob nenhuma hipótese tornar-se a regra.

Frisa-se, nesse sentido, que a participação sindical é fundamental, seja em Convenções (absolutamente indispensável) ou em Acordos Coletivos.

Na hipótese de omissão sindical, caso os empregados tomem a liderança nas negociações, os mesmo estarão, ainda mais, num patamar desigual perante o empregador.

Portanto, a participação sindical é de máxima relevância, sendo plenamente obrigatória nas Convenções Coletivas e, apesar de excepcionar sua participação, os sindicatos são indispensáveis na confecção de Acordos Coletivos.

2.3.6. DO PRINCÍPIO DA CRIATIVIDADE JURÍDICA DA NEGOCIAÇÃO COLETIVA.

Este princípio demonstra o poder normativo das negociações coletivas de trabalho.

Como visto no tópico 2.2.1 do presente trabalho monográfica, resta mais do que claro que as Negociações (convenções e acordos) Coletivas têm o real poder de criar normas perante seus sujeitos.

Explicando sobre o referido princípio, Maurício Godinho Delgado (2012, pág. 1.340) assevera:

“Tal princípio, na verdade, consubstancia a própria justificativa de existência do Direito Coletivo do Trabalho. A criação de normas jurídicas pelos atores coletivos componentes de uma dada comunidade econômico-profissional realiza o princípio democrático de descentralização política e de avanço da autogestão social pelas comunidades localizadas. […]”

Desta forma, mais do que estabelecer cláusulas contratuais, as negociações coletivas estabelecem verdadeiras normas jurídicas, leia-se, fontes do direito do trabalho, devendo as mesmas serem respeitadas em quaisquer relações trabalhistas envolvendo os atores da referida negociação.

2.3.7. DO PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO SETORIAL NEGOCIADA.

O princípio da adequação setorial negociada, apesar de não ser citado por muitos doutrinadores, é de extrema importância no direito coletivo trabalhista, posto que o referido princípio determina a própria validade e eficácia das normas negociadas.

Sobre o tema, o Ministro do TST, e grande expoente no assunto[7], Maurício Godinho Delgado (2012, pág. 1.341) assevera:

“Este princípio trata das possibilidades e limites jurídicos da negociação coletiva. Ou seja, os critérios de harmonização entre as normas jurídicas oriundas da negociação coletiva (através da consumação do princípio de sua criatividade jurídica) e as normas jurídicas provenientes da legislação heterônoma estatal.”

Assim, o referido princípio mostra-se de extrema relevância na solução de conflitos entre as normas coletivas autocompositivas e as normas individuais heterônomas.

Segundo o doutrinador acima citado, a aplicação deste princípio deverá levar em conta 2 (dois) critérios objetivos, quais sejam, as normas coletivas sempre vão sobrepor as normas individuais quando as primeiras forem mais favorável ao trabalhador e as normas coletivas que não são mais favoráveis apenas terão sua eficácia garantida em caso de normas individuais de indisponibilidade relativa (nunca absoluta) em casos previstos em lei.

Em recente julgamento, de relatoria do próprio ministro Maurício Godinho Delgado, foi garantida a aplicação do princípio em análise, vejamos:

“RECURSO DE REVISTA. INTERVALO INTRAJORNADA. ELASTECIMENTO. PERÍODO SUPERIOR A DUAS HORAS. PREVISÃO EM NORMA COLETIVA. POSSIBILIDADE.  À luz do princípio da adequação setorial negociada, as normas autônomas coletivas somente podem prevalecer sobre o padrão geral heterônomo justrabalhista quando observarem dois critérios autorizativos essenciais: a) quando as normas coletivas implementarem padrão setorial de direitos superior ao padrão geral oriundo da legislação heterônoma aplicável (o clássico princípio da norma mais favorável, portanto); b) quando as normas autônomas transacionarem parcelas trabalhistas de indisponibilidade apenas relativa (e não de indisponibilidade absoluta). É o que ocorre com normas que ampliam o intervalo entre dois lapsos de trabalho (alargando, pois, o intervalo máximo de duas horas de que fala o art. 71, -caput-, da CLT – dispositivo que tem sido comumente incluído, inclusive, nas negociações coletivas que envolvem transporte urbano). A decisão do Regional, portanto, está consonante com o art. 71, caput, da CLT. O que é vedado à negociação coletiva é diminuir ou eliminar o intervalo intrajornada, mas não alargá-lo por além de uma ou duas horas para refeição (ex-OJ 307, SBDI-1/TST, atual Súmula 437/TST)). Recurso de revista não conhecido.” (RR – 2171-31.2010.5.09.0089 , Relator Ministro: Mauricio Godinho Delgado, Data de Julgamento: 07/11/2012, 3ª Turma, Data de Publicação: 09/11/2012.)

Portanto, não restam dúvidas a respeito da essencial aplicabilidade do referido princípio, tendo em vista que o mesmo serve como verdadeiro parâmetro na análise de conflitos, o que é plenamente possível, entre normas coletivas e normas individuais.

2.4. AUTOCOMPOSIÇÃO DE CONFLITOS NA JUSTIÇA DO TRABALHO X FLEXIBILIZAÇÃO.

Um assunto extremamente importante diz respeito a flexibilização na Justiça do Trabalho.

A flexibilização consiste no afrouxamento das normas trabalhistas em detrimento do empregado.

Por exemplo, o já citado inciso XIV do artigo 7º da CRFB/88, estabelece que a jornada para turnos ininterruptos será de 6 (seis) horas, entretanto, o final do referido dispositivo diz: “salvo negociação coletiva”.

Acima, mostra-se um claro e possível exemplo de flexibilização, em que o direito do trabalhador de laborar apenas 6 (seis) horas em turno ininterrupto, poderá ser relativizado e, até mesmo, suprimido frente a negociação coletiva envolvendo a matéria.

Assim, em um primeiro momento, parece que a Autocomposição pode, na verdade, legitimar abusos patronais contra a classe operária.

Este raciocínio não mostra-se absurdo, eis que, conforme a epígrafe do presente trabalho monográfico, o empregador (parte forte e dominante) em tese levará vantagem frente aos empregados e, em conseqüência, a seus sindicatos.

No entanto, justamente para evitar essas situações de possíveis abusos, existem limites claros quanto ao conteúdo das negociações coletivas.

Nesse sentido, leciona Carlos Henrique Bezerra Leite (2011, pág. 12):

“A rigor, existem limites acerca do conteúdo da CCT, os quais decorrem das normas de ordem pública e da ponderação entre o princípio da proteção, que abrange os princípios da norma mais favorável, da condição mais benéfica e do in dúbio pro operário, e a possibilidade de flexibilização in pejus prevista em lei.”

Vê-se, assim, que a Autocomposição não poderá, sob nenhuma hipótese, flexibilizar ou limitar a aplicação de normas de ordem pública.

Além disso, todo o direito trabalhista baseia-se nos princípios de proteção ao trabalhador, além da manutenção das condições mais benéficas.

Deste modo, em que pese o receio de a Autocomposição justificar flexibilizações que possam desregulamentar garantias trabalhistas, existem garantias claras dentro do ordenamento jurídico trabalhista, garantias estas que protegem o trabalhador.

Nesse sentido, o egrégio Tribunal Superior do Trabalho, já se manifestou com extrema propriedade:

“HORAS EXTRAS. ADICIONAL. ESCALA DE 12×36. PREVISÃO EM NORMA COLETIVA.

