Interpretação e aplicação do direito

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Resumo: Este trabalho cuida da interpretação do Direito como componente necessário e indispensável à sua aplicação justa no caso concreto.  A partir de uma abordagem histórico-comparativa entre Direito Arcaico e Direito Moderno, o texto apresenta a evolução alcançada em relação à aplicação do Direito. Na sequência, conceitua-se e diferencia-se interpretação e hermenêutica demonstrando, ainda, porque estão intimamente ligadas.[1]

Palavras-chave: Aplicação do Direito. Interpretação Jurídica. Hermenêutica.

Abstract: This work takes care of the interpretation of the law as necessary and essential component to your application just in case. From a historical-comparative law, Ancient and Modern Law, the text presents the progress achieved in relation to the application of the law. In sequence, defines and differentiates itself up interpretation and hermeneutics demonstrating, yet because they are closely linked.

Keywords: Application of Law. Legal Interpretation. Hermeneutics.

INTRODUÇÃO

Originado nas civilizações pré-clássicas, onde não havia nem escrita, nem ciência, manifestando-se sem a existência do pensamento científico, como hoje ocorre, o Direito se principiou na práxis, no agir, sendo vivido no exercício da convivência social e baseado nos costumes como forma de limitação das condutas.

Numa época em que a sobrevivência estava intimamente ligada à convivência em grupo, eram os costumes de cada povo que ditavam a forma com se estabeleciam suas relações internas e, também, as condutas nele aceitas. Assim, existiam regras de comportamento que, quando transgredidas, acarretavam punições, as quais também eram derivadas dos costumes e estabelecidas pela tradição. Sobre a época, assevera Paulo Nader (2009, p. 93):

“Quando as primeiras sociedades se formaram, com elas surgiram também as regras de convivência […]. Em sua primeira fase, o Direito […] era aplicado pelo sistema da vingança privada […] em uma fase mais adiantada estabeleceu-se a chamada pena de talião […].”

Vale ressaltar que nesse passado remoto não há que se falar na existência de um direito unificado e uniformemente instituído, mas, sim, de vários direitos. Todavia, é possível identificar características gerais dos direitos dos povos arcaicos, com base em Gilissen (1995, p.36), tem-se que: como ainda não havia escrita, eram transmitidos oralmente, passando de uma pessoa para outra através dos tempos; eram numerosos e diversificados, em virtude dos muitos povos existentes e do estado de isolamento em que se vivia o que, consequentemente, gerava uma grande variedade de costumes; também eram indiferenciados, isto é, não se distinguiam os critérios para a origem da regra, havendo um sincretismo entre religião, moral e direito, sem existir uma distinção entre as várias formas de ordenamentos sociais; e, por último, eram direitos em nascimento, pois ainda não se fazia uma boa distinção do que era ou não jurídico.

Mesmo antes de surgir o direito escrito, as normas que norteavam a convivência entre os homens já eram uma realidade. A partir delas, o direito costumeiro ou consuetudinário regia os povos arcaicos, sendo legitimado pela tradição e exercido por aqueles que detinham o poder de chefia ou liderança de um povo. Além disso, sua obediência estava diretamente ligada ao misticismo da época, vindo daí a dificuldade de os indivíduos questionarem os critérios adotados no estabelecimento de suas regras e sanções.

No direito dos povos arcaicos, a vingança era o meio mais utilizado para se punir aquele que transgredisse as normas do grupo. Em relação à denominada vingança privada, tem-se que a sanção era desproporcional à ofensa, pois, não só o infrator, mas toda a sua família, ou todo o seu grupo, sujeitava-se à incidência da penalidade

Pela evolução processada com o passar dos séculos, o Direito alcançou inquestionável papel na sociedade moderna enquanto fomentador e garantidor da convivência harmônica da sociedade, por meio de um conjunto de regras obrigatórias que impõem limite à ação do homem e, se ignoradas, tem poder sancionador contra ele. Para Nader (2009, p. 93), foram as formalidades que deram a esses atos praticados pela sociedade o caráter jurídico, fazendo com que a vingança privada fosse substituída por critérios racionais, criando-se o processo judicial, que é caracterizado pela figura do julgador, pelo litígio e pelas regras que a ele devem ser aplicadas

Distante daquela realidade original, hoje o Direito é lastreado por um ordenamento jurídico sólido e complexo e, decidir de forma justa, considerando as especificidades de cada caso, certamente é o maior desafio de quem o aplica e isso só é possível por meio da interpretação do texto normativo.

