Lei de Interceptações Telefônicas: Revisão?

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     Há alguns
anos, época em que se cogitava da elaboração de anteprojeto de lei
regulamentando as interceptações telefônicas e afins (os famosos grampos), tive
divergências sérias com eminente processualista penal encarregada da redação de
algumas linhas da iniciativa. Lembro-me de que o jornal “O Estado de São
Paulo”, me honrou , naquela quadra, com a cessão de quase página interira,
dando-me a oportunidade de tecer críticas às premissas que se pretendia
introduzir na lei nova. Naquele tempo – e já vai longe aquele tempo –, já
antevia a paranóia judicial e marginal hoje instalada no país, apavorando-se
todos , agora, com o possível espiolhamento das intimidades do povo. Nessa
loucura mansa, instalou-se um bailado multiforme, entrelaçando-se membros do
Poder Judiciário, policiais, representantes do Ministério Público, alcagüetas
oficiais ou não, agências de segurança do Governo, faxineiras, padeiros de
fancaria, meretrizes de alto e baixo coturno, provedoras, políticos, amantes e
amadas, namorados ciumentos e princesas fugidias, garçons, um ou outro
presidente da República, grampeadores profissionais e outros muitos curiosos,
todos embolados na parafernália resultante da elaboração do projeto, dos
debates legislativos, da promulgação e da triste experiência da execução da Lei
9.296, de 24 de julho de 1996. Era presidente da República, em primeiro
mandato, Fernando Henrique Cardoso. Naquele momento histórico, levado pela
controvérsia, eu teria, quem sabe, agredido a eminente processualista em
questão, ao censurar a ideologia das premissas do esboço que se transformaria
em lei logo adiante. Dizem que tenho boca ruim. Quando escrevo que algo
deletério vai acontecer, acontece. Na verdade, transformei-me numa espécie de
jurista maldito, pois intrometo minha colher de pau em assuntos conduzidos
mansamente nos labirintos gerados pelas opiniões dos dogmatas. Perdendo o
hábito de falar ou redigir com firulas vernaculares, perco a atenção, porque os
atentos, parece, gostam de chamar caxumba de parotidite, amarrando o texto com
laços de fita. Meus comentários não têm laços nem fitas. Dão nó cego. . Dentro
do contexto, ainda com a Lei 9.296 em projeto, reincidi na advertência de que
aquilo não ia dar coisa boa. Não deu. Em primeiro lugar, quem decide sobre a
existência ou não de indícios razoáveis de autoria ou participação no
cometimento de infrações penais justificadores de interceptação é a própria
autoridade incumbida da investigação. Em segundo plano, embora a prova possa
ser feita por outros meios, prefere a autoridade, sempre, fazê-la na
espiolhagem. Por último, os juízes, provocados a autorizações, logo se dispõem
a permiti-las sem maior perquirição, transformando-as em atos de rotina. Em
arredondamento, a lei permite, em certas hipóteses, que o requerimento de
interceptação seja feito verbalmente. Adiante, no artigo 8.º, vem a
determinação no sentido de que a interceptação chegue concretizada em autos
apartados, preservando-se o sigilo das diligências, gravações e transcrições
respectivas. Essa série de providências é realizada com a ciência do Ministério
Público, impedidos os advogados, por óbvio, de participação, justificando-se o
segredo sob o argumento de que, se o advogado do investigando souber antes, a
interceptação só pode ser feita para expor-se a autoridade à zombaria de toda a
classe jurídica, porque as conversas telefônicas assim gravadas girarão sobre
receita de bolo e rotinas da vida doméstica. Aliás na ditadura –, eu já era
grandinho –, minhas conversas telefônicas já começavam com impropérios contra a
mãe do censor, Pelo dito ou pelo não dito, o espião do regime começava a escuta
com a acusação de não ter genitora honesta. É o que acontece hoje, segundo
dizem, em relação a alguns investigados. Cientes e conscientes de terem os
telefones grampeados, ofendem o juiz, por via das dúvidas. Daí, o magistrado,
em vez de engolir em seco as ofensas indeterminadas, escuta e fica zangado,
porque não se brinca com assuntos sérios.

