Quantos juízes deverão morrer?

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Lê-se
nos jornais de 26 de março o noticiário correspondente ao velório do juiz
Alexandre Martins de Castro Filho, assassinado em Vitória, Espírito Santo, logo
após o homicídio praticado contra outro eminente juiz, em Presidente Prudente,
neste Estado de São Paulo. As duas tragédias sugerem reflexões angustiantes. Na
verdade, há meio século não se praticava homicídio contra magistrados. Diga-se
quase o mesmo em relação a promotores de justiça. Havia uma certa proteção
mística rodeando tais autoridades. Cercavam-se de respeito, até pouco tempo
atrás, magistrados, membros do Ministério Público e policiais do mundo inteiro.
Os marginais sabiam, por verdade sabida, que o assassínio de integrantes dessas
categorias despertaria grande onda de repressão, prejudicando, no mínimo, os
negócios. Assim, não fosse por medo, poupar-se-iam os criminosos de atos
assemelhados, valendo, então, os denominados interesses de mercado. 

Não
aprendi tais lições em livros de Direito. A experiência ensina. Aprendem-se,
também, outros itens extravagantes, constantes das não escritas cartilhas
profissionais. Cada qual tem a sua versão. Por exemplo: os bombeiros não
querem, não esperam e não admitem chamuscamento ou morte em incêndios, mas
podem queimar-se; técnicos em laboratórios de análises se precavêm contra
picadas de agulhas infectadas, mas um descuido qualquer pode levá-los a
contágio; pilotos de aviões comerciais têm confiança nos instrumentos de vôo,
mas um indicador defeituoso, ou falha de cálculo, pode conduzi-los a caminho sem
volta na floresta amazônica. A vida é assim. Um descuido leva à destruição,
naquilo que se incrusta no desvario da fatalidade.

A
sobrevivência em quase meio século de advocacia criminal permite a catalogação
de hipóteses não muito edificantes de riscos afins. Lembro-me de um homem que
fiz condenar no júri, vinte anos atrás, por homicídio praticado contra um bom
cidadão. A família me contratara para pôr o assassino no manicômio. Ele disse
baixinho, ao ouvir a sentença: “– Quando eu sair, eu te mato”. Esqueci
o gajo. Está por aí, em camisa de força, ou solto, ou morto. Nem por isso
procurei permissão especial para usar pistola privativa das Forças Armadas.
Aquilo deve pesar uns cinco quilos, balança artificialmente nos quadris, exige
habilidade especial para o saque e, se usada por gente como nós, acaba
disparando no próprio pé. Não dá certo. Além disso, a rotina diária levaria,
breve, ao descuido das precauções. Ficaria o revólver na gaveta, para horror da
mulher ou da empregada, pois um magistrado volta para buscar o celular, mas não
retorna por deixar, à cintura, o coldre vazio.

Os
dois trágicos e sofridos incidentes deixam nas bocas um travo de fel. Vêm
providências enérgicas. Políticos de ocasião sobem nos ataúdes e obtêm mais
alguns votos, pois o povo pede vingança e proteção. Parte-se para o confronto
com as sombras projetadas atrás dos umbrais das favelas de papelão. É isso
tudo, mas não é nada disso. É quota-parte de um todo representado pela miséria,
pelo descuido, pela infância desnutrida, pelo desprezo votado ao cumprimento da
lei, pela inconsciência, enfim, dos deveres impostos a todos, independentemente
do uso dos farrapos do carroceiro, da toga do juiz, da beca do advogado ou do
jaleco de um médico. No meio da baderna, infecta-se o sistema de saúde,
enterram-se dois bons magistrados, mata-se o advogado, trucidam-se, enfim,
montes de bandidos (eles também são mortos, aos magotes, como gado indo ao
matadouro). Lamente-se o passamento dos magistrados. Eram jovens. Acreditavam
na justiça. Faziam um trabalho perigoso. Cuidavam de um sistema prisional
apodrecido pelo descaso. O bandido habitual é bicho desvairado. Melhor sorte
não tem o tratador de animais de circo. Estes escutam o som da chibata e se
comportam. Um dia a casa cai. O leão devora o tratador, o tigre mastiga o
empresário, a hiena casquina sob a lona que encobre as grades. No diapasão, não
há muito a fazer. O cumprimento estrito da lei ajuda. Todo ser humano, dizem os
mais antigos, tem uma luz vermelha piscando em algum lugar da consciência. Ela
avisa. Ou apaga. Enquanto intermitente, sugere a tratador, a dono do circo e ao
homem do chicote que animal selvagem, mesmo domesticado, precisa comer alimento
que não apodreça logo, defecar em areia limpa de vermes, respirar um pouco de
ar puro e cobrir as fêmeas ocasionalmente. Em suma, pratica-se com a fera
urrante aquilo que consta do manual, que pode ter outro nome (Lei de Execução
Penal, por exemplo). Procede-se assim universalmente, em se cuidando de animais
inferiores. Há alternativas, certamente: seres intratáveis são sacrificados, se
impossível o tratamento regulamentar. Isso, em linguagem metafórica, pede
consenso entre criminólogos e veterinários. A eficácia será maior, livrando-nos
de carcereiros fantasiados de membros do parlamento.


Informações Sobre o Autor

Paulo Sérgio Leite Fernandes

Advogado criminalista em São Paulo e presidente, no Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, da Comissão Nacional de Defesa das Prerrogativas do Advogado.


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