1 INTERPRETAÇÃO E HERMENÊUTICA

As muitas e significativas conquistas em favor dos direitos da pessoa humana impõem cada vez mais rigor em relação aos critérios de aplicação das normas jurídicas, não sendo mais aceitável que os interesses de um grupo social se sobressaia em detrimento dos de outro, nem que a justiça com as próprias mãos seja utilizada como mecanismo de sanção jurídica. Essa transformação, que se consolidou com a evolução da sociedade e com o aprofundamento teórico do mundo do Direito, acabou por dar destaque à tarefa de interpretação do aplicador das normas jurídicas, por sempre se cobrar que as soluções dos conflitos sejam as mais justas e adequadas.

Tal tarefa tem sua dificuldade intensificada em razão da natureza genérica e abstrata de suas normas, que acaba por deixar lacunas que precisam ser preenchidas para um posicionamento jurisdicional no caso concreto, o qual deve, ao mesmo tempo, ser adequado à realidade social e respeitar os direitos inalienáveis do homem.

Se no Direito arcaico as lacunas eram preenchidas pelas crenças e pelo respeito ao sobrenatural, justamente pela falta de outro tipo de resposta, o preenchimento das lacunas do Direito moderno se processa por meio da integração do direito, que se dá através da interpretação e da adequação de elementos oferecidos pela própria legislação, pelos costumes ou pelos princípios gerais do direito, com o objetivo de aplicar a lei a um caso concreto para o qual não houve previsão expressa do legislador.

Essa necessidade de se encontrar solução também para os casos não previstos legalmente é justificada pelo princípio da inafastabilidade jurisdicional, isto é, uma vez provocada, a jurisdição é obrigada a apresentar uma solução para a causa recebida, não sendo possível deixar de fazê-lo alegando a inexistência de previsão legal para o fato específico.

Ao contrário do que se possa imaginar, não só nas normas lacunosas e imperfeitas atua o intérprete, mas também naquelas que não deixam dúvidas quanto ao seu sentido e alcance, como ensina Maximiliano (2010, p.32):

“Sem dúvida, quando a frase não é precisa, lúcida, escorreita, aumenta a necessidade de exegese, e aí brilha em todo o fulgor o talento do hermeneuta; porém a parte mais nobre e mais fecunda de sua arte de investigar é a que examina as leis não defeituosas (não obscuras, nem ambíguas), estuda as normas em conjunto, na variedade de suas relações e na riqueza de seus desenvolvimentos. É sobretudo com as regras positivas bem feitas que o intérprete desempenha o seu grande papel de renovador consciente, adaptador das fórmulas vetustas às contingências da hora presente, com apreçar e utilizar todos os valores jurídico-sociais […]”.

Nesse ínterim, interpretar consiste em ir além da compreensão gramatical de um texto ou de um discurso para se conhecer as intenções e os objetivos do autor e, só então, trazê-los para a apreciação do caso a ser decidido, como se depreende das palavras do douto doutrinador (MAXIMILIANO, 2010, p. 1):

“É tarefa primordial do executor a pesquisa da relação entre o texto abstrato e o caso concreto, entre a norma jurídica e o fato social, isto é, aplicar o Direito. Para o conseguir se faz mister um trabalho preliminar: descobrir e fixar o sentido verdadeiro da regra positiva; e, logo depois, o respectivo alcance, a sua extensão”.