1. O artigo 7º, inciso XIII, da Constituição Federal faculta a implantação de jornada de labor superior a quarenta e quatro horas semanais mediante negociação coletiva (ACT ou CCT). A jornada de labor, todavia, não deverá ultrapassar 10 (dez) horas de trabalho, mesmo na hipótese de haver norma coletiva de compensação de jornada, porquanto se cuida de medida de medicina e segurança do trabalho, que visa à prevenção da fadiga física e mental do trabalhador (CLT, art. 59, § 2º, e Constituição Federal, art. 7º, XXII).

2. Se há norma coletiva prevendo jornada mediante escala de 12×36, é assegurado ao empregado tão-somente o pagamento do adicional pelas horas trabalhadas além da 10ª diária, porquanto referida jornada não observa a formalidade constante do artigo 59, § 2º, da CLT, que limita a compensação ao máximo de 2 (duas) horas diárias. A inobservância da jornada máxima para adoção do regime de compensação, segundo a lei, acarreta o direito ao pagamento do adicional de horas extras, de conformidade com a Súmula n.º 85, item III, do TST.

3. Recurso de revista conhecido e provido parcialmente, no particular.” (BRASIL. TST. ED-E-ED-AIRR e RR – 99600-63.1998.5.17.0002 Data de Julgamento: 28/06/2006, Relator Ministro: João Oreste Dalazen, 1ª Turma, Data de Publicação: DJ 15/09/2006.)

No corpo do aresto acima citado, o Ministro Relator João Oreste Dalazen, leciona:

“Independentemente de o Eg. Regional reconhecer a validade e aplicabilidade dos instrumentos normativos carreados aos autos, entendo que o Reclamante faz jus ao adicional de horas extras excedente da 10ª diária.

Com efeito, o artigo 7º, inciso XIII, da Constituição Federal faculta a implantação de jornada de labor superior a quarenta e quatro horas semanais mediante negociação coletiva (ACT ou CCT).

Assim, se se considerar somente tal dispositivo, a escala de 12 horas de trabalho por 36 de descanso será viável e perfeitamente lícita, desde que derive de acordo coletivo, CCT ou seu sucedâneo, a sentença normativa.

Sucede, porém, que o § 2º do artigo 59 da CLT, com redação dada pela Lei nº 9.601/98 e modificada pela Medida Provisória nº 2.164-41/01, veda a jornada diária superior a 10 (dez) horas de trabalho, mesmo na hipótese de haver acordo de compensação de jornada.

Eis o teor do artigo 59, § 2º, da CLT:

"Art. 59. (…)

§ 2º Poderá ser dispensado o acréscimo de salário se, por força de acordo ou convenção coletiva de trabalho, o excesso de horas em um dia for compensado pela correspondente diminuição em outro dia, de maneira que não exceda, no período máximo de cento e vinte dias, à soma das jornadas semanais de trabalho previstas, nem seja ultrapassado o limite máximo de dez horas diárias." (grifo nosso)

Cumpre ressaltar que esse limite máximo da jornada diária de trabalho não pode ser objeto de negociação coletiva, porquanto se cuida de medida de medicina e segurança do trabalho, que visa à prevenção da fadiga física e mental do trabalhador (Constituição Federal, art. 7º, XXII).

Desse modo, se há norma coletiva prevendo jornada mediante escala de 12×36, é assegurado ao empregado tão-somente o pagamento do adicional pelas horas trabalhadas além da 10ª diária, porquanto referida jornada não observa a formalidade constante do artigo 59, § 2º, da CLT, que limita a compensação ao máximo de 2 (duas) horas diárias.”

Assim, não restam dúvidas que existem claros limites a Autocomposição de conflitos, limites estes, que defendem os trabalhadores de injusta flexibilização e desregulamentação de suas garantias.

Além disso, conforme amplamente analisado no tópico número 2.3.7 deverá ser aplicado o princípio da adequação setorial negociada nos casos de conflito entre normas coletivas e normas individuais.

Destarte, segundo a aplicação do referido princípio, jamais poderá ocorrer a hipótese de flexibilização de direitos individuais absolutamente indisponíveis, o que, certamente, garante que sempre seja mantido, independentemente da negociação, um mínimo legal de normas trabalhistas que garantam condições justas e confortáveis de trabalho.

Ad argumentadum tantum, frisa-se que a flexibilização poderá versar apenas sobre matérias expressas. Carlos Henrique Bezerra Leite (2011, pág. 13), traz a atenção o rol destas matérias:

“Vale dizer, de lege lata o fenômeno da flexibilização no Brasil só possível nos seguintes casos:

• Redução de salário (art. 7º, VI, CF)

• Compensação de jornada (art. 7º, XIII, CF; CLT 59, § 2º).

• Livre negociação de jornada para o trabalho em regime de turno ininterrupto de revezamento (art. 7º, XIV, CF)

• Trabalho em tempo parcial (art. 58-A, CLT)

• Suspensão do contrato de trabalho para cursos profissionalizantes (art. 476-A, CLT)

• Contrato por prazo determinado (Lei n. 9.601/98)”

Segundo o exposto claramente pelo doutrinador acima, existem limites legais claros acerca dos institutos trabalhistas que podem sofrer flexibilização, sendo que, em todos os casos, esta flexibilização não poderá resultar em prejuízo aos trabalhadores.

Assim, nota-se que a Autocomposição não legitima e, muito menos, influi na flexibilização de normas trabalhistas, posto que existem garantias que defendem os direitos trabalhistas.

2.5. CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO X ACORDO COLETIVO DE TRABALHO.

Outro assunto que merece especial atenção, diz respeito ao conflito entre Convenções Coletivos de Trabalho e Acordos Coletivos de Trabalho.

Isso porque, em casos excepcionais, poderá haver tanto CCT como ACT que regulam condições de trabalho para uma mesma classe de empregados.

Prevendo essa situação, o artigo 620 da CLT dispõe:

“Art. 620. As condições estabelecidas em Convenção quando mais favoráveis, prevalecerão sobre as estipuladas em Acordo”.

Da exegese do referido artigo, nota-se que não existe uma hierarquia de importância entre a CCT e ACT.

Na verdade, irá prevalecer aquela que for mais benéfica ou favorável ao trabalhador, em claro respeito ao princípio da proteção do trabalhador.

Nesse sentido, vem julgando, reiteradamente, o egrégio Tribunal Superior de Justiça:

“RECURSO DE REVISTA. CONFLITO ENTRE CONVENÇÃO E ACORDO COLETIVO DE TRABALHO. ART. 620 DA CLT. O quadro que se extrai da interpretação conjunta das normas inseridas no art. 7º, "caput" e XXVI, da Constituição Federal, aponta para a recepção do art. 620 da CLT. Recurso de revista conhecido e provido”. (BRASIL. TST. RR – 161600-17.2008.5.18.0004 Data de Julgamento: 20/04/2010, Relator Ministro: Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 07/05/2010.)

“RECURSO DE REVISTA. BANCO SANTANDER BANESPA. CONFLITO APARENTE ENTRE CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO E ACORDO COLETIVO DE TRABALHO. NORMA MAIS BENÉFICA APENAS PARA OS EMPREGADOS DA ATIVA. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 620 DA CLT. INEXISTÊNCIA. É incontroverso nos autos o conflito aparente entre convenção coletiva de trabalho, que previa um reajuste salarial aplicável também aos aposentados e acordo coletivo de trabalho, homologado pelo TST em sede de dissídio coletivo, que expressamente suprimiu aquele reajuste em troca da garantia de emprego e salários. Nesse contexto, cinge-se a controvérsia a se saber se uma mesma norma coletiva, benéfica para uma parte da categoria (empregados da ativa), pode ser desconsiderada, nos termos do artigo 620 da CLT, se for menos benéfica para outra parte da mesma categoria. Da chamada "teoria do conglobamento" decorre não apenas a necessidade imperiosa de comparar-se os instrumentos normativos uns com os outros em sua integralidade (e não apenas suas cláusulas respectivas), mas também a impossibilidade de fracionar-se esse juízo por tantos quantos forem os integrantes dessa categoria, de forma a encontrar qual a norma mais benéfica para cada um deles. Nesse sentido, a jurisprudência majoritária da e. SBDI-1. Precedentes. Recurso de revista não conhecido”. (BRASIL. TST. RR – 144200-04.2004.5.15.0007 Data de Julgamento: 20/04/2010, Relator Ministro: Horácio Raymundo de Senna Pires, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 07/05/2010.)