Voltando
ao texto da lei, é bom convir que a mesma se transformou num grande estímulo à
paranóica escuta difundida aos quatro ventos pelos jornais. Um senador é
acusado de grampeamento do telefone da ex-namorada; duzentas e trinta e poucas
linhas telefônicas haviam sido captadas, na Bahia dos Orixás, usando-se
procedimento prenhe de ilicitude (Melhor teria sido contratar uma boa
mãe-de-santo). As concessionárias, mesmo não o confessando, têm seus arquivos
pontilhados por requisições judiciais de grampeamento a ser feito nas próprias
centrais. Nesse diapasão, e enquanto tais excrescências se concretizam,
representantes do Ministério Público cooperam nas investigações, munindo-se, às
vezes, de gravadores postos atrás de livros de bibliotecas, embora a lei número
9.296 não lhes permita extravagâncias maiores. Os investigandos, se e quando
não avisados dos grampeamentos, conversam suas privacidades, expondo-se, sendo
inocentes, e mesmo não sendo, à curiosidade morfética de quem tem e de quem não
tem legitimidade para perscrutar o que há sob a cama dos casais. Tudo isso
surgiu com a promulgação e execução da lei referida. No artigo 9.º da Lei, em
seu parágrafo único, vem a autorização de que se inutilize a gravação que não
interesse à prova, fiscalizando-a o Ministério Público e sendo facultada a
presença do acusado ou do interessado. Em outros termos, a captação é feita em
segredo absoluto, priva-se o investigado alertamento, preservam-se indícios
comprometedores e, a título de consolo, depois, os trechos desimportantes
são  inutilizados (Nunca soube de
hipótese concreta disso). O Estado, aqui, representado pela autoridade
judiciária, o Ministério Público, a autoridade policial ou seus agentes, se
comporta com atividade que, se e quando praticada por particular, constituiria
uma forma abstrusa de imoralidade, a par de conduta criminosa. Em suma, o cidadão,
se infração penal derivada não cometesse ao grampear por conta própria, estaria
consumando infração prevista na própria lei, consumando, às vezes,
substitutivos daqueles filmes pornográficos anunciados nos pulgueiros das
grandes metrópoles. Escrevi isso em linguagem mais elegante, nos idos de 1991,
antes da promulgação da lei, comentando o direito ao silêncio (Estudos
Jurídicos em Homenagem a Manoel Pedro Pimentel, Editora Revista dos Tribunais,
páginas 302/319). Não houve quem desse tento. Agora, tangido pela vocação
democrática e estruturado em quarenta anos de advocacia criminal, o novo
Ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, escandalizado com a esquizofrenia
verificada no campo das interceptações, assume a tarefa de tentar a revisão da
lei mefítica. Não bastasse a publicização do romance findo entre um antigo
coronel e uma jovem que quer ter seu presente preservado, sobram, dessa
autêntica moléstia mental, centenas de anomalias. Assim, o Ministro, a quem
chamo de amigo, constituiu comissão – sempre se constitui uma comissão quando
os calos apertam – para a reposição da lei em termos adequados ao equilíbrio
psíquico de quem pretenda, por hipótese, espiolhar os segredos da cama e de
fora da cama dos outros. Para tanto, teria escolhido ilustre processualista
penal e outros tantos, dois deles promotores de justiça, restando um quarto
membro, advogado sim, quero crer, em minoria absoluta (v. “O Estado de São
Paulo” edição de 20 de fevereiro de 2003). Não se lhes discuta a competência, a
cultura, a contribuição às letras jurídicas do país, porque, entre os sábios,
são os mais sábios. Entretanto, a revisão da lei 9.296 precisa de mãos
acostumadas a outro lado do conflito entre a força do poder e a manutenção dos
direitos assegurados a cidadão. Ideologicamente examinada, a comissão, em
grande maioria, se ressente exatamente da falta ou deficiência na captação dos
insultos, colhidos na advocacia criminal, aos direitos individuais. Os
escolhidos para a composição de comissões atinentes a reformas penais e processuais
penais precisam comprovar, nos currículos, as vezes em que visitaram os podres
presídios nacionais. Não há, nesse passo. livro supressor da experiência. A lei
9296 veio ao mundo jurídico redigida por mãos competentes mas inexperientes na
advocacia criminal. . Não se repita a dose. De qualquer forma, receio, e muito,
a aspereza do caminho a ser trilhado na pretensão de reforma, sabendo-se que as
lideranças do Ministério Público já se apressam a reforçar, na edificação do
anteprojeto, a fiscalização sobre a eventual lei nova, o que significa dar a
ovelha de presente ao lobo. Já havia dito isso mesmo, outra vez, dez anos
atrás, em ciclo de conferências patrocinado pela Associação Brasileira dos
Advogados Criminalistas (Justiça Criminal e Sociedade, Editora Juarez de
Oliveira, pág.186/189). Insista-se, pois, no redobrado cuidado a ser dedicado
ao conserto da nefanda legislação. O Brasil de hoje sofre influxos autoritários
que o tornam, na repressão penal, um dos países mais negligentes e desprezíveis
do mundo. Di-lo a ONU. Salva-o, em tese, o fato de estarem as ofensas aos
direitos humanos escondidas atrás da hipocrisia oficial. Tocante à
interceptação telefônica, embora se pretenda justificá-la sob o argumento de
que o delinqüente deve ser tratado com armas iguais, não se pode chegar ao
cúmulo de admitir – e já se tem admitido abertamente – que o Estado deva
transformar-se em bandido também. Desgraçadamente, é o que vem acontecendo.
Cuide-se o Ministro da Justiça, portanto. Márcio tem excelentes antecedentes. Não
os deixará de lado, agora, depois de 2/3 da vida dedicados à proteção dos
direitos do cidadão.

Diga-se,
por fim, que os debates sobre a elaboração de anteprojeto substitutivo da lei
vigente devem ser absolutamente abertos, conhecendo-se a opinião de todos os
membros da comissão. O segredo que costuma cercar tais discussões leva , no
futuro, a censuras injustas sobre a vocação ideológica de cada qual. Os
juristas, discretos na maioria das oportunidades, cobram caro os erros do
passado. Há exemplos múltiplos espalhados por aí.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Paulo Sérgio Leite Fernandes

 

Advogado criminalista em São Paulo e presidente, no Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, da Comissão Nacional de Defesa das Prerrogativas do Advogado.

 


 

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