Na realização de tal tarefa, o intérprete faz escolhas comunicativas dentre as possibilidades postas pelo discurso, jogando com a semântica e com a sintaxe da língua. Para Ferraz Jr. (2007, p. 261) essa interpretação está longe de ser a usada comumente no cotidiano das pessoas, pois nesse contexto o que se faz é decodificar uma mensagem, a partir de conhecimentos e impressões que se tem, extraindo-se um sentido que será usado para orientar as próprias reações e ações de quem realizou a decodificação.

Na verdade, está-se falando da interpretação jurídica, que é bem mais complexa que a interpretação comum, sendo aquela uma ferramenta para se alcançar o “sentido válido” de um texto normativo, traduzindo-o num “dever-ser” para o modo de agir em sociedade, extraído a partir da identificação das razões que lhe atribuem autoridade e poder de imposição. Para que isso ocorra, segundo Paulo Nader (2009, 261), o magistrado, além de conhecer os fatos, precisa conhecer o Direito, para revelar o sentido e o alcance das normas aplicáveis. O doutrinador ainda ensina que interpretar o Direito é uma atividade que tem por escopo levar ao espírito o conhecimento pleno das expressões normativas, a fim de aplicá-las às relações sociais (NADER, 2009, p. 263).

Sobre as formas de interpretação, numa perspectiva dworkiniana, Reis Junior (2011) apresenta a seguinte classificação: a conversacional, a científica e a criativa. A primeira foca a análise dos sons ou de signos gráficos emitidos por uma pessoa para que se descubra seu significado; a segunda dá ênfase na descrição do princípio da causalidade nos eventos naturais; e, a última, se propõe à análise de um objeto, não sendo adstrita à elucidação da vontade do autor do objeto interpretado, mas deve ela mesma pôr em prática uma intenção, qual seja, a do intérprete. Na sequencia, o mesmo autor aponta que esta interpretação criativa tem proximidade com o que Gadamer conceitua como fusão de horizontes, na qual o significado de um texto seria o resultado da experiência dialógica ocorrida quando há a fusão entre o horizonte de significados do intérprete e o horizonte em que está situado o próprio texto. Assim, na compreensão do texto estariam intrínsecos os pensamentos próprios do intérprete.

É nesse contexto que se insere a Hermenêutica Jurídica, teoria científica que tem por objeto, não a interpretação em si, mas o estudo e a sistematização dos processos aplicáveis para determinar o sentido e o alcance das expressões do Direito (MAXIMILIANO, 2010, p.1). Na interpretação, aplicam-se os princípios fixados pela hermenêutica por meio de técnicas que lhes são próprias, as quais estão estruturadas em métodos e em tipos de interpretação.

Os métodos são regras que orientam para a resolução de problemas de ordem sintática, semântica e pragmática na análise da norma, a partir dos critérios básicos de coerência (hierarquia normativa), consenso (respaldo social) e justiça (caráter axiológico do direito), para o uso no momento da decisão dos conflitos. Os tipos hermenêuticos, por seu turno, relacionam-se com as opções de decodificação dos signos lingüísticos, mais ou menos rigorosa do texto normativo, resultando numa interpretação especificadora (declara o sentido literal da norma), restritiva (reduz o sentido da norma) ou extensiva (amplia o sentido da norma).

Há duas correntes na hermenêutica. A chamada hermenêutica clássica é norteada pela precisão cientificista e avessa a questões mais subjetivas ou metafísicas, defendendo-se as decisões judiciais neutras e objetivas, como se fosse possível separa o Direito dos outros aspectos que envolvem a sociedade (política e moral, por exemplo). Com outro enfoque, sem abandonar os métodos clássicos, está a denominada hermenêutica contemporânea que traz métodos de interpretação que ressaltam o papel criativo do intérprete, como: os princípios da unidade, efeito integrador, máxima efetividade e força normativa  (REIS JUNIOR, 2011).

A visão moderna da Hermenêutica permite que se coloque à disposição do intérprete o arcabouço técnico e a liberdade criativa para, de forma harmoniosa, viabilizar sua incursão nas investigações do mundo normativo, com o fim maior de fixar o sentido e o alcance das normas em prol do bem comum, daquilo que é justo. No dizer de Maximiliano (2010, p.5), O direito precisa transformar-se em realidade eficiente, no interesse coletivo e também no individual.