Do mesmo modo:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREVALÊNCIA DO ACORDO COLETIVO DE TRABALHO SOBRE A CONVENÇÃO COLETIVA DO TRABALHO POR SER MAIS BENÉFICO AO AUTOR. TEORIA DO CONGLOBAMENTO.

Entendeu a Corte de origem ser o acordo coletivo de trabalho mais benéfico ao autor por estabelecer um piso salarial aos empregados da empresa superior ao previsto na convenção coletiva da categoria profissional, com reajuste salarial igualmente superior. Destaca-se que na interpretação dos ajustes coletivos prevalece o princípio do conglobamento, segundo o qual as normas coletivas devem ser observadas em sua totalidade, e não isoladamente, pois, na negociação coletiva, os empregados obtêm benefícios mediante concessões recíprocas, sendo vedado aplicar, entre as disposições acordadas, apenas o que for mais benéfico aos trabalhadores. Assim, resta indubitável ser o acordo coletivo de trabalho mais benéfico ao empregado, não havendo falar em violação dos artigos 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal e 71 da CLT. Agravo de instrumento a que se nega provimento.” (BRASIL. TST. AIRR – 78340-43.2001.5.12.0040 Data de Julgamento: 24/03/2010, Relator Juiz Convocado: Roberto Pessoa, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 07/05/2010.)

Os acórdãos acima citados fazem especial referencia a teoria ou princípio do conglobamento no momento em que será decidido a norma mais benéfica ao trabalhador.

Essa teoria, diz respeito ao fato de que a norma mais benéfica deverá ser analisada como um todo e não apenas dispositivos específicos.

Explicando a teoria do conglobamento, Maurício Godinho Delgado (2012, pág. 1.411), assevera:

“A teoria do conglobamento, por sua vez, constrói um procedimento de seleção, análise e classificação das normas cotejadas sumamente diverso do anterior. Por essa segunda teoria não se fracionam preceitos ou institutos jurídicos. Cada conjunto normativo é apreendido globalmente, considerando o mesmo universo temático; respeitada essa seleção, é o referido conjunto comparado aos demais, também globalmente apreendidos, encaminhando-se, então, pelo cotejo analítico, à determinação do conjunto normativo mais favorável.”

Para ilustrar essa questão imagine uma CCT que estabelece 7 (sete) horas de jornada em turno ininterrupto, sendo que a quinta, a sexta e a sétima hora serão pagas com adicional de 100%. Já a ACT estabelece turno ininterrupto de apenas 5 (cinco) horas, facultado ao empregado trabalhar uma hora a mais, com adicional de apenas 50%.

Nos dois casos, existem normas mais e menos benéficas ao empregado.

No entanto, por motivos óbvios, segundo a teoria do conglobamento não poderá ser aplicada a norma mais benéfica da CCT (adicional de 100%) e a norma mais benéfica do ACT (horário reduzido), fazendo, assim, uma mistura dos dois instrumentos normativos.

Nesse caso, será analisada aquela negociação, que numa análise geral, é mais benéfica ao empregado.

Carlos Henrique Bezerra Leite (2011, pág. 21) finaliza essa questão:

“De nossa parte, pensamos que deve prevalecer sempre a cláusula mais benéfica, tendo em vista o disposto nos arts. 5º, § 2º, e 7º, caput, da Constituição Federal, os quais, a nosso sentir, recepcionaram o art. 620 da CLT, cabendo ao intérprete verificar, em cada caso, qual a norma coletiva mais favorável aos trabalhadores, ainda que isso implique um esforço hermenêutico mais complexo.”

Portanto, deverá ser aplicada a norma mais benéfica ao trabalhador, levando-se em consideração a teoria do conglobamento.

3. OUTRAS FORMAS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS COLETIVOS.

Até agora deu-se especial atenção a Autocomposição de conflitos na Justiça do Trabalho como ferramenta de pacificação social. Mas, e se a transação não ocorrer, ou seja, se os sujeitos coletivos não chegarem a um acordo? Como os conflitos coletivos poderão ser solucionados?

É nesse ponto que entram dois outros grandes e importantes institutos na solução de conflitos coletivos, a Heterocomposição de conflitos e a Autotutela.

Segue abaixo um estudo a respeito destes institutos, bem como a comparação dos mesmos com a Autocomposição de conflitos nas relações coletivas de trabalho.

3.1. DA HETEROCOMPOSIÇÃO DE CONFLITOS NA JUSTIÇA DO TRABALHO.

O elemento caracterizador da Heterocomposição de conflitos na Justiça do Trabalho diz respeito a intervenção de terceiros.

Se na Autocomposição de conflitos é a figura dos sujeitos coletivos quem solucionam os conflitos através de negociações de cunho jurídico e/ou econômico, na Heterocomposição um terceiro, estranho e imparcial a lide, é quem toma as diretrizes com o objetivo de solucionar o conflito existente.

Maurício Godinho Delgado (2012, pág. 1.456) conceitua a Heterocomposição de conflitos do seguinte modo:

“A heterocomposição ocorre quando o conflito é solucionado através da intervenção de um agente exterior à relação conflituosa original. Em vez de isoladamente ajustarem a solução de sua controvérsia, as partes (ou até mesmo unilateralmente uma delas, no caso da jurisdição) submetem a terceiro seu conflito, em busca de solução a ser por ele firmada ou, pelo menos, por ele instigada ou favorecida.”

Assim, um terceiro estranho ao conflito é quem tomará, por assim dizer, as “rédeas”, ou seja, o controle da situação, estabelecendo a solução mais justa, de seu ponto de vista, obviamente.

A doutrina, comumente, destaca 4 (quatro) modalidades de Heterocomposição de conflitos: jurisdição, arbitragem, conciliação e mediação.

3.1.1. DA JURISDIÇÃO – DISSÍDIO COLETIVO.

Conceituando a jurisdição como forma de resolução heterônoma de conflitos na Justiça do Trabalho, Sérgio Pinto Martins (2007, pág. 781) assevera:

“A jurisdição ou tutela é a forma de solucionar os conflitos por meio da interveniência do Estado, gerando o processo judicial. O Estado diz o direito no caso concreto submetido ao Judiciário, impondo às partes a solução do litígio.

A Justiça do Trabalho fica incumbida de solucionar os conflitos trabalhistas. Nas Varas do Trabalho processam-se os dissídios individuais. Nos Tribunais Regionais do Trabalho e no Tribunal Superior do Trabalho são ajuizados os dissídios coletivos.” (grifou-se).

Vê-se, assim, que a principal forma de resolução heterônoma de conflitos coletivos, tendo como interveniente o próprio Estado, é o Dissídio Coletivo.

 Diferentemente dos Dissídios individuais, em que são discutidas a aplicação de dispositivos legais e convencionais no caso concreto, são estes são sonegados pelos empregadores, no Dissídio Coletivo há a criação de normas, novas condições de Trabalho.

Tanto é verdade, que a Sentença produzida em Dissídio Coletivo leva o nome de Sentença Normativa, contemplando, assim, seu caráter normativo.

