A Questão Patrimonial nas Relações Homossexuais

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Embora com todo o avanço da sociedade em torno do reconhecimento das relações entre pessoas do mesmo sexo, a justiça brasileira ainda reconhece como entidade familiar somente aquela formada por homem e mulher sem impedimento nupcial (as solteiras, viúvas ou divorciadas), mesmo que vivendo maritalmente. Ocorre que, mesmo não recebendo amparo legal, homens e mulheres continuam a se amar, no amor que “não ousa dizer o nome”, citando Oscar Wilde, constituindo lar comum, partilhando bens e adquirindo patrimônio. Como resguardar, portanto, os direitos patrimoniais de companheiros do mesmo sexo, vez que o projeto de lei nº 1.151/95, o único instrumento legal que regulamentaria os efeitos patrimoniais das uniões entre parceiros de iguais sexos, não vislumbra aprovação em futuro próximo?

O dispositivo legal mais próximo da definição de união homossexual seria o disposto na Súmula 380 do Superior Tribunal Federal, que deu ensejo ao estabelecimento da união estável, não fosse a exigência legal do estabelecimento da mesma entre homem e mulher. Dessa forma, a única figura jurídica aplicável à união entre pessoas do mesmo sexo é a sociedade de fato, estabelecida e definida no artigo 1363 do Código Civil da seguinte forma:

“Celebram contrato de sociedade as pessoas que mutuamente se obrigam
a combinar seus esforços ou recursos, para lograr fins comuns”.

Assim, há a exigência de celebração de contrato de sociedade de fato, registrado em cartório, na qual os companheiros ou companheiras dispõe sobre a natureza da união sentimental, os bens adquiridos e a forma de partilha em caso de dissolução da sociedade por morte ou separação. Este contrato precisa ser renovado a cada aquisição de imóvel, automóvel ou bens de maior valor. O artigo não fala sobre a exigência de publicidade sobre o relacionamento, mas é importante que pessoas ligadas aos companheiros reconheçam a união como entidade, na qual os conviventes vivam como um casal, partilhando fidelidade, mútua assistência, e o mesmo domicílio. Os companheiros precisam necessariamente ser solteiros, divorciados ou viúvos, sob pena de nulidade de todos os atos jurídicos praticados na constância do relacionamento, ou seja, do impedimento da partilha de bens quando da extinção da sociedade.

Somente os bens adquiridos na constância do relacionamento e adquiridos sob esforço comum podem ser objeto da divisão (heranças e doações, mesmo que recebidas no decorrer da relação, não são transferíveis); assim, comprovantes como canhotos e xerocópias de cheques, extratos bancários, notas fiscais e outros documentos podem fazer de prova da compra comum. Se possível, adquirir todos os bens em nome de ambos facilita a prova da aquisição conjunta. Em caso de bens móveis ou que independam de escritura pública, onde geralmente só conta o nome de um adquirente, colocar o bem em nome de um dos conviventes, e fazer o pagamento em nome do outro garante tal comprovação; no tocante aos imóveis, é possível a aquisição conjunta quando o bem for regido pelas regras de financiamento da Caixa Econômica Federal, bastando que os saldos de Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) não tenham sido movimentados para compra de imóvel anterior. Já no caso de financiamento estipulado por bancos ou instituições de crédito privadas, as regras não são unânimes, cabendo aos companheiros estudarem as melhores formas de negociação.

No tocante à partilha de bens, temos duas situações: a da divisão dos bens por separação dos conviventes ou pela morte de um dos companheiros. Em ambas, há que reconhecer primeiro o estabelecimento da relação judicialmente, por força de ação ordinária de reconhecimento de sociedade civil de fato, que corre em foro civil comum, e não nas varas de família. Após o devido reconhecimento e de posse da sentença, os contratantes deverão requerer a divisão de bens, em partes iguais ou no montante cabível.

A situação complica-se no caso de morte de um dos companheiros. A fim de prevenir eventuais conflitos jurídicos, é importante que os conviventes façam um testamento, determinando a divisão igualitária de metade dos bens adquiridos para o companheiro sobrevivente, e sendo a outra metade para os herdeiros legítimos (filhos, pais, avós, irmãos, nesta seqüência). O testamento tem importância fundamental, pois se um dos companheiros falecer sem testamento, todos os bens que lhe cabem são imediatamente transmitidos para o herdeiro legítimo. Este documento pode ser feito em cartório ou em particular, desde que tenha assinado por cinco testemunhas maiores de idade, que não sejam os beneficiários.

Outras formas de proteção são bem-vindas, como estipular uma renda mínima para o parceiro através de plano de previdência privada (embora nem todas as companhias aceitem companheiros do mesmo sexo, o que pode valer mais combate jurídico), um seguro de vida onde o companheiro aparece como único beneficiário, ou plano de saúde, sempre atentos às regras de ingresso (infelizmente, poucas são as empresas de seguros privados que permitem o registro de companheiros do mesmo sexo como dependentes), e o mais importante, conta bancária conjunta, preferencialmente de desconhecimento do círculo de pessoas íntimas. Essas medidas podem temporariamente proteger o companheiro caso a família do parceiro de cujus resolva entrar em disputa jurídica, praticando o bloqueio de todos os bens dos companheiros.

Enquanto os homossexuais e seus companheiros aguardam ansiosamente a criação de dispositivos legais que protejam seus patrimônios, cabe ao Judiciário e principalmente ao Legislativo deixarem de lado suas convicções pessoais e atentarem para o fato óbvio de que homossexuais são também cidadãos, carentes de proteção jurisdicional e de um pouco mais de bom senso e sensibilidade.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Cristiane Nobrega de Castro Fila

 

Advogada em São Paulo

 


 

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