Assim, entende-se que, seja para preencher as lacunas da lei, seja para examinar as leis não ambíguas e não defeituosas, a interpretação é atividade indispensável na resolução jurídica dos conflitos. Também, que a hermenêutica dá ao intérprete o aparato teórico necessário para se extrair do texto normativo idealizado pelo legislador (verdade ideal), o seu dever-ser, traduzindo-o para a verdade real, que é a da decisão justa no caso concreto, dando-lhe, de forma racional e técnica, um significado efetivo e unificado (FERRAZ JR., 2007, p. 287-288).

Pelo exposto fica clara a diferença e, ao mesmo tempo, a relação existente entre interpretação e hermenêutica. Pois, se elas se separam enquanto essência, sendo aquela a ação e esta a ciência, elas se aproximam no papel imprescindível que tem na árdua tarefa de aplicação do Direito.

2 CONSIDERAÇÕES FINAIS

É inegável a importância de se conhecer as origens da aplicação do direito para se entender toda a evolução que se sucedeu do domínio da escrita até os dias atuais. Todavia, o ponto mais significativo é perceber que o homem, por menos desenvolvido que fosse àquela época, de alguma forma buscava instituir uma ordem social, através de um controle de condutas coercitivo, com sanções definidas e direcionadas de acordo com o valor que as transgressões representassem para o grupo. Tudo isso com o intuito maior de resguardar a boa convivência entre os homens em prol da sobrevivência do coletivo.

Os povos arcaicos, apesar de não dominarem a escrita ou qualquer tipo de conhecimento científico, desenvolveram um direito próprio que se manifestava pela reprodução constante de procedimentos ritualísticos, não podendo ser considerado arbitrário, posto que suas regras e suas sanções eram fundamentadas na aceitação do grupo social e consolidadas por sua repetição através dos tempos. 

A sociedade moderna, por sua vez, pela evolução constatada rumo à valorização da pessoa humana e de seus direitos, progrediu também na consolidação do regramento das relações sociais, com um ordenamento jurídico cada vez mais abrangente.

Por seu turno, para que se dê conta das imensuráveis situações a que se está exposto em sociedade, principalmente quando há conflitos de interesse, o aplicador do Direito carece da análise e interpretação das normas postas para se posicionar diante da realidade que lhe é trazida em litígio. Nesse momento, a hermenêutica surge como o apoio sólido na busca pelo mais adequado e justo posicionamento, fim último de sua atuação.

Depreende-se que a junção da aplicação do Direito com interpretação e Hermenêutica vai ao encontro daquilo que se espera da atuação contemporânea do aplicador do Direito, uma atividade criativa na interação entre texto e realidade na produção do Direito. Assim, seu papel torna-se, cada vez mais imprescindível na concretização da justiça.

 

Referências
FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 5.ed. São Paulo: Atlas, 2007.
GAVAZZONI, Aluisio. História do direito: dos sumérios até a nossa era.  2.ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2002.
GLISSEN, Jonh. Introdução histórica ao direito. 2.ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 1995.
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do Direito. 19.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010.
NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. 31.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009.
______. Filosofia do Direito. 17.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009.
REIS JÚNIOR, Ari Timóteo dos. Hermenêutica e aplicação do Direito. Breves apontamentos sobre a interpretação jurídica no paradigma contemporâneo. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2794, 24 fev. 2011. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/18553>. Acesso em: 14 ago. 2011.
WOLKMER, Antônio Carlos (org.). Fundamentos de história de direito. 3.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2006.
 
Nota:
[1] Trabalho orientado pela Profa. Valéria Maria Lacerda Rocha. Mestre em Direito Constitucional, Professora da UERN.


Informações Sobre o Autor

Luciana Maria de Medeiros

Acadêmica do Curso de Direito da UERN/CAN. Graduada em Letras (2007) e Especialista em Gestão da Qualidade de Vida e Saúde no Trabalho (2008) pela UFRN. Servidora Técnica Efetiva do MPRN


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