Falando sobre o caráter normativo do Dissídio Coletivo, Edson Braz da Silva (2005), ensina:

“O exercício do poder normativo pela Justiça do Trabalho não se presta a julgar lesão ou ameaça a direito. Visa, isso sim, a criar normas e condições de trabalho satisfazendo interesses econômicos e sociais da categoria profissional. Logo, é ilação autorizada pela interpretação sistemática da Carta Magna a inexistência de divergência entre os preceitos dos seus artigos 114, § 2º e 5º, inciso XXXV. Ao conferir poder normativo à Justiça do Trabalho, o constituinte atribuiu-lhe, de forma excepcional à tradicional divisão republicana de poderes, pequena competência legislativa concorrente e não excludente do Poder Legislativo. Assim, quando a Justiça do Trabalho exerce o poder normativo, ela se afasta da atividade típica de Poder Judiciário e cria, mediante sentença normativa, normas e condições de trabalho como se fosse o próprio Poder Legislativo. Porquanto, a sentença normativa é formalmente uma sentença e materialmente uma lei.” (grifou-se)

No mesmo sentido leciona, com propriedade, Maurício Godinho Delgado (2012, pág. 1.318):

“Tecnicamente, sentença é o ato pelo qual o juiz põe termo ao processo, decidindo ou não o mérito da causa (antiga redação do art. 162, §2º, CPC). É, pois, decisão proferida pelo Poder Judiciário, no exercício da jurisdição, em face de questões concretas submetidas a seu julgamento.  Prolatada em segunda instância, pelos tribunais, assume a denominação de acórdão. Se cotejada a esse parâmetro teórico, a sentença normativa aproximar-se-ia da sentença clássica, à medida que é proferida pelo Poder Judiciário trabalhista (Tribunais Regionais e Tribunal Superior do Trabalho), em processos de dissídio coletivo, traduzindo exercício de poder decisório atribuído ao Estado. Dessa maneira, do ponto de vista formal (insto é, pelo modo de sua formação e exteriorização), a sentença normativa classificar-se-ia como sentença.

Distingue-se, entretanto, a sentença normativa da sentença clássica, no que tange à sua substância, seu conteúdo. É que ela não traduz a aplicação de norma jurídica existente sobre relação fático-jurídica configurada (como verificado nas sentenças clássicas); não é, por isso, rigorosamente, exercício de poder jurisdicional. Ela, na verdade, expressa, ao contrário, a própria criação de regras jurídicas gerais, abstratas, impessoais, obrigatórias, para incidência sobre relações ad futurum. Por essa razão, a sentença normativa, do ponto de vista material (isto é, substantivamente, sob a ótica de seu conteúdo), equipara-se à lei em sentido material.” (grifou-se)

Não há como negar, deste modo, que a sentença normativa trata-se de uma forma atípica de legislação pela Justiça do Trabalho, eis que a mesma, criará normas a serem aplicadas pelos sujeitos coletivos conflitantes.

No mais, frisa-se que a competência originária para a solução dos dissídios coletivos são os Tribunais Regionais do Trabalho. Entretanto, se os conflitos ultrapassarem os limites territoriais de um determinado TRT, invadindo, assim, o interesse de outros Tribunais Regionais, a competência originária passará a ser do Tribunal Superior do Trabalho.

Como qualquer outro dissídio trabalhista, o Dissídio Coletivo deverá ser instaurado por meio de petição inicial, dirigida ao Tribunal competente, na qual são expostas as reivindicações. Falando sobre o procedimento do Dissídio Coletivo, Sério Pinto Martins (2007, pág. 782), explica com clareza e objetividade:

“O dissídio coletivo se instaura mediante petição inicial, na qual são expostas as reivindicações. Têm legitimidade para a instauração do dissídio os sindicatos, as federações e confederações, além das empresas e das comissões de trabalhadores, nas categorias não organizadas em sindicato. O Ministério Público do Trabalho poderá instaurar, de ofício, o dissídio coletivo, em caso de greve em atividades essenciais. É designada audiência de conciliação pelo Presidente do Tribunal em 10 dias. Havendo acordo na audiência, submete-se à homologação do Tribunal. Inexistindo acordo, é determinado o julgamento.”

Vale destacar que as sentenças normativas não são executadas pelo Tribunal que a prolatou, e sim perante as Varas do Trabalho, por meio de ação de cumprimento.

3.1.1.1. DISSÍDIO COLETIVO DE COMUM ACORDO.

Uma questão importante e, de certo modo, polêmica, diz respeito as disposições da nova redação do §2º do artigo 114 da CRFB/88, conferida pela Emenda Constitucional n. 45 de 2004, o referido dispositivo constitucional preceitua:

“Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: […]

§ 2º Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente.”

Observa-se que o legislador constitucional condicionou o ajuizamento do dissídio coletivo de natureza econômica ao comum acordo entre as partes, ou seja, ambos os sujeitos coletivos devem manifestar sua vontade e interesse no ajuizamento do dissídio coletivo de natureza econômica.

Para Raimundo Simão de Melo (2011, pág. 5) o Comum Acordo trata-se de um pressuposto processual:

“Respeitando manifestações contrárias, entendo que a inexistência do comum acordo para ajuizamento do Dissídio Coletivo econômico, como indispensável à propositura da ação (CPC, art. 283), significa mais um pressuposto processual, o qual, não atendido, leva ao indeferimento da petição inicial, depois de esgotado o prazo assinado pelo juiz para o cumprimento de tal providência (CPC, art. 284)”.

Discorrendo sobre os pressupostos processuais, Humberto Theodoro Júnior (1995, pag. 95), afirma:

“Os pressupostos, portanto, são dados reclamados para a análise de viabilidade do exercício do direito de ação, sob o ponto de vista estritamente processual. Já as condições da ação importam o cotejo do direito de ação concretamente exercido com a viabilidade abstrata da pretensão de direito material. Os pressupostos, em suma, põem a ação em contato com o direito processual, e as condições de procedibilidade põem-na em relação com as regras do direito material”.

No mesmo sentido, o egrégio Tribunal Superior do Trabalho vem considerando o requisito de Comum Acordo como um pressuposto processual e, por isso, vem indeferindo as petições iniciais que não contém esse requisito, senão vejamos:

“RECURSO ORDINÁRIO. DISSÍDIO COLETIVO DE NATUREZA ECONÔMICA. AUSÊNCIA DE COMUM ACORDO. ART. 114, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45/2004. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. A discordância do Suscitado com o ajuizamento do dissídio coletivo, oportunamente manifestada em contestação, determina o decreto de extinção do processo sem resolução do mérito, por ausência de pressuposto processual: comum acordo previsto no art. 114, § 2º, da Constituição Federal, com a redação conferida pela Emenda Constitucional nº 45/2004. Inconstitucionalidade dessa exigência que não se verifica. Precedentes desta Corte. Recurso ordinário a que se nega provimento.” (grifou-se) (BRASIL. TST. RO – 16085-29.2011.5.01.0000 , Relator Ministro: Fernando Eizo Ono, Data de Julgamento: 09/10/2012, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, Data de Publicação: 19/10/2012.)

“RECURSO ORDINÁRIO INTERPOSTO PELO SINDICATO DOS OPERADORES PORTUÁRIOS DO ESTADO DE SÃO PAULO – SOPESP   DISSÍDIO COLETIVO. AUSÊNCIA DE COMUM ACORDO. ART. 114, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45/2004. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. A discordância do Suscitado com o ajuizamento do dissídio coletivo, oportunamente manifestada em contestação, determina o decreto de extinção do processo sem resolução do mérito, por ausência de pressuposto processual: comum acordo previsto no art. 114, § 2º, da Constituição Federal, com a redação conferida pela Emenda Constitucional nº 45/2004. Inconstitucionalidade dessa exigência, ante o disposto no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, que não se verifica. Precedentes desta Corte. Recurso ordinário a que se dá provimento, a fim de se decretar a extinção do processo sem resolução do mérito, na forma do art. 267, VI, do CPC. II – RECURSO ADESIVO INTERPOSTO PELO SINDICATO DOS OPERÁRIOS E TRABALHADORES PORTUÁRIOS EM GERAL NAS ADMINISTRAÇÕES DOS PORTOS E TERMINAIS PRIVATIVOS E RETROPORTOS DO ESTADO DE SÃO PAULO – SINTRAPORT Prejudicado, em razão do decidido no recurso principal”. (grifou-se) (BRASIL. TST. RO – 2006900-71.2009.5.02.0000 , Relator Ministro: Fernando Eizo Ono, Data de Julgamento: 09/10/2012, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, Data de Publicação: 19/10/2012)

Outro questão importante diz respeito a efetivação do requisito do comum acordo, eis que, obviamente, a petição inicial não será assinada por ambas partes conflitantes.

Analisando o tema José de Luciano Castilho Pereira (2005, pág. 245) afirma:

“Começamos por indagar o significado da expressão de comum acordo. Evidentemente não pode significar, necessariamente, petição conjunta. Logo, estou entendendo que o comum acordo não precisa ser prévio. Ele pode vir – de modo expresso ou tácito – na respostado suscitado ao Dissídio ajuizado. Assim, ajuizado o Dissídio Coletivo pelo sindicato dos empregados, sem o acordo expresso da parte contrária, deve o juiz mandar citar o suscitado e apenas na hipótese de recusa formal ao Dissídio Coletivo, a inicial será indeferida”.

O Tribunal Superior do Trabalho nos julgados citados acima neste tópico tem oportunizado o momento da contestação, como o momento processual adequado para o outro sujeito coletivo conflitante manifestar seu acordo ou não no ajuizamento do dissídio coletivo de natureza econômica.

Davi Furtado Meirelles (2005, pág. 696) pondera:

“O poder normativo somente pode ser exercido pela Justiça do Trabalho se as partes assim desejarem. E a forma de ajuizamento poderá ser por petição em conjunto, ou por instauração de uma delas com declaração de concordância da outra parte. […] O fato de a parte contrária não apresentar contestação ao pedido de julgamento do dissídio coletivo, fazendo apenas a sua defesa contra os termos aludidos na peça inaugural, não nos parece ser suficiente para interpretar como concordância tácita ao exercício do poder normativo. Se a nova regra constitucional impõe a condição de concordância mútua, compete ao instrutor do feito verificar o preenchimento dessa condição.”

Portanto, como pressuposto processual, o requisito do Comum Acordo deverá ser preenchido de forma expressa e clara no âmbito do dissídio coletivo de natureza econômica.

Por fim, destaca-se que, para Maurício Godinho Delgado (2012, pág. 1.319) a exigência do Comum Acordo privilegia, sobre maneira, as negociações coletivas, leia-se, Autocomposição de conflitos, eis que o difícil cumprimento deste pressuposto processual, incentivará, ainda mais, os sujeitos coletivos a promoverem a transação.

3.1.2. ARBITRAGEM.

Sérgio Pinto Martins (2007, pág. 778-779) define arbitragem com extrema clareza:

“Na arbitragem, uma terceira pessoa ou órgão, escolhido pelas partes, vem a decidir a controvérsia, impondo a solução aos litigantes. A pessoa designada chama-se árbitro. Sua decisão denomina-se sentença arbitral. […]

A arbitragem é uma forma de solução de um conflito, feita por um terceiro estranho à relação das partes, que é escolhido por estas. É uma forma voluntária de terminar o conflito, o que importa dizer que não é obrigatório.”

As disposições acerca da arbitragem encontram-se positivadas na Lei n. 9.307/96 que dispõe sobre a arbitragem.

Entre as principais características da arbitragem encontram-se o fato de o arbitro ser um terceiro imparcial escolhido pelos próprios sujeitos conflituosos, diferentemente da jurisdição, em que o terceiro imparcial não é escolhido pelas partes, sendo um agente público estatal (juízos, desembargadores e ministros).

Um limite claro ao uso da arbitragem encontra-se logo no artigo 1º da Lei de Arbitragem, in verbis:

“Art. 1º As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.”

Assim, nota-se que o juízo arbitral poderá decidir apenas os litígios que versam sobre direitos disponíveis, sendo, deste modo, óbvio o resguardo de direitos sociais fundamentais, que poderão ser decididos apenas pela figura estatal competente e togada.

Desde que não firam direitos indisponíveis (ordem pública) e os bons costumes, as partes podem convencionar as regras de Direito que serão aplicadas pelo juízo arbitral.

O arbitro agirá como juiz da causa, sendo que a sua determinação vincula as partes ao cumprimento. Deste modo, a decisão arbitral não será convalidada, nem homologada pelo Poder Judiciário.

Importante frisar ainda que, conforme exegese do artigo 18 da Lei de Arbitragem, da sentença arbitral não está sujeita a recursos, vê-se, assim, a seriedade de tal procedimento, vinculando as partes a sua aplicação.

Em caso de recusa a aplicação da sentença arbitral, caberá execução de sentença, conforme exposto no artigo 584, VI, do Código de Processo Civil.

Por fim, assevera-se que, por determinação da própria Constituição Federal, a arbitragem poderá ser utilizada para a solução de conflitos no Direito Coletivo do Trabalho, sendo que o já citado §2º do artigo 114 da Carta Magna dispõe expressamente sobre essa possibilidade, vejamos:

“Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: […]

§ 2º Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente.” (grifou-se)

Dessarte, a arbitragem é um destacado meio heterônomo de solução de conflitos na Justiça do Trabalho.

3.1.3. MEDIAÇÃO.

Maurício Godinho Delgado (2012, pág. 1.466) define mediação:

“Mediação consiste na conduta pela qual determinado agente, considerado terceiro imparcial em face dos interesses contrapostos e das respectivas partes conflituosas, busca auxiliá-las e, até mesmo, instigá-las à composição, cujo teor será, porém, decidido pelas próprias partes”.

Assim, a mediação não trata-se, como no caso da jurisdição e da arbitragem, de uma decisão vinculando os sujeitos coletivos. Mas sim, de um mediador, que sempre instigará as partes a solução amigável do conflito.

Deste modo, o mediador contribui para o diálogo, liderando a mesa de negociações, no entanto, são os sujeitos coletivos quem tomarão a decisão final.

Sobre o tema Sérgio Pinto Martins (2007, pág. 775) relaciona alguns critérios da mediação nas relações coletivas de trabalho:

“O Decreto n. 1.572, de 28-7-95, estabeleceu regras sobre a mediação na negociação coletiva de natureza trabalhista. O art. 2º declina que o mediador poderá ser escolhido pelas partes. Quando não houver escolha, as partes poderão solicitar ao Ministério Público do Trabalho a designação de mediador. […] O mediador designado terá prazo máximo de 30 dias para a conclusão do processo de negociação, salvo acordo expresso com as partes interessadas. […] Não alcançando o entendimento entre as partes na negociação direta ou por intermédio de mediador, lavrar-se-á termo contendo as causas motivadores do conflito e as reivindicações de natureza econômica”.

Assim, observa-se que a mediação tem um caráter parecido com a Autocomposição, fazendo com que Maurício Godinho Delgado (2012, pág 1.317) considere a mediação como uma fórmula próxima a heterocomposição. No entanto, levando em consideração que na mediação existe, efetivamente, a figura de um terceiro estranho a lide tomando a dianteira nas negociações, o próprio autor, seguindo a corrente doutrinária, relaciona a mediação como um dos modos de heterocomposição.

Por fim, vale dizer que a mediação diferencia-se da arbitragem no aspecto em que nesta última há a efetiva resolução do conflito por parte do arbitro, sendo que no primeiro, o mediador apenas intermediará a solução do conflito, sendo a mesma efetivada por meio dos sujeitos coletivos.

3.1.4. CONCILIAÇÃO.

A conciliação no âmbito das relações coletivas de trabalho dá-se através das Comissões de Conciliação Prévia.

Comentando este instituto, Maurício Godinho Delgado (2012, pág. 1.467) leciona:

“A Lei n. 9.958, de 12.1.2000, inserindo dispositivos na CLT (Título VI-A: arts. 625-A até 625-H), autorizou a instituição de Comissões de Conciliação Prévia, de composição paritária, em empresas ou grupos de empresas, em sindicatos ou grupos destes (comissões intersindicais). Determinou, ainda, a aplicação de seus dispositivos, no que couber, aos Núcleos Intersindicais de Conciliação Trabalhista, em funcionamento ou a serem criados, respeitada sua composição paritária e a regulação negocial coletiva quanto à sua constituição.”

O objetivo das referidas Comissões é de tentar conciliar os conflitos individuais, antes mesmo dos mesmo chegarem a Justiça do Trabalho, deste modo, nos locais em que são instituídas, a submissão das partes às Comissões de Conciliação Prévia é obrigatória, tornando-se condição para futura ação trabalhista.

O procedimento envolvendo as Comissões de Conciliação Prévia é muito simples: a) a demanda, já escrita ou reduzida a termo na hora, é levada à Comissão competente; b) em 10 (dez) dias é realizado a sessão de tentativa de conciliação; e c) esgotado o prazo para realização da referida sessão de tentativa de conciliação ou frustrado o acordo, as partes receberão declaração de tentativa conciliatória frustrada, documento que deverá ser anexado a petição inicial da ação trabalhista.

É importante destacar que nesse período em que está sendo realizada a conciliação, desde a provocação até seu final, suspende o prazo prescricional.

Por fim, sendo existosa a tentativa de acordo, o termo de conciliação será título executivo judicial, segundo o parágrafo único do artigo 625-E da CLT, verbis:

“Art. 625-E. Aceita a conciliação, será lavrado termo assinado pelo empregado, pelo empregador ou seu proposto e pelos membros da Comissão, fornecendo-se cópia às partes. 

Parágrafo único. O termo de conciliação é título executivo extrajudicial e terá eficácia liberatória geral, exceto quanto às parcelas expressamente ressalvadas.”

Portanto, a conciliação, devido a intervenção de terceiros, Comissões de Conciliação Prévia, trata-se de mais uma importante modalidade de solução heterônoma de conflitos na Justiça do Trabalho.

3.2. AUTOCOMPOSIÇÃO X HETEROCOMPOSIÇÃO.

Após um estudo detalhado sobre os aspectos e procedimentos que envolvem a Autocomposição e a Heterocomposição de conflitos na Justiça do Trabalho, vale tecer alguns comentários comparativos entre os benefícios destes institutos comparado com o outro.

Primeiramente, registra-se que o principal benefício da Autocomposição está no fato de que são as próprias partes, seres coletivos, quem chegam a resolução do conflito que melhor lhes convém através da transação.

De outro viés, consigna-se que entre as vantagens da Heterocomposição de conflitos destaca-se que é um terceiro imparcial, qualificado, especialmente no caso da jurisdição, quem determinará as normas a serem aplicadas, sempre de acordo com os princípios trabalhistas, valores sociais e ideais de justiça e equidade.

Entretanto, é inegável que a transação sempre será mais benéfica que a imposição de normas por um terceiro estranho a lide, por mais bem intencionado que este esteja.

Tanto é verdade, que os Tribunais pátrios trabalhistas e a própria legislação, da qual destaca-se a Constituição Federal, tem dado preferência e incentivado à Autocomposição de conflitos.

Além disso, outro assunto, destacado no presente trabalho, diz respeito à possíveis conflitos entre sistemas autocompositivos e heterocompositivos de resolução de conflitos.

No entanto, chegou-se a clara conclusão que, de acordo com a aplicação do princípio da adequação setorial negociada será, em todos os casos, aplicada a norma mais favorável ao trabalhador, o que evita a desregulamentação do direito trabalhista e o uso de negociação coletiva para burlar garantias trabalhistas legais.

Portanto, entende-se que a Autocomposição é o melhor meio existente para a solução de conflitos coletivos, no entanto, frustrado este meio, conseguina-se que as soluções heterocompositivas também são extremamente aptas para solução de conflitos, efetivando-se, em todos os casos, a justiça.

3.3. AUTOTUTELA.

Sérgio Pinto Martins (2007, pág. 774) denomina a Autotutela como Autodefesa, tecendo a seguinte definição:

“Na autodefesa, as próprias partes procedem à defesa de seus interesses. O Direito Penal autoriza a legítima defesa e o estado de necessidade, que são meios excludentes da ilicitude do ato (art. 23 do CP). No entanto, não se admite o exercício arbitrário das próprias razões para a solução dos conflitos entre as partes envolvidas. Como exemplos de autodefesa, no âmbito trabalhista, temos a greve e o Lockout.”

Na Autotutela ou Autodefesa, deste modo, os próprios sujeitos coletivos, utilizando-se de suas principais atribuições (empregados = força de trabalho, empregadores = meios de produção) decidem suspender suas atividades, com o objetivo de pressionar a outra parte de acordo com seus interesses.

Nota-se que existe, assim, duas modalidades principais de Autotutela, as patrocinadas pelos empregados (greve) e as patrocinadas pelos empregadores (lockout).

3.3.1. LOCKOUT.

O Lockout trata-se da paralisação das atividades trabalhistas pelo próprio empregador, com o objetivo de dificultar ou impedir as reivindicações trabalhistas.

Especificamente sobre o tema, o artigo 17 da Lei n. 7.783/89, que regulamenta o direito de greve, dispõe:

“Art. 17. Fica vedada a paralisação das atividades, por iniciativa do empregador, com o objetivo de frustrar negociação ou dificultar o atendimento de reivindicações dos respectivos empregados (lockout).”

Assim, o instituto do Lockout não foi recepcionado pela legislação pátria, sendo, inclusive, proibido por intermédio de legislação específica.

Sobre as implicações que possíveis Lockout’s trariam para o empregador, Sérgio Pinto Martins (2007, pág. 862) assevera:

“No Lockout não se considera que há suspensão do contrato de trabalho, tanto que a lei proíbe expressamente essa forma de paralisação do empregador, sendo assim devidos os salários caso dessa forma proceda. Considera-se, portanto, que o lockout vem a ser uma hipótese de interrupção do contrato de trabalho, podendo, inclusive, proporcionar a rescisão indireta do contrato de trabalho se o empregador não proporcionar serviços ao empregado.”

Ante o exposto, o instituto do Lockout, além de expressamente proibido, traz consequências extremamente gravosas ao empregador.

Por fim, a título de curiosidade, o Lockout é permitido em legislações de outros países. Um exemplo clássico ocorre nos Estados Unidos da América em que donos de times esportivos, nas principais ligas nacionais, determinam Lockout com o objetivo de pressionar os jogadores (atletas) a estabelecerem novos acordos coletivos que preencham os interesses patronais.

Só nos últimos anos, donos de times de 3 (três) das principais ligas esportivas estadunidenses determinaram Lockout (National Football League – NFL, National Basketball Association – NBA e National Hockey League – NHL), com o claro objetivo de pressionar os jogadores a assinarem novos acordos coletivos tendo em vista os interesses patronais.

3.3.2. GREVE.

Diferentemente do Lockout, a greve é instituto previsto, tanto na Constituição Federal[8], como em lei específica[9], sendo plenamente aceita, desde que dentro dos limites legais, no ordenamento jurídico brasileiro.

Sobre o conceito de greve o artigo 2º da Lei 7.783/89 (Lei que regulamenta a greve) dispõe:

“Art. 2º Para os fins desta Lei, considera-se legítimo exercício do direito de greve a suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial, de prestação pessoal de serviços a empregador.”

Para Domingos Sávio Zainaghi (2011, pág. 3) “greve é a suspensão temporária e coletiva de contrato de trabalho por iniciativa dos empregados, visando à melhoria das condições de trabalho.”

Maurício Godinho Delgado (2012, pág. 1.426) define greve em um conceito mais amplo:

“Pode-se definir também a figura, à luz da amplitude a ela conferida pela Constituição do Brasil (art. 9 º) e em vista da prática histórica do Direito do Trabalho, de modo mais abrangente. Seria a paralisação coletiva provisória, parcial ou total, das atividades dos trabalhadores em face de seus empregadores ou tomadores de serviços, com o objetivo de exercer-lhes pressão, visando à defesa ou conquista de interesses coletivos, ou com objetivos sociais mais amplos”.

No mesmo sentido, leciona, com extrema propriedade, João Humberto Cesário (2011, pág. 2):

“Dito de outro modo, a lógica da greve reside na interrupção da prestação de serviços pelos trabalhadores, que de tal arte criam um fato jurídico-social propício à abertura de negociação coletiva, que, em última análise, poderá garantir melhores condições de labuta à categoria profissional envolvida”.

Márcio Túlio Viana (2007, pág. 99), por fim, conceitua o movimento paredista com extrema leveza e clareza:

“A greve é ao mesmo tempo pressão para construir a norma e sanção para que ela se cumpra. Por isso, serve ao Direito de três modos sucessivos: primeiro como fonte material; em seguida, se transformada em convenção, como fonte formal; por fim, como modo adicional de garantir que as normas efetivamente se cumpram”.

Nota-se que, em resumo, que greve é a suspensão temporária do contrato de trabalho, suspensão esta feita por iniciativa dos empregados (coletivamente), com objetivo de pressionar a solução de conflitos.

Assim, a greve não seria uma forma de resolução de conflito e sim, mais precisamente, uma forma de pressão, visando, sempre, a solução do conflito de forma mais benéfica aos empregados.

Entretanto, para que o direito de greve seja considerado legítimo, sendo, deste modo, protegido pelo ordenamento jurídico brasileiro, é indispensável que não existam abusos. Nessa esteira o §2º do artigo 9º da CRFB/88 preceitua:

“Art. 9º É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender. […]

§ 2º – Os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei.” (grifou-se)

Por óbvio, o direito de greve não será abusivo desde que preencha todos os requisitos legais para a sua efetivação.

Destarte, para que o direito de greve seja efetivado, deverá ser cumprida as exigências expostas em lei.

Dentre as exigências legais, destaca-se o fato de que a greve apenas poderá ser promovida se frustrada a negociação coletiva ou verificada a impossibilidade de arbitragem[10].

Observa-se, assim, que um pressuposto fundamental para o exercício do direito de greve é a prévia negociação entre os entes coletivos, requisito este que mostra-se óbvio, pois é apenas através da negociação que os empregados receberão a negativa de melhoria de condições de serviços que ensejará não apenas o direito de greve, mas a própria necessidade dos trabalhadores de pressionarem a classe patronal.

A decisão de entrar ou não em greve será tomada coletivamente, através da assembléia geral do sindicato ou de assembléia geral de trabalhadores organizada com este fim específico, segundo exegese do artigo 4º da Lei que regulamenta a greve.

Importa ressaltar que na hipótese de greve, a entidade patronal ou os empregadores interessados deverão ser notificadas do movimento paredista com antecedência mínima de 48 (quarenta e oito) horas, no caso de serviço essencial, esta antecedência mínima será de 72 (setenta e duas) horas.

É a entidade sindical ou comissão eleita pra esse fim (na ausência sindical) que representará os grevistas na negociação e perante a Justiça do Trabalho.

Durante o movimento paredista os contratos de trabalho serão suspensos, sendo que as relações obrigacionais nesse sentido serão regidas por negociação, laudo arbitral ou decisão da Justiça do Trabalho. (art. 7º da Lei que regulamenta a greve).

Um aspecto de extrema relevância encontra-se positivado no parágrafo único do artigo 7º da Lei que regulamenta a greve, in verbis:

“Art. 7º Observadas as condições previstas nesta Lei, a participação em greve suspende o contrato de trabalho, devendo as relações obrigacionais, durante o período, ser regidas pelo acordo, convenção, laudo arbitral ou decisão da Justiça do Trabalho.

Parágrafo único. É vedada a rescisão de contrato de trabalho durante a greve, bem como a contratação de trabalhadores substitutos, exceto na ocorrência das hipóteses previstas nos arts. 9º e 14”. (grifou-se)

Nota-se que, exceto a contratação temporária de trabalhadores para cuidar dos serviços essenciais à manutenção da empresa e de seus bens (artigo 9º) e em casos de abuso do direito de greve ou inobservância do contido em lei (artigo) 14), é vedado a contratação de novos profissionais.

Vale frisar, que conforme exegese do artigo 11 da Lei que regulamenta a greve, nos serviços essenciais os trabalhadores ficam obrigados a manter a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade. O artigo 10 da referida Lei define o rol desses serviços essenciais, vejamos:

“Art. 10 São considerados serviços ou atividades essenciais:

I – tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis;

II – assistência médica e hospitalar;

III – distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos;

IV – funerários;

V – transporte coletivo;

VI – captação e tratamento de esgoto e lixo;

VII – telecomunicações;

VIII – guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares;

IX – processamento de dados ligados a serviços essenciais;

X – controle de tráfego aéreo;

XI – compensação bancária.”

Em suma, quando as partes coletivas chegam a um acordo (Autocomosição) ou quando a Justiça do Trabalho decide o caso (Heterocomposição), cessa o direito de greve, devendo as artes reestabelecerem a relação de trabalho, aplicando as novas normas estabelecidas.

3.4. AUTOCOMPOSIÇÃO X AUTOTUTELA.

Conforme amplamente discutido no presente trabalho monográfico, a Autocomposição tem-se mostrado um meio pacífico e extremamente eficaz na resolução de conflitos coletivos trabalhistas.

Por óbvio, a Autocomposição, além de mais favorável as partes, é meio muito mais adequado para a solução de conflitos em comparação com a Autotutela.

A Autotutela, aliás, não é um meio de solução de conflito, e sim um meio de pressão, forçando a solução do conflito coletivo.

Nesse exato sentido, leciona Maurício Godinho Delgado (2012, pág. 1.317):

“Registra-se que seria possível indicar-se neste estudo, é claro, a presença de um terceiro grupo de fórmulas de resolução de conflitos coletivos trabalhistas: a autotela. Seriam seus exemplos a greve e o locaute (este, em geral, proibido pelo Direito).

Contudo, do ponto de vista prático, este terceiro grupo (principalmente a greve, uma vez que o locaute tende a ser vedado) atua mais comumente como instrumento para pressionar o encontro de uma solução favorável para o conflito através de algumas das duas fórmulas dominantes, e não como meio próprio de resolução desse conflito coletivo.”

Portanto, conclui-se que a Autotutela, na prática, serve mais como um meio de pressionar a resolução do conflito, seja esta resolução autônoma ou heterônoma, sendo a Autocomposição um meio mais adequado, pacífico, menos oneroso às partes e que realmente soluciona o conflito coletivo.

CONCLUSÃO.

Acima, tanto como epígrafe, como no começo do desenvolvimento, foi citada a seguinte frase, atribuída a Lacordaire: “Entre o forte e o fraco, entre o rico e o pobre, é a liberdade que escraviza, e a lei que liberta.”

A principal preocupação deste estudo dizia respeito a possibilidade da Autocomposição quebrar a proteção legal citada acima, legitimando verdadeiras regulamentações e abusos na relação de trabalho.

Pois bem, após um estudo aprofundado, não apenas da Autocomposição, mas, também, da Heterocomposição e Autotutela, não restam dúvidas de que o primeiro instituto, devido as suas exigências legais e principiológicas, protege a figura do trabalhador (polo, sempre, mais fraco) de possíveis abusos.

Enfim, não há possibilidade de desregulamentação das normas trabalhistas, mesmo se firmadas em negociação coletiva, tendo em vista que este instrumento tem limites, além de formais, materiais, não podendo versar sobre direitos indisponíveis, nem sobre condições mais desfavoráveis, do que as legais, aos trabalhadores.

Portanto, a Autocomposição de Conflitos na Justiça do Trabalho tem, sim, se mostrado um meio extremamente eficaz, justo e célere na solução de conflitos coletivos trabalhistas.

 

Referências.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 13º Ed., São Paulo: Editora Malheiros;
CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 35º Ed., atualizada por Eduardo Carrion, São Paulo: Editora Saraiva, 2010;
CESÁRIO, João Humberto. O Direito Constitucional fundamental de greve e a função social da posse — um novo olhar sobre os interditos possessórios na justiça do trabalho brasileira. Fonte: LTR 72-03/289. Material da Aula 5ª da Disciplina: Relações Coletiva do Trabalho, ministrada no Curso de Pós-Graduação Televirtual de Direito e Processo do Trabalho– Anhanguera-Uniderp | Rede LFG, 2011;
Cunha Júnior, Dirley da. Curso de Direito Administrativo. 10º ed., Salvador: Editora JusPodivm, 2011;
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 11º Ed., São Paulo: Editora LTr, 2012;
LEITE, Carlos Henrique Bezerra. A negociação coletiva no direito do trabalho brasileiro. Fonte: LTR 70-07/793. Material da Aula 4ª da Disciplina: Relações Coletiva do Trabalho, ministrada no Curso de Pós-Graduação Televirtual de Direito e Processo do Trabalho– Anhanguera-Uniderp | Rede LFG, 2011;
MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 23º Ed., São Paulo: Editora Atlas S.A., 2007;
MEIRELLES, Davi Furtado. Poder normativo: momento de transição, p. 696, Revista LTr, v. 69, nº 06, São Paulo, jun. de 2005;
MELO, Raimundo Simão de. Ajuizamento de dissídio coletivo de comum acordo. Disponível em: http://www.nucleotrabalhistacalvet.com.br/artigos/Ajuizamento%20de%20Dissídio%20Coletivo%20de%20Comum%20Acordo%20%20Raimundo%20Simão%20de%20Melo.pdf Acesso em 06/07/2011. Material da Aula 4ª da Disciplina: Relações Coletiva do Trabalho, ministrada no Curso de Pós-Graduação Televirtual de Direito e Processo do Trabalho– Anhanguera-Uniderp | Rede LFG, 2011;
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Compêndio de direito sindical. 3ª ed. São Paulo: LTr, 2003;
PEREIRA, José de Luciano Castilho, A reforma do Poder Judiciário – o Dissídio Coletivo e o Direito de Greve. In COUTINHO, Grijalbo Fernandes & FAVA, Marcos Neves (Coords.). Justiça do Trabalho: competência ampliada, p. 249. São Paulo: LTr, 2005;
ROMITA, Arion Sayão. A natureza jurídica da convenção coletiva de trabalho, segundo Orlando Gomes: significado atual, in Revista Síntese Trabalhista, n. 112, out/98, p. 8;
SANTOS, Enoque Ribeiro dos. Direitos humanos na negociação coletiva. São Paulo: LTr, 2004;
SILVA, Edson Braz da. Aspectos processuais e materiais do Dissídio Coletivo frente à Emenda Constitucional nº 45/2004, Palestra proferida no 13º Congresso de Direito e Processo do Trabalho, promovido na cidade de Goiânia/Goiás, em 17/06/2005, pelo IGT;
SIQUEIRA NETO, Francisco. Contrato Coletivo de Trabalho. São Paulo, LTr, 1991, págs. 130-131;
TEODORO, Maria Cecília Máximo. O Princípio da Adequação Setorial Negociada no Direito do Trabalho. São Paulo: LRr, 2007;
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 18ª Ed., Rio de Janeiro: Forense, vol. 1, 1993, p. 75;
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ZAINAGHI, Domingos Sávio. A greve como direito fundamental. Fonte: LTR 70- 12/1472. Material da Aula 5ª da Disciplina: Relações Coletiva do Trabalho, ministrada no Curso de Pós-Graduação Televirtual de Direito e Processo do Trabalho– Anhanguera-Uniderp | Rede LFG, 2011.
 
Notas:
[1] A presente monografia reserva um subcapítulo específico sobre o assunto: “Autocomposição de Conflitos na Justiça do Trabalho X Flexibilização”.

[2] Diplomas Negociais Coletivos – Convenção e Acordo Coletivos de Trabalho.

[3] Convenção e Acordo Coletivos de Trabalho – Aspectos Característicos.

[4] O referido doutrinador leciona a respeito do princípio do dever de informar, como princípio da transparência, o que, na prática, tem o mesmo efeito.

[5] Curso de Direito do Trabalho.

[6] Art. 617 – Os empregados de uma ou mais empresas que decidirem celebrar Acordo Coletivo de Trabalho com as respectivas empresas darão ciência de sua resolução, por escrito, ao Sindicato representativo da categoria profissional, que terá o prazo de 8 (oito) dias para assumir a direção dos entendimentos entre os interessados, devendo igual procedimento ser observado pelas empresas interessadas com relação ao Sindicato da respectiva categoria econômica.
§ 1º Expirado o prazo de 8 (oito) dias sem que o Sindicato tenha se desincumbido do encargo recebido, poderão os interessados dar conhecimento do fato à Federarão a que estiver vinculado o Sindicato e, em falta dessa, à correspondente Confederação, para que, no mesmo prazo, assuma a direção dos entendimentos. Esgotado esse prazo, poderão os interessados prosseguir diretamente na negociação coletiva até final.

[7] Outra grande expoente no assunto trata-se da doutrinadora Maria Cecília Máximo Teodoro, em sua obra: O Princípio da Adequação Setorial Negociada no Direito do Trabalho.

[8] Art. 9º É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.

[9] Lei n. 7.783 de 28 de junho de 1989, que dispõe obre o exercício do direito de greve, define as atividades essenciais, regula o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, e dá outras providências.

[10] Nesse sentido, dispõe o artigo 3º da Lei 7.783/89: “Art. 3º Frustrada a negociação ou verificada a impossibilidade de recursos via arbitral, é facultada a cessação coletiva do trabalho.”


Informações Sobre o Autor

Bruno de Souza Silvestre

Advogado. Graduado em Direito pela Universidade do Extremo Sul Catarinense. Pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho pela LFG-Anhanguera


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